Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27390: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (3): estive sempre no "gastalho", em guerra comigo e contra o IN

1. Com a devida vénia e autorização do autor, Jaime Bonifácio Marques da Silva (antigo alf mil pqdt, 1º CCP / BCP 21, Angola, 1970/72, conterrâneo do nosso editor LG; membro da Tabanca Tabanca desde 21/1/2024, com c. 120 referências no nosso blogue), passamos a criar uma nova série "Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci..."

É natural de Seixal, Lourinhã. Foi condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3* Classe. Foi professor de educação física e autarca em Fafe. Está reformado. É sócio de várias associações de antigos combatentes, incluindo a AVECO - A
ssociação de Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhá,  e a Associação de Pára-Quedistas da Ordem dos Grifos63,com sede em Vila Nova da Barquinha.

Este é o terceiro poste da série (que terá 15 postes, correspondentes a excertos das pp. 75-98 do seu livro, Capítulo Dois):

Fonte: Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 83-84.



Quem foi obrigado a fazer a guerra, 
não a esquece: eu não esqueci (3):
estive sempre no "gastalho", em guerra comigo e contra o IN 

por Jaime Silva


Jaime Silva (2013). Foto: LG

Eu não esqueço que, a partir do primeiro dia da minha entrada na guerra, até 30 de julho de 1972, estive sempre no “gastalho” - em guerra comigo e contra o inimigo. E nunca mais a esqueci...

Combati nas matas dos Dembos, no Norte e nas “chanas” do “Cú de Judas” (#), no Leste de Angola, ao comando do 3º pelotão, da 1ª CCP do BCP 21 (1ª Companhia do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 21) e, sempre com um objetivo de “fazer a guerra” sem que nenhum dos (meus) camaradas, sobre os quais tinha a responsabilidade de comandar, tombassem ou ficassem estropiados. Não o consegui: ficou lá uma perna e um morto! Penalizo-me, ainda hoje, por não o ter conseguido evitar!

Iniciei a rotina da guerra a 2 de março de 1970, pelas 06 horas da manhã, quando embarquei na BA3, em Luanda, num avião Nord Atlas e marchei para Ninda, o Leste, as terras do Cú de Judas, para me integrar na 1ª CCP. Uma vez chegado lá, até 18 de abril, integrei-me na atividade operacional da Companhia, sendo transportado para as operações, em helicópteros da África do Sul, pintados com as cores da bandeira de Portugal.

A partir dessa data, comecei a ter perfeita consciência de que,  ao iniciar o meu percurso no serviço militar obrigatório, tal como todos os jovens portugueses, na mesma circunstância, não representava mais do que uma ínfima gota, descartável para o sistema. Estava no meio da engrenagem trituradora da organização militar da guerra.

Apercebi-me que, no cenário da guerra, uma viatura militar tinha mais valor do que um homem, porque este, uma vez morto ou ferido, poderia ser imediatamente substituído por outro homem, enquanto as viaturas ou as peças para as reparar demoravam um tempo infinito e, muito vezes, nem sequer chegavam, para desespero dos Comandantes de Companhia do Exército sediadas no Norte e Leste.

Foi uma experiência atroz, a guerra!… Isto, sobretudo, porque regia a minha vida por princípios humanistas e cristãos, fundamentados no respeito pelos outros. Apontar a matar, para que eu próprio e os meus camaradas não morressem, foi uma experiência brutal.

_______________

Nota do autor:

(#) "Cu de Judas" era o nome atribuído pelos militares a esta região inóspita do Leste de Angola, que conheci muito bem. A expressão inspirou o escritor António Lobo Antunes, para título do seu conhecido livro, "Os Cus de Judas". Este autor cumpriu uma comissão de serviço nesta região como alferes miliciano, médico, integrado numa companhia do exército comandada pelo capitão Melo Antunes. Participei em operações militares conjuntas com estes na região de Ninda e Chiume junto ao rio Cubango

________________

Nota do editor LG:

Último poste da série> 31 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27369: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (2): perante a hipótese Comandos, decido pelos Paraquedistas

Sem comentários: