Queridos amigos,
Vale a pena ler a publicação da Agência Geral das Colónias referentes à viagem do engenheiro Ruy de Sá Carneiro, Subsecretário de Estado das Colónias à Guiné, chegou a Bissau em 27 de janeiro e regressou em 24 de fevereiro, andou numa dobadoira, Sarmento Rodrigues não lhe deu descanso, logo no dia seguinte começou a fazer inaugurações em Bissau, no Bairro de Santa Luzia e das instalações de abastecimento de água à cidade; no dia seguinte acompanhou os trabalhos da barragem de Picle, depois visitas a obras, a escolas, a hospitais, andou por Mansoa, Canchungo, Cacheu, Barro, S. Domingos, Suzana e Varela, Farim e Bafatá, Gabu, Fá, Bambadinca e Xitole, Porto Gole, Fulacunda e Catió, Guileje, Bolama, Bubaque, missões geohidrográfia e geológica... Era o espelho de uma dinâmica imprimida por aquele governador que chegara em 1945 e que logo anunciara vir por pouco tempo e ter muitas coisas para fazer, primeiro acabar as obras que vinham do passado, trazia um enorme entusiasmo para inaugurar muitas outras coisas, o que de facto aconteceu.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1947 (60)
Mário Beja Santos
1947 é um ano marcado pela visita do Subsecretário de Estado das Colónias, Engenheiro Ruy de Sá Carneiro, chega a Bissau em 27 de janeiro, tem à sua espera um programa trepidante, dão-se só alguns exemplos: inauguração do Bairro de Santa Luzia, para indígenas; visita aos trabalhos de aproveitamento agrícola na barragem de Picle, visita ao Asilo de Bor, visita ao Forte de Cacheu, festa dos Felupes em Suzana, grande desfile de indígenas em Bafatá, visita à serração de Fá, aos novos edifícios e obras em curso em Porto Gole, inauguração do Palácio do Governo em Bolama, depois de reconstruído… isto é só uma amostra.
Mas vamos pôr o foco em Sarmento Rodrigues, continua a trabalhar a um ritmo acelerado. A agricultura está manifestamente no topo das suas preocupações, mas quer reforçar a malha administrativa, exibir as potencialidades que a colónia oferece, são remodelados os serviços geográficos e cadastrais, melhorados os serviços da estatística, decorre uma exposição em Bissau, dão-se amnistias que são concedidas em homenagem às comemorações do quinto centenário da descoberta da Guiné. Vejamos agora a legislação.
No Suplemento ao n.º 4, Boletim Oficial n.º 5, de 27 de janeiro, publica-se uma Portaria de Marcello Caetano, as armas, bandeira e selo da cidade de Bissau:
Armas – em campo de prata, uma torre de vermelho, aberta e iluminada do mesmo esmalte, entre duas cabeças de negro toucadas também de vermelho. Coroa mural de ouro de cinco torres. Listel branco com os dizeres – Cidade de Bissau.
Bandeira – esquartelada de vermelho e de negro. Cordões e borlas de vermelho e de negro. Haste e lança douradas.
Selo – circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, entre duas circunferências concêntricas os dizeres: Câmara Municipal de Bissau.
A modernização também se irá refletir no Código da Estrada da Guiné Portuguesa, consta do Suplemento ao n.º 23, no Boletim Oficial n.º 17, de 14 de junho, não deixa de ser uma curiosidade no artigo 29: “Nenhuma viatura de tracção animal pode circular ou estacionar na via pública desde o anoitecer ao amanhecer, sem que tenha acesa uma luz branca, pelo menos, na frente do lado esquerdo. Nos carros de bois poderá a lanterna ser conduzida na mão do respectivo carreiro. Quando os veículos formarem comboio, o primeiro veículo deve ter, pelo menos, uma luz na frente e o último uma luz vermelha na retaguarda.”
São reiterados os diplomas sobre o pagamento de pensões aos funcionários aposentados, os proventos da Segunda Guerra Mundial permitem agora abrir os cordões à bolsa. Das palavras que irá enviar ao Jornal da Marinha Mercante, número que ia ser publicado em 15 de dezembro de 1946, Sarmento Rodrigues alude ao comportamento da Guiné com a metrópole, mais propriamente de Portugal, durante o conflito mundial: “Abundantes fornecimentos de oleaginosas evitaram danos que não é fácil avaliar; arroz em apreciáveis quantidades foi enviado para Cabo Verde, Madeira e Açores e até para a própria metrópole; metade da borracha que em Portugal se consumiu, durante esse período de dificuldades, foi a Guiné que a remeteu; e até açúcar, que a Colónia não produz, pôde ser devolvido para Portugal, mercê das economias que se produziram fazer.”
Chega o Subsecretário de Estado das Colónias, tem logo uma tirada de exaltação nacionalista: “Eu espero ver, nesta Guiné fabulosa, dos primeiros aos últimos colonizadores, os representantes da flor dos obreiros que através desse Mundo esculpiram o nome português nas estrelas e nos mares, nas pontes finas das terras e nas bocas largas dos rios, nas altas montanhas e nos baixos traiçoeiros, nas pessoas e nas coisas.” O governador está animado de uma esforçada fadiga de fazer, fazer depressa, mas sólido e honrado. Como dirá, dirigindo-se aos Papéis de Biombo, em Picle, a 29 de janeiro:
“A gente que hoje não tem vista capaz de alcançar o fim das bolanhas cheias de arroz; a gente que tem nas suas moranças os telhados cobertos de espigas a secar e nos quartos os celeiros atulhados; a gente que rodeia as tabancas com altos cercados com belas plantações de mandioca; os que tiveram campos de milho e batata doce, os que têm manadas de vacas e porcos de cortelho e galinhas nos pátios – são os mesmos que no ano passado passavam fome, porque as bolanhas eram lalas e os cercados eram palha; e por isso, em vez de arroz comeram os frutos do tarrafe, cozidos vinte vezes, como aqui me disseram.”
Fazer e fazer depressa. No Suplemento ao n.º 29 do Boletim Oficial n.º 22, de 21 de julho, temos a publicação da Portaria n.º 50, a criação do Asilo de Bissau, destinado a receber mendigos inválidos, de ambos os sexos, que não tenham paredes para prover ao seu abrigo e sustento. Atenda-se à filosofia do diploma: embora o asilo se destine principalmente aos indígenas, poderá, em casos excecionais, albergar qualquer civilizado que se encontre em extrema necessidade; o asilo começará por receber os homens velhos, devendo, à medida que as suas instalações e rendimentos aumentem, promover o abrigo de todos os mendigos, de ambos os sexos; os fundos do asilo serão os provenientes dos donativos públicos e dos subsídios concedidos pelo Governo da Colónia, câmaras municipais, administrações das circunscrições e outros organismos; a assistência sanitária será prestada gratuitamente pelos serviços de saúde.
No Boletim Oficial n.º 30, de 28 de julho, é louvado o Administrador de Circunscrição Fernando Rogado Quintino “pela muita dedicação, competência e extraordinária atividade que tem demonstrado no desempenho do seu cargo, levando a efeito, com zelo incansável empreendimentos notáveis onde sobressaem – além das obras das enfermarias, residências, postos sanitários, pontões, fontes e outras - a construção da nova ponte de Mansoa, com nova estrada e aterros, e a ponte metálica de Bissorã”. Nesse mesmo dia é também louvado o 2.º Tenente Avelino Teixeira da Mota “pelos serviços extraordinários e importantes efetuados com os incansáveis e aturados estudos, trabalhos de campo e colheita de elementos para a elaboração da nova carta geográfica e etnográfica da Guiné Portuguesa”. Mas há aqui um outro aspeto que prende a atenção. O chefe da missão do estudo e combate da doença do sono tinha considerado atacados de tripanossomíase um conjunto de indígenas de Bolama e da ilha das Galinhas, e por isso o governador isentava-os de pagamento de imposto de palhota ou capitação e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que estejam sujeitos.
Por último, e numa outra dimensão das preocupações deste governador temos no Boletim Oficial n.º 31, de 4 de agosto uma portaria referente ao plano de urbanização da praia Varela, tinham sido abertas as novas ruas e plantadas muitas dezenas de milhares de árvores, em matas e pomares, edificado um posto sanitário, feita a captação de água e iniciada a construção da central elétrica e da torre de água, e então escreve-se: “É tempo de se considerar uma realidade a tentativa de criação de uma estância de repouso e de lhe dar todo o seguimento que as finanças permitam e as necessidades aconselhem, a fim de que os funcionários e particulares possam o mais cedo possível gozar-lhe os benefícios. Para estes últimos está reservada uma grande área residencial onde poderão desde já escolher os seus talhões e fazer as vivendas. Para os funcionários impõe-se ir gradualmente edificando por conta do orçamento geral da colónia e também pelos das circunscrições. O Governo está fazendo e continuará a fazer novas obras. Às circunscrições assiste o dever de contribuir levantando à sua custa casas que são suas.”
No final da sua viagem à Guiné, o Engenheiro Ruy de Sá Carneiro escreverá que tal digressão lhe permitira constatar o nacionalismo vibrante das populações e tomar contacto com os primeiros resultados das medidas de grande vulto que se estavam a empreender.
Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Carta da Guiné de 1933
O porto de Bissau em tempos recentes
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)






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