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domingo, 2 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27379: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte I: um grande evento social e político



Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor Moçambique, com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935), entre os quais se contaria Ruy Cinatti (1915-1986), engenheiro agrónomo, poeta, antropólogo que iria mais tarde estabelecer uma relação especial com Timor. Era amigo do nosso camarada Beja Santos.

O N/M Moçambique esteve ao serviço da Companhia Nacional de Navegação (CNN), entre 1912 e 1939; com mais de 5700 toneladas, 122 m de comprimento e 133 tripulantes fazia a carreira da África Oriental; seria desmantelado em 1939.).


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > "Guarda do Palácio do Governador. Foto de Manuel Emídio da Silva, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935).



Angola > Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa (no Caxito a 60 km a norte de Luanda), no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente  ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935). Foto da autoria de Sam Payo.

Fonte: O Mundo Português, Vol II, nºs 21-22, Setembro-Outubro de 1935 (Exemplar pessoal de Mário Beja Santos; digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Guiné > Zona Leste > Bafatá > c. 1931 > "Jangada no Rio Geba. Passagem entre Bafatá e Contuboel"... Imagem reproduzida em "O Missionário Católico, Boletim mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses, Ano VIII, n.º 81, Abril de 1931, p. 169 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).


Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 4 de outubro de 1935),  de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano -  Parte I


1. 
 Diz o António Rosinha, em comentário ao poste p27363 (*);

"Uma coisa penso que o Alberto Branquinho se esquece: é  que Caetano foi ministro das colónias, com visita prolongada às colónias. e tinha ideias bem claras, e opostas ao pensamento de Salazar, mas em 1968 já tudo estava nas mãos de Spínola e dos capitães. Caetano já não tinha as ideias de Salazar desde que foi ministro das colónias , está na Internet à mão de todos."

Rosinha: sei que és um leitor apaixonado da história do nosso país, e atento ao que se escreve e se publica sobre o período do Estado Novo e em especial sobre a colonização e a descolonização da "menina dos teus olhos", que era/é  Angola... (Descolonização que foi, estamos os dois de acordo, uma tragédia imensa, para todos; a história poderia ter sido escrita de outra maneira.)

Claro que entre Salazar e o seu sucessor político havia diferenças substanciais na maneira de ser, pensar, estar e fazer... Substanciais mas não antagónicas..."A solução na continuidade" acabou por nos levar a um beco sem saída, com o regime alienando o apoio (que era vital) das Forças Armadas.

Tenho dúvidas sobre o que dizes, que Marcelo Caetano "conhecia bem o ultramar"... 

Seguramente que conhecia melhor que o Salazar que nunca sujou as botas com a terra vermelha de África,  nunca lá foi, de resto, mal saía de São Bento, era um homem que sofria de claustrofobia social.  (Foi a Espanha, não foi comprar caramelos como qualquer português na época da "pesetita", foi  a 1ª vez encontrar-se secretamente com Franco, em 10 de fevereiro de 1942. par ter a garantia de que o homem não tinha intenções de "engolir" o pequeno Portugal e o seu grande império.)

 Muito antes de ser de comissário nacional da Mocidade Portugues (1940/44) e ,a seguir, a ministro das Colónias (1944/47), Marcelo Caetano já era uma "vedeta" do Estado Novo, um dos seus brilhantes "intelectuais orgânicos". Licenciado em direito, em 1927, será o primeiro doutorado (em ciências político-económicas), em 1931, pela Faculdade de Direito de Lisboa.

Oriundo da extrema-direita (católico, monárquico, integralista lusitano), foi um dos apoiantes da Ditadura Militar e depois do Estado Novo.  Participaria na redacção do Estatuto do Trabalho Nacional e da Constituição de 1933. E chegaria rapidamente a número 2 do regime, até que as suas relações com Salazar esfriaram logo em 1947 e depois em  1958. Ironicamente, será escolhido pela extrema-direita do regime (na pessoa do então presidente da República, Américo Thomaz), para suceder, em 1968, a Salazar. 

Em relação a Salazar,  o Caetano tinha a vantagem de "conhecer bem o  Ultramar". Conhecer ? Bom, foi pela primeira vez  à Guiné, por exemplo,  como "turista", em agosto de 1935, e depois em 1969, em 14 de abril, como presidente do Governo, alás, espantosamente, a primeira visita de um chefe de governo ao ultramar, e para mais oito anos depois do início da guerra. (**)

De facto, em 10 de agosto de 1935, vemo-lo partir, de Lisboa, no 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, a bordo do paquete Moçambique, com cerca de 200 (3e náo 250, como estava previsto...) excursionistas, uma boa parte estudantes. Ia fazer 29 anos no dia 19. Houve, por certo, grande festa a bordo.

A iniciativa partiu da revista "O Mundo Português", tendo juntado cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comerciantes" (incluindo famílias dos estudantes)... Embora subsidiado pelo Governo, com 150 contos, havia 3 classes de passageiros (e respetivos precários; veremos em próximo poste mais alguns aspetos da viagem, que não foi um mar de rosas, até por que o "Moçambique" era velho navio, ronceiro, a vapor!)

O cruzeiro teve claramente um propósito de propaganda colonial, a mobilização dos jovens portugueses para o Império colonial, enfim, um “banho de portuguesismo” (sic).

O cruzeiro foi organizado pela revista "O Mundo Português" ( propriedade da  Agência Geral das Colónias e  da SPN - Sociedade de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro, esta última criada em 1933 e que, em 1945, passaria  a chamar-se SNI - Secretariado Nacional de Informação).

Marcelo Caetano (1906-1980), então já professor universitário, conceituado especialista em direito administrativo, ficou encarregue  da parte cultural do cruzeiro, com “preleções, conferências e palestras” durante a viagem. (O que deve ter sido uma grande 'seca' para os putos.)

O navio visitou as colónias portuguesas da África Ocidental ou “Ocidente”: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola. Aproveitou-se as férias escolares. O cruzeiro terminou a 4 de outubro de 1935. Quatro anos depois a Europa (e a seguir o Mundo) estaria em guerra. Impossível repetir aquele cruzeiro.

No arquivo biográfico de Marcello Caetano, na Torres do Tombo, consta que a colecção “6.ª Colecção/Série – Cruzeiro de férias às Colónias (1935-Agosto)” se refere à documentação produzida no âmbito do cruzeiro. 

(Continua)

2.  Marcelo Caetano (Lisboa, 1906-Rio de Janeiro, 1980): nota biográfica sobre

(...) "Marcelo José das Neves Alves Caetano nasceu em Lisboa, em 17 de Agosto de 1906, filho de José Maria Alves Caetano e de Josefa Maria das Neves Caetano. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, em 13 de Julho de 1927, com a informação final de Muito Bom, com 18 valores.

"Exerceu funções de oficial do Registo Civil, em Óbidos, colaborando, em simultâneo, em vários periódicos e revistas científicas e de especialidade. A convite de António de Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, tomou posse como auditor jurídico do mesmo ministério, em 13 de Novembro de 1929, declarando, no entanto, por ocasião do convite, o seu objectivo de seguir a carreira docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

"Com esse fim, doutorou-se em 17 de Junho de 1931, com a dissertação "Depreciação da moeda depois da guerra", e, em Agosto de 1932, concorreu a uma vaga de professor auxiliar "do terceiro grupo da Faculdade de Direito (Ciências Políticas)", com a dissertação "Do poder disciplinar no Direito Administrativo Português", tendo sido aprovado por unanimidade e tomado posse do respectivo lugar em 12 de Julho de 1933.

"No ano lectivo de 1938-1939 é já apresentado, no Anuário da Universidade de Lisboa, como professor catedrático contratado, sendo simplesmente apresentado como professor catedrático no anuário para o ano lectivo de 1940-1941.

"Ao longo da sua carreira docente leccionou as cadeiras de Direito Administrativo, Administração Colonial, Direito Internacional Público, Direito Corporativo, Economia Política, Direito Penal e Direito Constitucional, publicando uma vasta obra com vertentes jurídica, histórica e de intervenção sociopolítica.

"Foi reitor da Universidade de Lisboa, de 20 de Janeiro de 1959 a 12 Abril de 1962 (cargo de que se demitiu por divergências com o Ministro da Educação, na sequência de oscilações de atitude do Governo perante as manifestações estudantis de Abril de 1962, em Lisboa)." (...)


Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo > Arquivo Marcello Caetano. ara saber mais clicar aqui.
 
________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 29 de outubro de 2025  > Guiné 61/74 - P27363: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21,Angola, 1970/72) (1): A minha (im)possibilidade de desertar

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Tenho dúvidas sobre o que dizes, que Marcelo Caetano "conhecia bem o ultramar"...

Luis Graça, De facto ninguém conhecia o Ultramar africano, no que diz respeito a governantes portugueses, desde ministros, caso de Marcelo que até foi ministro das colónias, ate governadores gerais, que faziam papel de mangas de alpaca em comissões de 4 anos.

Até ao Estado Novo não nos entendiamos aqui no retângulo, como depreciativamente chamavam â metrópole os estudantes do império, quanto mais sabermos navegar de jangada no Geba, no Quanza ou no Zambeze.

Mas tenho uma ideia que criei em Angola com colonialistas que gostavam dos inimigos do Salazar, e que admiravam as ideias de Henrique Galvão, Norton de Matos, e até o Marcelo e outros turistas, por exemplo, e com estudantes do império, e seus pais, que conheci muitos e trabalhei com vários,

Essa ideia, que fui acreditando, e mais tarde acreditei ser verdade, Salazar aguentou-se "até cair da cadeira", porque em 1961 deu um grito, para Angola em força.

Mas esses colonialistas, e entre eles imensos militares, continuavam a acusar Salazar que ele não os deixava desenvolver (no caso), Angola, nossa terra riquiiiiíssima!

Só que Salazar não conhecendo África, e nem gostava de África, maldita herança, mas como ninguém, ele sabia ou adivinhava que quanto mais investisse maior seria o transtorno.

E viajar de jangada, era bom, fabulosa aquela foto da jangada de bafatá até Contubuel, lembrei-me do Governador refastelado em Bolama, conheci muitos jangadeiros em Angola, sempre sem pressa, como Salazar gostaria "se visse" ao vivo, mas invisível, os turistas a passearem-se de fato e gravata nas aguas cristalinas do Gega, e nas picadas de Angola.

Em 1961, em milhares de quilómetros, havia 60 klm de asfalto, imagine-se em 1935.

Salazar não levava o império a sério, nem sequer as ilhas adjacentes.

Pessoalmente tive uma prova do pouco que representava o ultramar para o Salazar.

Eu como funcionário dos Serviços geográficos, mandou-me a mim e a vários colegas, mapear angola, e no meu espólio, além do equipamento indispensável, ia uma injeção anti-ofídica vários anos caducada e uma bússula avariada, e tinha que devolver tudo integral como recebi, caso contrário tinha comprar novo.

Assim, como na tropa, de armas pesadas dei apenas 3 tiros de mauser, e 3 tiros de pistola parabelo de treino na recruta.

Até que rebentou o terrorismo e tive que comprar farda de furriel, e tudo mudou um pouco.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, eu é que te disse: "Tenho dúvidas sobre o que dizes, que Marcelo Caetano 'conhecia bem o ultramar' "...

De qualquer modo, Rosinha, a pergunta é pertinente: "conhecer ou não conhecer bem o ultramar"... E já não digo a Guiné ou Timor, mas Angola e Moçambique, as únicas colónias que tinham potencialidades para serem grandes "colónias de povoamento", que era aquilo que interessava às "potências colonizadoras"...

A questão que levantaste, tu e o Branquinho, é importante para se compreender as diferenças de visão e de ação entre Salazar e Marcelo Caetano, especialmente no que toca ao "fim do império" e ao modo como o Estado Novo enfrentou a descolonização e as "guerras do fim do império"... que foram aquelas em que tu, eu e o Branquinho participámos.

De facto, a relação pessoal, afetiva, emocional e intelectual de cada um com o Ultramar é uma chave interpretativa fundamental. Salazar não era um "africanista", como tu, Rosinha, o foste... E tantos outros a que mais tarde chamaremos, impropriamente, "retornados" (porque já nascidos em África ou lá crescidos e educados, desde pequeninos). Tenho amigos/as nascidos/as em Angola... Angola continua a ser a sua "pele", a sua "idissincrasia", cultura, etc.... independentemente da sua cor...

Marcello, intelectualmente, sim, era um "africanista" (o termo é extramente ambíguo). Mas, antes de mais, era um "académico", ams veio do "downstairs", apanhou o ascensor social... Por mérito próprio. Tal como o Salazar. Ou o Cerejeira. Nenhum dels nasceu em berço de ouro.

Vejamos algumas diferenças entre os dois homens a quem calhou a "batata quente" da gestão do fim do império, mas que fizeram como a avestruz, enterraram a cabeça na areia.

(i) Salazar: o império “abstrato”, com a cabeça e o tronco... noTerreiro do Paço

O facto de nunca ter saído de Portugal continental (com exceção de algumas deslocações curtas dentro da Península) diz muito... E de Portugal, o que é que ele conhecia ? Nem sequer a Madeira ou os Açores... É verdade que no seu tempo ainda as viagens não eram rápidas nem cómodas...E depois, bolas, o raio do império ficava longe, bem longe: do Minho a Timor eram 20 mil quilómetros de distância...

O império era uma construção ideológica e simbólica, não uma experiência vivida. Salazar via o império como um "instrumento de legitimação nacional", um eixo da “unidade pluricontinental"” que dava grandeza ao Estado Novo e a Portugal no seio das Nações. Era uma "herança", um "património", cuja manutenção era dispendiosa, para a sua contabilidade de perito em finanças...

Daí a política colonial de Salazar ser "fortemente doutrinária, ideológica e centralizadora", reforçando-se, com a propaganda, a falsa ideia da "missão civilizadora", fazendo -se tábua rasa do passado das civilizações africanas (e outras), recusando-se quaisquer concessões à autonomia dos povos, índigenas, colonos e assimilados...O branco de Angola, como o Rosinha, seria sempre um português de 2ª... Tal como os portugueses da metróple, tirando a elite dirigente e a classe dominante, eram cidadãos de 2ª classe (e as mulheres de 3ª classe).

Salazar nunca viu, ao vivo, uma roça de cacau, uma fazenda de café, um plantação de algodão ou de chá, um campo de mancarra, uma mina da África do Sul (para onde se mandavam os desgraçados dos moçambicanos)...Mas era um "ruralista" e, aqui, enquanto pôde, travou os impulsos de modernização e industrializaçáo dos "tecnocratas" do regime, como Ferreira Dias, Marcello Caetano, etc.

(Continua)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

(Continuação)

(ii) Marcelo Caetano e a experiência direta ou indireta do Ultramar

Marcello, além da sua viagem turístico-cultural em 1935 às colónias do "Ocidente" (e repare-se que até 1951 a palavra "colónias" fazia parte do discurso dominante, da realidade económica e jurídica... Sem quaisquer complexos!)

Ele próprio foi Ministro das Colónias (1944–1947), num período ainda marcado pela Segunda Guerra Mundial e pelo início do fim dos "impérios coloniais", tal como eles foram brutalmente desenhados, a régua e esquadro, na Conferência de Berlim, 60 anos antes, pelos ingleses, franceses, alemães...

Caetanto era um jurista e, como tal, interessou.se pelo direito colonial, fez trabalhos sobre a administração colonial, etc. Mas estava habituado a "mudar por decreto".

Estava informado, e no início da década de 1960, era um dos intelectuais do regime que percebia a inevitabilidade das mudanças... e também conhecias as vulnerabilidades do império. Deve ter feito uma análise de tipo SWAT, dos pontos fortes e fracos de Portugal e do império de pés de barro, ameaças e oportunidades...As ameças eram muitas, e não apenas exógenas, vindas de fora, mas também endógenas, vindas de dentro... As eleições de 1958 (e o "terrorismo" em Angola, em março de 1961) fizeram soar as campainhas para os homens do Estado Novo (pelos menos para os mais lúcidios, como Marcello Caetano, Adriano Moreira, etc.). E nada seria depois como dantes, quando Portugal se abre, economicamente, ao exterior, com a adesão à EFTA (a Associação Europeia do Comércio Livre). Aí Salazar, que tinha horror, não apenas ao "comunismo" soviético como ao "capitalismo" americano e à sua "democracia liberal", perdeu o controlo dos acontecimentos...(se é que não perdera já antes, em 1945, com a vitória dos Aliados).

(iii) O pós-salazarismo e a "evolução na continuidade"

A partir de 1968, sentado na cadeira de Sáo Bento, manietado pela extrema-direita do regime e com um guerra cada vez mais impopular em Angola, Guiné e Moçambique, Caetano inventou a política de “evolução na continuidade”, as "conversas em família" e a "cosmética reformista"... Em África, a palavra de ordem era (i) manter a defesa do império, (ii) desenvolver demografica e economicamente os territórios, (iii) abrir-se ao capital estrangeiro, (iv) modernizar a administração ultramarina...

Demasiado tarde: o falhanço das tímidas reformas políticas do marcelismo (a fugaz "primavera política") e o contexto internacional (ONU, OUA, guerra fria, luta armada na Áfria Austral, apartheid, crise petrololífera de 1973, etc....), vieram condenar-nos definitivamente "ao orgulhosamente sós", ao ostracismo internacional, e inviabilizar qualquer experiència de descolonização gradual dentro do quadro do regime (como se viu na Guiné, com Spínola)...

Acredito que ele, Marcello Caetano, tinha também uma relação emocional e intelectual forte ao "Ultramar português"... O que contribuiu para bloquear, a par do travão da extrema direita do regime, qualquer tentativa de ensaiar ou apoiar soluções políticas que levassem a médio e longo prazo a uma descolonização em que todos ganhassem....

Prisioneiro dos mitos e dos constrangimentos da realidade,Marcello Caetano deixou-se cair, não fisicamente da cadeira (como o Salazar), mas politicamente na cadeira da inércia trágica, esticando a corda da guerra até 1974.

Morreu no exílio, no Brasil, a fazer aquilo de que afinal gostava mais, que era dar aulas de direito administrativo. Já cá tinha feito "uma grande escola, e muitos filhos".