
Legenda do autor:
- A laranja estão as minhas missões em Fiat-G91 e a azul as de DO-27;
- Nos meses de Nov72 e Ago73 estive de férias;
- Os mísseis Strela apareceram em Abr73;
- Guidaje, Guileje e Gadamnael foram em maio/junho 73;
- Canquelifá e Copé em janeirpo de 1974.
I. O nosso tabanqueiro António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen ref (foto acima), não podiam ser mais claro ao comentar no poste P27184 (*):
Da minha Caderneta de voo, [ constam ] 17 missões napalm, entre 20Mai72 e 1Fev73 [ em oito meses, foram 2 em média, por mês ].
Tecorde-se que o AMM era o nº 2, na escala hierárquica da Esquadra 121 (Fiat G-91, T-6 e D0-27), tendo 6 pilotos de Fiat, "Os Tigres", que voavam também um dos outros aviões; e mais 14 pilotos, milicianos, alferes e furriéis, que voavam indistintamente o T-6 e o DO-27).
II. Sabemos, por outro, que no final da guerra havia, na BA 12, Bissalanca, na Guiné, um "pequerno arsenal" de bombas de napal... Um pouuco "incómodo", afinal. Vela-se po documento cujo teor reproduzimos a seguir:
Repartição de Operações
AO GENERAL CHEFE DO ESTADO-MAIOR GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS
Nº 10.078/C
PARA CONHECIMENTO:
Pº CZACVG
ASSUNTO: BOMBAS NAPALM
1. Existem no TO.
– 1170 bombas NAP de 350 litros
– 790 " " de 100 litros
2. Dado que, pelo seu volume, não é possível subtraí-las das vistas a possíveis observadores, e ainda porque a utilização de Napalm tem sido motivo de acérrimas críticas feitas pelo In, na sua campanha diplomática e psicológica, torna-se necessário retirá-las do TO.
3. De contacto havido entre a ZACVG e o Estado-Maior da Força Aérea foi estabelecido, com o que este Comando concorda, que as bombas em referência fossem transportadas para a Ilha do Sal, de onde lhes seria dado posterior destino, salvaguardando, no entanto, uma dotação de emergência, a manter no TO.
4. Solicita-se a V. Exa. uma decisão sobre o assunto.
Bissau, 27 de Maio de 1974
O COMANDANTE-CHEFE
CARLOS ALBERTO IDÃES SOARES FABIÃO BRIGADEIRO
III. O documento que acima se transcreve é um dos quatro que os investigadores António de Araújo e António Duarte Silva ("O uso de napalm na Guerra Colonial - quatro documentos", Relações Internacionais R:I, n.º 22, junho de 2009, pp. 121-139). (***)
Os documentos reproduzidos pelos autores foram localizados no Arquivo da Defesa Nacional, em Paço de Arcos, onde se encontram sob a cota Cx. 1011, 1011/12, tendo sido desclassificados, a seu pedido por despacho de 17 de setembro de 2008.
O documento em questão (o n º 2 de 4):
(i) é um documento em papel timbrado do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (Quartel-General – Repartição de Operações), classificado «Secreto», datado de Bissau, 27 de Maio de 1974;
(ii) está assinado pelo comandante-chefe, brigadeiro graduado Carlos Alberto Idães Soares Fabião;
(iii) é um ofício dactilografado, de uma página, dirigido ao chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas;
(iv) em que se solicita instruções quanto ao destino a dar às bombas de napalm existentes no CTIG (1170 bombas NAP de 350 litros e 790 bombas NAP de 100 litros).
(v) possui um carimbo a óleo que certifica a sua recepção no Gabinete do Estado-Maior General das Forças Armadas, em 6 de junho de 1974, com as indicações «Pº 2034, N.º 3107»:
(vi) à margem, encontra-se exarado um despacho manuscrito, do seguinte teor: «Urgente. Ao CEMFA para proceder de acordo com o n.º 3. Lisboa 15-6-74. ass). Francisco da Costa Gomes».
Nesse ofício, sugere-se a transferência do napalm para a ilha do Sal, em Cabo Verde, salvaguardando-se, todavia, uma «dotação de emergência» (sic), que permaneceria na Guiné. Esta sugestão é feita após ter sido estabelecido um contacto com o Estado-Maior da Força Aérea.
De acordo com o despacho manuscrito, de 15 de junho de 1974, os autores inferem que tal sugestão foi acolhida (não se podendo no entanto saber qual foi o destino final dado ao napalm).
Citemos ainda os autores, a respeito do uso do napalm no teatro da guerra do ultrramar:
(...) "Apesar de ainda ser controversa, a presença de bombas incendiárias nos territórios portugueses em África é relativamente conhecida, não tendo, porém, sido divulgados, ao que sabemos, elementos comprovativos da sua utilização em combate por parte das Forças Armadas Portuguesas. (...)
Mário Canongia Lopes («A história do F-84 na Força Aérea Portuguesa». In Mais Alto. Revista da Força Aérea. Suplemento. Ano XXVI. N.º 258. Março-Abril de 1989, p. 12), citado pelos autores. "afirma ter sido o napalm 'utilizado contra objectivos militares bem definidos, tais como posições de artilharia antiaérea (AAA) ou veículos', acrescentando que o napalm era carregado 'em depósitos de origem americana de 750lbs. [340 kgs] ou portuguesa de 660 lbs. [300 kgs] sendo o pó [combustível] fornecido por Israel' ".
" (...) Por outro lado, é reconhecido o uso de bombas de 50 quilos e de 60 litros de napalm em certas operações de destruição de meios antiaéreos do PAIGC (por exemplo, nas operações com o nome de código «Resgate» e «Estoque»)" (Fonte citada pelos autores: Luís Alves Fraga, "A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974)". Lisboa: Prefácio, 2004, pp. 109-111).
Não restam dúvidas, que os documentos publicados por António Araújo e António Duarte Silva. "permitem afirmar, com um elevado grau de fiabilidade, que, pelo menos até meados de 1973, as Forças Armadas Portuguesas utilizaram napalm e outras bombas incendiárias nos três teatros de operações em África." (...)
Veremos, em próximo poste, com mais detalhe os outros documentos (nº 1, 3 e 4). Mas já adiantaremos, citando os autores, que "a Guiné era o território onde mais se recorria a este tipo de armamento", sendo "o consumo médio mensal" o seguinte;
- 42 bombas incendiárias de 300 quilos;
- 72 bombas incendiárias de 80 quilos;
- 273 granadas incendiárias M/64.
A utilização de napalm no TO da Guiné, por parte de Portugal, foi repetidas vezes denunciada por Amílcar Cabral nas instâncias internacionais, e nomeadamente na ONU (Comissão de Descolonização, Comissão de Direitos do Homem, Assembleia Greral, Conselho de Segurança), tornando-se um cavalo de batalha na frente diplomática e uma dor de cabeça para o governo português.
Os autores estranham que "Costa Gomes haja afirmado nada saber quanto ao uso de napalm na Guiné". Já quanto a António de Spínola, escrevem que, "apesar de nunca se ter pronunciado expressamente sobre o tema (...) havia reconhecido, numa entrevista concedida a Peter Hannes Lehman, da revista alemã Stern, que as armas químicas eram usadas 'para limpar o mato de ambos os lados das estradas, para evitar emboscadas. Ninguém podia ou iria indicar qual o seu país de origem' "
IV. Perguntará o nosso leitor: o que representavam esses tais 479,5 mil litros de napalm, em "stock", no final da guerra, em termos de "poder de destruição" ? (****)
Bombas-padrão utilizam entre 200 a 250 litros de napalm. Cada bomba de napalm pode destruir até 2.100 metros quadrados por ataque, aderindo a superfícies, queimando entre 800°C e 1200°C, com efeitos letais para pessoas, vegetação e infraestruturas
Eis os dados que recolhemos da consulta na Net, com a ajuda do assistente de IA... 479.500 litros equivalem a:- cerca de duas vezes o volume utilizado em dias intensivos de combate na Guerra da Coreia: cerca de 70.000 galões (~260.000 litros) podiam ser lançados num único dia, destruindo amplas áreas e resultando em milhares de mortes;
- onsiderando que uma bomba de napalm cobre cerca de 2.100 m², esse volume poderia destruir entre 480 a 700 hectares (quase 7 km²), caso utilizado de forma concentrada;
- teria potencial para destruir dezenas de aldeias, devastar campos agrícolas e palmares e provocar milhares de mortes ou feridos, extrapolando largamente o poder de destruição observado nos bombardeamentos de outras guerras do século XX;
- 1870 bombas de napalm num total de 497.550 litros se fossem lanças nas matas do Cantanhez, em dezembro de 1972, no início da Op Grande Empresa (o que felizmente não aconteceu,é apenas uma mera hipótese académica...), poderiam destruir entre 37,4 a 46,7 hectares (estimativa mínima) ou até 370 a 670 hectares (estimativa máxima), caso a dsipersão fosse eficiente e propensa ao alastramenmto do fogo;
- nas áreas urbanas ou densamente florestadas, a propagação do fogo pode ampliar ainda mais o impacto, enquanto o terreno húmido ou aberto pode restringir o efeito;
- energeticamente, o arsenal acima descrito contina uma quantidade de energia térmica equivalente a cerca de 3,7 Kt (quilotoneladas) de TNT;
- a bomba atómica lançada em Hiroshima ("Little Boy") teria cerca de 15 kt de TNT; o arsenal de napalm da BA 12 em maio de 1974 continha energia térmica equivalente a ~25% da energia de Hiroshima (3,73 Kt vs 15 Kt) ...
- mas, atenção, não é o mesmo que uma detonação nuclear porque a liberação de energia do napalm é muito mais lenta, térmica e localizada (incêndio), não é uma explosão sónica de compressão.
(*) Vd. poste de 4 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27184: S(C)em Comentários (76): Que disparate!... Claro que usámos napalm, bombas de 300 litros e 80 litros (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; hoje ten gen ref)
(****) Último poste da série > 26 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27153: A nossa guerra em números (37): Colonos - Parte II: cabo-verdianos (uma pequena burguesia que, na Guiné, foi viveiro de militantes e dirigentes do PAIGC)