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terça-feira, 9 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27199: (in)citações (278): Dos nossos “males” sabemos, pelo visto. E dos “males” dos outros? (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Operações Especiais)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de hoje, 9 de Setembro de 2025:


Dos nossos “males” sabemos, pelo visto. E dos “males” dos outros?

Vejo e leio muitas vezes aqui na Tabanca Grande textos sobre os “os males” provocados pelas Forças Armadas Portuguesas na Guiné, e não só, (como recentemente o uso do napalm), mas raramente, ou nunca, se encontram por aqui textos relatando “os males” que o PAIGC, e não só, provocou nos militares portugueses e nas populações durante a guerra, porque sobre o acontecido depois do 25 de Abril até há alguns textos sobre o que então se passou.

Escreve-se sobre coisas que uma grande parte das vezes apenas se ouviu falar, histórias contadas e que terão sido praticadas pelos militares portugueses, mas sobre coisas semelhantes praticadas pelos militares do PAIGC, pouco ou nada se diz.

Eu, por exemplo, ouvi contar várias histórias que terão acontecido durante e depois de emboscadas feitas pelo PAIGC, mormente no conhecido “carreiro da morte”, mas, porque de tal não sou testemunha presencial e são histórias muitas vezes repetidas, evito falar ou escrever sobre as mesmas.

Mas com tanta gente que aqui vem todos os dias, não haverá ninguém que escreva e dê testemunho sobre isso?

Calculo que não seja politicamente correcto, como hoje em dia se diz, mas se este espaço se quer considerar um repositório mais ou menos fiel dos acontecimentos da guerra na Guiné, não deveria também ter essas histórias do “outro lado” aqui contadas?

É uma espécie de desafio que aqui deixo, para que a verdade não exista só para um dos lados, mas para ambos, pois a paz só se constrói verdadeiramente na verdade.

Marinha Grande, 9 de Setembro de 2025
Joaquim Mexia Alves

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Nota do editor

Último post da série de 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27091: (in)citações (277): O cérebro também pode apodrecer (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

4 comentários:

Anónimo disse...

Não há comentários, porque não é politicamente correto!
Agora somos todos irmãos, amigos e camaradas.
Ou então quem sabe de tanta coisa, não quer vir aqui dar a cara com coisas que já são do passado, temos é que ajudar o Estado da Guiné a sobreviver.
Só de me lembrar que o Estado Português, colonialista, fascista, escravagista, após o ASSASSINATO de tantos portugueses (africanos), foram barbaramente fuzilados só porque eram Soldados Portugueses!!!!!!!!
Mandados assassinar por Luis Cabral, que depois de expulso, veio refugiar-se aqui na terra do branco, colonialista, e ainda por cima, instalado e com boas regalias, materiais e financeiras, à custa do dinheiro daqueles portugueses que por lá andaram também a defender os Guineenses do jugo dos Caboverdianos!
Acho que está tudo dito.
Abraços para todos,
Virgilio Teixeira
Vila do Conde, 9 de Setembro de 2025

Eduardo Estrela disse...

A guerra só aconteceu porque uns imberbes intelectuais ignoraram aquilo que outras potências coloniais já lhes tinham ensinado. ERA HORA DE MUDANÇA.
Mas preferiram lançar o país na loucura do conflito
É por demais evidente que a confrontação traz SEMPRE selvajaria de parte a parte
A paz só se constrói antes da guerra começar.
Abraço
Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, não posso estar mais de acordo contigo: "a paz só se constrói verdadeiramente na verdade"...

Este blogue foi também criado, há 21 anos, para que a gente, os antigos combatentes da guerra da Guiné (1961/74), e se possível de um lado e do outro, também pudessem fazer a paz consigo próprios e uns com os outros...

Tenho a impressão (eu já não estava lá nessa altura...) que em 1974 as duas partes (as NT e o IN) fizeram a paz mas não as pazes... O que é diferente. Não foi por termos jogado uma partida de futebol, uns contra os outros, partilhado cigarros ou bebido umas cervejas em conjunto, "em alegre confraternização e alívio pelo fim da guerra", que fizemos as pazes...

Quando voltámos às nossas casas, regressámos mágoas, ressentimentos, traumas, raivas, etc. E em 1974, viemos embora, não fizemos as pazes...Os guineenses e cabo-verdianos do PAIGC não fizeram as pazes uns os outros, os balantas não fizeram as pazes com os fulas, os fulas com os mandingas, etc., Não fizeram as pazes uns com os outros, etc.... Nós viemos embora e também não fizemos as pazes com eles...
Simbolica e politicamente, sim, Portugal fez as pazes com a Guiné-Bissau. Mas o Estado é uma entidade abstrata... Portugueses, guineenses, cabo-verdianos, sem esquecer os cubanos (!), não, não fizeram as pazes nos seus corações.

Se não falamos mais das "mágoas, traumas, ressentimentos e raivas" que ainda temos, uns contra os outros, não é tanto por ser "politicamente incorreto", é porque este blogue é sobretudo de antigos combatentes de um só lado, os do nosso lado...

Os do PAIGC não escrevem, não partilham, ou não sentem a necessidade de o fazer através de um blogue como o nosso...Por certo que falam, uns com os outros, mas não com os antigos "fugas"...A verdade é que, tal como os nossos soldados guineenses (da minha CCAÇ 12, da tua CCAÇ 15...), já todos morreram. Ou quase todos. E os que ainda estão vivos têm necessidades mais prementes a satisfazer, como a de comer todos os dias e sobreviver...

Fica aqui o teu desafio...Não fomos meninos de coro, o PAIGC também não (já aqui temos falado dos ajustes de contas entre eles, e também dos seus crimes de guerra e contra a humanidade...).

Um abraço fraterno. Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, é um comentário que ficou "perdido", ainda à volta das "maldades" de uns e outros...

Desde o principío do nosso blogue que sempre "incitávamos" a partilha dos nossos conhecimentos, memórias, experiências, "de um lado e do outro"...Sempre fomos contra o "politicamente correto"...Tens inúmeros postes que o comprovam, não preciso de os "repescar"... Mas podemos falar destas "coisas" da nossa guerra, de há 50/60 anos, sem veemência, sem ódio, sem rancor, sem demagogia... Sempre c om a preocupação de rigor factual, verdade dos factos,objetividade, reecurso ao contraditório (se possível)...

A guerra acabou há muito, "fizemos a paz, não as pazes"... Ficou muita mágoa nos nossos corações, de um lado e do outro...Uma das nossas regras editoriais é que não fazemos (ou não devemos fazer) juízos sumários (e muito menos execuções sumárias)... Todos fizemos a guerra com as armas, melhores ou piores, de que dispúnhamos, num lado e no outro.

Parece que usámos o napalm. Como os outros usaram o napalm, noutras guerras. Mas ninguém sabe ao certo quando, em que operações, em que quantidades. Pelo que diz o António Martins de Matos, a nossa produção era artesanal, e no 25 de abril de 1974, haveria "quase dois mil bombas de napalm", na BA 12, Bissalanca, mas eram só... invólucros (bombas vazias). O napalma era feito no momento, "ad hoc", conforme as necessidades... E os objetivos eram estritamente militares... Mas, numa guerra destas, as populações civis sob controlo IN também apanharam por tabela. Como as nossasm quandoo PAIGC nos atacava.

O napalm não é tabu. Era uma arma, já controversa (moralmente falando), mas não proibida ainda pela Convenção de Genebra, na altura...

E temos que saber falar com números, até para desmistificar a questão do napalm e das outras armas incendiárias (que o PAIGC também utilizava contra as nossas tabancas fulas, disso sou testemunha).

Estes número que recolhi são elucidativos para a gente desmistificar um pouco a questão do napalm:

(i) uma bomba de napalm 300 litros pode queimar entre 1/4 a 1 hectare de terreno (2.500 m2 a 10.000 m2), dependendo de inúmeros factores (técnicos, ambientais, atmosféricos, etc.);

(ii) o "arsenal" (invólucros vazios) que tínhamos na BA12 (quase 2 mil bombas que davam para encher com mais de meio milhão de litros) era apenas uma "gota no oceano" (se tomarmos como termo de comparação outras guerras anteriores, Coreia, Argélia, Vietname...):

(iii) o parque nacional do Cantanhez tem hoje mais de 100 mil hectares (estive lá em 2008, já está muito desflorestado, comparativamente com o nosso tempo...);

(iv) imaginemos (hipótese absurda, meramente "académica") que na Op Grande Empresa, em finais de dezembro de 1972, o gen Spínola queria varrer o PAIGC da face do Cantanhez (península do Cubucaré) (guerrilha + população que a apoiava e alimentava);

(v) 100 mil, 200 mil, 300 mil bombas de napalm... não chegariam para "regar" os mil km2 do Cantanhez (=20 km de largo por 50 km de comprido)...

(vi) faz as contas ao número de bombardeiros e de bases aéreas que tu precisavas de ter na Guiné...

No final da ocupação do Cantanhez (mítico santuário do PAIGC desde1966!), as NT acabaram por "recuperar" 3.500 elementos da população civil (crianças, mulheres e velhos)...