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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27212: Notas de leitura (1837): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 11 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2025:

Queridos amigos,
Convém recordar o móbil que acompanhou esta compilação de textos, os três volumes de Documentos da Expansão Portuguesa, organizados pelo Vitorino Magalhães Godinho. Falamos aqui no blogue sistematicamente na Senegâmbia, parecia-me, estou em crer, uma descrição das nossas navegações e explorações da costa para se percecionar o que se entende por Grande Senegâmbia. Não é por acaso que aqui se mostra uma carta de 1680, oriunda de França. Não dispúnhamos de meios para fazer comércio em todas as rias e rios, cedo começou a concorrência, e depois da Restauração o país foi confrontado com a dura realidade, ocupava-se, e tenuamente, a Pequena Senegâmbia, franceses e britânicos tinham ocupado vastos territórios que constituem hoje, grosso modo, o Senegal, a Gâmbia, a Guiné Conacri e a Serra Leoa. Foram invocados os principais documentos referentes a esta digressão, há este ou outro ponto que se tratará separadamente, é o caso dos Fulas do Senegal, artigo de Teixeira da Mota.

Abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 11

Mário Beja Santos

Entra-se no derradeiro capítulo do livro Documentos sobre a Expansão Portuguesa, Volume III, organizado por Vitorino Magalhães Godinho. O historiador procede aqui ao levantamento documental com referência às navegações na costa ocidental africana, antes e depois da morte do Infante D. Henrique, fica-se agora com uma imagem do que se podia considerar a Grande Senegâmbia, do século XV para o século XVI, entre o continental Cabo Verde, no norte do Senegal, até à Serra Leoa. Falando desta, diz Duarte Pacheco Pereira no Esmeraldo:
“E muitos cuidam que este nome de Serra Leoa lhe foi posto por aqui haver leões, e isto é falso, porque Pedro de Sintra, um Cavaleiro do Infante D. Henrique, que por seu mandado esta terra descobriu, por ver uma terra tão áspera e brava lhe pôs nome Leoa, e não por outra causa; e isto se não deve duvidar, porque é verdade, porque ele mo disse assim.”

Repetidamente Duarte Pacheco Pereira sublinha que em vida de D. Henrique se descobriu só até à Serra Leoa, o que João de Barros confirma, e até Rui de Pina, importa recordar o que João de Barros referiu a propósito do contrato celebrado com Fernão Gomes:
“… o arrendou por tempo de cinco anos a Fernão Gomes, um cidadão honrado de Lisboa, por duzentos mil reais cada ano. Com a condição de que em cada um destes cinco anos fosse obrigado a descobrir pela costa em diante cem léguas, de maneira que no cabo do seu arrendamento desse quinhentas léguas descobertas. O qual descobrimento havia de começar da Serra Leoa, onde acabaram Pedro de Sintra e Soeiro da Costa, que foram antes deste arrendamento os derradeiros descobridores.”
Magalhães Godinho em nota observa que o historiador Jaime Cortesão aventara a hipótese de que até 1460 não só se teria explorado o Golfo da Guiné, como ainda a Costa de África Meridional, argumentação que foi refutada por Duarte Leite.

Ganha realce o que escreveu Cadamosto na Navegação Segunda acerca do Capitão Pedro de Sintra que navegou de região de Buba até ao Cabo da Verga:
“O que tenho referido é o que eu vi, e ouvi no tempo que andei por estas patas: mas após mim foram outros, e principalmente duas caravelas armadas, que El-Rei de Portugal mandou depois da morte do Senhor Infante D. Henrique, cujo capitão era Pedro de Sintra, escudeiro do Infante, percorreu adiante por aquela costa dos negros a descobrir países novos.”
Cadamosto encontrou Pedro de Sintra em Lagos e falara-se muito sobre aquela terra dos Negros, referindo concretamente a ida até aos Bijagós e ao cabo a que puseram o nome de Cabo da Verga, daqui navegaram ao longo da costa cerca de oitenta milhas, descobriram um outro cabo, era o mais alto que nunca tinham visto, puseram-lhe o nome de Cabo de Sagres, também conhecido por Cabo de Sagres da Guiné; referiu Pedro de Sintra que os habitantes da região era idólatras, adoravam imagens de pau com forma humana, tinham alguns sinais feitos com ferro em brasa na cara e cobriam o sexo com cascas de árvore, não dispunham de armas porque não havia ferro e sustentavam-se de arroz, milho e legumes, havia também carne de vaca e cabra.

Por o mar dentro deste cabo estavam duas ilhas, os seus habitantes dispunham de almadias, muito grandes, em cada uma das quais navegam trinta a quarenta homens. “Tem esta gente as orelhas furadas com buracos por todas elas, em que trazem diversos anéis de ouro uns após os outros, todos alinhados; e também têm o nariz furado no meio em a parte inferior, e nele trazem pendurado um anel de ouro do mesmo modo que entre nós trazem os búfalos: e quando querem comer o tiram, usando dele tanto os homens como as mulheres. Dizem também que as mulheres dos reis e senhores, ou dos homens ricos deste país, todas têm nas suas partes genitais do mesmo modo que nas orelhas alguns furos, em que trazem por dignidade, e como prova de grandeza e estado anéis de ouro, os quais tiram e põe em seu arbítrio.”

Prossegue o relato, já se passou o Cabo de Sagres, avistou-se o rio chamado de São Vicente, escreve-se que a costa é montuosa, e por toda ela há bons surgidouros e bom fundo, passa-se o Cabo Ledo, e depois avista-se a Serra Leoa. “Passada toda esta costa da Serra Leoa, daí para diante é tudo terra baixa, e praia com muitos bancos de areia, que entram pelo mar dentro, e andando coisa de trinta milhas mais adiante da ponta daquela montanha, acha-se outro grande rio largo na sua foz, coisa de três milhas, ao qual puseram o nome de Rio Vermelho.”

Pedro de Sintra faz a descrição do que aqui se avista, passa-se depois além do Cabo de Santana, a seguir o Cabo do Monte, e umas boas milhas adiante há um bosque grande com muitas árvores verdíssimas, ao qual deram o nome de Mata de Santa Maria, vieram até às caravelas pequenas almadias, homens nus que traziam nas mãos paus aguçados na ponta, que pareciam uma espécie de dardos, e alguns estavam armados de uns cutelos pequenos, tendo todos duas adargas de couro com três arcos, não se entendia uma só palavra. Entraram em uma das caravelas e destes três retiveram um os portugueses, e deixaram ir os outros; e isto para cumprir com a ordem d’El-Rei, que lhes determinou, que na última terra onde chegassem, não querendo passar mais avante, se porventura os seus intérpretes não fossem entendidos da gente dela, tratassem de lhe trazer, ou por bem ou por mal, alguns dos negros daquele país, para poder fazer neles averiguações, por via dos muitos intérpretes negros que se acham que Portugal; ou mesmo pelo tempo adiante aprenderem eles a falar português.

Regressou-se a Portugal, o homem trazido falou com diversos negros, e por uma escrava de um cidadão de Lisboa houve entendimento. O que o dito negro referiu a El-Rei, por meio daquela mulher, não se entende bem, exceto que entre outras coisas acharem-se na sua terra unicórnios vivos: e assim o dito Senhor tendo retido alguns meses e feito mostrar muitas coisas do seu reino, dando-lhe algumas roupas, com grandes carícias o fez conduzir de novo por uma caravela ao seu país: e deste último lugar não tinha passado navio algum até à minha partida de Espanha, que foi no primeiro dia do mês de fevereiro de 1463. E assim termina a Navegação Segunda de Cadamosto.

Resumindo as notas de Magalhães Godinho, em 1460, ano da morte do Infante D. Henrique, Pedro de Sintra terá chegado ao Cabo Ledo, só depois é que se descobriu a Mata de Santa Maria; Pedro de Sintra explorou numa primeira viagem, talvez em 1460, o litoral da Terra dos Negros, desde o Rio Geba até à ponta ocidental da Serra Leoa (o Cabo Ledo). A viagem seguinte de Pedro de Sintra terá tido a iniciativa do Rei, Pedro de Sintra esteve mais tarde ao serviço do rico burguês lisboeta Fernão Gomes. Mais observa Magalhães Godinho que numa carta portuguesa de cerca de 1471 se faz referência ao Rio Grande (certamente do Geba), ao Rio Buba e ao Rio Tombali até ao Cabo da Verga. Noutra carta de 1486 já se fala dos Nalus, de palmares, Rio de Nuno e Cabo da Verga; e confronta estas cartas com os textos de Duarte Pacheco Pereira e de Valentim Fernandes, concluindo que a exploração da costa por Pedro de Sintra foi muito sumária.


Vitorino Magalhães Godinho, Ministro da Educação e da Cultura, imagem dos arquivos da RTP, com a devida vénia
Mapa da Serra Leoa, 1732
Mapa de 1899 mostrando territórios dos Biafadas para lá do Geba
Carta de África e das ilhas de Cabo Verde por Sanson, cerca de 1680
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Notas do editor

Vd. post de 5 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27188: Notas de leitura (1835): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 10 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27197: Notas de leitura (1836): O uso do napalm na guerra da Guiné, na Revista de Relações Internacionais de Junho de 2009 (Mário Beja Santos)

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