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sábado, 13 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27215: Os nossos seres, saberes e lazeres (700): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (221): Um jardim Zen no Planalto das Cezaredas - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Julho 2025:

Queridos amigos,
Dá-se continuação à humilde história de como um matagal se metamorfoseou em jardim Zen, não é para deixar o leitor embevecido, mas poder-se-á dar o caso desse mesmo leitor ter uns pedregulhos à volta de casa e pretenda esverdear a paisagem, é o que aqui está a acontecer, dentro daquele processo de ensaio, tentativa, erro, até chegar a uma vegetação adequada a este oceano de pedra, já se viu que aqui podem crescer árvores de fruto, catos, vão se descobrindo plantas resistentes, sempre diante de uma perspetiva de evitar a monotonia dos loendros, sardinheiras e afins. O papel que gosto de representar, quando acordo com genica, é lançar-me num combate com as ervas daninhas, combate interminável, aí não há ilusões. Confesso que me dou por feliz quando, nos fins de tarde com temperatura amena, por aqui deambulo, à procura de novos trabalhos, sabendo de antemão que a natureza é tendencialmente vitoriosa. Mas ser obstinado no combate que lhe reservo é um saboroso sal da terra.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (221):
Um jardim Zen no Planalto das Cezaredas - 2


Mário Beja Santos

Já contei na semana anterior como aqui se chegou e como se foi desvendando os segredos de um matagal que se vai ajardinando como se pode. Os trabalhos de arrancar ervas à volta das casas, nos terraços dão-me imenso descanso à cabeça, não tanto aos vizinhos, tenho um potente gira-discos, posso começar a manhã com o Ouro do Reno, a primeira ópera da Tetralogia, um soberbo Wagner, ou mesmo com a Norma, de Bellini, os vizinhos não se queixam com as altas sonoridades, resta dizer que o trabalho é insano, quando aqui volto é para recomeçar, a natureza não adormece, muito menos as ervas daninhas. Mostro agora ao leitor outros aspetos do jardim Zen, momentos há em que ganha a utopia de que um dia todos estes pedregulhos ficarão esverdeados, mas como em todas as utopias a realidade obriga-nos a descer à terra, o mais importante de tudo é o diálogo entre a pedra a possível flora. Basta de conversa, vamos ver o que ainda falta ver do jardim.


O limite deste jardim Zen é pouco lá mais abaixo, mas gosto muito de me posicionar aqui, primeiro por todo aquele tapete lavrado, terra fecunda, onde a Susana e o Henrique este ano colheram a batata, os feijões foram comidos pelos coelhos, só ficou aquela correnteza à direita, a explicação que me deram é que é um tipo de feijão que os coelhos não gostam, nada percebo do assunto, confio na explicação. Mas o meu jubilo vai para esta vara de ferro onde se prende a macieira que lá vai medrando, as árvores de fruto têm sido cuidadas, na minha ausência a Susana anda por aqui com a extensa mangueira e o verde sai das pedras. Não sei quantos anos serão necessários para eu vir comer algumas maçãs desta árvore
Interstícios à primeira vista impraticáveis para fazer brotar espécies possíveis de flora obrigam a escolhas irredutíveis de catos, e o que se julgava impraticável faz arrebitar esta matéria verde e quando passeio por aqui questiono como irão todos estes catos resistir ao espartilho da pedra
Que grande surpresa! Junto ao caminho vicinal vai medrando a buganvília, parece-me temerosa no seu crescimento, só lhe desejo longa vida, gosto muito deste pintalgado cor de sangue a confrontar-se com o loendreiro e aquele espantoso cato que já o vi tão pequenino e que vai inchando e escondendo a pedra
Pareceu-me interessante mostrar a temerosa buganvília num plano que mostra uma das casinhas, esta tem à entrada um guarda-loiça gigantesco, que chegou aqui às peças, sr. José António montou-o e envernizou-o, à entrada fica-se com a ilusão de que estamos em casa de grandes proprietários rurais, há mesa para comer, sofá para ler e dormir, segue-se o espaço da cozinha e há portas que ligam à casa de banho e há um quarto que tem a vista mais espetacular sobre o vale e a correnteza de moinhos, lá no alto, onde a Junta de Freguesia de Reguengo Grande mandou fazer um miradouro
Vista de moinhos e miradouro, a vegetação envolvente é a mesma que encontramos nos quatro concelhos por onde se estende o Planalto das Cezaredas
Guardo um certo pendor neorromântico, havia que aproveitar este banco que estava numa casa em Tomar, o sr. José António fez-lhe uns calços em pedra, pode imaginar-se uma tarde acalorada, vem-se para aqui com um livro e goza-se a sombra da figueira, guardo-lhe um certo rancor, dá uns figos pequeninos e imprestáveis; ora, num dos terraços das duas casas tive a sombra da figueira do sr. Raul, era uma fragância que dava gosto, não há bem que sempre dure, veio uma noite de tempestade que matou a figueira, tenho agora este refúgio e faço questão de dizer que o banco é regularmente limpo e tratado, como em breve vai acontecer
Temos aqui uma fronteira entre o jardim Zen e os arvoredos que pertencem à Susana e ao Henrique, lá no alto dá para ver habitação e até moinho. Na época dos figos, estou autorizado a apanhar o que esta figueira oferece.
Um outro ângulo da lavoura da Susana e do Henrique, lá ao fundo algum casario do Reguengo Grande
Quem diria, temos aqui o mais inesperado dos lírios, quem passeia pelo Planalto sente as alegrias de encontrar plantas silvestres e de grande beleza, a começar pelos lírios bravos
Despeço-me com outra vista do miradouro, às vezes adormeço a recordar a formosura agreste da região, pródiga em vinhas e fruta, mas aqui o que conta é este vale úbere e o esplendor da cercania. Até à próxima.
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Nota do editor

Último post da série de 6 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27190: Os nossos seres, saberes e lazeres (699): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (220): Um jardim Zen no Planalto das Cezaredas - 1 (Mário Beja Santos)

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