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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26173: Nos 500 anos do nascimento do nosso poeta maior, Luís de Camões (c. 1524 - c.1579/1580) - Parte I: "Soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, é como as ondas do mar sobre flores e prados " (António Graça de Abreu. In "Diário Secreto de Pequim",. inédito, 12 de setembro de 1980)(



Camões (c. 1524 - c.1579/80)  e Engels (1820-1894)



António Graça de Abreu,
Pequim, 1980
António Graça de Abreu

(i) viveu na China, em Pequim e em Xangai, entre 1977 e 1983; 

(ii) foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras; 

(iii) na altura, ainda era, segundo julgamos saber, simpatisante ou militante do Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista), o PC de P (m-l), fação Vilar (Eduíno Gomes), alegadamente o único (dos portugueses) reconhecido pela República Popular da China;

 (iv) ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74);

 (v) membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de três centenas e meia de  referências;

(vi) compulsivo viajante, tem "morança" em Cascais; 

(vii) é um cidadão do mundo, poeta, tradutor, reputado sinólog, escritor, autor de mais de 2 dezenas de títulos publicados;

 (viii) nasceu no Porto em 1947; 

(ix) é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro.
 

1. Mensagem do Antonio Graça de Abreu:

Data: 1 de novembro de 2024 01:05
 
Assunto: Camões, Engels e a China n
o meu 'Diário Secreto de Pequim0, inédito, escrito há 44 anos atrás.


Pequim, 12 de Setembro de 1980

No número deste Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda, a divulgação oficial de tudo o que é China comunista, elaborada aqui nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras (onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano), saiu um extenso texto meu. 

Antes da publicação, o que escrevi e que passo agora integralmente a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou chamemos-lhe assim, foi à censura dos nossos poderosos chefes chineses. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelo entendimento do pente de quem manda. Aí vai o meu texto:


4º  Centenário de Luís de Camões comemorado na China

Nos últimos dias de Junho passado, tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo a comemoração do 4º Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).

Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.

Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa.

 Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa “amizade”.

O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que, no futuro, desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.

Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das “quatro modernizações”?

Os maiores poetas -  na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa -, os nossos maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.

Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no extravagante diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.

Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.

Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. 

De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou o ilustre peito lusitano e os que entre gente remota edificaram "Novo Reino que tanto sublimaram.”

 Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido “no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". 

Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.

Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. 

Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, “um socialista antes do tempo”, como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:

Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…


Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, “Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante”:

Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:

Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.


Camões, um colonialista? 

Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo, praticamente, nos últimos anos da sua atribulada existência, de esmolas, de caridade, de amigos.

Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava e se abria a todos os homens.

Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as “memórias da alegria”, essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.

O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que “é como ondas do mar sobre flores e prados” e depois confessa-lhe que, de manhã cedo, gosta de “se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo Os Lusíadas.” 

O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas?

Um historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:

“O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e ao amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos os homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra.”[1]

Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua portuguesa que, como escreveu Engels, “é como as ondas do mar sobre flores e prados.”

António Graça de Abreu
__________

[1] Jaime Cortesão, História dos Descobrimentos Portugueses, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1979, pag. 219.

(Revisão / fixação de texto: LG / Não atualizámos a ortografia, do textro, que é de 1980)

domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa



Capa do livro "Han Shan: Poemas": seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Edição bilingue. Lisboa, Grão-Falar, 2024 (*)


Lançamento do Livro "Poemas de Han Shan" | 19 de Outubro  | 17h00 | Casa do Comum | Bairro Alto, Lisboa (**)



“Lê os verdadeiros escritores, lê Balzac, Han Shan, Shakespeare, Dostoieveski.”

Jack Kerouac

O homem que um dia se chamou Han Shan, ninguém sabe quem foi. Quando alguém o via, considerava-o um doido, um pobre diabo. Vivia retirado na montanha Tiantai, sete léguas a oeste do distrito de Tangxing, num lugar chamado Han Shan (Montanha Fria), entre rochas e falésias. Daí descia frequentemente para o templo de Guoqing, ao encontro do seu amigo Shi De, encarregado da limpeza da cozinha do mosteiro que lhe guardava restos de comida em malgas feitas com cana de bambu.

Lu Qiuyin (Séc. IX)

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas do budismo chan, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo.

 António Graça de Abreu

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António Graça de Abreu

O escritor, tradutor e nosso
camarada António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

  • nasceu no Porto, em 1947; 
  • licenciado em Filologia Germânica, mestre em 
  • História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses
  • foi professor de Português em Pequim e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras;
  • viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983;
  • foi professor do ensino secundário e assistente convidado leccionando Sinologia no Instituto de Estudos Orientais  da Universidade Nova de Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e na Universidade de Aveiro;
  • traduziu para português a peça de teatro Xi Xiang Ji (O Pavilhão do Ocidente), de Wang Shifu (1260?-1320?), editada em 1985 pelo Instituto Cultural de Macau;
  • e também as antologias Poemas de Li Bai, Poemas de Bai Juyi, Poemas de Wang Wei, Poemas de Han Shan e Poemas de Du Fu publicadas em Macau, respectivamente, em 1990, 1991, 1993, 2009 e 2015;
  • traduziu também o Tao Te Ching, editado em Portugal pela Vega Ed., 2013;
  • o seu livro Toda a China I e II, 2013 e 2014, é um extenso conjunto de textos sobre as suas muitas viagens e vivências exactamente por todo o território da República Popular da China, mais Taiwan, Hong Kong e Macau;
  • historiador e poeta, é também autor da biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808), co-autor dos dois volumes da Sinica Lusitana, 2001 e 2004, e dos livros de poesia China de Jade, China de Seda, Terra de Musgo e Alegria, China de Lótus, Cálice de Neblinas e Silêncios, A Cor das Cerejeiras e Lai Yong, Bernardo e outros Poemas;
  • publicou ainda o Diário da Guiné, o relato da sua experiência de guerra durante os anos 1972/1974; e dois livros de viagens, sobre as suas duas voltas ao mundo, Notícias Extravagantes de uma Volta ao Mundo e Odisseia Magnífica;
  •  entre 1996 e 2002 pertenceu ao Board da European Association of Chinese Studies (Heidelberg, Edimburgo e Turim);
  • com a tradução dos Poemas de Li Bai, obteve o Prémio Nacional de Tradução 1990, do PEN Clube Português/Associação Portuguesa de Tradutores.


(aberto, sábado, das 12h00 às 2h00)  

(...) A Casa do Comum, projecto da Ler Devagar e imaginado por José Pinho, inaugurado a 31 de outubro de 2023, no Bairro Alto, é um espaço que se propõe como um ponto de encontro da cidade com a cultura.

Num edifício com 3 pisos coexistem uma sala de espectáculos com possibilidade de apresentação de cinema, artes performativas, concertos e conferências, uma livraria generalista, uma livraria alfarrabista e um bar, devolvendo ao Bairro Alto a sua participação na cena cultural da cidade e restituindo aos residentes da cidade um espaço que alia a fruição cultural à vida social no centro histórico. (...)


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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 12 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26039: Agenda cultural (861): Convite para o lançamento do livro "CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA, de Joaquim Costa, a ter lugar no próximo dia 9 de Novembro, pelas 16h00, na Bibliotaca Municipal de Gondomar, Av. 25 de Abril. Apresentação do livro a cargo do Dr. Manuel Maria

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25713: Lembrete (46): Últimos dias! Viagem de grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024


República Popular da China >
 Pequim > s/d (c. 1977/83) >
O António Graça de Abreu
na praça Tianamen

1. Declaração de interesses: não vou  à China, não tenho  descontos na viagem à China, nem sequer direito a uma malga de arroz chau chau... Não sou sinófilo, nem sinófobo, nem sequer sinólogo.  Mas tudo o que é humano e terreno me interessa.

Se eu tivesse menos uns aninhos, saúde e patacão,  também gostaria de ir à China,  ciceroneado pelo nosso grão-tabanqueiro  António Graça de Abreu, na esteira de outros camaradas que já fizeram em 2014 esta viagem turístico-cultural (o António PImentel, o Fernando Gouveia e o Egídio Lopes). (*)

Resumindo, o António, um histórico do nosso blogue, merece este postezinho promocional... 

Aproveite quem quiser e puder, porque será um privilégio ter como guia um antigo camarada da Guiné, "globetrotter", grande sinólogo (especialista em história e cultura chinesas) e um português não menos amante da sua pátria e da sua língua (*)

Para mais informações contactar a agência Globalis através de:

e-mail: grupos@globalisviagens.com
ou telefone:  (+351) 213 502 201.


ÚLTIMOS DIAS! Viagem de Grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024 (**)
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quinta-feira, 20 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25663: Os nossos seres, saberes e lazeres (633): viagem à China, de 1 a 12 de setembro próximo, com um cicerone de luxo, o nosso camarada António Graça de Abreu



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Para mais informações contactar via
+351 21 350 22 00 ou através de mail: reservas@globalisviagens.com




1. Não é publicidade encapotada: já vários camaradas nossos,  grão-tabanqueiros e outros (o António PImentel, o Fernando Gouveia e o Egídio Lopes) fizeram há  uns anos, em 2014,  esta viagem turístico-cultural à China, com um cicerone de luxo como é o nosso António Graça de Abreu.  

É uma oportunidade, talvez única, nesta incarnação, de conhecer Beijing (Pequim), Xi'An, Shangai, Macau e Hong Kong, em visita guiada feita por um antigo camarada da Guiné, grande sinólogo (especialista em história e cultura chinesas)e não menos amante da sua pátria e da sua língua.

Xi'an,  cidade com mais 3 mil anos de história, era o limite oriental da Rota da Seda. Hoje atração turística por ser  também  o lugar do Exército de terracota, construídos durante a dinastia Qin.  O resto dos destinos são mais conhecidos, incluindo Beijing/Pequim.

O preço da viagem em grupo não será para todas as bolsas... Mas haverá sempre algum de nós com uma herança de uma tia rica e solterinha...

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25468: Notas de leitura (1687): "Poemas de Su Dongpo", introdução e notas de António Graça de Abreu (Lisboa, Grão-Falar, 2023, 177 pp.) Parte I


Capa do livro, "Poemas de Su Dongpo". Tradução, introdução e notas de António Graça de Abreu (Lisboa, Grão-Falar, 2023, 177 pp.). O livro pode ser encomendado através da plataforma Wook.



Amável dedicatória autografada do autor do livro, que eu aceito como homenagem ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande, onde cabemos todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar.


1. Mais um trabalho do nosso amigo e camarada António Graça  de Abreu, escritor, poeta, tradutor, sinólogo (especialista em língua, história e cultura do Império do Meio,a grande China) (tem 343 referências no blogue). 

Culmimando um aturado e meticuloso labor de vários anos, dá agora à estampa os "Poemas de Su Dongpo", poeta chinês do séc XI.

Pormenor que não nos escapou, numa primeira leitura aprazível e atenta, foi a dedicatória que o autor faz a uma pessoa que lhe era muito querida e que morreu nesse ano de 2023, o avô dos seus filhos: "Em memória de Wang Renlun (1929-2023), alma de Su Dongo, meu Pai, meu Mestre,meu Amigo".

O poeta (e mandarim, mas também pintor, calígrafo, escritor multifacetado) é um dos grandes da literatura chinesa, tendo nascido em 1037 na cidade de Meishan, cidade da província de Sichuan, "no sopé de Emeishan, uma das quatro montanhas sagradas do budismo chinês" (pág. 9). E morreu em 1101, aos 64 anos, depois de uma vida exaltante e atormentada, em que conheceu tudo, o amor, a fama, a glória, o exílio. 

Das cerca de três centenas de poemas de Su Dongpo que chegaram aos nossos dias, o António Graça de Abreu traduziu para português 160. Para ele, é também uma aventura, uma ousadia, um prazer.

Nas suas cinquenta páginas iniciais, em que faz uma detalhada introdução à vida e obra do poeta ("Su Dongpo, um poderoso ser humano", pp. 9-59),  o nosso sinólogo debruça-se, mais uma vez, sobre a difícil arte e engenho que é a tradução da poesia, e para mais em língua chinesa clássica... Citando Nuno Júdice (que acaba de morrer  há um mês e meio), diz que a melhor "tradução" é, no fundo, a que esconde melhor a "traição":

(...) "No que me diz respeito, sei que no poema traduzido tem de estar a voz e o sentir  do poeta chinês,mais a minha própria  leitura poética, em língua portuguesa.Porque se o poema sínico parece intraduzível (por isso eu o traduzo!) avanço paraa  reinvenção, recriação, reimaginacção, transcriação, retradução. E o poema contrabandeado já é outro poema. É de Su Dongpo, mas agora também é meu" (pp. 53/54)... 

É intelectualmente honesto ao reconhecer as suas próprias limitações da língua chinesa: "É bárbaro e redutor eu ter começado a estudar chinês apenas nos primeiros seis anos de vida na China, já com 30 anos de idade" (pág. 54).


Pequeno vídeo ('54), com um excerto do programa da SIC Notícias em que o poeta e crítico literário Pedro Mexia faz uma referência a este último trabalho de tradução do António Graça de Abreu. Um justa referência. (Cortesia do filho do tradutor, o João Wang de Abreu, que gravou o excerto, e naturalmente à estação televisiva)


Este livrinho merece mais notas de leitura (pelo menso uma II Parte). Daqui a duas horas vou para o hospital para ser operado a uma  segunda catarata, mas quero aqui deixar um agradecimento ao nosso amigo e camarada por nos dar o privilégio de podermos ler, na língua de Camões, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e Mia Couto, um expoente máximo da poesia clássica chinesa, que ainda hoje se lê pela sua humanidade, universalidade, atualidade e "legibilidade" (o termo, muito apropriado,  é do Pedro Mexia).

Aqui vai um um dos poemas traduzidos, e que eu assinalei, como um dos que mais gostei:

Sonhando com a esposa morta, há dez anos atrás:

Dez anos, a vastidão da vida e da morte,
não quero pensar, não consigo esquecer,
a mais de cem léguas,
o teu túmulo frio, solitário.
A quem confessar  tanto sofrer ?
Se nos reencontrássemos hoje,
não me reconhecerias,
a cara coberta de poeira,
os cabelos como  geada branca.
Num sonho, esta noite,
o regresso ao nosso lar.
Diante da janela,, escolhias o vestido,
pintavas cuidadosamente  o rosto.
Olhámos um para o outro, em silêncio,
lágrimas corriam em nossas faces.
Ano após ano.
o mesmo sonho rasgando oo coração.
No teu túmulo, entre pinheiros,
o brilho do luar subindo a colina. 

(In: António Graça de Abreu - "Poemas de Su Dongpo", Lisboa, 2023, pág. 104.).

Em nota de rodapé, o tradutor explica-nos que este poema foi escrito em 1075, onze anos depois da morte, de parto (aos 26 anos), da sua jovem esposa (tinha 16 anos quando se casaram). O bebé também não sobreviveu. "É um dos mais sentidos e famosos poemas da literatura chinesa", sendo "a dor profunda, a beleza trágica das palavras intraduzíveis  para português". (pág. 104)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25459: Notas de leitura (1686): O islamismo na Guiné Portuguesa, de José Júlio Gonçalves, edição de 1961 (Mário Beja Santos)

domingo, 31 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25322: Um conto de António Graça de Abeu: "Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (2018) - III (e última) Parte


República Popular da China > Pequim > s/d (c. 1977/73)  > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



aqui na casa dos 30 anos (nasceu no Porto, 
em 1947). Tem cerca de 340 referèncias 
no nosso blogue.
Foi alf mil, CAOP1 (Teixeira Pibnto, 
Mansoa e Cufar, 1972/74). 
Viveu e trabalhou na China, em Pequim 
e Xangai, de 1977 a 1983. Sinólogo, tradutor,
 poeta,  escritor e professor universitário.


Capa do livro. Contato do autor:
abreuchina@netcabo.pt


1. Terceira (e última)  parte do conto, " Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" extraído do livro "Lay-Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Póvoa de Santa Iria, Lua de Marfim Editora, 2019, pp. 36-57) (capa acima).

É uma  gentileza do autor e nosso camarada, a quem agradecemos, em nome da nossa Tabanca Grande. 

Sinopse: É uma história de encontro e separação de duas culturas, e de amores efémeros de um homem (Bernardo, português, com formação universitária, e já na casa dos 30 e tal, claramente um "alter ego" do escritor) e uma jovem chinesa, de 24 anos,  nascida em Cantão, e levada em pequerna com os pais para Macau, onde e trabalha (não fala português).

Estamos em 1981 em Cantão e em Macau (território ainda sob administração portuguesa, até 1999).


Lay Yong e Bernardo conheceram-se quando viajaram juntos, em 1981. na "ferry-boat" que fazia a viagem, de 120 quilómetros, entre Cantão e Macau, ao longo do rio das Pérolas (*)

 

Lai Yong e Bernardo, uma História Simples - III (e última) Parte

por António Graça de Abreu (*)

VII

Macau está a actuar sobre Bernardo como um turbilhão de descobertas e prazeres. Inevitabilidade dos seus trinta e poucos anos, ainda, sempre imaturos, os flancos expostos a todos os ventos e tempestades. O português de Pequim pensa, repensa-se.

Descobre, redescobre-se. Quer e não quer, avança e recua. É, determinado e hesitante, confiante e receoso. Vagueia pelo âmago de Macau, esta China que não é a sua China, abraça uma mulher chinesa, toda dádiva e formosura, uma mulher que não é a sua mulher. Bernardo caminha confundido.

Sábado de manhã. Lai Yong tem todo o dia livre. Vou buscá-la a casa, lá no extremo da rua da Praia do Manduco. Manda-me entrar. Subimos a escada, um segundo andar acanhado, num edifício antigo de quatro pisos, bolorento e húmido, bem ao modo da velha Macau. Porquê levar Bernardo para o patamar aparentemente pobre do seu dia a dia? 

Apresenta-me aos pais, gente humilde que jamais vira um português a entrar-lhes portas adentro. Curiosos, afáveis, oferecem-me chá. Ignoro o que a filha lhes contou a meu respeito, mas sou recebido com a singeleza das pessoas de bem da China eterna.

Despedimo-nos. Um cumprimento de mãos juntas e saio com a Lai Yong. Vamos até à ilha de Coloane. O minibus 7 atravessa a ponte para a Taipa e depois o istmo até Coloane, a ilha que foi outrora coio e pertença de piratas e só em 1910 entrou para a efectiva e completa governação portuguesa de Macau.

Passear a pé por Coloane, de mão na mão. O sorriso infindável da Lai Yong ondulando entre os lábios, mais as sibilantes frestas dos seus olhos. Na capela de S.Francisco Xavier, uma Nossa Senhora chinesa com um Menino Jesus nos braços vestido de imperador criança. Ela não acredita muito no Deus cristão do Ocidente, diz-me que lhe faz confusão um Cristo sofredor, agonizante, seminu, espetado numa cruz semelhante aos dois traços do caractere chinês shi 十, o número dez. 

Também não entende muito bem o que vem a ser um pecado, uma coisa mal feita capaz de nos condenar ao fogo dos infernos. Mas respeita o Deus estrangeiro e quem sabe se um dia não precisará da sua ajuda…

Almoçamos na pousada de Cheoc-van, debruçados sobre o mar, com a pequena enseada e a praia lá em baixo. A suavidade destas ilhas, o mar em volta, a abastança portuguesa em terras chinesas. No restaurante da pousada, na larga mesa ao fundo, um secretário-adjunto do governo de Macau -- que me conhece e me cumprimentou ao entrar, admirando a minha presença por ali com uma beldade chinesa --, oferece um banquete a uns tantos figurões acabados de chegar de Portugal, convidados oficiais que, como de costume, se deliciam com as mordomias que Macau tem para lhes oferecer.

São, por norma, portugueses mal acostumados, que recebem bastante de Macau mas pouco ou nada dão à cidade. Encolhidos na nossa pequenez, a Lai Yong e eu apaladamos festivamente a boca num excelente repasto com delícias portuguesas. 

Ela pergunta-me se eu conheço pessoas importantes em Macau, homens com poder e mando. Digo-lhe que sou um pobre Beijing ren 北京人, um “homem de Pequim”. Na capital da China, no meu relacionamento com os poderosos, limito-me a vê-los passar, eu não mando nada, e em Macau acontece exactamente o mesmo.

Acabámos o almoço a passear os olhos, e entendimentos, um no outro, depois a diluir o olhar no mar de Cheoc-van.

À tarde descemos para a praia de Hac-sá –Heisha 黑沙 em mandarim– que, com todo o rigor, significa “Areia Preta”. Um dia de sol, céu quase azul, as águas levemente amareladas e o areal prateado resplandecendo.

Descalçamos os sapatos, arregaçamos as calças até aos joelhos, molhamos os pés, chapinamos na água, nas ondas pequenas que morrem na praia. Corremos na areia escura, como crianças inocentes e limpas, libertas de mil cadeias e medos. Abraço a Lai Yong, aperto-a no peito. Deixa-se enlanguescer como uma pequena onda desfalecendo em mim. Beijos de sal, as bocas como flores de lótus abrindo, trocamos de línguas e de saliva, num desvairo de fogo e desatino. Voltamos a correr pela praia, a parar, a juntar, a abraçar os nossos corpos. Até o dragão que habita no fundo das águas do mar, entusiasmado, sobe e vem ouvir a nossa música.

Regressamos a Macau. O meu lar eventual e passageiro é um mini-escritório com uma sala grande, dois quartos e quatro camas. É o office emprestado por um amigo português que alugou o espaço para alojar uns pares de contabilistas de Hong Kong que vêm regularmente a Macau proceder a escritas de empresas. Está vazio, fica também na velha cidade, não longe da casa da Lai Yong, no Pátio da Casa Forte, ao lado da rua Central, diante da igreja de S. Lourenço. 

Levo-a comigo, flutuando a meu lado como uma fénix celestial. Mas é jade puro, mulher quase perfeita. Ou um bombom terreno, a prata a envolver o corpo para eu desembrulhar e comer.

Lai Yong dá-me a honra de a despir. Lentamente, folha a folha, pétala a pétala, de deixar correr os meus lábios pela sua pele fina, de seda imaculada, perfumada a almíscar e jasmim, de amaciar os dedos nos seus seios maravilha, do tamanho do desejo da concha da minha mão, de tocar, beijar duas framboesas róseas e de colher a peónia à solta no seu ventre. Abertas as portas de jade, o riso doce, o gosto da alegria. Mil espantos, dez mil carícias, yun yu 云雨, embalados no antiquíssimo jogo das nuvens e da chuva, a arte do quarto de dormir, para enobrecer os dias e as noites.

Nas últimas horas de estadia em Macau, antes do regresso de Bernardo a Pequim , vamos jantar à pousada de Santiago da Barra. Não é barato, mas nós merecemos tudo.

Pouco antes de partir, pergunto à Lai Yong:

– Para quando um reencontro? Qual vai ser o nosso futuro?

Responde-me, mais ou menos assim:

– Não temos futuro um com o outro. Vivemos o dia a dia, vivemos hoje. Não nos vamos preocupar com o ontem nem com o amanhã. Vivemos agora o prazer de um homem e de uma mulher que se dão bem, que gostam de estar juntos. Mais nada. Tu seguirás o teu destino, em Pequim, eu caminharei por Macau, por Cantão, pelas minhas cidades. Foi muito bom conhecer-te. Guarda-me na tua memória, eu guardar-te-ei também, mas não me dês demasiada importância. Desejo a tua felicidade.

Amores em Macau, breves e leves como névoa, brisas de Outono, carícias solenes no perpassar dos dias.

Um soluço na garganta e adeus, Lai Yong, O Bernardo promete-te que um dia, daqui a muitos anos, se for capaz, escreverá a nossa história simples.


VIII

Nesta viagem, depois de Macau, Bernardo seguiu para Hong Kong onde comprou uma edição chinesa e outra em tradução inglesa da Jin Pin Mei 金瓶梅, um romance de costumes da dinastia Ming, atribuído com muitas dúvidas a Wang Shizhen (1526-1590) com dezenas de poemas onde o erotismo campeia. 

É um dos “cinco grandes romances” da literatura chinesa (os outros quatro são “À Beira de Água”, “Romance dos Três Reinos”, a “Peregrinação a Oeste” e “O Sonho do Pavilhão Vermelho”).

Na longa viagem de regresso à capital, durante quase mais dois dias de comboio de Cantão para Pequim, Bernardo traduziu o seguinte poema da Jin Pin Mei:


Amor em segredo

Os patos-mandarim brincam na água,
os pescoços entrelaçados.

Duas garças caminham entre as flores.
as cabeças, par a par.

Dois ramos selvagens abraçam-se, felizes,
exaltando o prazer da união dos amantes.

Os lábios do rapaz na boca da mulher,
ela abandona o rosto a todas as carícias.

Descalça as meias de seda,
mostra os seios levantados, como duas luas.

Uma nuvem de cabelos negros,
seu alfinete dourado cai na almofada.

Juram ambos o sublimar da paixão
por montanhas e mares.

Ela é o decoro da névoa, a timidez da chuva,
ele, o golpe suave no seu arco de jade.

Trocam salivas, as línguas húmidas
num desvairo, rejuvenescidos pela Primavera.

Ofegante a sua boquinha de cereja,
os olhos do sonho, duas estrelas cintilantes,
seu suor são gotas de jade perfumado,
os seios cremosos abanam como orquídeas na brisa,
o orvalho goteja e cai no coração escondido da peónia.

Sim, tão doce um casamento abençoado e casto,
mas nada melhor do que um amor em segredo.

António Graça de Abreu

Fim

(Seleção,  revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste poste: LG)

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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série de: