segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26432: Notas de leitura (1767): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Entre os historiadores estrangeiros que se debruçaram aturadamente sobre o império marítimo português, Charles Ralph Boxer é um dos nomes mais sonantes. Convidado a fazer um texto sobre o balanço da colonização portuguesa, em 1975, centrou as suas observações em África, entre 1415 e 1800. Começa logo por dizer que as praças-fortes semeadas ao longos das costas africanas eram essencialmente entrepostos de escravatura, houve uma contradição de base jamais resolvida: a apregoada propagação da fé e conversão das populações africanas, isto enquanto se escravizam as mesmas almas que eram objeto de cuidados dos missionários. Havia singularidades como Cabo Verde e S. Tomé, onde se assistiu à destribalização e à cristianização, mulatos e negros livres trabalhavam a terra e mesmo em S. Tomé possuíram a maior parte da ilha, daí o massacre de Batepá, em 1953, quando o Estado Novo se pôs ao lado dos roceiros e os seus propósitos capitalistas; Boxer chama a atenção para a fanfarronice dos monarcas portugueses intitularem-se "Senhores da Guiné", coisa que nunca foram; e dá-nos um quadro admirável da presença portuguesa no Congo, não deixando no final do artigo de recordar que a ocupação efetiva do interior e as tentativas bem-sucedidas da colonização branca datarem apenas dos fins do século XIX.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço. Demos a palavra já aos professores Banha de Andrade e Frédéric Mauro, excluímos Eric Axelson dado que este se focaliza na colonização portuguesa no sudeste africano entre 1505 e 1900, e damos agora a palavra a Charles Boxer que se irá centrar no tema As raízes de Portugal em África, 1415-1800. Este eminente historiador recorda que a presença portuguesa em África foi objeto de grandes divergências entre diferentes historiadores. Houve críticos que clamaram que durante mais de três séculos o interesse primacial de Portugal era o comércio negreiro. “As praças-fortes portuguesas semeadas ao longo das costas africanas de Arguim (1445), na Mauritânia, a Mombaça (1593), no Quénia, eram essencialmente entrepostos de escravatura. Mesmo após a sua relutante abolição da escravatura no decurso do século XIX, os portugueses continuaram a depender fortemente de várias categorias de trabalho forçado ou contratado, que frequentemente eram formas ligeiramente disfarçadas de servidão.”

Em oposição, houve quem escrevesse e argumentasse que os portugueses eram mais humanos no trato dos escravos do que quaisquer outros europeus, não tinham barreiras de cor nem preconceitos sexuais. Nesta observação havia um dado histórico irrefutável: “Os portugueses tinham sido parte integrante da cena africana por mais de quatro séculos.” E lembra um depoimento de Cunha Leal, um crítico de Salazar, que assim escrevia: “É preferível, mil vezes preferível, o nosso colonialismo honrado e progressivo, ao colonialismo de certos anticolonialistas, em especial ao da Rússia, com os seus campos de concentração, e ao dos EUA, com o seu odioso racismo interno.” Há em tudo isto uma dicotomia nas atitudes portuguesas com os africanos nunca resolvida: por um lado, o propósito de converter os africanos ao cristianismo e, por outro, a ânsia em escravizar os tais pagãos ignorantes.

Quando os portugueses chegaram a Terra dos Negros, a Senegâmbia, rapidamente compreenderam que era muito proveitoso obter escravos através de permuta com os Mandingas, os Jalofos e outros povos, independentemente de as navegações irem descendo a caminho do Cabo da Boa Esperança. A grande maioria destes chefes africanos não puseram dificuldades em permutar homens, mulheres e crianças capturados em guerras intertribais. E Boxer também observa que os escravos africanos trazidos para Portugal eram relativamente bem tratados, apesar das práticas discriminatórias (por exemplo, os negros livres não podiam tornar-se aprendizes da corporação dos ourives). Nalguns lugares (caso de S. Tomé) os africanos destribalizaram-se e cristianizaram-se. E nasceu uma nova realidade: “Os brancos guardaram o controlo dos altos postos do governo, da Igreja, e da economia; mas os mulatos, mestiços ou filhos da terra, obtinham por vezes posições de poder ou influência, bem como boa parte da terra (…)"

As ilhas de Cabo Verde eram descritas pelo seu governador em 1628 como sendo o cemitério e a estrumeira do império português. Em contrapartida, um jesuíta português que visitou a ilha de Santiago durante a semana de Natal de 1652, ficou muito impressionado com o alto nível do clero indígena. Escreveu o Padre António Vieira: “São todos pretos, mas somente neste acidente se distinguem dos europeus. Têm grande juízo e habilidade e toda a política que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina a natureza. Há aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas são compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer inveja aos que lá vemos nas nossas catedrais.”

Refere igualmente Boxer que embora os monarcas portugueses se intitulassem “Senhores da Guiné” desde 1481, a Coroa não fez qualquer tentativa para ocupar mais do que uns quantos postos de apoio costeiros com vista ao comércio de escravos, ouro, marfim, cera, malagueta, entre outros. A língua portuguesa passou a ser língua franca por muitos nos Rios da Guiné, muitos topónimos da costa ocidental africana são também de origem portuguesa. Os portugueses permaneceram em S. Jorge da Mina até 1637, estavam acantonados, mas permutavam bacias de latão, braceletes, contas, têxteis e outras mercadorias por ouro, marfim e escravos trazidos por mercadores africanos do interior. Mantiveram contactos de grande significado, caso do Benim, que era então o mais importante Estado do que é hoje a Nigéria. A presença portuguesa ficou atestada pelos bronzes a marfins artísticos produzidos no século XVI, representando soldados portugueses, mercadores de escravos, e por pequenos artigos tais como pimenteiros, saleiros que vieram a ser transacionados no mercado europeu. A ação missionária a norte do Equador não conduziu a resultados duradouros, mas os missionários foram mais bem-sucedidos no velho reino do Congo, e Boxer alarga-se em considerações sobre a presença portuguesa na região.

Pelo adiante, dirá que os portugueses nunca tentaram estabelecer-se no Cabo da Boa Esperança e observa que as suas praças-fortes costeiras no atual território de Moçambique, Sofala (1505), ilha de Moçambique (1507) e Quelimane eram escassamente povoadas e só a ilha era fortemente fortificada. E dá conta de como se processou entre os séculos XVI e XVII as formas de ocupação no vale do Zambeze e na região de Manica. Ajeitando as conclusões neste seu artigo, Boxer dirá que as raízes portuguesas em África até tempos recentes da ocupação efetiva do território foram sempre muito fracas. “Por exemplo, em meados do século XIX havia apenas 1800 brancos em Angola, a maioria dos quais em Luanda. Bissau tinha só 16 europeus; e a ilha de Moçambique, que se manteve continuamente na mão dos portugueses desde 1507, tinha só 6 famílias brancas em 1822.”

É evidente que as doenças tropicais, particularmente a malária, a disenteria infeciosa, a febre biliosa, a doença do sono e a triquiníase fizeram de África o que se designava pelo túmulo do homem branco antes das descobertas científicas e médicas de fins do século XIX. E Boxer adianta uma outra observação: “O homem português emigrava sozinho para África. Raramente o acompanhava uma mulher branca até mesmo ao século presente.” E, mais adiante: “E é por demais sabido que as tribos africanas e os povos para além da franja costeira opunham uma resistência muito forte (…) As raízes portuguesas em África limitaram-se por séculos aos estabelecimentos costeiros e a alguns vales insalubres. A ocupação efetiva do interior e tentativas bem-sucedidas de colonização branca datam apenas de fins do século XIX e particularmente dos tempos da Segunda Guerra Mundial.”

Findo o texto de Charles Boxer, Joel Serrão reserva-nos um texto admirável, datado de janeiro de 1975.

Charles Ralph Boxer (1904-2000)
Castelo de São Jorge da Mina, Gana, imagem recente
Saleiro bini-português, século XVI
Saleiro bini-português, século XVI
Fortaleza de Cacheu, Caminho de Escravos
Cabo Verde, desenterrada a igreja mais antiga dos trópicos. Imagem do Público, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Vd. post de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 24 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

"Entre os historiadores estrangeiros que se debruçaram aturadamente sobre o império marítimo português, " que Beja Santos nos traz, ele não diz, mas podemos dizer à vontade, esses estrangeiros, que se dedicam à nossa história colonial, só e apenas porque continuam de" boca aberta" com o que os 13 anos da nossa guerra lhe mostraram.

Mesmo os historiadores mais nossos conhecidos como René Pélissier, não fossem aqueles treze anos de guerra, nem uma linha tinha gasto sobre o assunto "colónias portuguesas".

Porque até esta guerra, Portugal nunca tinha colonizado nada, apenas historicamente tinha escravizado.

De facto colonizámos pouquinho, explorámos pouquinho, aculturámos (educámos) pouquinho, também matámos muito menos que os outros...é isso o que os historiadores estrangeiros (europeus, brancos, eurocentricos) querem dizer resumidamente.

Mesmo alguns historiadores apenas lhe despertou mais o assunto colonial português, após a quebra abrupta da rotina portuguesa como 25 de Abril, vamos lá ver oque se passa naquele cantinho.

Mas que escrevam, é sempre bom