Chegou a Bissau, a 2 de março de 2019, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo.
Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (8): Andebol... Bon bias (boa viagem)
por Luís Oliveira
O andebol na Guiné-Bissau é um parente pobre do desporto tal como infelizmente acontece em Portugal, onde o futebol é rei e quase sempre pelos piores motivos, mas ser ignorado num país pobre e com muitas dificuldades é muito pior.
O projecto que me encaminhou para a Guiné-Bissau foi a criação de uma “oficina de andebol” na escola privada Humberto Braima Sambú.
Andebol... Bon bias II
Roberto Sá, licenciado pela Escola Superior de Educação Física de Bissau com a especialização de Andebol, antigo praticante, treinador e actualmente secretário da direcção Técnica da Federação de Andebol da Guiné-Bissau e quem coordena todo o trabalho da Academia de Brá, pediu-me para no passado domingo, dia 24 de Março estivesse no campo de jogos pelas sete horas.
O Roberto Sá é um herói, há onze anos que rema para manter vivo o Andebol na Guiné-Bissau. O seu amor pela modalidade arrastou vários jovens que com ele há sete anos trabalham no processo de formação de jogadores, alguns pagando 400 Fancos por dia em deslocações em TocToc para o Bairro Militar, são um exemplo de resiliência, de esforço pessoal com uma motivação que resulta apenas do seu grande amor pela modalidade.
Hoje pelas 11.00 horas tive um telefonema do Roberto, o homem de poucas palavras.
-Luís, o stress está a passar, vamos agora partir para a Mauritânia.
O andebol na Guiné-Bissau é um parente pobre do desporto tal como infelizmente acontece em Portugal, onde o futebol é rei e quase sempre pelos piores motivos, mas ser ignorado num país pobre e com muitas dificuldades é muito pior.
O projecto que me encaminhou para a Guiné-Bissau foi a criação de uma “oficina de andebol” na escola privada Humberto Braima Sambú.
Dado não ter competências nas áreas de educação formal e mesmo no que se refere ao andebol, embora tenha sido praticante, treinador e dirigente, apenas fiz o curso de treinadores do segundo grau vocacionado para a formação de jovens andebolistas, foi esta a forma de dar o meu ínfimo contributo para este povo de quem tanto gosto.
Desde que a minha candidatura foi aceite, tentei actualizar conhecimentos, planeei sessões de treino, contei com a generosidade da D. Ana Maria Cabral, da Associação de Andebol de Lisboa com a doação de materiais que, embora usados, muita utilidade têm aqui, adquiri bolas e pinos destinados ao treino e tudo isto dirigido para escalões de formação Bambis e Iniciados.
Só que para planificar há que ter um conhecimento de todos os factores em análise e das suas variáveis e ignorei que a realidade da população escolar diverge do que estava habituado. Desde o primeiro ao sexto ano do ensino básico na Guiné-Bissau coexistem alunos dos 9 aos 18 anos ou por vezes até mais velhos.
Após quase duas semanas a aguardar o resgate dos materiais enviados de Lisboa, tive a feliz surpresa de ver um grupo a jogar à bola com a mão e dirigi-me de imediato para o campo onde estava a decorrer um jogo, sendo os participantes maioritariamente do sexo feminino.
Após o apito final interpelei os jovens que me pareciam dirigir aquele jogo e fiquei a saber pertencerem a um clube, Academia de Brá. Treinam num campo de reduzidas dimensões, parte integrante de instalações criadas por uma ONG no Bairro Militar .
Conversa de apaixonados pela modalidade levaram a que me convidassem de imediato a cooperar com eles e no dia seguinte às sete da manhã começo o primeiro dia de treinos na Guiné.
Planos de treino dirigidos para Bambis e Iniciados é para ignorar. Aparecem crianças e jovens adultos e há que ser flexível e adaptar à realidade do jogar a bola à mão!
Reorganizámos o horário dos treinos, dois diários das 7.30 às 10.30 e das 16.30 às 18.30, separámos o treino por escalões etários aceitáveis e começou a aventura.
O entusiasmo foi aumentando, a escola privada Humberto Braima Sambú finalmente resgatou os materiais que estavam nos correios e fez uma cerimónia simbólica da entrega destes ao Presidente da Associação de Alunos e passados três dias no treino da tarde aparecem mais de sessenta candidatos a andebolistas de todos os tamanhos e idades.
Desde que a minha candidatura foi aceite, tentei actualizar conhecimentos, planeei sessões de treino, contei com a generosidade da D. Ana Maria Cabral, da Associação de Andebol de Lisboa com a doação de materiais que, embora usados, muita utilidade têm aqui, adquiri bolas e pinos destinados ao treino e tudo isto dirigido para escalões de formação Bambis e Iniciados.
Só que para planificar há que ter um conhecimento de todos os factores em análise e das suas variáveis e ignorei que a realidade da população escolar diverge do que estava habituado. Desde o primeiro ao sexto ano do ensino básico na Guiné-Bissau coexistem alunos dos 9 aos 18 anos ou por vezes até mais velhos.
Após quase duas semanas a aguardar o resgate dos materiais enviados de Lisboa, tive a feliz surpresa de ver um grupo a jogar à bola com a mão e dirigi-me de imediato para o campo onde estava a decorrer um jogo, sendo os participantes maioritariamente do sexo feminino.
Após o apito final interpelei os jovens que me pareciam dirigir aquele jogo e fiquei a saber pertencerem a um clube, Academia de Brá. Treinam num campo de reduzidas dimensões, parte integrante de instalações criadas por uma ONG no Bairro Militar .
Conversa de apaixonados pela modalidade levaram a que me convidassem de imediato a cooperar com eles e no dia seguinte às sete da manhã começo o primeiro dia de treinos na Guiné.
Planos de treino dirigidos para Bambis e Iniciados é para ignorar. Aparecem crianças e jovens adultos e há que ser flexível e adaptar à realidade do jogar a bola à mão!
Reorganizámos o horário dos treinos, dois diários das 7.30 às 10.30 e das 16.30 às 18.30, separámos o treino por escalões etários aceitáveis e começou a aventura.
O entusiasmo foi aumentando, a escola privada Humberto Braima Sambú finalmente resgatou os materiais que estavam nos correios e fez uma cerimónia simbólica da entrega destes ao Presidente da Associação de Alunos e passados três dias no treino da tarde aparecem mais de sessenta candidatos a andebolistas de todos os tamanhos e idades.
Quase entrei em pânico, não podia excluir ninguém, porque o principal propósito do desporto de formação é a inclusão, não tinha materiais nem espaço útil para fazer andebol mas tinha que fazer qualquer coisa e as bolas 00 destinadas a iniciação tinham que acariciar as mão adultas de muitos candidatos.
Reuni com o Edmilsom e com o Yaiai e avançámos. Tivemos de abdicar de alguns candidatos a jogadores que se apresentavam ao treino de chinelos ou havaianas explicando os riscos que eles próprios corriam sem a utilização de calçado adequado, as senhoras foram convidadas a retirar fios e brincos e ainda de aparecerem de unhas cortadas no próximo treino e começamos o que eu comparo a uma viagem de dez pessoas no mesmo táxi.
Tudo devagarinho para ninguém se aleijar no campo cimentado e com barreiras laterais do mesmo material. Aqui ninguém tem seguro e os serviços de saúde são de evitar.
Lá se fez o treino, as bolas foram experimentadas por todos os participantes e toca a reorganizar.
Da Escola Humberto Braima Sambú, apareceram já sessenta e quatro inscrições de interessados que vão dos 10 aos 18 anos (idade que decidimos ser a limite para a actividade), os dois treinos diários passaram a quatro na próxima semana, de modo a não exceder os vinte jogadores por treino e cá vamos passo a passo com a bola na mão.
Reuni com o Edmilsom e com o Yaiai e avançámos. Tivemos de abdicar de alguns candidatos a jogadores que se apresentavam ao treino de chinelos ou havaianas explicando os riscos que eles próprios corriam sem a utilização de calçado adequado, as senhoras foram convidadas a retirar fios e brincos e ainda de aparecerem de unhas cortadas no próximo treino e começamos o que eu comparo a uma viagem de dez pessoas no mesmo táxi.
Tudo devagarinho para ninguém se aleijar no campo cimentado e com barreiras laterais do mesmo material. Aqui ninguém tem seguro e os serviços de saúde são de evitar.
Lá se fez o treino, as bolas foram experimentadas por todos os participantes e toca a reorganizar.
Da Escola Humberto Braima Sambú, apareceram já sessenta e quatro inscrições de interessados que vão dos 10 aos 18 anos (idade que decidimos ser a limite para a actividade), os dois treinos diários passaram a quatro na próxima semana, de modo a não exceder os vinte jogadores por treino e cá vamos passo a passo com a bola na mão.
Andebol... Bon bias II
Roberto Sá, licenciado pela Escola Superior de Educação Física de Bissau com a especialização de Andebol, antigo praticante, treinador e actualmente secretário da direcção Técnica da Federação de Andebol da Guiné-Bissau e quem coordena todo o trabalho da Academia de Brá, pediu-me para no passado domingo, dia 24 de Março estivesse no campo de jogos pelas sete horas.
Embora não estivesse programada qualquer actividade e sendo o Roberto homem de poucas palavras, anuí sem nada perguntar e lá nos encontrámos à hora marcada. Apanhámos o TocaToca e rumámos ao estádio Lino Correia no centro de Bissau. Tratava-se do treino da selecção feminina da Guiné-Bissau que irá participar num torneio na Mauritânia.
Fiquei muito honrado com o convite mas tive a noção da fragilidade daquela selecção resultante da total ausência de condições de treino e de um calendário competitivo que eleve o nível físico, técnico e táctico exigido a uma seleção representativa de um país.
Durante a semana fomos dialogando sobre o atraso na partida da selecção devido a imensa burocracia da entrega dos passaportes das atletas bem como da inscrição dos vistos, situação que ia preocupando cada vez mais o Roberto.
Fiquei muito honrado com o convite mas tive a noção da fragilidade daquela selecção resultante da total ausência de condições de treino e de um calendário competitivo que eleve o nível físico, técnico e táctico exigido a uma seleção representativa de um país.
Durante a semana fomos dialogando sobre o atraso na partida da selecção devido a imensa burocracia da entrega dos passaportes das atletas bem como da inscrição dos vistos, situação que ia preocupando cada vez mais o Roberto.
A data limite prevista para a partida era hoje, sexta-feira 29 de Março ainda ontem, véspera da partida não estavam concluídos os processos burocráticos e surgiu um novo obstáculo. A selecção não dispunha de equipamentos suficientes para as atletas nem de um alternativo como é obrigatório. O equipamento existente tinha sido oferecido há dez anos à Federação pelo comité olímpico e a partir daí mais nenhum apoio foi concedido.
O Roberto já tinha pedido um equipamento de guarda redes ao Romário, Presidente da Associação de Alunos da Escola Humberto Braima Sambú, mas a única solução expedita para resolver o problema era a utilização de um dos muitos equipamentos doados pela A.A.L. e telefonámos ao Romário que se reuniu connosco no campo enquanto decorria o treino. O jovem que já tinha cedido um equipamento de guarda redes mostrou-se relutante e solicitou uma carta formal da Federação para reunir com os restantes membros da direcção e decidirem o empréstimo.
Eu não queria acreditar!
A Federação não tem secretaria, não tem computador nem impressora e só estas limitações inibiam a apresentação da carta exigida antes da data de partida.
Eu tinha criado uma folha de requisição para controle da utilização materiais e equipamentos e achava ser suficiente a utilização desse documento ficando a responsabilidade de entrega por parte da Federação...mas não!
O Roberto já tinha pedido um equipamento de guarda redes ao Romário, Presidente da Associação de Alunos da Escola Humberto Braima Sambú, mas a única solução expedita para resolver o problema era a utilização de um dos muitos equipamentos doados pela A.A.L. e telefonámos ao Romário que se reuniu connosco no campo enquanto decorria o treino. O jovem que já tinha cedido um equipamento de guarda redes mostrou-se relutante e solicitou uma carta formal da Federação para reunir com os restantes membros da direcção e decidirem o empréstimo.
Eu não queria acreditar!
A Federação não tem secretaria, não tem computador nem impressora e só estas limitações inibiam a apresentação da carta exigida antes da data de partida.
Eu tinha criado uma folha de requisição para controle da utilização materiais e equipamentos e achava ser suficiente a utilização desse documento ficando a responsabilidade de entrega por parte da Federação...mas não!
Pela primeira vez desde que cheguei à Guiné-Bissau utilizei o meu mais vernáculo vocabulário de caserna o que deixou os interlocutores surpreendidos. Os equipamentos tinham sido cedidos gratuitamente, o custo suportado na expedição corresponde a cerca 550.000 F (850,00 €) eu próprio contribuí com cerca de 40.000 F (65,00 €), a escola tem roupa para equipar dez equipas de andebol sem ter tido praticamente qualquer custo mas o vício da burocracia que contagia e atrasa este povo sobrepunha-se ao dever patriótico de apoiar a seleção do próprio País!
Sugeri uma carta a entregar posteriormente com os equipamentos requisitados, a agradecer a amabilidade da escola, mas a coisa mantinha-se num impasse e eu já sugeria que as miúdas jogassem em calcinhas e soutien com o número escrito a marcador nas costas para vergonha de todos os que amarraram a equipa a tal situação.
O Roberto entretanto fazia telefonemas com uma serenidade que admiro e invejo e passado quase uma hora apareceu o Mário Jorge, também técnico da Federação com a tal missiva. Sorte o Mário Jorge ser polícia e estar de serviço na esquadra do Bairro Militar e aí dispor do necessário para o efeito.
Os equipamentos, guardados num contentor comercial de um familiar do professor Humberto, dado a escola não reunir condições de segurança para o efeito, lá foram entregues e mais um obstáculo ultrapassado e o equipamento alternativo da seleção da Guiné-Bissau ostentará o emblema da Associação de Andebol de Lisboa.
Sugeri uma carta a entregar posteriormente com os equipamentos requisitados, a agradecer a amabilidade da escola, mas a coisa mantinha-se num impasse e eu já sugeria que as miúdas jogassem em calcinhas e soutien com o número escrito a marcador nas costas para vergonha de todos os que amarraram a equipa a tal situação.
O Roberto entretanto fazia telefonemas com uma serenidade que admiro e invejo e passado quase uma hora apareceu o Mário Jorge, também técnico da Federação com a tal missiva. Sorte o Mário Jorge ser polícia e estar de serviço na esquadra do Bairro Militar e aí dispor do necessário para o efeito.
Os equipamentos, guardados num contentor comercial de um familiar do professor Humberto, dado a escola não reunir condições de segurança para o efeito, lá foram entregues e mais um obstáculo ultrapassado e o equipamento alternativo da seleção da Guiné-Bissau ostentará o emblema da Associação de Andebol de Lisboa.
O Roberto Sá é um herói, há onze anos que rema para manter vivo o Andebol na Guiné-Bissau. O seu amor pela modalidade arrastou vários jovens que com ele há sete anos trabalham no processo de formação de jogadores, alguns pagando 400 Fancos por dia em deslocações em TocToc para o Bairro Militar, são um exemplo de resiliência, de esforço pessoal com uma motivação que resulta apenas do seu grande amor pela modalidade.
Hoje pelas 11.00 horas tive um telefonema do Roberto, o homem de poucas palavras.
-Luís, o stress está a passar, vamos agora partir para a Mauritânia.
Vão de autocarro! Chegar ao norte da Guiné-Bissau já é uma viagem penosa devido ao estado deplorável das estradas, depois Senegal, a seguir Gâmbia e por fim lá chegarão à Mauritânia.
Independentemente dos resultados, o esforço de participar é inimaginável para os Europeus. A burocracia, a ausência de materiais e a inacreditável viagem de autocarro já faz esta equipa campeã.
Bom bias, Roberto, Bom bias, seleçom.
A minha homenagem e todo o meu respeito e admiração para:
Roberto Sá
Mário Jorge
Edmilson
Virgito
Yáia
Dona
Bissau, 29 de Março de 2019
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 25 DE MARÇO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19620: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): O futebol e não só... O futebol faz parar a cidade... E se as mulheres guineenses parassem ?... Mais de metade da população morreria de fome.
Independentemente dos resultados, o esforço de participar é inimaginável para os Europeus. A burocracia, a ausência de materiais e a inacreditável viagem de autocarro já faz esta equipa campeã.
Bom bias, Roberto, Bom bias, seleçom.
A minha homenagem e todo o meu respeito e admiração para:
Roberto Sá
Mário Jorge
Edmilson
Virgito
Yáia
Dona
Bissau, 29 de Março de 2019
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Nota do editor:
Último poste da série > 25 DE MARÇO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19620: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): O futebol e não só... O futebol faz parar a cidade... E se as mulheres guineenses parassem ?... Mais de metade da população morreria de fome.