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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26855: Facebok...ando (80): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte III: Feitos prisioneiros do PAIGC em 3/8/1968, foram libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22/11/1970: António Júlio Rosa, Geraldino Marques Contino e Victor Capítulo



Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > CCAÇ 3327  > c. 1971/72 > Jovens balantas en traje de festa.  Três anos depois da tragédia de Bissássema,  a CCAV 2765, com apoio de um destacamento de engenharia do BENG 447, deram início em 15 de janeiro de 1971 às obras da construção do quartel da nova tabanca de BissássemaEm 12 de Novembro de 1971, a CCaç 3327 / BII 17 fez deslocar dois pelotões para Bissássema onde foram substituir a CCav 2765. 

Foi a esta companhia açoriana que coube, para além da proteção das tabancas da sua zona,  a missão principal de a construir  um  reordenamento com 100 moranças e váriso equipamentos coletivos.

Foto do álbum do Rui Esteves, ex-furriel miliciano enfermeiro (CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73), e que vive em Vila Nova de Gaia; é um dos históricos da  nossa Tabanca Grande.


Foto (e legenda): © Rui Esteves (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Segunda parte do texto do antigo alf mil at inf da CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69), J. M. Pais Trabulo, disponível na sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo), e também reproduzido na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914).

Hoje Cor GNR ref, Pais Trabulho (natural de Meda, a viver em Gouveia), tem mantido viva a memória desse tempo que foi dramático, para quem nomeadamente esteve em Tite e Bissássema, em fevereiro de 1968 (CART 2314, CART 1743 / BART 1914, milícia e população, etc.).

Esta subunidade, a CART 2314 passou a estar representada na Tabanca Grande pelo ex-fru mil OE/Ranger, MA, Joaquim Caldeira (nº 905) (vive em Coimbra).


Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - 

Parte III: Feitos prisioneiros do PAIGC em 3/8/1968, foram libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22/11/1970:  António Júlio Rosa, Geraldino Marques Contino e Victor Capítulo 



Cor GNR ref Pais Trabulo
(Fonte: página do Facebook)

(...) Mais tarde, precisamente três anos depois, em 15 de janeiro de 1971, a CCAV 2765, com apoio de um destacamento de engenharia do BENG 447, deram início às obras da construção do quartel da nova tabanca de 
Bissássema.

Em 12 de Novembro de 1971, a CCaç 3327 fez deslocar dois pelotões para Bissássema onde foram substituir a CCav 2765. 

Para efeitos operacionais, em Bissássema, a CCaç 3327/BII 17 tinha adidos os Pelotões de Milícias 294 e 295.

Para além da proteção das tabancas da sua zona,  a Companhia tinha como missão principal a construção de 100 casas no reordenamento, construir ainda uma escola, um furo artesiano, eletrificar o perímetro do aquartelamento e uma Cooperativa Agrícola, entre outras iniciativas e ordens recebidas.

Esta CCaç 3327/BII 17 seria substituída em Bissássema pela CArt 6252/Bart 6520/72, tendo cessado as suas funções no TO da Guiné no dia 14 de Dezembro de 1972.

Mais uma vez entendemos recordar e divulgar o sacrifício que estes jovens militares portugueses tiveram no cumprimento do seu dever que, embora lhes tenha sido imposto, o desempenharam com o sacrifício da própria vida, para bem das populações autóctones e do País.

Na madrugada de 22 de novembro de 1970, no decurso da operação “Mar Verde”, estes e outros os prisioneiros portugueses, no total de 26, foram libertados da prisão Montanha por um grupo de combate do Destacamento de Fuzileiros Especiais (Africanos) nº 21, numa ação armada efetuada pelas Forças Armadas Portuguesas na Guiné-Conacri, sob o comando de Alpoim Galvão.

António Júlio Rosa, alferes miliciano, natural da Abrunhosa, Mangualde, e mais dois seus militares, cabo cripto Geraldino Marques Contino e soldado Victor Manuel Jesus Capítulo, da CArt 1743, tinham sido  feitos prisioneiros, na madrugada de 3 de fevereiro de 1968, por forças do PAIGC.



Foto da autoria de Pais Trabulho
 (com a devida vénia...)

Sobre essa noite fatídica de Bissássema no seu livro "Memórias de um prisoneiro de guerra", o alferes miliciano António Júlio Rosa, entretanto falecido, relata-nos:

  • "Seria meia-noite, quando, quem estava já dormindo, e era o meu caso, foi despertado violentamente!... Os 'turras' estavam a atacar!... Ouviam-se rebentamentos e muitas rajadas. Era um fogo contínuo e feroz. O ataque tinha sido desencadeado, a sul, no lado da mata... Estavam lá os africanos de Tite e alguns de Empada. O tiroteio manteve-se muito intenso durante cerca de meia hora. Depois... diminuiu até cessar completamente.
  • "Quando o tiroteio acabou, ficámos convencidos de que o ataque tinha sido repelido. Contactei o Maciel para darmos uma volta pelos abrigos e ver se tudo estava bem. Deslocámo-nos até ao último abrigo do meu pelotão, situado a uns cinquenta metros e verificámos que tudo estava normal.
  • "Íamos prosseguir a nossa ronda para sabermos dos africanos, quando, a uns cinquenta metros, se ouviu uma rajada de pistola-metralhadora. O som parecia vir de dentro do nosso perímetro. Ficámos os dois perplexos porque não tínhamos armas que 'cantassem' assim!...
  • "Regressámos de imediato, à zona do comando e alertámos para a possibilidade do inimigo se achar no meio das nossas forças. Dentro do posto de comando encontrava-me eu, o Maciel, o Cardoso, o Gomes e três operadores das transmissões. De repente, apareceu, transtornado, o comandante da milícia de Tite. Só teve tempo de nos dizer que os ‘turras’ estavam dentro do perímetro e se dirigiam para o local onde nos encontrávamos. Mal acabou de falar fomos atacados. Não deu sequer tempo para se tentar encontrar uma solução!...
  • "Rapidamente, procurámos sair para o exterior. Quando cheguei à porta, seguido pelo Geraldino e pelo Capitulo, rebentou uma granada ofensiva mesmo à nossa frente. Com o sopro da explosão fui empurrado para trás e não via nada pois tinha os olhos cheios de terra. Com o estrondo, fiquei surdo!...
  • "Foi uma sensação horrível!... Pensei que ia morrer!... Foi impressão instantânea que passou em segundos. Entretanto, tive outra sensação!... Tive o pressentimento que ia ser abatido!... Sinceramente fiquei preparado para morrer!...
  • "(...) Senti-me agarrado, ao mesmo tempo que alguém me socava, violentamente, mas não sentia qualquer dor. Estava prisioneiro!... O Dino e o Capitulo tiveram a mesma ‘sorte’!... Seriamos levados para Conacri…”


Geraldino Contino (**)

Sobre o assalto a Bissássema pelo PAIGC, segundo conta o Geraldo Contino: 

  • (...) “Dois dias após a chegada ao terreno, pouco minutos a faltarem para a meia-noite, mais precisamente no dia 2 de fevereiro de 1968, (sexta-feira), um numeroso grupo IN, investiu em direção ao extenso e mal programado perímetro das nossas tropas, pelo lado do pelotão das milícias. 
  • "Estes não aguentando o ímpeto do ataque, acabaram por abandonar os seus postos, permitindo abrir brechas na defesa do terreno e possibilitar o cerco ao improvisado posto de comando. 
  • "A confusão surpreende as NT e, permite a captura dos europeus, o Geraldino Marques Contino, o Alf António Rosa e o Victor Capítulo.”

Ainda hoje, temos no nosso pensamento a visão dolorosa do estado dos nossos camaradas em fuga para Tite, bem como as lágrimas que corriam nas suas faces, os olhos cobertos de lama e a maioria descalços, ou mesmo nus, parecendo figuras de filmes de terror, apenas com forças para agarrarem, desesperadamente, a arma, a sua única salvação para manter a vida, quando em redor somente havia a morte…

Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial:

  • se, pelo lado português, para além dos três prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos; 
  • para o lado do PAICG, o elevado números de baixas levou a que  sempre escondesse as suas consequências, tendo, inclusivamente, sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu o  movimento de libertação da Guiné.

Hoje podemos questionar-nos: será que valeu a pena o sacrifício e a vidas destes jovens?…

Eles não merecem ser esquecidos, cumpriram com o seu dever para com a Pátria!

Procurámos dar a conhecer o que viveram os militares da CCAÇ 2314, e completá-la o mais fiel possível com elementos de quem lá esteve de modo a dar a conhecer o ocorrido. 

Socorremo-nos da História da Unidade, do livro do saudoso alferes Rosa e de relatos do libertado cabo Contino,  como é referido no texto.

17 de Dezembro de 2021.

Cor Pais Trabulo


Capa da 2ª ed. do livro de memórias
do António Júlio Rosa (1946-2019):
"Memórias de Um Prisioneiro" (Lisboa, 
Edições Colibri, 2021, 172 pp.)


2. Nota biográfica de António Júlio Rosa (Mangualde, 1946-Lisboa, 2019:



(i) natural de Abrunhosa-a-Velha, povoação do concelho de Mangualde e distrito de Viseu, nasceu no dia 11 de maio de 1946;

(ii) chegada a idade militar, seguiu para Mafra, onde frequentou o Curso de Oficiais Milicianos; após o Juramento de Bandeira, entrou na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas,; aqui tirou a especialidade de atirador de Artilharia;

(iv) em 10 de dezembro de 1967, embarcou no T/T Alfredo da Silva, rumo à Guiné-Bissau; desembarcou no dia 20;

(vi) na madrugada do dia 3 de fevereiro 1968 foi levado para a Guiné-Conacri como prisioneiro do PAIGC; na Guiné-Conacri permaneceu um longo e doloroso cativeiro, até 21 de novembro de 1970;

(vii) nessa noite, um grupo de fuzileiros comandado pelo Sr. Comandante Cunha e Silva que integravam a "Operação Mar Verde" concebida pelo Sr. Comandante Alpoim Calvão (já falecido), restituiu os prisioneiros à liberdade;

(viii) antes de escrever o livro nunca se referia ao cativeiro, mesmo em conversa com os familiares ou amigos: o trauma jazia na sua mente; em janeiro de 2000, decidiu finalmente escrever o livro: "Memórias de um Prisioneiro de Guerra"; foi a libertação dos problemas psicológicos que o atormentavam;

(ix) faleceu no dia 6 de abril de 2019, em Lisboa.

Fonte: Edições Colibri, Lx.


(Revisão / fixação de texto, título: LG)
_______________

Notas do editor LG:
 
(*)  Vd. postes anteriores da série > 



(**) 12 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18078: (De) Caras (101): Geraldino Marques Contino, ex-1º cabo op cripto, da CART 1743, ex-prisioneiro de guerra, aqui à conversa com outro camarada do seu tempo, com quem chegou a trabalhar no centro cripto de Tite, o Raul Pica Sinos (CCS / BART 1914, Tite, 1967/69)

sábado, 24 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26839: Facebok...ando (79): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte II: a tragédia de 3 de fevereiro de 1968 e dias seguintes, que a NT e o PAIGC tentaram esquecer

 

Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) (escala 1/50 mil) > Posição relativa de Tite, Jabadá, Enxudé, rio Geba e Bissássema

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Bissássema, como outros topónimos da guerra, tem estado esquecido. Temos apenas 15 referências no nosso blogue. De um lado do outro da "barricada", há memórias trágicas. Tanto as NT como o PAIGC parece terem feito um "apagão" da batalha de Bissássema (que, em rigor, vai de 31 de janeiro, início da operação para reocupar Bissássema,  a 10 de março de 1968, altura em a tabanca foi queimada e abandonada pelas NT).

Falaremos disso em próximo poste. Mas podemos desde já adiantar o seguinte: o Arquivo Amílcar Cabral / Cada Comum tem apenas uma única referência a Bissássema, um comunicado assinado por Amílcar Cabral, em francês, com datada de 19/2/1968,   quinze dias depois dos acontecimentos, sobre o grande "ronco" do dia 3; omite-se, portanto, os desaires que o PAIGC sofreu, nesse e nos dias seguintes; por sua vez, o livro da CECA sobre a atividade operacional das NT nesse ano tem 5 referências a Bissássema, mas nenhuma reportada ao dia da tragédia (3/2/1968). Lapso? Branqueamento ? "Apagão" ?... 

 (...) "Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados, e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial. Se, pelo lado português, para além dos prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos; para o lado do PAICG, o elevado números de baixas, levou a que sempre escondesse as suas consequências tendo, inclusivamente, ter sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu no seu movimento de libertação da Guiné." (...)

Este é um excerto do texto do antigo alf mil at inf da CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69), J. M. Pais Trabulo, disponível na sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo), e também reproduzido na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914).

Hoje Cor GNR ref, Pais Trabulho (natural de Meda, a viver em Gouveia), tem mantido viva a memória desse tempo que foi de "terror, para quem o viveu (CART 2314, CART 1743 / BART 1914, milícia e população, etc.). Bem haja!

A versão dos acontecimentos que vamos aqui reproduzir, parece-nos equilibrada e fidedigna. Deve ser conhecida por um público mais vasto, e nomeadamente pelos nossos leitores. Tiro, pois, o quico ao cor Pais Trabulo que de resto tem mais textos sobre Bissássema e a história da CCAÇ 2314.

Da CCAÇ 2314 também só tínhamos até agora escassas referências. O ex-fur mil Joaquim Caldeira aceitou ser o primeiro representante desta subunidade, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 905. (Iremos apresentá-lo proximamente à Tabanca Grande; mas fica também aqui o convite para o cor Pais Trabulo se juntar ao blogue dos "amigos e camaradas da Guiné").



O Pais Trabulo no Poço do Inferno, geossítio do Geoparque Estrela (BG 19), s/d. Cortesia da sua página do Facebook (João Manuel Pais Trabulo). Ex- alf mil at inf, CCAÇ 2314 (Tite e Fulacunda, 1968/69).

Na página do CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis.e na página do BART Tite - Guiné (BART 1914) o cor Pais Trabulo tem algumas fotos inéditas e preciosas de Bissássema. Vamos pedir-lhe a competente autorização para as reproduzir aqui. É também uma forma de homenagear os bravos, já esquecidos, de Bissássema.





Memórias de uma guerra… > A Tragédia de Bissássema

por João Manuel Pais Trabulo, cor GNR ref



Tínhamos acabado o treino operacional e a CCAÇ 2314 estava em condições de rumar até Jabadá para assumir a sua área de responsabilidade.

O furriel Fernando Almeida, responsável da logística, deslocara-se para aquele aquartelamento a fim de preparar a ida da companhia.

Enquanto isso, a companhia iria participar numa operação para instalar uma força que iria construir o aquartelamento na região da península de Bissássema, situada na margem sul do rio Geba em frente de Bissau.

Muito se tem dito sobre a "História de Bissássema". Cada uma tem um fundo de verdade no relato desse fatídico mês e consoante a vivência de cada um nessa ocorrência.

A história da Unidade da CCAÇ 2314 refere que “a península de Bissássema se situava na região de Quinara, do lado oposto à cidade de Bissau, tendo o rio Geba de permeio, era uma região essencialmente rica em arroz, cultivado nas extensas bolanhas que a rodeavam e onde o PAIGC se movimentava com facilidade, controlava e recebia apoio logístico da população e onde exercia intensa ação psicológica.

"Face à sua situação estratégica, tendo em conta aquela, tornava-se necessário ocupar a região de modo a evitar possíveis flagelações a Bissau e, por isso, subtrair ao PAIGC o controlo da região, evitando o recrutamento de meios humanos e, também, o reabastecimento de alimentos das suas bases naquele regulado. Era portanto, necessário instalar, assim, uma força naquela região e a consequente construção de um aquartelamento.”


O início de Bissássema ocorreu nos dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro 
[de 1968 ], ao se ter realizado naquela região uma operação com a finalidade de instalar essa força. A operação coube à CCAÇ 2314 em conjunto com a CART 1743, reforçadas com elementos da CCS do Bart 1914.

Decorreu aparentemente, sem incidentes significativos e, no local, foi deixada a força comandada pelo alferes mil Rosa, da CART 1743, com o seu pelotão de europeus e mais 2 pelotões de milícias para guarnecer e controlar a região, um de Tite e o outro de Jabadá.

No regresso a Tite, no dia 1 de fevereiro, a CCAÇ 2314 teve o primeiro contato com guerrilheiros do PAIGC e sofreu os dois primeiros feridos, na região de Brandãozinho [carta de de São João ]

Pensou-se que ocupar Bissássema não seria assim tão fácil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar rasto, mas, na madrugada do dia 3 de fevereiro, desencadeou um forte ataque a Bissássema.

Meia hora depois, o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir, começou um novo ataque. Poucas horas depois, soube-se que a força do PAIGC entrou no dispositivo de defesa, lançando granadas e semeando o pânico.

Em consequência da forte flagelação, o PAIGC expulsou as forças existentes e fez como prisioneiros o alferes António Rosa e mais dois militares   
1º cabo cripto Geraldino Marques Contino e soldado Victor Manuel Jesus Capítulo, todos da CArt 1743].

Os restantes militares puseram-se em debandada para salvar a vida. Na retirada ficaram desaparecidos um furriel e um sargento e este, mais tarde, foi encontrado morto no rio Geba.

Nessa noite, estava em Tite o Conjunto [Académico ] João Paulo.

Diz a História da CCaç 2314:

“Depois do ataque IN, em 03Fev68, às 00h00, a Bissássema, as posições das NT que se encontravam naquela tabanca ficaram desguarnecidas. Encontrando-se esta CCAÇ em Tite, recebeu ordem para se deslocar para Bissássema a fim de socorrer as NT que se encontravam nessa tabanca.

"Á chegada a Bissássema, verificou-se que o IN já havia retirado, apenas se encontravam na tabanca um pequeno número de elementos da população. Foi dada ordem a esta Companhia para guarnecer Bissássema a fim de proteger a população.”

Eram três da manhã. Face às informações sobre o ataque referido, um “pelotão de voluntários”, cujos elementos mais tarde iriam constituir o grupo “Os Brutos”, incluindo um pelotão de nativos, “Os Boinas Verdes”, avançaram de imediato para Bissássema para se inteirarem da situação e, principalmente, em reforço das forças ali estacionadas.

Entretanto, o resto do efetivo da CCAÇ 2314 preparou-se para se dirigir também para aquela região, tendo encontrado a força inicial posicionada nas imediações da tabanca, que aguardava o resto da companhia.

Constata-se que a enorme tabanca estava praticamente abandonada, sem militares, sem forças do PAIGC e sem população. Contudo no percurso foram sabendo do que tinha acontecido e, pelo que ia observando, era evidente que a situação era extremamente grave e imprevisível.

Face à situação, foram distribuídos setores de defesa aos pelotões e ordenado que rapidamente fossem construídos abrigos e campos de tiro. Mas isto não acabou por aqui, o PAICG não queria perder aquela posição estratégica e a todo custo desenvolveu ações no sentido de recuperar a tabanca.

Assim, na noite do dia 4 e, após 4 horas, na madrugada do dia 5 de fevereiro, desencadeou ações com armas de fogo com a finalidade de experimentar e recolher informação sob o posicionamento dos militares ali instalados em abrigos e valas construídos apressadamente.

E 10 minutos antes da meia-noite do mesmo dia 5 de fevereiro, desencadearem uma forte flagelação, que apenas durou cerca de 25 minutos por, ao pretenderem tomar de assaltos as nossas posições, sofreram consequências drásticas (baixas), o que os levou a retirar.

Mas no dia 9 de fevereiro, pela 1 da manhã, regressaram com muito mais efetivos e melhor armamento, talvez comandados por 'Nino Vieira', com a vontade de novo tomar de assalto, capturar e desalojar as posições defensivas da CCAÇ 2314.

Conseguiram abrir uma brecha no dispositivo de defesa em consequência de terem sido feridos 4 elementos de um abrigo, e penetrado no interior do dispositivo de defesa.

Mas a forte reação das NT obrigou as forças do PAIGC a retirar com pesadas baixas, deixadas no local, abandonando grande quantidade de material de guerra e, apressadamente, transportaram grande quantidade de feridos que sofreram no ataque.

Finalmente, passados cerca de 15 dias, no dia 25 de fevereiro, o PAIGC voltou a desencadear mais uma ação violenta de flagelação, agora com menor efetivo e armamento, tendo retirado, novamente, com várias baixas.

Em face do falhanço na efetivação da instalação de um aquartelamento e tendo em consideração os resultados que se registaram no início, foi decidido abandonar a tabanca de Bissássema.

No dia 10 de março de 1968, procedeceu-se à recolha de arroz, e ao reordenamento das populações para seguirem para a região a norte de Tite. Por isso, foram destruídas todas as moranças das tabancas, bem como os próprios abrigos que tínhamos construído para a defesa de Bissássema. Nunca mais lá voltámos. (...)


Fonte - João Manuel Pais Trabulho > Página do Facebook CCAÇ 2314 - Agis Quod Agis. (Com a devida vénia...)

.
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, links, título: LG)


(Continua)

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26832: Facebok...ando (78): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte I: Fichas de unidade: BCAÇ 2834 e CCAÇ 2314

1. Temos apenas 7 referências à CCAÇ 2314 (e nenhum representante na Tabanca Grande, até agora, mas  o ex-fur mil Joaquim Caldeira já aceitou ser o primeiro, o que muitos nos honra, a todos nós amigos e camaradas da Guiné: vai sentar-se no lugar nº 904, à sombra do nosso poilão).

Por sua vez, há uma página do Facebook CCAÇ 2314 - Age Quod Agis (o lema da companhia que, em latim, quer dizer "faz o que tens a fazer", ou "faz bem o que fazes").

Foi nesta página que li uma série de postagens sobre a história (trágica) de Bissássema, da autoria do cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo (que esteve na CCAÇ 2314, como alf mil at inf),

Um poste recente, do nosso camarada Aníbal Silva chamou-nos a atenção para esta CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, a que pertenceu o fur mil Joaquim Caldeira (*). E o Aníbal trouxe-nos o Joaquim, uma grande história de camaradagem e amizade.

2. Para já vamos conhecer as fichas de unidade do BCAÇ 2834 e da CCAÇ 2314:

Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 2834

Identificação: BCaç 2834

Unidade Mob: RI 15 - Tomar

Cmdt: TCor Inf Carlos Barroso Hipólito | 2.0 Cmdt: Maj Inf Rui Barbosa Mexia Leitão | OInfOp/ Adj: Maj Inf Albino Simões Teixeira Lino

Cmdts Comp: CCS: Cap SGE António Freitas Novais | Cap Mil Art António Dias Lopes | Cap Inf Eugénio Baptista Neves
CCaç 2312: Cap Mil Inf Júlio Máximo Teixeira Trigo
CCaç 2313: Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penim
CCaç 2314: Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves

Divisa: "Juntos Venceremos" - "Para vencer, convencer"

Partida: embarque em 10Jan68; desembarque em 15Jan68 | Regresso: embarque em 23Nov69 

Síntese da atividade operacional

(i) em 16Jan68, rendendo o BArt 1904, assumiu a responsabilidade do sector de
Bissau, com a sede em Bissau e abrangendo os subsectores de Brá, Nhacra e
Quinhámel, comandando e coordenando a actividade das subunidades ali estacionadas, por forma a garantir a segurança e defesa das instalações e populações da área; as suas subunidades foram então atribuídas a outros sectores;

(ii) em 24Jun68, foi substituído no sector de Bissau pelo BCaç 1911 e assumiu
em 25Jun68 a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e abrangendo
os subsectores de Sangonhá, que viria a ser extinto em 29Ju168, Gadamael,
Cameconde, que desde 28Dez68, passou a subsector de Cacine, Guileje,
Gandembel e Buba, onde rendeu o BArt 1896;

(iii) de 20Ag068 a 07Dez68, a sua zona de acção foi reduzida dos subsectores
de Guileje e Gandembel, que foram atribuídos temporariamente ao COP 2;

(iv) em 15Jan69, a sua sede foi transferida para Aldeia Formosa, onde substituíu
COP1 e sendo então o subsector de Aldeia Formosa, incluído na sua zona de
acção;

(v) em 29Jan69, o subsector de Gandembel foi extinto e em 19Jan69, o
subsector de Buba foi atribuído ao COP 4, então criado;

(vi) em 10Ju169, por transferência da sede do COP 4 para Aldeia Formosa, o batalhão deslocou a sua sede para Gadamael, abrangendo nesta altura os subsectores de Guileje, Cacine e Gadamael;

(vi) desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e segurança e controlo dos itinerários, bem como operações e acções sobre as linhas de infiltração e bases inimigas, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que procuravam fixar-se na sua zona de acção e ainda para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa;

(vi) dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 pistolas-metralhadoras, 1 espingarda, 115 granadas de armas pesadas, 20 cunhetes de munições de armas ligeiras e 92 minas anticarro e antipessoal, destas, parte detectada e levantada nos itinerários;

(vii) em 30Set69, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso,
sendo a sua zona de acção integrada no Sector S3, então sob responsabilidade
do BArt 2865.
 
Ficha de unidade > CCAÇ 2314

(i) a CCaç 2314 seguiu em 15Jan68 para Tite, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BArt 1914 e seguidamente reforçar este batalhão,  depois o BCav 2867, como subunidade de intervenção e reserva do sector, tendo realizado patrulhamentos e acções ofensivas nas regiões de Jufá, Bissilão e Nova intra, entre outras e guarnecendo, temporariamente, a povoação de Bissássema, de 03Fev68 a 03Mar68, na sequência de frequentes ataques inimigos;

(ii) em 06Ag068, rendendo a CCaç 1624, assumiu a responsabilidade do subsector de Fulacunda, no mesmo sector, vindo a ser substituída mais tarde na
intervenção pela CArt 2414;

(iii) entretanto, pelotões seus colaboraram ainda em operações efectuadas noutras regiões, ou em reforço temporário de outras guarnições, nomeadamente em Bedanda, Xitole, Nova Sintra e Jabadá e também na organização das autodefesas de Cansonco e Chumael, de princípios de Jan69 a 24Fev69, no sector do BCaç 2852;

(iv) em 30Jun69, por troca com a CCav 2482, voltou a Tite, onde assumiu a
responsabilidade do respectivo subsector;

(v) em 290ut69, iniciou o deslocamento por fracções, para Bissau, sendo substituída em Tite por três pelotões da CCav 2484, até à chegada da CCav 2443, após o que se manteve aguardando o embarque de regresso.
____________

Observações - O BCAÇ 2834 tem História da Unidade (Caixa nº 71 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). As CCaç 2312, CCaç 2313 e CCaç 2314 têm História da Unidade (Caixa n.º 76 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). 

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, 
pp. 104-106.

3. Desta subunidade fazia parte o hoje cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo. 

Natural de Meda, onde nasceu em julho de 1945, foi alf mil at inf da CCAÇ 2314. Enveredou depois pela carreira mitar, primeiro no Exército e depois na GNR, onde se reformou com o posto de coroenl, em 2008. Atualmente, na situação de reforma, vive na cidade de Gouveia, desde 1984. É o Presidente do Núcleo de Meda da Liga dos Combatentes. Tem hoje como centros  de interesse a rádio, a investigação histórica e a fotografia. 

(Fonte: Correio da Guarda, 02.06.21)

Em próximo poste apresentaremos um apontamento do Pais Trabulo sobre "a tragédia de Bissássema", da qual ainda sabemos pouco...

Sobre o o topónimo "Bissássema" temos apenas 14 referências. Os camaradas que lá lutaram, sofreram, morreram e, por fim, venceram (o PAIGC), merecem mais! A começar pelos prisioneiros que o PAIGC fez, em 3 de fevereiro de 1968, todos da CCAÇ 1743, estacionada em Tite, e só libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970:

  • António Júlio Rosa, ex-alf mil inf (Mangualde, 1946- Lisboa, 2019);
  • Geraldino Marques Contino, , ex-1º cabo nº 093526/66,
  • Victor Manuel de Jesus Capítulo, ex-sold nº 034660/66, 
(**) Último poste da série >14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26797: Facebook...ando (77): 24º encontro anual da 26ª CCmds (Brá, 1970/72), na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria ... Homenagem poética à "Geração Afro" (Angelino Santos Silva)

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26085: Contactem-nos, há sempre alguém que pode ajudar ou simplesmente saber acolher (5): Lamine Bah escreve-nos, em francês, a pedir referências sobre o nosso camarada, o maj pilav António Lobato, recentemente falecido



Formulário de Contacto do Blogger: disponível na coluna estática, do lado esquerdo do blogue.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)





Capa do livro do António Lobato (1938-2024), "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra" (5ª edição, DG  Edições, Linda-A-Velha, 2014, 276 p.). 

1. Mensagem recebida através do Formulário de Contacto  do Blogger (*):


26/10/2024, 13:15

Bonjour,

Je suis content de découvrir votre blog. Il me permet d'avoir des
précisions sur l'opération portugaise Mar Verde à Conakry le 22 novembre
1970.

Je voudrais avoir des détails sur Antonio Lobato,  un pilote portugais qui a
été détenu 7 ans à Conakry.

Mercure

Cumprimentos,
Lamine Bah 

Nota: Este email foi enviado através da gadget Formulário de Contactos em
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com


2. Tradução para português (LG):

Bom dia.

Estou feliz por  descobrir o seu blogue. Deu-me informação detalhada sobre a operação portuguesa Mar Verde em Conacri , no dia 22 de novembro de 1970.

Gostaria de saber algo mais sobre António Lobato, um piloto português que esteve detido durante 7 anos em Conacri.

Mercure

Cumprimentos,
Lamine Bah  (c/ indicação de email, que por princípio omitimos)

Observação: este e-mail é enviado por meio do formulário de contato do gadget
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com


3. Resposta do editor LG:


Lamine Bah:

Salut, merci | Obrigado pelo contacto. 

Nous avons plusieurs références sur les sujets dont vous parlez | Temos no blogue  diversas referências sobre esses tópicos:


Mr. António Lobato, notre compagon d'armes,  a écrit ses mémoires de guerre: "Liberté ou évasion : la plus longue captivité de la guerre"  (titre en français) (5.ème ed., 2014, 276 pages)  | António Lobato, nosso camarada de armas, escreveu um livro de memórias, em português: "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra" (5ª edição, DG  Edições, Linda-A-Velha, 2014, 276 p.). 

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23945: Contactem-nos, há sempre alguém que pode ajudar ou simplesmente saber acolher (4): Mensagens recebidas nos últimos dois meses de 2022

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25411: Notas de leitura (1684): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Estamos prestes a concluir a apresentação do trabalho do nosso confrade José Matos e de Matthew Hurley, trata-se do penúltimo volume que eles dedicaram à Força Aérea Portuguesa na guerra da Guiné. Naquele ano de 1972, Caetano rejeitou peremptoriamente qualquer solução política entre Portugal e o PAIGC, mediada por Leopold Senghor, diz abertamente a Spínola que negociações com a guerrilha teriam impacto direto e imediato noutras parcelas do império. Continua o afã para encontrar meios aéreos mais modernos do que o Fiat, entretanto o PAIGC melhora o seu armamento e equipamento, visando claramente avançar para a guerra convencional. É todo o relato de tais peripécias que aqui se dá conta ao leitor, já não havia ilusões nos altos comandos de que o PAIGC tudo estava a fazer para quebrar a supremacia dada pela Força Aérea. Mas será matéria que ficará para o derradeiro volume, fica-se à espera que o José Matos nos dê essa notícia.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Como se viu no texto anterior, no rescaldo da Operação Mar Verde emergiu com mais intensidade toda a questão da defesa aérea que já preocupara o governador Schulz. Era indesmentível a incapacidade de Portugal em defender a Guiné de ataques aéreos, e Spínola estava bastante bem informado das lacunas existentes. O Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, General Venâncio Deslandes, que visitou a Guiné em junho de 1971, concordou com Spínola que a situação se estava a deteriorar a um ritmo preocupante, reconheceu o agravamento do clima militar, observando que as forças portuguesas “não são suficientes para garantir a permanência dos sucessos obtidos”, admitindo também que o PAIGC “pode tentar impor uma solução pela força, criando situações desfavoráveis, difíceis ou impossíveis de reverter”.

Spínola, no entanto, nunca baseou a sua estratégia apenas sob resultados militares, continua a insistir que “a expressão vitória militar” não tinha qualquer sentido naquele tipo de conflito, como disse claramente na reunião havida em maio desse ano no Conselho Superior de Defesa Nacional. “O problema só pode ser resolvido no domínio político, e quero acreditar que tal solução ainda é viável”. O Governador estava certamente a deixar mensagens que incluíam a abertura de um diálogo com as forças de guerrilha, um esforço que considerou necessário para evitar “uma agonia prolongada e inútil”. Spínola já tinha tentado negociações com elementos do PAIGC no chamado “chão Manjaco”, e o ministro do Ultramar escreveu mais tarde que Spínola estava eufórico com os resultados que antevia. A aventura terminou em tragédia, quando três majores, um alferes e os intérpretes foram brutalmente assassinados por elementos do PAIGC, em 20 de abril de 1970. “Foi um duro golpe que sofremos”, informou Spínola o Ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, no dia seguinte, “já que eles eram uma equipa de valor e determinação excecionais”.

Voltando um pouco atrás, Spínola julgara que o planeamento da Operação Mar Verde lhe oferecia uma oportunidade para remodelar radicalmente a guerra. O impacto internacional do ataque a Conacri, as repercussões que teve e a escalada da guerra na Guiné, tolheram qualquer iniciativa em direção ao acordo negociado até 1972, quando os esforços diplomáticos face ao Senegal foram retomados. Houve uma reunião em Cap Skirring, em 18 de maio desse ano, entre Spínola e o presidente senegalês Senghor, os dois discutiram um cessar-fogo e um período de 10 anos de transição para preparar a independência da Guiné. Ainda tendo na mente o chamado “massacre dos majores”, as forças portuguesas prepararam uma operação de peso com o objetivo de proteger o comandante-chefe durante a conferência. Sem o conhecimento do presidente Senghor, um conjunto de aviões Fiat estava de alerta em Bissalanca, pronto para bombardear “toda a área” ao primeiro sinal de qualquer ameaça de Spínola; a par desta eventual operação de bombardeamento, dez helicópteros Alouette III e dois Noratlas aguardavam para levar 130 paraquedistas para Cap Skirring, onde iriam “recolher os corpos”, incluindo o de Spínola, se fosse preciso.

A reunião terminou sem quaisquer incidentes, assim como um encontro de acompanhamento, vários dias depois. Encorajado pelos resultados, Spínola viajou para Lisboa no fim do mês para informar Marcello Caetano sobre o encontro diplomático. Fê-lo com grandes esperanças: Caetano era considerado menos rígido e dogmático em questões coloniais do que o seu antecessor. Em 1972, porém, a perspetiva imperial de Caetano tinha aparentemente endurecido. Durante a reunião havida em 28 de maio com Spínola, proibiu terminantemente novas iniciativas diplomáticos de resolver o conflito na Guiné, dizendo a um estupefacto Spínola: “Para a defesa geral dos territórios ultramarinos é preferível deixar a Guiné através de uma derrota militar com honra do que através de um acordo com terroristas que justificaria outras negociações em outros territórios.” Se as forças portuguesas fossem militarmente derrotadas depois de terem lutado com todo o seu potencial, argumentou Caetano, “tal derrota deixa-nos intactas as possibilidades jurídicas e políticas para continuar a defender o resto dos territórios ultramarinos”. Spínola concluiu, desapontadamente, que Caetano tinha desperdiçado a última oportunidade de Lisboa para resolver o problema da Guiné com honra e dignidade, a resposta de Caetano significava o sacrifício de vida das suas tropas e o prestígio das Forças Armadas.

Os comandos subordinados a Spínola tinham preocupações mais imediatas, observavam com preocupação o aumento das capacidades militares do PAIGC e a introdução de novas armas. Numa avaliação feita em 1972, a guerrilha conduzida por Amílcar Cabral tinha canhões antiaéreos de 37 mm, lançadores múltiplos de foguetes BM-21 de 122 mm, veículos blindados de transporte de pessoal BTR-40 e até tanques leves PT-76.

Além disso, a guerrilha começava a realizar operações mais ambiciosas, com formações maiores, o que correspondia à sua intenção há muito estabelecida de desencadear uma guerra de manobra convencional. O resultado óbvio, como concluía o comandante do GO-1201 (e, mais tarde, Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) Coronel José Lemos Ferreira, era que o PAIGC acreditava agora que a vitória militar estava ao seu alcance, mas “o que eles precisavam era algo que anulasse a Força Aérea”. Com esta finalidade, as defesas antiaéreas da guerrilha reapareceram na Guiné em 1972. Em maio, por exemplo, canhões antiaéreos de 37 mm abriram fogo contra um par de Fiat que patrulhava a fronteira Sudeste e as chamadas zonas libertadas do Quitafine. Aqueles caças escaparam ilesos, mas outras oito aeronaves portuguesas ficaram danificadas pela ação da guerrilha durante o ano. Em fevereiro e agosto, fogo antiaéreo não especificado, presumivelmente originado da República da Guiné, atingiu um total de três Fiat que patrulhavam a fronteira Nordeste, provocando danos ligeiros. Dois DO-27 foram atingidos por tiros de armas leves durante março, assim como o T-6 em fevereiro, enquanto três Alouette III foram danificados por morteiros, por disparos de RPG e armas automáticas, em novembro e dezembro. A Zona Aérea reportou um total de 23 ações contra aeronaves ao longo de 1972, mas apenas dois resultaram em danos materiais ou ferimentos graves em militares portugueses. Significativamente esses incidentes envolveram armas e morteiros e infantaria em vez de sistemas antiaéreos especialmente construídos.

O Mirage passou a ser a opção para as operações da FAP em África (Dassault)
Em 1972, Spínola procura uma solução política para a questão da Guiné desde a mediação do presidente senegalês, mas Caetano rejeitou a iniciativa de paz (Coleção Revista do Povo)
O primeiro-ministro Marcello Caetano rejeitou qualquer negociação para a Guiné, temendo que ela seria um procedente irreversível para o resto do império colonial português (Arquivo Histórico do Ultramar)
Operações de fogo independentes da Zona Aérea, 1972 (Matthew M- Hurley, baseado em documentação portuguesa)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 15 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25389: Notas de leitura (1683):"Memórias SOMântícas", de Abulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Estamos a percorrer o ano de 1971, constou (felizmente, sem fundamento) a que se preparava uma base aérea na Guiné-Conacri para receber aviões soviéticos mais potentes para ações de bombardeamento; Spínola insiste permanentemente de que precisa de aeronaves mais adequadas do que os Fiat, todas as negociações para a compra dessas aeronaves não têm sucesso; ainda se encontrou um paliativo enviando a corveta Jacinto Cândido, mas manteve-se o problema gravíssimo dos radares antiquados. Este é o rescaldo da Operação Mar Verde, semearam-se ventos, estão-se agora a colher as tempestades, a ameaça de ataques aéreos deixou de ser uma hipótese meramente académica; recorde-se que em nenhuma circunstância Amílcar Cabral apoiou estes tipos de bombardeamentos, não obstante terem ido para a URSS uma série de formandos para pilotos dos aviões MiG-17.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

A Operação Mar Verde não só produziu um maior isolamento diplomático ao Governo de Marcello Caetano como fez surgir uma nova ameaça ditada pela solidariedade de múltiplos estados com a causa do PAIGC, e a preocupação com uma frente de Força Aérea não era uma leviandade. A perspetiva do envolvimento nigeriano era a maior preocupação de Spínola. O ditador da Nigéria, major-general Yakubu Gowon expressou “o mais profundo choque e indignação com a invasão da Guiné-Conacri por forças estrangeiras prometendo toda e qualquer assistência que Sékou Touré venha a solicitar, militar ou não”. Era uma ameaça credível: Gowon comandava um exército já testado em combates com cerca de 200 mil homens, de longe a maior força na África Subsariana. Portugal irritara o regime de Lagos quando forneceu apoio militar significativo ao Biafra durante a guerra civil (6 de julho 1967 – 15 de janeiro 1970).

Com esperança em garantir amizade com, pelo menos, um Estado africano pós-colonial, e ansioso por enfraquecer o regime nigeriano firmemente anticolonialista, o Governo de Lisboa tinha voluntariamente fornecido apoio logístico vital, formação militar e até aviões de combate aos separatistas do Biafra. Essas aeronaves incluíam quatro T-6 adquiridos da sucata francesa e restaurados e capazes de voar. Como não havia autorização para sobrevoar na maioria dos países africanos, essas aeronaves foram desmontadas e enviadas por mar para Bissau, aqui foram remontados e transportados para campos de aviação controlados pelos rebeldes por pilotos portugueses (um deles, Gil Pinto de Sousa, foi capturado pelas forças nigerianas em 2 de novembro de 1969 e ficou preso até setembro de 1974). Bissalanca também facilitou a transferência de caças Gloster Meteor e de formadores para aviões de combate Fouga Magister, aqui ficou abandonado um Meteor na base e foi destruído um carregamento que transportava componentes para o Magister, aparentemente devido a uma sabotagem por um membro da tripulação. Além disso, Lisboa estabelecera um centro de logística aérea na ilha de S. Tomé, controlado pelos portugueses, fornecia armas, munições, mercenários e suprimentos de socorro para o Biafra. Sem estes apoios, a rebelião tinha entrado em colapso mais cedo, mas o facto é que acirrou a ira dos governantes da Nigéria. A Operação Mar Verde apresentava-se como uma excelente oportunidade para a vingança, mais a mais com a cobertura política adicional do Conselho de Segurança da ONU que emitira uma resolução apelando ao apoio à Guiné-Conacri.

É neste quadro em que se admitia uma intervenção hostil, incluindo meios aéreos que Spínola pede para Lisboa um imediato reforço de bombardeiros capazes de voo noturno, aptos para dissuadir ou retaliar qualquer ataque contra as posições portuguesas na Guiné. Especificamente, Spínola solicitava aeronaves com alcance suficiente para chegar aos principais aeródromos da República da Guiné (Conacri, Labé e Faranah) a partir da base da Força Aérea na ilha do Sal. Faranah era um alvo de interesse muito especial: em finais de 1971, três meses após a Operação Mar Verde, as autoridades portuguesas receberam notícia da construção de uma pista capaz de receber os bombardeiros Ilyushin II-28, três dos quais estavam a operar na Nigéria. A partir de Faranah, estes aviões de construção soviética (na terminologia da NATO “Beagle”) poderiam facilmente carregar bombas de 3000 kg para atingir qualquer alvo na Guiné Portuguesa. Relatórios posteriores acabaram por revelar que esta implantação era infundada.

Em 13 de fevereiro de 1971, dois aviões identificados como MiG-17, atravessaram a fronteira da República da Guiné-Conacri que sobrevoaram Bissau e seus arredores “de uma forma provocatória”, presumivelmente vinham com a missão de fazer o fotorreconhecimento da base de Bissalanca e do porto de Pidjiquiti. Conacri negou qualquer responsabilidade e a partir daí especulou-se sobre a nacionalidade dos aviões e dos pilotos. Os MiG-17 foram considerados da República da Guiné-Conacri ou da Nigéria e pilotados por pessoal destas nações da Argélia ou da Tunísia. Spínola concluiu que esta missão fora executada por pilotos altamente especializados, provavelmente soviéticos. Ficara a confusão sobre a origem dos aviões, a ambiguidade quanto à sua missão e até mesmo se o voo havia ocorrido, mas ficava demonstrado o espectro de deficiências paralisantes para controlar o espaço aéreo da Guiné, faltava a deteção de radares que impediam qualquer possibilidade de reagir mesmo que tivéssemos aviões adequados, protestou Spínola ao seu ministro de Defesa, aproveitando a correspondência para insistir em pedidos anteriores de reforço. Por usa insistência, a Corveta Jacinto Cândido foi designada para defender o porto e a cidade de Bissau com os seus dois canhões antiaéreos de 40 mm, canhões duplos de 76 mm e o radar de vigilância MLA-1B. Era uma medida provisória, o comandante-chefe protestou dizendo que a Guiné estava à merce de um ataque aéreo inimigo.

Neste tempo, havia apenas uma bateria antiaérea na Guiné, com um radar da década de 1940, um canhão de 40 mm e um canhão de 12,7 mm, metralhadores de 12,7 para proteger Bissalanca. Em entre finais de fevereiro e junho de 1971, chegaram três baterias adicionais para proteger Bissau com artilharia antiaérea de 9,4 cm e em três postos críticos (Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra), com canhões de 40 mm e 12,7 mm. Estavam limitados pela obsolescência dos radares Mark VI, de curto alcance e com dificuldade em agir em tempo útil, como informou um comandante da bateria. “Era de facto um sistema deficiente”.

Impunha-se um caça de superioridade aérea adequado. De acordo com uma avaliação da Zona Aérea, m 1971, o Fiat “não possui os atributos necessários para esta missão, o único caça da defesa aérea da FAP, o F-86, só poderia ser usado em desafio frontal às restrições norte-americanas”. Em sequência, o secretário de Estado da Aeronáutica, José Pereira do Nascimento, propôs a compra de três dezenas de aeronaves. Dos tipos de caças ocidentais então em produção, foram postos de parte os norte-americanos e os britânicos, devido à continuação das restrições, tal como o Draken sueco, dado que este país não escondia simpatias com o PAIGC. Ficavam na lista os caças Mirage. Pereira Nascimento propôs o Mirage III, comprovado em combate. As autoridades francesas bloquearam o pedido. O Governo de Paris não estava particularmente disposto a prejudicar as relações com o Senegal, que acolhia em permanência uma guarnição e base aérea francesas. Em maio de 1972, Portugal não tinha feito quaisquer progressos nas suas negociações com a França quanto a um acordo para a compra dos Mirage, as conversações foram reabertas em 1973 e 1974, no entanto, os caças Mirage nunca serviram na Força Aérea.

Prisioneiros portugueses em Conacri, libertados na Operação Mar Verde (Arquivo da Defesa Nacional)
Uma imagem da Operação Mar Verde (Coleção Luís Costa Correia)
O ditador nigeriano Major General Yakubu Gowon que prometeu ajuda militar à Guiné-Conacri depois da Operação Mar Verde (Agência Keystone Press)
O caça Gloster “Meteor” abandonado em Bissalanca pelos rebeldes do Biafra (Coleção José Nico)
Pedidos de caças para a Força Aérea versus os tipos de aeronaves existentes, em 1971, nenhum dos pedidos foi satisfeito.

(continua)
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Notas do editor:

Vd. poste de 5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25357: Notas de leitura (1681): "Margens - Vivências de Guerra", por Paulo Cordeiro Salgado; Lema d’origem Editora, Março de 2024 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Passa-se em revista os acontecimentos que marcam a transição de 1970 para o ano seguinte, envolvem equipamento que foi sabotado em Tancos numa operação da ARA, os permanentes conflitos internacionais devido a fogo retaliatório em território fronteiriço da Guiné-Conacri e Senegal, segue-se a Operação Mar Verde e a partir de 1971, Spínola insiste que precisa de meios face às potenciais agressões que poderão vir da Guiné-Conacri, em resposta à incursão portuguesa. As insistências de Spínola para se comprarem aviões mais eficazes esbarrava sempre com negativas dos EUA e países da NATO, curiosamente é em Abril de 1974 que se estava a apalavrar a compra de Mirage, e por razões que veremos mais adiante, Kissinger parecia abrir mão, através de um negociante israelita, de mísseis terra-ar Red Eye, entretanto a guerra acabou.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Acompanhamos agora a evolução dos acontecimentos desde os finais de 1970. Houvera compra de equipamento militar, de acordo com as necessidades prementes da Força Aérea, entretanto uma ação subversiva em Tancos tornou inoperacional um conjunto importante de aeronaves. O debate internacional sobre a presença portuguesa em África era cada vez mais hostil ao Estado Novo, e as flagelações em territórios limítrofes da Guiné era sempre pretexto para reiteradas acusações na ONU contra as colónias portuguesas. Estamos num período em que aumentou o fornecimento de armas e material ao PAIGC, ofertas sobretudo da Europa de Leste e da URSS, as bases do PAIGC tanto na Guiné-Conacri como no Senegal foram ganhando importância.

O Comandante Alpoim Calvão observou: “Estávamos sempre perseguindo o inimigo, mas como as fronteiras da Guiné não estavam fechadas, era como esvaziar uma banheira sem fechar a torneira.” Frustrado com o uso incontestável do PAIGC de bases estrangeiras, Spínola orientou as suas unidades militares para ações retaliatórias (desde fogo de artilharia a operações especiais) nas zonas transfronteiras. O Ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, assumia uma postura diferente, ordenou a Spínola que respeitasse as fronteiras internacionais e derrotasse o inimigo dentro das nossas fronteiras, o que era materialmente impossível, a guerra, tanto na superfície como aérea implicava ou perseguições ou bombardeamentos nas regiões limítrofes. Como recordou o antigo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General Lemos Ferreira, nunca se deu autorização para ataques em território estrangeiro, mas eles iam acontecendo. Em 25 de novembro e em 7/8 de dezembro de 1969, as forças portuguesas terão bombardeado um depósito do PAIGC em Samine, no Senegal, matando seis civis e ferindo nove. O presidente senegalês, Léopold Senghor, ordenou um reforço de tropas na fronteira sul do Senegal, invocando acordos de defesa com a França, que garantia a utilização de seis Noratlas na base de Dacar. Em 12 de dezembro, estes aviões franceses transportaram 1200 soldados senegaleses para o campo de aviação de Ziguinchor, a cerca de 13 km da fronteira com a Guiné Portuguesa.

Esta demonstração de força (e uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando as ações portuguesas) não dissuadiram futuras incursões; o Senegal queixou-se, entre janeiro e julho de 1970 de mais 16 ataques de forças especiais e fogo de artilharia, bem como oito violações do espaço aéreo. Amílcar Cabral admitiu que estas atividades retaliatórias tinham levado o Senegal a fechar os hospitais do PAIGC na região, a bloquear a passagem de armas e reforços e até mesmo a submeter os alimentos e medicamentos destinados ao PAIGC a controlos rigorosos.

A República da Guiné-Conacri também protestou contra a “agressão premeditada”, acusando as forças portuguesas na Guiné cinco ataques com obuses e três ataques aéreos no seu território em 1969; mas o ataque português de longe mais dramático e controverso ocorreu em novembro de 1970. Numa tentativa ousada de decapitar a liderança do PAIGC e fomentar um golpe de Estado na República da Guiné, as forças portuguesas organizaram uma invasão anfíbia a Conacri em 22 de novembro, a Operação Mar Verde, concebida e liderada pelo comandante Alpoim Calvão. Ele propôs um ataque noturno de forças especiais africanas da Guiné lideradas por oficiais portugueses e também membros do grupo dissidente a Sékou Touré, Front de Libération Nationale de Guiné (FLNG). Uma vez em terra, os atacantes tinham por missão assassinar o Presidente da República da Guiné, iniciar um golpe de Estado liderado pelo FLNG, destruir as instalações do PAIGC localizadas em Conacri, incluindo a sua sede, detenção do líder do PAIGC, Amílcar Cabral, resgatar os prisioneiros de guerra portugueses detidos na prisão La Montaigne; e, para garantir uma retirada segura destruir os MiG-17 da Força Aérea da Guiné e potencialmente embarcações hostis.

Devido, sobretudo, à falta de informações seguras e atualizadas e até à falta de apoio local aos sublevados, além da destruição de embarcações do PAIGC no porto de Conacri, o único objetivo alcançado foi a recuperação bem-sucedida de todos os 26 prisioneiros portugueses.

A participação da Zona Aérea na operação foi mínima, embora nos dias que precederam a operação os Fiat tenham realizado missões de fotorreconheicmento a 19 bases do PAIGC na República da Guiné, medida preparatória para os ataques aéreos que teriam lugar depois da queda do regime de Sékou Touré. Como isso não aconteceu, a atividade da Força Aérea durante a operação limitou-se a um voo de um P2V-5 Neptune vindo de Cabo Verde, que patrulhava à busca de navios inimigos enquanto as forças portuguesas navegavam para Conacri.

No entanto, a Mar Verde veio a ter um impacto duradouro sobre as operações da Força Aérea na Guiné. O efeito mais imediato foi o impulso moral gerado pela repatriação do único aviador português em cativeiro, o então furriel António Lobato. Este piloto de um T-6 fora aprisionado em 22 de maio de 1963, após uma colisão aérea, passou sete anos e meio em prisões da República da Guiné. Sendo o prisioneiro de guerra mais antigo dos 26 prisioneiros portugueses na prisão de Conacri, e o único piloto entre eles, a libertação de Lobato aumentou o ânimo do pessoal da Força Aérea, embora as circunstâncias da sua libertação tivessem permanecido num total segredo.

A ameaça dos aviões MiG-17 não estava neutralizada. Apenas dois dias antes da Operação Mar Verde, os aviões tinham sido transferidos para Labé, a 150 km de Conacri, por razões que continuam por explicar. Percebendo que “um dos fatores para o sucesso era o domínio aéreo, e estava-se severamente comprometido”, Calvão abortou a operação e ordenou às equipas de assalto para regressarem ao porto e daqui partir para a base na ilha de Soga. As autoridades da República da Guiné tentaram demasiado tarde utilizar as aeronaves contra os invasores, só pelas 9 horas da manhã de 23 de novembro um único MiG-17 apareceu sobre o porto de Conacri. Numa clara e impressionante demonstração de incompetência, o piloto identificou erradamente o cargueiro cubano Conrado Benitez e metralhou-o, em vez dos seis navios portugueses que já estavam em retirada. Pelas 9:30h, o caça sobrevoou os navios portugueses numa altitude elevada, mas não empreendeu qualquer ação para detê-los ou desativá-los. A sobrevivência da frota MiG-17 da Guiné-Conacri preocupava Spínola. Em 26 de janeiro de 1971, o general informou o Ministro da Defesa Nacional que temia retaliações contra instalações portuguesas na Guiné. Apesar do discurso do Governo de Lisboa querer fazer crer que aqueles acontecimentos eram uma questão puramente interna entre fações rivais, Sékou Touré apelou imediatamente a todas as capitais amigas para enviarem forças militares, especialmente aeronaves de combate, no intuito de ajudar a repelir “uma nova série de incursões inimigas”. Spínola avisou Lisboa que a Nigéria teria colocado os seus caças e bombardeiros à disposição de Sékou Touré, e tinha recebido a notícia de que o chefe da Força Aérea da Argélia viajara para Conacri, manifestando a vontade daquela nação em poder intervir. Estaria igualmente a caminho assistência militar não especificada da Líbia, Egito e República Árabe Unida.

No quadro 11 temos a relação dos pedidos de aeronaves até à data de maio de 1971, e no quadro 12 a capacidade de transporte no teatro de operações da Zona Aérea da Guiné em 1971.
Um Noratlas em modelo da Alemanha Ocidental, dos 13 adquiridos por Portugal (Coleção José Matos)
Um P2V-5 Neptune na ilha de Sal (Coleção Touricas)
Um dos dois Boeing 707 adquiridos pela Força Aérea para voos transoceânicos (Coleção Austin J. Brown)
Um Milirôle adquirido à França em 1974, quando foi entregue à Força Aérea já tinham cessado os combates em África (Coleção Robert Ver)

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)