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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22837: O meu sapatinho de Natal (18): Boas festas 2022: Patrício Ribeiro (Grupo de Bijagós com as suas tradições, Bubaque); Hélder Valério de Sousa; Tibério Borges; José Barros Rocha


Grupo de Bijagós, com as suas tradições, na Casa do Ambiente de Bubaque.

Cartão de boas festas enviado em 23/12/2021, 16:45.

Patrício Ribeiro
Impar Lda, Bissau

Há mais de 30 anos na Guiné-Bissau
impar_bissau@hotmail.com
https://www.imparenergia.com/

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Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72:

Meus caros e estimados Amigosbr > Desta vez não vos vou incomodar com as minhas evocações de recordações menos boas.
Escrevo, apenas e só, para formular os desejos de que, na medida do possível, tenham umas "Festas Felizes" e que o Novo Ano, que se avizinha, nos possa trazer a esperança de que se consiga viver estes tempos de vida que nos restam (sim, cada dia que passa estamos mais próximos da "partida") com a alegria dos nossos convívios, pois através deles revivemos e vivemos os tempos de juventude e que ajudaram a cimentar as nossas amizades.
Como uma "família", que também somos, temos os nossos períodos de harmonia, as nossas zangas, tal como nas famílias de sangue, mas temos o dever de valorizar o que é bom e ultrapassar o que pode ser incómodo, sempre, mas sempre, no respeito pelas opiniões e pontos de vista "dos outros".

Assim nos saibamos comportar.
Boas Festas

Abraços
Hélder Sousa


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Mensagem deixada no Formulário de Contacto do Blogger pelo nosso camarada Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72:

A toda a equipa deste Blogue, votos de Boas Festas de Feliz Natal e para que o ano que se aproxima venha com muita saúde.

Um abraço para todos
Cumprimentos,
Tibério Borges


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Mensagem deixada no Formulário de Contacto do Blogger pelo nosso camarada José Barros Rocha, ex-Alf Mil da CART 2410 - Os Dráculas, Guileje e Gadamael, 1968/70:

Aos Caríssimos Editores do Blogue (Luís Graça, Carlos Vinhal, Magalhães Ribeiro e Jorge Araújo), bem como a todos os Membros da Tabanca GRANDE:
Votos de um Feliz Natal - com muita saúde ! - e que o próximo ano nos permita o Reencontro.

A todos um grande Abraço de camaradagem e Amizade!
Cumprimentos,
José Rocha

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Nota do editor

Último poste da série > 23 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22834: O meu sapatinho de Natal (17): O meu Natal no mato em 1966 (José António Viegas, ex-Fur Mil)

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19753: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (12): Nós vamos a Monte Real, sábado, dia 25 de maio, e já nos inscrevemos antecipadamente... (Ernestino Caniço / Tomar, José Barros Rocha / Penafiel, José Manuel Cancela e Carminda / Penafiel, Manuel Resende / Cascais, Manuel Gonçalves e Tucha / Cascais, Manuel Reis / Aveiro)


Leiria, Monte Real > Palace Hotel Monte Real > XII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 29 de abril de 2017 > A minha velha amiga Tucha (Maria de Fátima, que professora primária na Lourinhã no princípioda década de 1970) mais o seu companheiro e nosso camarada Manuel dos Santos Gonçalves, (ex-alf mil mec auto, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73). Em segundo plano, a mana da Tucha, a Maria Adelaide Fernandes Luís, e o seu companheiro (que também esteve no TO da Guiné), António Manuel Correia Luís...

O Manel Gonçalves andou  pelo menos, 3 anos a prometer-me que ia "tratar dos papéis" para ingressar na Tabanca Grande... Com as idas a Monte Real, ganhou automaticamente esse direito...  E finalmente deu o pequeno grande passo, juntando-se aos amigos e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do mais frondoso (e famoso) poilão que existe na Internet, o da nossa Tabanca Grande.  Foi no ano passado, em 2 de agosto...O seu lugar é o nº 776... Este ano volta, com a Tucha, a Monte Real.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Estes (e estas) são mais alguns dos 85 camaradas e amigos/as da Guiné que já se inscreveram, antecipadamente, para o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, a realizar em Monte Real, no dia 25 de maio (*)...  

Merecem o devido destaque neste poste, com uma pequena nota biográfica... E merecem também as nossas palmas... Pode ser que com o seu exemplo motivem os indecisos. De qualquer modo, é importante que nos conheçamos melhor uns aos outros. Outros nomes se seguirão nos próximos dias...

Não se esqueçam, camaradas e amigos/as, de trazer o vosso crachá, com o vosso nome. O Miguel Pessoa,  da comissão organizadora,  todos os anos envia, por mail, aos "periquitos",  um ficheiro em "power point" com o logótipo da Tabanca Grande e um espaço em branco para escreverem o vosso nome. Depois é só imprimir. Podem pedir uma 2ª via, em caso de extravio.

Para quem ainda não se inscreveu no nosso Encontro Nacional, tome boa nota que o prazo termina na 6ª feira, dia 10... P'la Comissão Organizadora, LG.



 Ernestino Caniço - Tomar

[ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2208,MansabáMansoa e Bissau, 1970 a 1972; é médico; não costuma falhar os Encontros Nacionais da Tabanca Grande, desde o VI (em 2011); é membro da Tabanca Grande desde 21 de maio de 2011; tem mais de 3 dezenas de referências no nosso blogue; o Carlos Pinto, ex-1.º Cabo Condutor/Apontador Daimler, do 2208, também costuma aparecer em Monte Real,mas razões de saúde podem-no impedir de vir este ano]



Porto Alto > 28 de julho de 2012 > I Encontro do pessoal do Pel Rec Daimler 2208 (Mansoa / Mansabá e Bissau, 1970/72)  

Legenda: os dez históricos: a  partir da esquerda, em primeiro plano José Potra e Carlos Pinto; na segunda fila, de pé: Firmino Correia, Manuel Fernandes, Ernestino Caniço, António Proença, Victor Rodeia, Fernando Carneiro, José Romão e Mário Francisco

Foto (e legenda) : © Ernestino Caniço (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Barros Rocha - Penafiel

[membro da Tabanca Grande desde esse ano de 2007; é um "veterano" dos nossos Encontros Nacionais: tem cerca de 2 dezenas de referências no nosso blogue; ex-alf mil, CART 2410, "Os Dráculas"  (Guileje e Gadamael, 1968/70); despachante oficial, ou aduaneiro, com escritório em Penafiel]



José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel

[ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70); tem 30 referências no nosso blogue; vem com frequência aos nossos encontros em Monte Real, o casal era um grande amigo e vizinho do Joaquim Peixoto, e continua a ser da Margarida Peixoto]

Manuel [Augusto] Reis - Aveiro

[um dos bravos de Guileje e Gadamael, 1973; ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; professor do ensino secundário reformado; tem mais de 30 referências no nosso blogue]




Manuel [dos Santos] Gonçalves e Maria de Fátima (Tucha) - Carcavelos / Cascais

[ex-alf mil manutenção, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73); entrou para a Tabanca Grande, em 2 de agosto de 2018 (nº 776); foi alunos dos Pupilos do Exército]




Manuel Resende - São Domingos de Rana / Cascais

[é o atual régulo da Magnífica Tabanca da Linha, sucedendo ao nosso saudoso Jorge Rosales, recentemente falecido; de seu nome completo, Manuel Cármine Resende Ferreira, foi alf mil CAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete (, Pelundo, Teixeira Pinto), maio de 1969 / março de 1971; é o editor do blogue Memórias de Jolmete); edita também a página do Facebook da A Magnífica Tabanca da Linha, grupo fechado; tem mais de uma centena de referências no nosso blogue; é um excelente fotógrafo]


XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE, LEIRIA, MONTE REAL, PALACE HOTEL MONTE REAL,

SÁBADO, 25 DE MAIO DE 2019

[Prazo de inscrição: dia 10, sexta-feira]

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16815: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (2): As más notícias de Amílcar Cabral, no início de 1969: o caso das baixas do PAIGC no ataque a Ganturé, no dia 6 de janeiro

1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos a seguinte mensagem. 

(D)O OUTRO LADO DO COMBATE
AS MÁS NOTÍCIAS DE AMÍLCAR CABRAL NO INÍCIO DE 1969
- O CASO DAS BAIXAS DO PAIGC NO ATAQUE A GANTURÉ -


1. – INTRODUÇÃO

Quando em narrativa anterior [P16662], a propósito do terceiro fragmento da entrevista ao médico-cirurgião Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), fiz referência às notas manuscritas por Amílcar Cabral (1924-1973) classificadas por si de «más notícias», e comunicadas, como conteúdo para reflexão, a todos os dirigentes do PAIGC durante o mês de Janeiro de 1969, prometi voltar a elas, em novo enquadramento historiográfico, pois havia excluído o seu primeiro ponto por não ter, então, qualquer pertinência temática.

Relembro que nesse memorando, escrito pelo punho do secretário-geral, estavam em destaque duas “más notícias”; a primeira relacionada com o número de baixas contabilizadas pelos seus guerrilheiros no ataque a Ganturé, em 6 de janeiro de 1969, a segunda lamentando a inacreditável fuga do Daniel Alves, desertor do exército português, ocorrida em Dacar em finais de 1968 [o ponto abordado anteriormente].


2. – AS MÁS NOTÍCIAS DE AMÍLCAR CABRAL NO INÍCIO DE 1969

Em conformidade com a questão de partida, resgato agora a primeira “má notícia”, transcrevendo na íntegra a primeira página desse memorando.

“Depois de sair daí [passagem de ano de 1968], tive más notícias que são as seguintes:

No ataque do dia 6 [de janeiro de 1969] contra Ganturé [CART 2410], o qual corria muito bem, porque os camaradas atingiram o paiol [?], houve erro da nossa parte face aos aviões que intervieram. Tendo repelido a 1.ª vaga de aviões, os camaradas não se retiraram nem tomaram medidas de segurança, pelo que, duas horas depois, nova vaga de aviões os atacou quando estavam concentrados elementos de artilharia e de antiaérea. Perdemos 16 camaradas e 1 companheiro cubano [Pedro Casimiro], tendo mais 12 camaradas sido feridos. Um desastre devido a erro imperdoável, mas a guerra.

Estive na fronteira [Sul] com os camaradas, o moral não está mau e há que continuar a luta, tanto mais que o inimigo está mal. Mas há necessidade urgente de canhoneiros e morteiristas além de gente para AA [artilharia antiaérea]. Por isso tenho de vos pedir para mandarem urgente 9 dos canhoneiros formados na URSS e incluídos no Corpo de Artilharia. Devem também fazer vir urgente 6 dos morteiristas que eu disse para irem esperar em Madina [do Boé], porque não estavam incluídos no Corpo de Artilharia”.



Citação:
(s.d.), Sem título, CasaComum.org, Disponível http:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34366 (2016-11-8), (com a devida vénia).
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07197.166.017

Assunto: Perda de 16 combatentes do PAIGC e 1 cubano (Pedro Casimiro) na resposta aérea ao ataque desencadeado pela artilharia do PAIGC a Ganturé. Instruções para o destacamento de canhoneiros e morteiristas, entre outros.

Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: [Responsáveis do PAIGC]
Data: s.d.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência.


No centro das “más notícias” para o PAIGC, que Amílcar Cabral diz ter recebido, pois não presenciou nenhuma das duas ocorrências, emerge a pergunta sobre o modo como e quando delas teve conhecimento, uma vez que omite a respectiva fonte? Por outro lado, como funcionavam as comunicações em contexto de ataques, pois não tenho memória de alguma vez se ter referido a captura desse equipamento específico?

Admitindo a probabilidade de terem-se verificado alguns ruídos semânticos, entre o emissor e o receptor, na comunicação dos factos significantes relacionados com a primeira notícia [ataque a Ganturé], procedemos à triangulação de outros elementos obtidos em informantes privilegiados, nomeadamente nos arquivos da Fundação Mário Soares, nos depoimentos de alguns dos actores das NT envolvidos naquela missão [Força Aérea e Exército] publicados em blogues e na literatura consultada, tendentes a encontrar pontos convergentes vs divergentes relacionados com este caso. 


2.1 – O que diz a literatura [La Historia Cubana en África]

“No primeiro dia de janeiro de 1969 haviam começado as acções na Frente Sul contra o quartel de Tite. No dia 6 foi atacado por forças de infantaria e artilharia do PAIGC o quartel de Ganturé. Nesta acção participaram três cubanos. Nesse dia a aviação portuguesa entrou em combate e surpreendeu os guerrilheiros, destruindo-lhes vários equipamentos de artilharia e causando-lhes elevadas baixas: dezasseis guerrilheiros mortos e vários feridos.

Nessas baixas estavam os três cubanos que haviam participado na acção. O primeiro-tenente Pedro Casimiro Llopis, de 29 anos (1940-1969), morreu ao ser atingido pelo fogo da aviação, enquanto o primeiro-tenente Marcelino Araújo Pina e o soldado Plácido Veja Ramirez ficaram feridos durante o bombardeamento”. 

[In: Ramón Pérez Cabrera, “La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba” (edição de 2005), pp. 154/155, tradução do castelhano. [Consult em 25/11/2016. Disponível em


2.2 – Relato dos acontecimentos - Depoimentos da Força Aérea

A poucos dias de completar quarenta e oito anos, eis uma síntese [análise de conteúdo] sobre o ataque a Ganturé, elaborada a partir da narrativa intitulada «Um ataque com “olhos azuis”», da autoria do Tenente-General PilAv José Francisco Fernando Nico [José Nico], hoje na situação de reforma, publicada no blogue da “Tabanca Grande” [P15035-I Parte + P15038-II Parte] e no blogue “Operacional”, em www.operacional.pt.



Guiné - Imagem inserida no texto referente a um Fiat G-91 descolando de Bissalanca nos finais dos anos 60. “Em breve estará sobre o inimigo. «… O carrocel de ataque estava em marcha e com reacção ou sem reacção antiaérea tinha era que acertar com as bombas no alvo, o maior de todos os alvos que atacou durante toda a comissão. Não falhou como não falharam os outros…»”.



De referir que o Tenente-General José Nico foi piloto de aviões de caça, e entre 1967 e 1970 cumpriu uma comissão de serviço na Guiné. Neste âmbito, afirma que das muitas missões que desempenhou na Força Aérea Portuguesa, “a comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida”.Como introdução recorda que, mesmo não tendo tomado parte directa na acção de apoio às NT, por estar envolvido noutras missões, aquele dia 6 de janeiro de 1969 nunca o esqueceu, pelo muito que se comentou na Base [BA12] e pelos resultados obtidos, acabando por dar lugar à elaboração desta sua narrativa historiográfica.

Naquele dia 6 de janeiro de 1969, por volta das oito horas da manhã, a guerra no CTIG continuava bem viva com o PAIGC a ter a iniciativa de atacar, uma vez mais com os seus canhões Zis-2 AC 57 mm, o Aquartelamento de Gadamael Porto, sede da Companhia de Artilharia 2410 [CART 2410].

Da sede da Unidade é solicitado apoio aéreo a Bissau, com o comando-chefe a encaminhá-lo para a Base Aérea n.º 12 [Bissalanca] a fim de procederem em conformidade. Os dois pilotos da parelha de alerta [Fiat G-91], que naquele momento estavam a tomar o pequeno-almoço, logo apanharam o equipamento e meteram-se no jeep de apoio em direcção da linha da frente.

Os dois Fiat’s estavam prontos e configurados com tanques de combustível externo, 8 foguetes 2,75” e 4 metralhadoras 12,7 mm, sendo o ex-tenente Balacó Moreira um dos pilotos, o qual está na base de muita da informação obtida nesta missão. Esta teve início por volta das nove horas, uma hora após o início da flagelação, tendo constatado, depois, que o ataque visava objectivamente Ganturé, situado a curta distância de Gadamael Porto, onde se encontrava destacado o 4.º Gr Comb da CART 2410, para além de um pequeno núcleo populacional.

Numa primeira fase os rebentamentos estavam a ser espaçados e compridos, com as NT a responderem com morteiro 81 mm, operado pelo ex-furriel Luís Guerreiro [imagem ao lado]. A frequência/intensidade dos disparos do PAIGC ia aumentando com o correr do tempo mas sem consequências, pois as granadas passavam sobre Ganturé explodindo no contacto com o arvoredo existente muto para além da área do quartel.

Entretanto, a parelha de alerta que se encontrava em rota solicita mais informações do solo tentando sinalizar o local. Ao seguirem em direcção a Bricama, a cerca de dois km a SW de Gadamael Porto, qual não foi o espanto dos pilotos quando avistaram, no perímetro do antigo aquartelamento de Sangonhá, abandonado pelas NT em 29 de julho de 1968, num espaço completamente aberto e sem qualquer espécie de camuflagem, um numeroso grupo de indivíduos, que só poderiam ser os guerrilheiros responsáveis pelo ataque que se estava a verificar contra Ganturé.

Lá do alto era possível identificar a presença de três armas com rodado, sendo uma delas, colocada entre o perímetro do aquartelamento e a antiga pista, uma antiaérea ZPU-4 [tubos com quatro bocas] que, de imediato, abriu fogo contra os aviões [G-91] obrigando os pilotos a entrarem num circuito alargado para manter uma distância de segurança. No interior do perímetro do aquartelamento, no meio dos destroços das antigas instalações, estavam duas peças de artilharia com um cano relativamente comprido e na picada que saindo de Sangonhá se dirigia à Guiné-Conacri [talvez na direcção da base de Sansalé], viam-se algumas viaturas incluindo uma ambulância.

Esta situação levou o ex-tenente Balacó Moreira a confessar que da sua experiência em operações quase diárias no teatro de operações da Guiné nunca tinha dado de caras com o inimigo numa situação tão vulnerável. Porque os aviões da parelha de alerta não estavam equipados para intervir naquele cenário atípico, cujo sucesso impunha disparos a uma distância mais curta do alvo, o Cmdt da parelha decidiu abandonar a área e regressar de imediato à BA12 para que a situação fosse ponderada e tomada uma decisão adequada às circunstâncias. Tinham decorrido trinta minutos.


Citação:
(1963-1973), "Combatentes do PAIGC deslocando uma peça de artilharia anticarro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43454 (2016-12-2) (com a devida vénia). (Será que está relacionado com este ataque?).


Ao decidir regressar à BA12, o Cmdt da parelha [capitão Amílcar Barbosa?] entrou em contacto com o CCOA [Centro Conjunto de Operações Aéreas] dando conta do que vira e que o ataque continuava a partir da pista de Sangonhá. Era necessário decidir o que fazer no menor espaço de tempo, uma vez que ao serem detectados, a guerrilha poderia desmobilizar e desaparecer rapidamente. […] 

Da reunião entre o tenente-coronel Costa Gomes, Cmdt do Grupo, e o Cmdt da Zona Aérea, coronel PilAv Diogo Neto, visando encontrar a melhor solução para o problema que tinham em mãos, as hipóteses encontradas de modo a dar sequência à missão ficaram reduzidas aos G-91 e a quatro pilotos: os dois da parelha de alerta e os dois comandantes, o do Grupo Operacional e o da Zona Aérea, respectivamente tenente-coronel Costa Gomes e o coronel Diogo Neto.

Entretanto, o comandante-chefe do CTIG já tinha sido informado do que se estava a passar e quis falar com o coronel Diogo Neto. Este de imediato deslocou-se ao Forte da Amura onde explicou ao brigadeiro Spínola o que lhe parecia ser o mais razoável e eficaz. Este tinha preferência para o emprego dos “páras”, mas depois de ouvir as explicações da Força Aérea deu o seu aval ao “plano de acção” apresentado. […] 

Depois dos mecânicos e do pessoal de armamento se terem esforçado para aprontarem os quatro aviões o mais rápido possível, eis que estes descolam por volta das onze horas, ou seja, duas horas após a primeira missão ou três horas em relação ao início do ataque a Ganturé.

Cumpridas as instruções técnicas dos ataques aéreos, escolhida a rota mais aconselhada no caso em presença e após passarem sobre o rio junto à povoação de Cacine, é que foi possível perceber alguma coisa do que se passava no solo. O tenente Balacó Moreira recorda-se que a quantidade de pessoas que avistou na zona do antigo aquartelamento de Sangonhá era muito menor do que da primeira vez (duas horas antes) e que havia viaturas em movimento. Contudo, “era impossível falhar um alvo daquele tamanho”.

Na sequência do carrocel de ataque e dos bombardeamentos efectuados por cada um dos pilotos, os quatro aviões reencontram-se à vertical do objectivo, circulando à altitude de ataque. Em baixo, Sangonhá ficara obscurecida pelo fumo e pelos detritos projectados pelas explosões dando a impressão, lá do alto, que tudo tinha sido arrasado, pois nada parecia mexer.

Porque nenhum dos aviões tinha sobreposto o tiro ao dos outros e as dezasseis bombas tinham produzido uma cobertura relativamente densa, não era possível determinar se o ataque tinha sido eficaz em termos de baixas ao inimigo. Depois de ficarem sem armamento nada mais havia a fazer e o Cmdt da formação deu ordem para abandonar a área e regressar à BA12.


2.3 – O reconhecimento a Sangonhá – CART 2410

A 9 de janeiro de 1969, três dias após o ataque a Ganturé, um efectivo da CART 2410 constituída por cerca de cem elementos, entre militares, milícias e caçadores nativos, executou um reconhecimento a Sangonhá, comandado pelo ex-Alf. Mil. Albino Rodrigues, Cmdt do 1.º Gr. Comb., a qual contou com apoio aéreo em determinados momentos da sua marcha apeada.

Ao longo do percurso até Sangonhá não foram detectados trilhos novos, nem foram encontrados os habituais invólucros de granadas de morteiro ou de canhão s/r que os guerrilheiros deixavam espalhados no terreno após as flagelações. Após terem passado o vau do rio Queruane/Axe, a uns duzentos/trezentos metros à frente, numa pequena elevação do terreno, foram encontrados os restos de uma fogueira, feita durante a noite, junto a uma árvore alta com vestígios de ter sido utilizada como posto de observação. 

Três ou quatro metros depois encontraram fio telefónico que foi seguido até ao respectivo carretel vazio. Por isso se concluiu que naquela árvore teria estado um observador avançado munido de linha telefónica para orientar o tiro dos canhões AC estacionados em Sangonhá.

Em determinado momento da sua progressão, que consideraram como um sinal de estarem próximos do objectivo foi dado pela grande quantidade de abutres, uns pousados nas árvores, outros voando em círculos. A este sinal, um outro se adicionou transmitido pelo cheiro nauseabundo de corpos em decomposição. A partir daquele momento o avanço foi feito com muitas cautelas até que descobriram algo que nunca pensaram encontrar.

Sobre esse macabro achado, o ex-Alf. Mil. José Barros Rocha, Cmdt do 2.º Gr Comb., e membro da nossa Tabanca Grande,  refere o que viu e sentiu da seguinte forma: “na antiga pista de Sangonhá, armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e treze sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de trinta e seis mortos confirmados e muitos feridos. (…) O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefação! (…) Recolhemos três carretéis carregados de fio telefónico e um vazio, uma mina A/P, uma ferramenta de aperto de rodas, invólucros de granada de canhão AC 57 mm, meia pistola, munições intactas da AA de calibre 14,5 mm, bonés, chapéus tipo colonial, uma bandeira, uma caixa de ferramenta, e algumas bugigangas…”.

Depois de ter permanecido em Sangonhá cerda de duas horas, a força chegou a Gadamael por volta das três horas da tarde, sem mais ocorrências.


3. – CONCLUSÕES

Em primeiro lugar, aproveito para vos confidenciar de que desconhecia, em absoluto, esta história (como desconheço, seguramente, outras que ocorreram antes, durante e depois da minha presença no CTIG). Não podemos ter a pretensão de, alguma vez, ficarmos ao corrente de tudo o que aconteceu naquele território durante os treze anos do conflito. Daí a partilha de memórias que todos os dias se dão a conhecer neste espaço plural.

Quanto ao que nos propusemos analisar, são convergentes os relatos das NT e o escrito por Amílcar Cabral, com relevância para a referência às duas missões efectuadas pela Força Aérea [G-91] e os intervalos entre cada uma delas [duas horas].

Sobre o número de baixas, um assunto sempre difícil de abordar ou quantificar, constata-se uma dupla situação. Os referidos por Amílcar Cabral são convergentes com os publicados no livro de Ramón Cabrera. Estes, quando comparados com o depoimento resultante do reconhecimento a Sangonhá [CART 2410], existem diferenças, uma vez que foi referida a existência de treze sepulturas [recentes ou antigas?] e ainda pedaços de corpos de negros e brancos espalhados no solo. Mais tarde, por informação exterior, foram confirmadas trinta e cinco mortes.

No que concerne a baixas entre o contingente cubano, são referidas três, a totalidade dos elementos envolvidos no ataque, ainda que no texto se indique, também, tratar-se de um morto e dois feridos [mas que seriam muito graves, vindo a falecer].

Neste sentido, e por curiosidade, apresentamos um quadro das baixas contabilizadas no contingente cubano, entre 3 de junho de 1967 e 6 de janeiro de 1969 [18 meses]. Estes números foram escrutinados a partir do livro acima citado. 

Quadro estatístico de JA

Fonte: Adapt de Ramón Pérez Cabrera, op.cit.

Por último, resta-me levantar a seguinte hipótese:

Será que o pedido de nove canhoneiros e seis morteiristas “requisitados” no memorando, num total de quinze elementos, destinavam-se a substituir aqueles que tombaram neste ataque a Ganturé? 

Com um forte abraço e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

25 de novembro de 2016. > Guiné 63/74 - P16758: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (1): Amílcar Cabral e os desertores portugueses: os casos dos 1ºs cabos Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15176: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (14): Uma "visita de solidariedade" à Escola Piloto do PAIGC, em Conacri, dos "amigos suecos" Göran Palm e Beril Malmström, em novembro de 1969... Aparentemente não há qualquer relação com o episódio de Sangonhá, em 6/1/1969


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá [, ou Sanconha], a sul de Gadamael-Porto > s/d > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, na altura em que estava a chegar uma coluna militar [lado esquerdo]. Foto provavelmente tirada de uma aeronave DO 27, c. 1967/68.

Este destacamento, tal como o de Cacoca,  deverá ter sido abandonado pelas NT em meados  de 1968, na sequência de uma decisão do então brigadeiro Spínola, de maio/junho de 1968,  segundo o nosso grã-tabanqueiro António José Pereira da Costa.  Tratou-se de uma "retirada", ou de "retração do nosso dispostivo no terreno", por razões de optimização de defesa... Tal como aconteceu noutros pontos do território (de Mejo a Beli, de Ganturé à Ponta do Inglês)... o Pereira da Costa, na altura alf art QP da CART 1692 / BART 1914 (Cacine, Cameconde, Sangonhá e Cacoca, 1967/69) diz que Sangonhá era sede de companhia e Cacoca destacamento:

(...)  "Em 1968, Cacoca era um daqueles lugares onde parecia não haver guerra. Dependente da Companhia sediada em Sangonhá, era um destacamento de nível Gr Comb, resumindo-se a uma pequena tabanca com pouco mais de duzentos habitantes." (...)

O Mário Gaspar confirma que foi no início de julho de 1969. tendo a população sido levada para Gadamael. [O Mário Gaspar foi fur mil art  MA, CART 1659, Zorba, Gadamael e Ganturé, 1967/68, tendo terminado a sua comissão em outubro de 1968; conheceu bem Sangonhá].

Os acontecimentos referidos no poste P2574,  pelo nosso grã-tabanqueiro José Barros Rocha [, ex-al mil  da CART 2410, Os Dráculas (Gadamael, Junho de 1969 a Março de 1970)], ocorreram em 6 de janeiro de 1969, portanto meio ano depois do "abandono" de Sangonhá pelas NT.

Foto: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: L.G.).


1.  No "Arquivo Amílcar Cabral", alojado no portal "Casa Comum",  há um documento, em português, datilografado, de 16 pp., datado de novembro de 1969, com uma intervenção, não assinada, mas que se presume seja do Amílcar Cabral ("Uma visita de solidariedade"), "por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem (sic), à Escola Piloto do PAIGC" em Conacri"...

Há também um resumo da intervenção,  oral,  dos suecos, não sabendo nós quem foi o intérprete: o Göran Palm (conhecido escritor e ativista político de esquerda, nascido em  Uppsala em 1931, Prémio Selma Lagerlöf em 1998) e o Bertil Malmstöm (jovem professor, ativista do Comité da África do Sul, de Uppsala) falam do que "viram" e "sentiram" na sua visita às "regiões libertadas"... Dizem que estiveram no sul e no leste... 

Em referência ao sul, fala-se de uma tabanca T... que não é identificada pelo autor do documento (que só pode ser o próprio Amílcar Cabral, pela qualidade e estilo da escrita)... Presume-se que ele, Amílcar Cabral,  não tenha querido identificar a tabanca por razões de segurança, já que o documento, com o logo do PAIGC, deveria ter um destino externo... 


Capa do relatório, de 16 pp., datilografadas,  com 
a "intervenção   proferida por ocasião  da visita 
da delegação da Suécia,   constituída por Göran 
Palm e Bertil Malmstroem [sic],  à Escola Piloto 
do PAIGC". 

O Amílcar Cabral é subtil (e sedutor...) quando fala da Suécia, dos amigos suecos, da história recente da Suécia e das contradições da sociedade sueca, que estava longe de ser, em 1969,  uma utópica sociedade sem classes... 

O Amílcar Cabral  trata estes dois suecos como velhos amigos ou conhecidos... O que eu não sei é a que título estavam lá eles, em novembro de 1969, em Conacri? Se era "uma delegação da Suécia",  estavam em representação de quem? Do governo sueco? Do partido social-democrata? De alguma associação de amizade?  A título pessoal? (***)

Nessa altura, e desde 14 de outubro de 1969, o Olof Palm (1927-1986) já era primeiro-ministro.

Outra questão: será que a "delegação sueca" terá feito algum documentário (em 8mm, por exemplo)? Por que razão Luís Cabral lhes chama "cineastas"? (*)

Repare-se na data do documento: novembro de 1969... A história de Sangonhá é de 6 de janeiro de 1969. Estes dois suecos estiveram 3 semanas entre o PAIGC, em outubro e novembro de 1969. Göran Palm dirá depois que foi recebido "principescamente" pelo PAIGC, entusiasmado com a perspetiva de vir a receber ajuda (com substancial expressão monetária...) por parte de um país da Europa ocidental, com o prestígio e o peso da Suécia. Para Amílcar Cabral, era muito importante diversificar os seus apoios internacionais, não ficando apenas dependente da Rússia, China, Cuba e outros países comunistas. Nessa altura, Göran Palm fez um relatório sobre as "necessidades humanitárias" do PAIGC. Não há referência a qualquer filme deste escritor e ativista, no livro de Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa)(**).

Os nossos leitores podem consultar e ler o supracitado documento do PAIGC, página a página,  aqui, no portal Casa Comum:

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04602.051
Título: Uma visita de solidariedade
Assunto: Intervenção proferida por ocasião da visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC.
Data: Novembro de 1969
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral
Tipo Documental: Documentos



2. Há também, no Arquivo Amílcar Cabral, uma foto de grupo, a preto e branco, disponível aqui [em formato normal]

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 05247.000.101
Título: Lilica Boal, Aristides Pereira, Domingos Brito e Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira
Assunto: Maria da Luz Boal (Lilica Boal), Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges com uma delegação estrangeira, em Conakry [visita da delegação da Suécia, constituída por Göran Palm e Bertil Malmstroem, à Escola Piloto do PAIGC].
Data: c. 1969
Observações: Cfr. Amílcar Cabral, documento 04602.051.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias


Legenda de LG:

da esquerda para a direita, na foto acima, temos: Göran Palm, Maria da Luz Boal (Lilica Boal),  Bertil Malmström, Aristides Pereira, Domingos Brito, Hugo dos Reis Borges.
Ao fundo, vê-se parte de um automóvel ligeiro de passageiros, um Volkswagen, provavelmente o célebre "carocha" do Amílcar Cabral.

Recorde-se que a Lilica Boal (Maria da Luz Boal) era a mulher do dr. Manuel Boal - outro natural de Angola, que saiu em 1961 para se juntar aos movimentos nacionalistas, A Lilica Boal nasceu em Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.
Era ela, a Lilica Boal, quem dirigia a Escola Piloto do PAIGC em Conacri, sendo também ela a responsável pelos conteúdos nos manuais escolares (, publicados na Suécia). (**)

___________________


(...) No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral menciona o "Afrika Group" como aglutinador da solidariedade da sociedade civil sueca ao PAIGC, talvez referência sintética ao “Grupo de África” de Upsala e ao “Grupo de África” de Lund, que se distinguiram na sua ajuda e a enviar os seus mentores e intelectuais de visita às “áreas libertadas” … na República da Guiné-Conacri. E aquele corifeu escreve, na pag. 335: “Os cineastas Goran Palm e Bertil Malmstron apresentaram na Suécia o primeiro documentário cinematográfico sobre a nossa luta, como resultado de uma visita ao interior da Guiné”.

Esse documentário terá a ver com a peripécia de Sangonhá?


Dado que os cineastas eram o maior bem a preservar nessa temeridade que teve Sagonhá como "palco", o experiente e felino Nino Vieira (?) terá providenciado imediatamente a sua segurança. A primeira ameaça dos FIAT precedera mais de uma hora o lançamento das “bilhas” pela malta de Bissalanca.

Alguém já visionou esse documentário? Terá registado o aludido aparato bélico do PAIGC e os “destroços” da sua “conquista” de Sangonhá? (...) 

(**)  Sobre o papel e o estatuto do escritor Göran Palm,  no desenvolvimento das relações externas da Suécia com o PAIGC,  vd. (em especial pp. 74-76, 146, 163-164) SELLTRÖM, Tor - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008. [Em português; tradução: Júlios Monteiros; revisão; António Lourenço e Dulce Aberg], 290 pp. [Disponível aqui, em formato pdf:  http://nai.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15038: FAP (83): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - II Parte: Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969 (José Nico, Gen PilAv)

1. Segunda parte do trabalho da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74) em 22 de Agosto de 2015.

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PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv



VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (2)

Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969

Naquela segunda-feira, a notícia de um ataque com canhões, ao início da manhã, a Gadamael Porto, sede da CArt 2410 deu logo a ideia de que qualquer coisa estranha estava a acontecer. Não era nada normal o PAIGC desencadear flagelações àquela hora. O que era normal era atravessarem a fronteira durante o dia, estabelecer bases de fogos e depois esperar pelo fim do dia para desencadear os ataques. Podiam depois retirar a coberto da noite, em segurança, com a certeza que, nem o Exército tinha condições para os perseguir, nem a Força Aérea para os detectar e atacar.

Na Base 12 o dia de trabalho estava a começar e o pedido de apoio aéreo que chegou através do Comando-Chefe fez os dois pilotos da parelha de alerta largar o pequeno-almoço, apanhar rapidamente o equipamento e meterem-se no jeep de apoio em direcção à linha da frente. Lembro-me de ter ouvido o que se estava a passar mas tinha outras missões para esse dia e não cheguei a envolver-me no que aconteceu depois. No entanto, num cantinho da memória persiste uma sensação de choque associada à notícia porque fiquei com a perturbante impressão de que tínhamos entrado numa nova fase da guerra.

Dos G-91 prontos na linha da frente, os dois de alerta, como era normal naquela altura, estavam configurados com tanques de combustível externo, 8 foguetes 2,75 polegadas e as 4 metralhadoras 12,7mm19. Não havendo outras informações para ajuizar a situação no terreno o que a experiência ensinara era que a presença dos aviões faria o PAIGC “encolher as unhas” e terminar o ataque. Os dois pilotos procuraram, por isso, descolar e chegar o mais rapidamente possível a Gadamael Porto.

Apesar de andar empenhado na recuperação deste episódio há muito tempo, porque penso que deve ficar registado na nossa memória colectiva, não consegui identificar até agora um dos dois pilotos envolvidos. Por exclusão de partes e porque éramos muito poucos, penso que foi o Capitão Amílcar Barbosa20 o chefe da parelha de alerta, mas não tenho a certeza absoluta. O outro piloto está bem identificado e foi o então Tenente Balacó Moreira de quem obtive muita da informação sobre o que se passou.

Dos registos sobreviventes sabe-se que os aviões descolaram às 09H00, que a flagelação teria começado cerca de uma hora antes e visava objectivamente Ganturé, a curta distância de Gadamael Porto onde, para além de um pequeno núcleo populacional, estava destacado o 4.º grupo de combate da CArt 2410. Numa primeira fase os rebentamentos foram espaçados e compridos dando a impressão que o inimigo estava a regular o tiro21. De Ganturé a resposta estava a ser dada com o morteiro 81 operado pelo furriel miliciano Luís Guerreiro. Com o correr do tempo o PAIGC foi aumentando a frequência dos disparos até que a artilharia de Gadamael Porto também entrou em acção na tentativa de suster a flagelação mas sem resultado. O PAIGC disparava cada vez com mais intensidade mas, felizmente, as granadas passavam silvando sobre Ganturé e iam danificar o arvoredo que se estendia para lá da posição.

Em rota, a parelha de alerta conseguiu entrar em contacto rádio com Gadamael Porto que forneceu uma série de indicações sobre a direcção e distância a que entendiam estar a ser feito o ataque e até dispararam algumas granadas de fumo com o morteiro 81mm para tentar sinalizar esse local. Na carta 1:50.000 essas indicações apontavam para a antiga tabanca de Bricama a cerca de dois quilómetros a SW de Gadamael Porto. No entanto, quando os aviões chegaram à zona, ao passarem junto a Sangonhá, onde estivera instalada uma unidade do Exército até 29 de Julho de 196822, os pilotos foram surpreendidos com o que viram: o perímetro do antigo aquartelamento estava pejado de gente. Perceberam imediatamente que só podiam ser os guerrilheiros responsáveis pela flagelação a Ganturé. Mas o mais espantoso é que estavam ali, num espaço completamente aberto e sem qualquer espécie de camuflagem. Quase à vertical alguns detalhes tornaram-se então claramente perceptíveis como a presença de três armas com rodado. Uma delas, entre o perímetro do aquartelamento e a antiga pista, era uma anti-aérea ZPU-4 que abriu imediatamente fogo contra os aviões obrigando os pilotos a entrarem num circulo alargado para manter uma distância de segurança. Dentro do perímetro do aquartelamento, no meio dos destroços dos edifícios23, estavam duas peças de artilharia com um cano relativamente comprido e, na picada que saindo de Sangonhá se dirigia à Guiné-Conacri, viam-se algumas viaturas incluindo uma ambulância. Deviam ter vindo de Sansalé que era uma pequena aldeia da Guiné-Conacri muito utilizada pelo PAIGC nas suas movimentações junto à fronteira.

O que é que teria passado pela cabeça daquela gente para se expor daquela maneira? O PAIGC e os seus mentores cubanos vinham seguindo à risca a cartilha da guerra de guerrilha mantendo-se sempre encobertos e só atacando quando estavam em vantagem. Quando se sentiam em desvantagem furtavam-se ao contacto. No entanto, desta vez, estavam a fazer tudo ao contrário, de tal maneira que os dois pilotos dos G-91 tiveram dificuldade em assimilar a imagem que a vista lhes oferecia com toda a nitidez. Seria mesmo real o que estavam a ver? O ex-Tenente Balacó Moreira confessa que da sua experiência em operações quase diárias no teatro de operações da Guiné nunca tinha dado de caras com o inimigo numa situação tão vulnerável. No entanto, os aviões da parelha de alerta não estavam equipados para intervir naquele cenário. Quer os foguetes, quer as metralhadoras, para serem eficazes só podiam ser disparados a uma distância relativamente curta do alvo, bem dentro da densa e eficaz nuvem de projécteis cuspidos pelos canos da ZPU-4 à razão de 2400 tiros por minuto. Pela sua extensão e natureza aquele alvo exigia mais aviões e também munições mais capazes.

O comandante da parelha decidiu por isso abandonar a área e regressar imediatamente à BA12 para que a situação fosse ponderada e tomada uma decisão adequada às circunstâncias. Em qualquer caso, a partir desse momento era tudo urgente porque a guerrilha, tendo sido detectada, devia começar a desmobilizar e desapareceria rapidamente nas matas que rodeavam Sangonhá. Cada minuto de atraso na resposta aumentava exponencialmente as probabilidades de insucesso. Depois de informar Gadamael que iam regressar a Bissau o comandante da parelha entrou em contacto com o Centro Conjunto de Operações Aéreas (CCOA).
- Marte, Tigres chamam!
- Marte à escuta, transmita!
- Informe o Pirata24 que estamos a regressar a Bissau. A situação em Gadamael é a seguinte: flagelação a Ganturé continua a partir da pista de Sangonhá. Em Sangonhá vê-se muita gente no chão, uma quádrupla que abriu fogo quando os aviões se aproximaram, dois canhões com rodado, diversas viaturas e uma ambulância. Sugiro preparação de mais aviões com bombas. Diga se copiou.  - Afirmativo Tigres, tudo copiado vou já passar ao Pirata - respondeu o oficial de serviço.

Tinham passado trinta minutos depois da descolagem quando os dois aviões tocaram na pista de Bissalanca e iniciaram uma rolagem rápida para o estacionamento.

Furriel Miliciano Luís Guerreiro operando o morteiro de Ganturé
____________

Notas:

19 - Esta configuração “standard” permitia alcançar qualquer ponto do território, garantia algum tempo de permanência sobre o alvo mesmo no extremo Leste e dava alguma capacidade de intervenção se não existisse reacção AA.

20 - Cap PilAv Amílcar Barbosa, nascido em Cabo Verde e originário da Esquadra 51 de Monte Real que morreu no ano seguinte, no campo de tiro de Alcochete, ao lançar uma bomba equipada com uma espoleta experimental que funcionou mal.

21 - Não foi certeiro na fase de regulação, nem foi certeiro depois por razões que se explicam no texto.

22 - Na reestruturação do dispositivo ordenada pelo Brigadeiro António de Spínola depois de tomar posse como Governador e Comandante-Chefe, as posições de Sangonhá e Cacoca que ficavam entre Gadamael Porto e Cacine foram abandonadas.´

23 - Os edifícios foram destruídos pelo Exército quando a posição foi abandonada em 29 de Julho de 1968.

24 - Indicativo pessoal do Comandante do Grupo Operacional 1201 que na altura era o TCor PilAV Francisco Dias da Costa Gomes.

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A decisão

Assim que foi informado do que se passava, o Tenente-Coronel Costa Gomes pôs o Comandante da Zona Aérea, Coronel PilAv Diogo Neto, ao corrente da situação. Minutos depois este entrava no gabinete do Comandante do Grupo já com a caldeira a toda a pressão o que nele se percebia facilmente pela veia que no pescoço inchava notoriamente quando a tensão arterial subia. A primeira ideia que lhes ocorreu foi lançar uma operação helitransportada mas rapidamente perceberam que não só era demasiado arriscado como ia demorar muito tempo. De facto, com o número de helicópteros prontos não seria possível transportar mais que trinta paraquedistas o que era muito pouco. Não haveria surpresa e, além disso, não havia uma zona de aterragem reconhecida nem havia ideia do perímetro defensivo do PAIGC à volta de Sangonhá. A aterragem dos helicópteros teria de ser feita numa clareira ad hoc e relativamente longe do alvo não só porque não se sabia por onde andavam os guerrilheiros mas também por causa da ZPU-4. Acresce que se esta não fosse eliminada pelos G-91, o que não podia ser garantido, o apoio de fogo aos paraquedistas não seria exequível. Era também preciso reunir e preparar os homens o que iria demorar pelo menos uns 45 minutos. Finalmente, a velocidade do AL III também não ajudava. Tudo somado, mas em especial o risco de lançar trinta homens num local pejado de guerrilheiros, sem informações adequadas, fê-los desistir imediatamente da ideia.

As hipóteses de acção ficaram assim reduzidas aos G-91 e a quatro pilotos. Os dois da parelha de alerta que estava a aterrar, o Comandante da Zona Aérea e o Comandante do Grupo Operacional. Os restantes pilotos de G-91 estavam empenhados noutras missões e não estavam disponíveis. Também não havia tempo para montar a carga máxima nos aviões porque era preciso retirar os tanques de combustível e as calhas dos foguetes dos aviões que tinham ido a Gadamael e montar os suportes que permitiam levar duas bombas de 50kg em cada asa, em quatro aviões. Tudo no mínimo tempo possível. Assim, em vez de um total de 8 bombas de 200kg mais 16 bombas de 50kg foi dada ordem ao pessoal de armamento para montar apenas 8 bombas de 200kg mais 8 bombas de 50kg.

Entretanto, o Comandante-Chefe já tinha sido informado do que se estava a passar e quis falar com o Coronel Diogo Neto. Este meteu-se na viatura e lá foi ao Forte da Amura explicar o que lhe parecia mais razoável e eficaz. Como era de esperar a preferência do Brigadeiro Spínola ia para o emprego dos paraquedistas mas depois de ouvir as explicações do coronel concordou e deu o seu aval ao “plano de acção”.

Na BA12 os mecânicos e o pessoal de armamento, cientes da urgência da missão, esforçavam-se para aprontar os aviões o mais rapidamente possível. Não conseguiram porém evitar que o Coronel e os outros três pilotos que entretanto tinham chegado à linha da frente, completassem as inspecções e ficassem à espera, já sentados no cockpit, que o processo de configurar os aviões com as bombas de “fins gerais” terminasse. Mal as pontas dos arames de armar as espoletas foram cortadas e o sinal de tudo pronto foi passado aos pilotos, começaram a ouvir-se, numa sequência um pouco desencontrada, os silvos dos cartuchos de arranque à medida que iam sendo disparados seguidos do ronco surdo das turbinas em aceleração.


Canhão Zis-2 AC 57 mm pronto para ser atrelado a uma viatura de reboque. Imagem provavelmente relacionada com o ataque a Ganturé cedida pela Fundação Mario Soares.



Situação geral no terreno na manhã de 6 de Janeiro de 1969

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Era impossível falhar um alvo daquele tamanho

Os quatro aviões conseguiram descolar por volta das 11H00, três horas depois do início do ataque a Ganturé e hora e meia depois do regresso da parelha de alerta. A esperança de encontrar a guerrilha ainda em Sangonhá era já muito ténue e todos tinham consciência disso. À frente, no G-91 5408, o Coronel Diogo Neto subiu logo para os 8000 pés que era a altitude standard para iniciar o bombardeamento a picar (BOP) e acelerou para 400 KIAS apontado a Cacine. Os outros três seguiam-no numa formação de marcha bastante aberta.

A rota iria permitir que os aviões passassem Cacine já escalonados para o ataque e com Sangonhá a ficar na raiz da asa esquerda de modo a garantir uma picada com o sol mais ou menos “nas costas”. Sempre que tínhamos de enfrentar fogo anti-aéreo utilizávamos este procedimento para dificultar a pontaria aos apontadores e, neste caso, também a direcção do ataque ficava próxima do eixo maior do alvo.

Como seria de esperar os quatro pilotos estavam apreensivos e como acontecia sempre em acções mais complicadas o silêncio rádio foi completo. A única comunicação que o ex-Tenente Balacó Moreira, que voava a número dois no G-91 5412, se recorda foi a ordem para armar as bombas e passar a escalão pela direita quando passaram sobre o rio junto à povoação de Cacine. Logo a seguir cada um começou a tentar vislumbrar o alvo mas só no momento em que manobravam o respectivo avião para conseguir um “poleiro” que desse um bom angulo de picada é que foi possível perceber alguma coisa do que se passava “lá em baixo”. Balacó Moreira recorda-se que a quantidade de pessoas que avistou na zona do antigo aquartelamento era muito menor do que da primeira vez e que havia viaturas em movimento.
- Estão a retirar – pensou para consigo próprio.

A seguir viu o número um “pranchar” e voltar apertado pela esquerda subindo inicialmente acima da altitude inicial e depois, continuando a aumentar o pranchamento, mergulhar desaparecendo do seu lado esquerdo. Baixou a asa desse lado para tentar seguir a trajectória mas rapidamente o avião começou a ficar cada vez mais pequenino à medida que acelerava e se afastava em direcção ao solo. Naqueles escassos segundos não viu chamas à boca dos canos da ZPU-4. Quando o Coronel Diogo Neto avisou pelo rádio que tinha acabado de largar as bombas e estava em afastamento procurou efectuar uma última correcção à posição do seu avião. Naquele momento se a ZPU-4 disparava ou não já não lhe interessava para nada. A interpretação dos instrumentos de voo e o controlo da trajectória para posicionar o avião num ”poleiro” favorável não deixavam margem para se preocupar com o inimigo. Entrou então numa picada que lhe pareceu boa e depois foi corrigindo os desvios de modo a fazer o rectículo do visor caminhar progressivamente para um ponto atrás do rebentamento das bombas do avião da frente. O carrocel de ataque estava em marcha e com reacção ou sem reacção anti-aérea tinha era que acertar com as bombas no alvo, o maior de todos os alvos que atacou durante toda a comissão. Não falhou como não falharam os outros e ninguém foi atingido.

No final, os quatro aviões reencontraram-se à vertical do objectivo, circulando pela esquerda à altitude de ataque. Lá em baixo, Sangonhá ficara obscurecida pelo fumo e pelos detritos projectados pelas explosões dando a impressão que tudo tinha sido arrasado. Imagem bem enganadora que conheciam muito bem dos ataques aos “clusters” de armas AA que o PAIGC durante o ano de 1968 tinha tentado instalar em diversos pontos do Quitafine. Desfeita a poeirada constatava-se muitas vezes que as armas AA continuavam a disparar embora relativamente perto se avistassem as enormes crateras abertas pelas bombas. O que acontecia era que a combinação bomba/espoleta que utilizávamos penetrava demasiado no solo arenoso provocando crateras enormes que deflectiam os estilhaços para o ar sem causar danos significativos no plano horizontal.

Desta vez, o solo era certamente mais consistente porque as crateras pareciam pouco profundas, com uma assinalável concentração na zona onde estava o armamento pesado. Os quatro aviões ficaram ainda alguns minutos a circular observando a metralhadora AA que era a grande preocupação mas que parecia inactiva desde o início. Lá do alto constataram que nada parecia mexer. Nenhum dos aviões tinha sobreposto o tiro ao dos outros e as dezasseis bombas tinham produzido uma cobertura relativamente densa. Só não era possível era determinar se o ataque tinha sido eficaz em termos de baixas no inimigo.

Depois, sem armamento, nada mais havia a fazer e o comandante da formação deu ordem para abandonar a área e regressar à BA12.

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O reconhecimento a Sangonhá

Três dias depois, a 9 de Janeiro de 1969, a Cart 2410 executou um reconhecimento a Sangonhá com cerca de 100 homens - militares, milícias e caçadores nativos (Gadamael e Ganturé ficaram reduzidos ao mínimo de pessoal para a sua defesa)25. A força foi comandada pelo ex-Alferes Miliciano Albino Rodrigues, que era o comandante do 1.º Grupo de Combate, ficando o Comandante da Companhia em Gadamael.

Saíram de Gadamael por volta das 6 horas da manhã, sem qualquer apoio de viaturas, normais ou blindadas. Às 08:30 descolou de Bissalanca o DO-27 3347, pilotado pelo Tenente Balacó Moreira, com a missão de apoiar a progressão no terreno e em particular coordenar o apoio de fogo se fosse necessário.

Em todo o percurso até Sangonhá não foram detectados trilhos novos, nem foram encontrados os habituais invólucros de granadas de morteiro ou de canhão S/R que os guerrilheiros normalmente deixavam espalhados no terreno após as flagelações.26

Após a passagem a vau do rio QUERUANE/AXE, e uns 200 ou 300 metros à frente, numa pequena elevação do terreno, foram encontrados os restos de uma fogueira (a noite de 5 para 6 tinha sido fria) junto a uma árvore alta com vestígios de ter sido utilizada como posto de observação, quer pelo aspecto do tronco, quer por alguns ramos partidos. Logo 3 ou 4 metros depois encontraram fio telefónico que foi seguido até ao respectivo carretel vazio. Concluíram por isso que naquela árvore teria estado um observador avançado munido de linha telefónica para orientar o tiro dos canhões A/C estacionados em Sangonhá.

Desde este local e numa extensão de cerca de 3 quilómetros, havia abrigos individuais de um lado e outro da estrada, e também resíduos de fogueiras. Logicamente, a defesa avançada do dispositivo instalado em Sangonhá estendera-se ao longo da estrada para Gadamael Porto.

Com a força já a meio caminho descolaram então de Bissalanca 2 T-6G armados com foguetes SNEB de 37mm e metralhadoras 7,7mm27. A missão era permanecer em espera um pouco a Norte de Sangonhá e actuar à ordem do PCV (DO-27) caso fosse necessário dar apoio de fogo. Depois, às 11:30, quando a força estava próximo de Sangonhá descolaram de Bissalanca dois G-91 armados com foguetes de 2,75 polegadas e quatro metralhadoras 12,7mm. Os dois T-6 foram nessa altura reabastecer tendo voltado a descolar novamente para acompanhar o resto da operação.

A primeira indicação de que estavam próximos do objectivo foi dada pela grande quantidade de abutres (os feiosos jagudis) pousados nas árvores ou voando em círculos. Ao mesmo tempo, o pessoal começou a sentir o cheiro nauseabundo de corpos em decomposição.

A força distribui-se então de modo a formar uma longa linha perpendicular à estrada e foi nessa formação que avançaram cautelosamente. O que descobriram a seguir ultrapassou todas as marcas e foi tão chocante que o pessoal descurou momentaneamente as regras de segurança que vinha a manter.

 O ex-Alferes Miliciano José Barros Rocha, comandante do 2.º grupo de combate, recorda desta maneira o que viu e sentiu:

“…na antiga pista [de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.
" O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim..." (...).
 …………………………………
“…recolhemos 3 carretéis carregados de fio telefónico e um vazio, uma mina A/P, uma ferramenta para aperto de rodas, invólucros de granada do canhão A/C 57mm, meia pistola, munições intactas da A/A de calibre 14,5mm, bonés, chapéus tipo colonial, uma bandeira, uma caixa de ferramenta, e mais algumas bugigangas..”.

A força permaneceu em Sangonhá cerca de duas horas tendo regressado a Gadamael entre as duas e as três da tarde. Quando já estavam perto do quartel o Tenente Balacó Moreira aterrou o DO-27 em Gadamael e ficou a aguardar a chegada da força. Foi ele que levou para a BA12, em primeira mão, os resultados provisórios do bombardeamento no qual tinha participado. Levou também a óptica do aparelho de pontaria da ZPU-4 que lhe foi oferecida pelo comandante do 2.º grupo de combate e que ele entregou depois ao Tenente Coronel Costa Gomes.

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Notas:

25 - Testemunho do ex Alferes Miliciano José Barros Rocha da Cart 2410. [In blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha) b]

26 - Indicação muito forte de que a flagelação do dia 6 teria sido efectuada apenas com os canhões AC estacionados em Sangonhá.

27 - Esta configuração era muito eficaz para o apoio de fogo à forças terrestres. Cada avião estava municiado com 72 foguetes SNEB de 37mm e podia também utilizar as quatro metralhadoras 7,7mm.

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A razão para o suicídio do PAIGC em Sangonhá

Depois do reconhecimento a Sangonhá ficou por decifrar o que teria levado o PAIGC a efectuar aquela acção suicida. A prática normal da guerrilha não se ajustava, de modo nenhum, ao que acontecera no dia 6 de Janeiro de 1969. Não tinha sido apenas a hora a que foi desencadeada a flagelação, de manhã em plena luz do dia, mas também o facto do armamento e o pessoal estarem em campo aberto e serem facilmente detectáveis pelos aviões. Era ainda o recurso às peças anticarro na flagelação como se fossem obuses ou morteiros28.

Havia certamente uma justificação para este comportamento anómalo mas nenhum de nós imaginava qual poderia ser.

No dia 19 de Janeiro de 1969 coube-me efectuar no DO-27 3341 ”o sector de Buba” o que me deu a oportunidade de falar com os oficiais da CArt 2410. Foi nessa ocasião, pelo testemunho dos que tinham, de facto, posto os pés no que fora o “nosso alvo”, que me apercebi pela primeira vez da dimensão do desastre que o PAIGC tinha sofrido. Foi também nessa ocasião que o Alferes Barros Rocha teve a gentileza de me oferecer quatro munições da ZPU-4 que estivera instalada em Sangonhá e que tinha feito fogo contra os dois primeiros (pelo menos) G-91 que descolaram para tentar suster a flagelação a Ganturé. Destas quatro munições, como referi no início, ainda guardo uma comigo e, por arrastamento, a memória deste episódio.

Por acaso tudo se aclarou alguns dias mais tarde ao ler um relatório da DGS que chegou ao gabinete do Comandante do Grupo Operacional 1201. Para mim foi uma espécie de relâmpago que tudo iluminou e desvendou, num instante, a lógica daquele comportamento estranho do PAIGC. Não consegui agora encontrar nenhum registo desse documento mas o facto é que me marcou tanto que nunca mais esqueci o essencial do que li. Resumidamente, a DGS dava conta de que o ataque se tinha enquadrado numa acção de propaganda promovida pela Suécia. Na minha opinião, muito provavelmente a pedido do próprio Amílcar Cabral, resolveram aproveitar o abandono de Sangonhá para simular a tomada do aquartelamento pela guerrilha. O cenário não podia ser mais perfeito. Antes de abandonar a posição, as instalações do aquartelamento tinham sido destruídas pelo Exército e essa imagem podia ser facilmente mostrada em fotografia e filme como sendo consequência dos ataques do PAIGC. Depois, a posição “acabada de conquistar” podia ser utilizada para mostrar o poder de fogo do PAIGC contra as posições que se preparavam para conquistar a seguir: Ganturé e Gadamael. Uma equipa de repórteres, incluindo fotógrafos e cineastas deslocou-se para esse efeito à Guiné-Conacri onde se juntou aos guerrilheiros. Um total de 400 pessoas terão estado envolvidas em toda a operação segundo as informações do régulo Abibo de Ganturé.

Ficou assim explicado porque razão o PAIGC se tinha exposto em pleno dia a levar com as bombas da aviação. É que não era possível fotografar nem filmar sem luz. Também não fazia sentido estarem escondidos quando tinham acabado de derrotar e afugentar o inimigo. Tinham, é claro, a noção de que iam correr um grande risco e por isso o terem levado a ZPU-4 para se defenderem. Mas cometeram um segundo erro, este gravíssimo. Foram detectados e em vez de embalarem a trouxa e rumarem novamente à Guiné-Conacri deixaram-se ficar. Pessoalmente penso que, como os dois primeiros aviões não abriram fogo, assumiram que, ou os tinham atingido, ou os tinham dissuadido e resolveram continuar a fazer a “fita”.

Faltava explicar a utilização das peças anti-carro porque, como já foi dito, não eram, nem armas de guerrilha, nem adequadas às flagelações aos aquartelamentos. Não há mesmo conhecimento de terem sido utilizadas em qualquer outra ocasião.

Uma explicação muito credível ocorreu-me quando descobri algumas fotos dessas armas no arquivo Amílcar Cabral da Fundação Mário Soares. Fiquei até convencido que respeitam à acção do dia 6 de Janeiro de 1969. Passo a explicar.

O objectivo da operação era produzir propaganda, como referiu a DGS no seu relatório. Havia, por isso, necessidade de mostrar grande capacidade militar e poder de fogo, factores esses que estariam a determinar avanços do PAIGC no terreno nomeadamente a conquista de posições ocupadas pelos portugueses. Acontecia que aquelas peças anti-carro tinham um reparo longo, tinham rodas e um cano comprido. As eventuais audiências alvo da propaganda ficariam certamente muito mais impressionadas se o ataque fosse feito com estas peças de artilharia em vez dos tradicionais morteiros ou dos canhões sem recuo que eram armas relativamente pequenas. Só uma razão desta natureza os poderá ter levado a não utilizar o armamento tradicional nesta flagelação a Ganturé: nenhuma granada rebentou no perímetro do destacamento.

A título de curiosidade não devo terminar sem mencionar o único documento conhecido do PAIGC referente a este ataque. Trata-se de um bilhete enviado em 6 de Janeiro de 1969 por um dos mais celebrados comandantes do PAIGC, Pansau na Isna29, e dirigido a Aristides Pereira que estava na base mais próxima, Boké, na Guiné-Conacri. Na missiva para além de empolar a prestação da guerrilha, aparentemente para agradar ao chefe, solicita o envio de mais trezentas granadas para os canhões A/C e mais gasolina para continuar a atacar Ganturé “no duro”, o que não chegou a acontecer. Alguma coisa lhe terá quebrado o ânimo…

Bilhete enviado por Pansau na Isna a Aristides Pereira enquanto decorria o ataque a Ganturé. Documento cedido pela Fundação Mario Soares.

Concluindo, ironicamente pelo menos desta vez, a bondosa ajuda humanitária sueca cujo objectivo foi soprar “os ventos da história” contribuindo para a derrota militar dos portugueses não conseguiu infligir baixas às nossas forças. Ao invés, provocou um número substancial de mortos, feridos e incapacitados entre os guerrilheiros e, muito provavelmente, também entre os apoiantes cubanos, repórteres, fotógrafos e cineastas suecos. Que foram encontrados diversos despojos de pele branca é um facto mas nunca se conseguiu saber a quem teriam pertencido. O PAIGC e o governo sueco, em escrupulosa obediência às regras da propaganda nunca revelaram, nem durante a guerra, nem depois, este desastroso embate…
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Notas:

28 - As peças anticarro Zis-2, de 57mm, tinham sido projectadas para destruir os blindados alemães durante a II GG em tiro directo e mostraram-se tão desadequadas neste caso que nenhuma das dezenas de granadas disparadas caiu dentro do perímetro de Ganturé.

29 - Pansau na Isna não morreu em Sangonhá mas acabou por ser morto, no final do ano seguinte, pelos fuzileiros, a Norte de Bissau.

FIM
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 24 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)