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quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024


PAIGC > Foto nº 1 > Soldado com arma (LGFog RPG-7)



PAIGC > Foto nº 2 >  Guiné-Bissaiu, zona norte: evacuação com maca para o Senegal




PAIGC > Foto nº 3 > Exames médicos: uso do microscópico



PAIGC > Foto nº 4 > Intervenção cirúrgica ao ar livre, no mato: médicos cubanos, enfermeiro guineens



PAIGC > Foto nº 5 > Ambulância de Zinguichor, Senegal



PAIGC > Foto nº 6 >  O dr. Roel Coutinho usando a pistola de vacinação


PAIGC > Foto nº 7 > Loja do Povo, em Sara, na região do Oio



PAIGC > Foto nº 8 > Mulher, em escola para adultos


PAIGC > Foto nº 9 > Guerrilheiro, em escola para adultos



PAIGC > Foto nº 10 > Cabo Verde, ilha de Santiago, Praia>  Mural: o juramento de Amílcar Cabral (1969): "Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e em Cabo-Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho".

As fotografias, com exceção da última, são do médico Roel Coutinho. Existe uma série para uso livre de fotografias do Dr. Coutinho no Wikimedia Commons .

https://commons.wikimedia.org/wiki/Commons:Guinea-Bissau_and_Senegal_1973-
1974_(Coutinho_Collection)



Roel Coutinho, 2016, foto de Patrick Sternfeld / capa 
da revista "Benjamin", junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...


É hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis. Esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não excluia a simpatia política pelo PAIGC, entre março de 1973 e abril de 1974. (O seu álbum fotográfico, com cerca de 700 documentos, é o mais completo que conhecemos sobre o PAIGC na zona norte; tem 16 referências no nosso blogue.)

Tinha acabado de se licenciar em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Roel Coutinho nasceu em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte. Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial.

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677), é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis. Hoje a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa", monumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão
. (LG)





Médico, doutorado, psiquiatra e psicoterapeuta: (i) professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global na Amsterdam University Medical Centre;  (ii) professor ajunto emérito de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Boston e professor visitante emérito de Psicologia na Universidade de Rhodes, África do Sul; (iii) fundador e diretor da Organização Psicossocial Transcultural (TPO), que presta serviços de saúde mental e psicossociais, especialmente em áreas de pós-guerra e pós-desastre, em mais de 20 países em África, Ásia e Europa; (iv)  trabalhou  a meio tempo como psicoterapeuta e psiquiatra com imigrantes e refugiados na Holanda: (v)  tem integrado os contributos  da saúde mental pública e global, psicoterapia, psiquiatria, antropologia e epidemiologia em intervenções comunitárias; (vi)  e autor e coautor de 335 artigos, capítulos e livros.
 
(Nota curricular e foto, reproduzidos, com a devida vénia, de: World Association of Cultural Psychiatry)
 


Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação

Por Prof. Joop de Jong


Texto enviado para publicação no nosso blogue, em 7 de setembro último,  pelo nosso leitor,  o Dr. Henk Eggens, de nacionalidade neerlandesa, especialista em saúde pública e medicina tropical, que vive em Portugal (Santa Comba Dão):

"Texto da apresentação que o meu amigo e colega Dr. Joop de Jong (neerlandês) fará na Praia, Cabo Verde, no simpósio Amílcar Cabral no dia 9 de setembro 2024. https://www.100amilcar.com/agenda/event-five-la65y-9xatt (Simpósio Internacional > Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal | Cabo Verde e Guiné-Bissau, 9-12 de setembro de 2024).

"Trata-se de uma exposição sobre o  sistema de saúde desenvolvido pelo PAIGC na zona norte da Guiné durante a guerra."


__________

O Prof. Joop de Jong foi trabalhar como  jovem médico  nas zonas libertadas no Norte da Guiné en 1973. Voltou como psiquiatra para Bissau em 1981 para desenvolver a psiquiatria no país. Ajudou construir um hospital de psiquiatria no bairro de Brá, Bissau. Publicou sobre "Jangue na Guiné-Bissau: uma síndrome cultural entre as mulheres Balantas".

 De Jong é professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global.


Introdução

O desejo de independência é muitas vezes impulsionado pela indignação moral e pela falta de perspetiva social. Antes da luta pela independência e desde a fundação do PAIGC em 1956, Amílcar Cabral desenvolveu uma visão para reduzir as desigualdades em que os guineenses nascem, vivem e envelhecem. Ele tentou libertar a população guineense do seu atraso em quase todos os domínios da vida: desigualdade social, pobreza, desnutrição, falta de educação e cuidados de saúde. 

Para dar uma ideia dessa tarefa hercúlea: a mortalidade infantil na Guiné Portuguesa era de sessenta por cento em 1954, a doença do sono prevalecia em dois quintos das aldeias, e os hospitais ofereciam um mínimo de cuidados nas cidades (cf. Teixeira da Mota em Cabral 1961). Portugal gastava muito pouco dinheiro em cuidados de saúde em comparação com os países vizinhos (1). 

E os portugueses, ao contrário de outros colonizadores, não se consideravam racistas. Eles não tinham nada contra os asiáticos ou os negros, apenas contra os “nativos incivilizados” que tentavam elevar a assimilados. Nos anos 50 do século XX, 0,39% da população guineense estava registada como “assimilada” (2 ). (Foto nº 1: Soldado do PAIGC com arma. Roel Coutinho). 

A desigualdade social foi causada por uma diferença de poder e recursos. Quando Amílcar e um punhado de camaradas começaram a luta em 1963, eles não tinham poder, dinheiro ou
conhecimento. Como eles lidaram com isso?

Nesta apresentação, descrevemos as iniciativas do PAIGC para melhorar os cuidados de saúde da população e dos combatentes pela liberdade. Mostramos em linhas gerais que o PAIGC - muito antes da reunião da OMS em Alma Ata em 1976 - tentou combater a desigualdade social melhorando a agricultura, a educação e os cuidados de saúde. 

Isso aconteceu em parte como uma reação ao regime português que, ao longo da luta, tornou-se mais severo e aumentou a repressão da população local. E quando a luta pela libertação teve sucesso. De Spínola tentou igualar os sucessos do Partido com o seu programa “Guiné melhor”. Ele até falou sobre “realizar uma verdadeira revolução social para aumentar a autoestima e a dignidade da população” (O Século, 7 de agosto de 1970). 

A dinâmica entre libertador e opressor, entre cuidados curativos e preventivos e entre cultura indígena e moderna, determinou o desenvolvimento dos cuidados de saúde. Esboçamos esses desenvolvimentos desde o início da luta.

O início da guerra

Durante a primeira fase da luta, o objetivo era “cuidar dos feridos com os meios disponíveis”. “Meios disponíveis” como eufemismo para os quatro enfermeiros que se formaram em Bissau e se tornaram membros do Partido. Esses enfermeiros treinavam socorristas que eram selecionados entre os guerrilheiros (3). Uma dessas socorristas é a heroína nacional Titina Silá (4). 

Os socorristas eram integrados nas unidades de combate para salvar o máximo possível de soldados e outras vidas com alguns curativos, líquido desinfetante e soro antitetânico. Os gravemente feridos eram transportados em macas feitas de galhos até a fronteira. E,  de lá, evacuados a uma grande distância para as capitais dos países vizinhos, Conacri ou Dakar. (Foto nº 2: Evacuação com maca para Senegal. Roel Coutinho).

O auge da luta

Entre 1965 e 1970, o PAIGC conquistou cada vez mais áreas libertadas. Os portugueses responderam com "a cenoura e o pau”. Por um lado, deslocaram a população local para as
“aldeias protegidas”
["reordenamentos"].

Esta abordagem foi copiada dos franceses na Argélia e dos americanos no Vietname. O objetivo era “proteger” as guarnições militares contra-ataques dos “terroristas” com a ajuda de uma camada de habitantes locais. Por outro lado, o mato foi bombardeado com mais frequência. O PAIGC adaptou-se organizando o máximo possível de cuidados acessíveis nas zonas libertadas para militares e moradores das aldeias . Nesse período, foi criada uma rede de mais de cem postos de saúde (5) . 

Enfermeiros auxiliares formaram a espinha dorsal do serviço médico e ofereceram cuidados básicos. Os pacientes podiam ser internados temporariamente enquanto aguardavam a visita de um médico do hospital mais próximo. Casos de emergência eram transportados para lá em macas. (Foto nº 3 : exames médicos mo, com uso do microscópico. Roel Coutinho).

Num nível de atendimento superior, foi criada uma rede de hospitais setoriais e regionais (6) . Aqui, os pacientes encaminhados eram tratados e os enfermeiros auxiliares eram treinados.

Os hospitais foram construídos com materiais locais. Tudo era feito de ramos e palha e ficava bem escondido entre as árvores. Duas cabanas alongadas com vinte camas cada para
os doentes. Uma cabana como consultório, uma como sala de operações e algumas cabanas para o pessoal. Muito era feito ao ar livre. (Foto nº 4: Operação no ar livre. Médicos cubanos, enfermeiro guineense. Roel Coutinho).

Devido à construção simples, tudo podia ser facilmente deslocado. Quando os bombardeamentos  aumentaram, o PAIGC decidiu que cada hospital deveria ser deslocado anualmente (7) . Incluindo doentes e pessoal, isso levava cerca de três dias.

Cabral (1975, II: 216) percebeu a importância dos cuidados autónomos nas áreas libertadas. penas casos muito graves eram evacuados para um dos três hospitais nos países vizinhos (8) .

A liderança do Partido também percebeu que os cuidados eram muito curativos e distantes da população para fazer algo sobre a terrível condição de saúde dos moradores rurais (9). Essa péssima saúde estava relacionada à desnutrição, que por sua vez estava relacionada com a imposição colonial de cultivar culturas comerciais em detrimento das culturas alimentares. A má condição de saúde também era resultado da falta de higiene, baixa taxa de vacinação e alta taxa de analfabetismo. 

Duas iniciativas deveriam melhorar essa situação. Cada setor recebeu uma brigada de saúde composta por três assistentes. Eles tentaram ensinar aos aldeões os princípios de higiene, nutrição e cuidados materno-infantis. E encaminhavam os doentes para os postos de saúde. Com sucesso variável. Cabral lamentou que os “camaradas não prestassem atenção suficiente às brigadas de saúde” (Cabral 1971: 13) (10). 

A segunda iniciativa preventiva consistia em campanhas de vacinação e na prevenção da malária com redes mosquiteiras e profilaxia da malária. (Foto nº 5. Ambulância, Ziguinchor, Senegal.Roel Coutinho).

Vacinação

O médico holandês Roel Coutinho trabalhou em 1973 nas áreas libertadas. Ele descreve uma viagem pela floresta para ir fazer vacinação  num acampamento:

"Com a velha ambulância, dirigimo-nos de Ziguinchor, no Senegal, até a fronteira com a Guiné-Bissau.

"Em ritmo acelerado e em silêncio mortal, caminhámos por 1,5 horas por um caminho estreito através de uma floresta escura. Com uma 'canoa', atravessámos o rio. Esperámos na borda densamente arborizada da floresta ao longo do rio. Alguns soldados surgiram entre as árvores. Quando entrámos na floresta, vi que o acampamento estava ali. Espalhados entre as árvores estavam camas com redes mosquiteiras penduradas acima. Alguns soldados desapareceram entre as árvores para avisar que haveria vacinação e consulta. (Foto nº 6:  O Dr. Roel Coutinho vacinando com pistola de vacinação.  Roel Coutinho):

"Revezávamo-nos para vacinar com a pistola de vacinação. Quando a pistola de vacinação ficava bloqueada por poeira, os enfermeiros mudavam rotineiramente para seringas e agulhas. Durante as consultas, verificou-se que um dos pacientes estava em tão mau estado que teve de ser levado de maca e ambulância de volta para o hospital em Ziguinchor# (De Jong & Buijtenhuijs 1979).

O Partido investiu muito tempo na melhoria e diversificação da agricultura e na criação de lojas comunitárias onde os agricultores podiam trocar seus produtos por itens de primeira
necessidade. (Foto nº 7: Loja do Povo, Sara. Roel Coutinho).

E o Partido incentivava o que hoje chamamos de atividades geradoras de rendimento.

Outra prioridade foi a emancipação das mulheres, por exemplo, através da educação. (Foto nº 8: Escola para adultos, mulher; foto nº 9: Escola para adultos, guerrilheiros).

Cultura

E o PAIGC descobriu, através de tentativa e erro, que a cultura era uma espada de dois gumes.

A atitude de Cabral em relação à cultura pode ser melhor descrita nestes termos: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Assim, os curandeiros guineenses, como em inúmeras outras culturas da África Subsaariana, oferecem proteção contra balas e, naturalmente, contra a feitiçaria e bruxaria. 

Cabral sabia que alguns combatentes se sentiam invulneráveis por causa disso. Por isso, ele às vezes enviava um ajudante para evitar que um comandante se levantasse e avançasse no meio de uma chuva de balas (11). 

A cultura e os modelos de explicação cultural também desempenham um papel nas consultas médicas, tanto no tratamento individual quanto nas iniciativas de saúde pública.

É difícil aceitar que pacientes com tuberculose interrompam seu tratamento médico assim que a tosse com sangue pára. Curandeiros respondem a esse enigma após uma longa série de entrevistas: 

“Claro que sabemos que vamos morrer se tossirmos sangue e, por isso, vamos ao hospital com seus medicamentos poderosos. Mas o que vocês não entendem é que a hemorragia é causada por uma flecha ou bala invisível para vocês, de uma arma de feitiçaria que atinge o peito por dentro. E o curandeiro ou curandeira é o único que pode curar essa ferida. Por isso, os pacientes vêm até nós o mais rápido possível após suas injeções e pílulas para uma verdadeira cura”.

Mas Cabral e a liderança do Partido também testemunharam as terríveis consequências do poder da cultura durante o primeiro congresso do Partido em Cassaca em 1964. Um grupo
de mulheres Balantas nómadas fez acusações de feitiçaria. As mulheres diziam que as bruxas eram responsáveis pela morte de aldeões, enviando aviões e helicópteros portugueses para
atacá-los. 

Os anais do Partido não são claros sobre esse período, mas provavelmente algumas centenas de bruxas foram torturadas e mortas por comandantes do PAIGC. Esses comandantes tiveram que responder durante o congresso do Partido e cerca de uma dezena deles foram condenados à morte (De Jong, 1987; De Jong & Reis, 2010: 313; 2013). 

Vinte e cinco anos depois, os Balantas foram tomados por um culto de possessão em massa, o Ki-yang-yang. O culto de cura emancipa a posição das mulheres entre os Balantas, bem como
a posição dos Balantas dentro do Estado guineense.

 O culto também ajuda os Balantas a lidar com o trauma da luta pela libertação (De Jong & Reis, 2010; 2013). Os seguidores estão convencidos de que os líderes um dia tirarão uma motocicleta do chão para todos. A semente dessa esperança mítica foi plantada por Amílcar, que prometeu prosperidade material à população após a independência.

Discussão

Um sistema de saúde é composto por todos os atores que tentam melhorar a saúde e os cuidados. O sistema é construído sobre serviços, trabalhadores da saúde, medicamentos essenciais, financiamento, liderança e sistemas de informação. Vimos que esses componentes estavam ausentes no início da luta pela independência e que o PAIGC operava num vácuo.

O movimento de libertação construiu, num período de aproximadamente 15 anos, um sistema de saúde simples. O sistema de saúde fornecia cuidados curativos consistindo em diferentes escalões de postos e hospitais nas áreas libertadas e nos países vizinhos. Com o objetivo de organizar cuidados acessíveis, próximos e acessíveis para os combatentes e a população local. Numa fase posterior, o Partido focou-se na descentralização e na prevenção.

Quanto à escassez de trabalhadores da saúde, o Partido organizou uma cascata de níveis de formação e treino. Médicos estrangeiros e médicos guineenses que retornaram do exterior, 
treinavam e supervisionavam várias categorias de trabalhadores da saúde locais. 

É uma forma de educação continuada que gradualmente resulta em competência crescente. Mas, na independência, o nível dos enfermeiros era insuficiente, tanto do lado do PAIGC quanto do lado colonial. Isso também se aplicava aos médicos que estudaram na Universidade Lumumba em Moscovo.

O Partido também estabeleceu um sistema de distribuição de medicamentos. A maioria desses medicamentos foi doada por países comunistas e comitês de solidariedade. (Foto nº: Praia, Cabo Verde, mural: Retrato e juramento de Cabral).

Cabral conheceu bem o país e as pessoas durante o Recenseamento Agrícola de 1953, anos antes da fundação do PAIGC. Ele percebeu a importância do que hoje chamamos de desenvolvimento intersetorial. Agricultura, economia, desenvolvimento rural, educação, saúde e emancipação das mulheres estão interligados. E a sinergia só pode ser alcançada através da colaboração com outros domínios e setores.

A Organização Mundial da Saúde afirmou em 2008 que a saúde da população mundial só pode melhorar trabalhando nos determinantes sociais da saúde. 

Algumas décadas antes, o PAIGC e Amílcar Cabral já se concentravam em fatores que reduzem a desigualdade social entre as pessoas. Dentro das suas possibilidades limitadas, fizeram tudo o que podiam para melhorar as condições precárias em que os guineenses nasciam, cresciam e envelheciam.

___________

Notas do autor:

(1) Em 1959, per capita, 1,1 US$. Libéria 1,6. Mauritânia 4,2. Serra Leoa 19,1 (Rudebeck 1974:39; De Jong & Buijtenhuijs 1979: 115).

(2) Para obter mais ou menos os direitos de um cidadão português, o assimilado tinha que cumprir requisitos como: ter mais de 18 anos, falar bem português, sustentar-se, ter um modo de vida civilizado e não ser recusador de serviço ou desertor (Rudebeck 1974: 22).

(3) E que muitas vezes perderam um membro na luta ou sofrem de uma doença grave como a lepra.

(4) Em 1963, ela foi escolhida para ir à União Soviética para uma formação em guerra de guerrilha, junto com Teodora Inácia Gomes. Após o seu regresso, ela treinou outros guerrilheiros. Em 1964, ela fez um curso de primeiros socorros na União Soviética. Em 30 de janeiro de 1973, ela foi morta em uma emboscada pelo exército português. Ela se afogou no rio Farim, a caminho do funeral de Amílcar Cabral, que foi assassinado uma semana antes.

(5) 117 postos de saúde. Na frente sul, 42; na frente norte, 64; e na frente leste, 11 (De Jong &; Buijtenhuijs, 1979).

(6) No total, 13. Em 1973, havia sete hospitais setoriais (3 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste) e seis hospitais regionais (2 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste). Os hospitais regionais começaram a ser estabelecidos a partir de 1966 e eram dirigidos por um cirurgião, e os hospitais setoriais a partir de 1971, sob a direção de um assistente médico.

(7) Assim, o hospital de Sara foi deslocado dezassete vezes em um ano devido a bombardeamentos e ataques por tropas transportadas por helicópteros. Ninguém ficou ferido. Desde então, os hospitais eram regularmente deslocados.

(8) Para três hospitais no exterior. O bem equipado Hospital de Solidariedade, em Boké, com 123 leitos, onde os feridos evacuados da frente sul foram tratados. Em 1972, 136 feridos de guerra, 72 fraturas e 9 amputações foram realizadas aqui. Isso explica por que Cabral disse a um jornalista que "temos tão poucos feridos que mal vale a pena mencionar#".  Os doentes e feridos da frente leste também iamj para a Guiné Conacri, ou seja, para o hospital em Kundara, com 50 leitos. E os da frente norte para o hospital em Ziguinchor, também com 50
leitos. Havia laboratórios simples e dois dos três hospitais tinham uma sala de operações e uma seção de raios-X.

(9) As doenças mais comuns em 1975 foram: infeção por ancilostomíase (66%); desnutrição proteica e energética (48%); tracoma (42%); anemia (34%); malária (34%); hérnia abdominal (27%); filariose (21%); infeções respiratórias (15%); vermes intestinais (10%); infeções cutâneas (%); ceratite (9%); bócio (8%); catarata (5%). 64% precisavam de cuidados odontológicos (A Saúde em Oio 1975: 49-53).

(10) Na frente norte, as brigadas nunca foram realmente ativas. Alguns comissários políticos, como Carmen Pereira, incentivaram as brigadas. E, ao contrário dos cuidados básicos de saúde na China, o Partido exerceu pouca pressão, como também é evidente no diário de Roel Coutinho (2022).
 
(11) Nino Vieira, que mais tarde liderou o golpe contra Luís Cabral, é um exemplo do que os companheiros de luta consideravam um caso de invencibilidade ou invulnerabilidade.

Bibliografia:

A. Cabral (1961) Report to the United Nations.

A. Cabral (1971) Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta.

A. Cabral (1975) Unité et lutte I et II. François Maspéro. Paris.

Roel Coutinho (2022) De vrijheidsstrijd van Guinee-Bissau door de ogen van een jonge
dokter. Afrika Studie Centrum. Leiden.

Joop de Jong & Rob Buijtenhuijs (1979) Een bevrijdingsbeweging aan de macht [A liberation
movement in power]. De Uitbuyt. Wageningen.

Jong de, J.T.V.M. (1987) A descent into African psychiatry. Royal Tropical Institute.
Amsterdam. ISBN 90 6832 018 1.

Jong de, J.T.V.M. (1987) Jangue in Guinee Bissau: een cultuurgebonden syndroom onder
Balanta vrouwen [Jangue in Guinea Bissau: a culture bound syndrome among Balanta
women]. Ned Tijdschrift v Psychiatrie 2, 5886.

Joop T. de Jong & Ria Reis (2010) Kiyang-yang, a West-African post-war idiom of distress.
Culture, Medicine and Psychiatry, 34, 2, 301-321.

De Jong, J.T.V.M., Reis, R. (2013) Collective trauma píprocessing: Dissociation as a way of
processing postwar traumatic stress in Guinea Bissau. Transcultural Psychiatry, 50 (5) 644-
661.

Rudebeck, L. (1974) Guinea Bissau: A Study of Political Mobilization. The Scandinavian
Institute of African Studies. Uppsala.

Saúde em Oio (1975). Minsas. Bissau.

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: HE / LG)

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Nota do editor LG:

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

Imagem, à esquerda: 

António Lobato (1938-2024), maj pil av ref; no cativeiro (maio de 1963 / novembro de 1970) sempre recusou a liberdade em troca da denúncia da guerra colonial aos microfones da rádio do PAIGC.

Mas em carta  à  mulher, datada de Kindia, 22/5/65, escreveu: (...) "Houve momentos de fraqueza em que quase me arrependi de ter recusado essa liberdade, hoje porém agradeço a  Deus o ter-me dado a força necessária para resistir".

Imagem a seguir, em baixo, à direita: 

O António Lobato entrevistado em 1996, num programa da RTP1, "Operação Mar Verde - Parte l", Série "Enviado Especial", apresentado pelo jornalista José Manuel Barata-Feyo, em 7 de julho de 1997. Fotograma capturado e editado, com a devida vénia à RTP Arquivos. (Vídeo: 17' 38'').



1. É curioso (mas nada que nos possa surpreender)  como o tempo, a distância, os conflitos entre países, a (in)comunicação, a ideologia, as crenças,os preconceitos, etc., tendem a gerar e alimentar mitos, lendas, boatos,  atoardas, mentiras, etc.  Em suma, falsificar a(s) história(s).

Costuma-se dizer que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...Todos temos essa experiência com as diferentes narrativas da guerra, onde nós próprios participámos.

Um dos nossos leitores, que escreve em francês, e é africano pelo nome (não sabendo nós o que faz nem onde vive) tem aqui mostrado interesse pela história da Op Mar Verde e a libertação do nosso camarada da FAP, António Lobato (infelizmenfe falecido há uns meses).

Numa segunda mensagem  que recebemos dele, datada de 30 de outubro último, põe-nos ao corrente  de "boatos" que corriam na época,  na África Ocidental:

(i) que o António Lobato era filho do Presidente da Câmara de Lisboa;

(ii) ou então de um  poderoso industrial português que alegadamente teria dado um murro na mesa,  junto do governo português,  para obter a sua libertação;

 (iii) e
que o presidente Sékou Touré teria fechado um acordo (secreto) com os portugueses para virem buscar os seus prisioneiros...

Ora nada disto é verdade, para nós, portugueses e antigos combatentes. O António Lobato era filho (único) de pais minhotos, de Melgaço, terra que ele adorava. E, infelizmente, teve que esperar 7 longos anos de cativeiro até conseguir ser libertado, em 22 de novembro de 1970, na sequência da Op Mar Verde, cuja objetivo principal ia muito para além da libertação dos prisioneiros portugueses nas cadeias do PAIGC, em Conacri (26 ao todo)... 

Sabemos que a missão principal desta arriscada operação era ajudar uma facção de oposicionistas guineenses ao regime no poder em Conacri a derrubar o Sékou Touré e a decapitar o PAIGC. 


1. Mensagem, em francês, do nosso leitor, Lamine Bah:
 

30/10/2024, 07:58

Bonjour, merci pour cette bibliographie sur Antonio Lobato, pilote de guerre,  portugais detenu 7 ans durant en Guinée. (*)

N'a été liberé que suite à l'operation Mar Verde. Cette operation connu en Guinée sous le le nom d'agression portugaise contre la République de Guinée,  a été l'occasion pour Sékou Touré d'arreter et d'executer sans jugement de nombreux cadres civils et militaires, y compris des membres du gouvernement, comme complices des portugais. 

Ces accusés n'ont pas eu droit à un procès equitable, privés d'avocats. Le verdict se basait sur des aveux extorqués sous la torture et difusés à la radio.

Ma question est de savoir si Antonio Lobato etait le fils du Maire de Lisbonne à l'époque ou d'un industriel portugais qui aurait tapé sur la table au près du gouvernement portugais pour sa liberation ?

En tout cas c'est ce qu'évoquaient les rumeurs de l'époque.

Une autre rumeur serait que le Président Sékou Touré aurait conclu un 'deal' avec les portugais pour venir chercher leurs prisonniers.

Merci pour vos réponses.
Sincères salutations.

Cumprimentos,
Lamine Bah | laminebah2000@yahoo.fr



2. Tradução da mensagem para português:

Bom dia

Obrigado pela  bibliografia que me indicou, sobre o piloto de guerra António Lobato,  português detido durante 7 anos na República da Guiné. 

Só foi libertado após a Operação Mar Verde. Esta operação conhecida em Conacri como uma  agressão portuguesa contra a República da Guiné, foi um pretexto para Sékou Touré mandar prender e executar numerosos quadros civis e militares,  sem julgamento,  incluindo membros do governo, acusados de serem  cúmplices dos portugueses. 

Esses réus não tiveram direito a um julgamento justo e com advogados de defesa. O veredito baseou-se em confissões extraídas sob tortura e transmitidas na rádio.

A minha pergunta é se António Lobato era filho do Presidente da Câmara de Lisboa,  na época, ou  de um industrial português que alegadamente teria dado um murro na mesa,  junto do governo português,  para obter a sua libertação?

De qualquer forma, era isso que sugeriam os rumores da época.

Outro boato seria que o presidente Sékou Touré teria fechado um acordo com os portugueses para virem buscar os seus prisioneiros.

Obrigado pelas suas respostas.
Os meus cumprimentos.
Lamine Bah | laminebah2000@yahoo.fr

3. Réponse en français, pour une meilleure compréhension de notre lecteur:

On sait que le temps, la distance, les conflits entre pays, l'incommunication, l'idéologie, les croyances, les préjugés, etc., tendent à créer et à alimenter des mythes, des légendes, des mensonges, des rumers, à falsifier les faits, etc. 

On dit souvent, en portugais, que celui qui raconte une histoire, y ajoute un point… Nous avons tous cette expérience des différents récits de la guerre, en Guinée-Bissau, auquelle nous avons nous-mêmes participé .

Un de nos lecteurs, qui écrit en français et dont le nom est africain, Lamine Bah (nous ne savons pas ce qu'il fait ni où il habite) se montre intéressé par l'histoire de l'Opération "Mar Verde" (invasion amphibie de Conakry, le 22 novembre 1970) et de la libération de notre camarade de l' Armé de l'Air Portugaise, Mr. António Lobato, malheureusement décédé quelques mois auparavant. (**)

Dans un deuxième message que nous avons reçu de son coté, le 30 octobre 2024, il nous fait part de rumeurs qui circulaient à l'époque en Afrique de l'Ouest:

(i) que Mr. António Lobato était le fils du maire de Lisbonne ou d'un industriel portugais qui aurait tapé sur la table avec le gouvernement portugais pour obtenir sa libération;

(ii) et que le Président Sékou Touré avait trouvé un accord secret avec les Portugais pour la rescue de leurs prisonniers...

Or, rien de tout cela n’est vrai, pour nous, les ancients combattants portugais. Mr. Antonio Lobato était le fils unique, ses parents demeurant  à Melgaço, au Nord du Pays, une petite ville  qu'il aimait de tout son coeur.

Et malheureusement, il a eu attendre sept longues années de captivité avant d'être libéré, le 22 novembre 1970, à la suite de l'Opération "Mar Verde", dont l'objectif principal allait bien au-delà de la libération des 26 prisonniers portugais aux mains du parti de Mr. Amilcar Cabral, à Conakry... On sait que la mission principale était d'aider une faction de l'opposition guinéenne au régime en place à Conakry à renverser Sékou Touré et décapiter le PAIGC.

(**) Último poste da série > 15 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26157: Casos: A verdade sobre... (49): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Luís Graça)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26093: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (38): Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral (1924-1973)



Foto nº 1 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A casa onde terá nascido o Amílcar Cabraçl (1924 -. 1973), hoje convertida em museu. ;Mural numa das paredes com a efígie do líder histórico do PAIGC,filho de mãe guineense e pai cabpo-verdiano



Foto nº 2A > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral: uma citação famosa (em crioulo):


"Nô sta na luta pa prugresu di nô tera, nô ten ku fasi sakrifisu pa nô konsigui kumpu nô tera.

"Nô ten ku kaba ku tudu injustisa, ku tudu koitadesa i sufrimentu.

"Nô ten garanti pa kada mininu ku na padidu na nô tera aôs ô amanha, tene certeza di kuma nin un mura ô paredi ka pudi tadjal"

(Amílcar Cabral)


Tradução do crioulo (LG / VQ): "Estamos a lutar pelo progresso da nossa terra. Temos que fazer sacrifício para conseguir desenvolver a nossa terra. Temos que acabar com todas as injustiças, a pobreza e o sofrimento. Temos de garantir que cada menino que nasce na nossa terra, hoje ou amanhã, possa ter a certeza de que nenhum um muro ou parede o vai deter". (Amílcar Cabral)


Foto nº 2 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral > Mural


Foto nº 3 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-Museu Amílcar Cabral > Parede exterior com mural... Fica junto à casa da nossa amiga Célia.



Foto mº 4 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A rua que desce até a casa do Amílcar. Agora é uma valeta onde corre água das chuvas.


Guiné > Foto nº 5 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 >Rua junto a casa onde podemos ver o Sporting... (à esquerda, a seguir)


Guiné > Foto nº 5A > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > O edifício do Sporting (e antigo cinema), em segundo plano... Com o telhado já em ruína.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro:


Data - segunda, 29 out 2024 00:36
Assunto . Viagem ao Leste no final da chuvas 2024.


Luís, publica se entenderes.

Estas outras fotos de Bafatá, foram tiradas hoje, segunda feira,  às 6.30h ainda com pouca luz...antes do meu regresso, mais logo,  a Bissau. (Do Gabu, já te mandei também algumas fotos.)

Estas de Bafatá são tiradas  junto  à casa da Célia (onde vive há 53 anos) e à  casa onde dizem que o Amílcar nasceu. É a última rua paralela ao rio.

É uma zona onde moram poucos europeus, luso-guineenses e libaneses. Uma zona da cidade sem vida. Onde existem algumas repartições publicas.

Ab, Patrício.

____________________

Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26086: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (37): Bafatá e a Célia Dinis, que merecia uma estátua e não uma medalha...

domingo, 13 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"


Guiné > Bissau > HM 241 > 1969 >  O capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Fotograma, sem indicação de fonte (RTP ?). Cortesia da página do Facebook de António José Vale, 26 de maio de 2018. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné /2024), com a devida vénia...







Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia). (*)

A maior parte destes combatentes seria de origem afro-americana, como parece deduzir-se desta foto de grupo. Segundo lemos algures,  Amílcar Cabral não queria gente de tez branca, dava muito nas vistas à CIA e às demais "secretas" dos países ocidentais... Por outro lado, era mais fácil para o PAIGC e seus apoiantes, tanto a nível interno como externo, justificar a presença de "estrangeiros" nas fileiras dos combatentes da liberdade da Pátria: os cubanos de origem afro-americano podiam ser apresentados e aceites como lídimos representantes dos escravos, brutalmente arrancados das suas aldeias e levados pelos "negreiros" para o Novo Mundo... Quanto ao Fernando Andrade, aqui referido, era irmão de Lucette de Andrade, esposa do Luís Cabral.  


1.  O número de "internacionalistas cubanos" (sic) que combateram na Guiné-Bissau, de 1965 a 1974, ao lado do PAIGC, é objeto de especulações, não havendo fontes independentes, válidas e fiáveis onde nos possamos basear para apontar o seu número exato. Tal como o número de baixas mortais.

Numa carta de 17 de agosto de 1966 remetida ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri, em Lisboa,  o  alf mil Pedro Barros e Silva , SPM 0368, escreveu o seguinte sobre o IN (**):

(...) "As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

"O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada." (...)

Não sabemos ao certo a unidade a que pertencia o Pedro Barros da Silva, correspondente ao SPM 0368,  mas tudo indica, por outra carta do seu amigo Nuno Barbieri, 1º tenente fuzileiro especial, que estava colocado no Quartel-General, em Bissau, trabalhando  "numa repartição de nome estranho e pouca importância" (carta de 2 de maio de 1967).  Ou seja, estava na "guerra do ar condicionado" (que não podia ser para todos, porque alguém tinha que matar e morrer...).

De qualquer modo, o nosso camarada Pedro Barros e Silva deveria estar, em 1966,  mais bem informado sobre os cubanos (e os russos) que a maioria dos seus camaradas "do mato"...

No entanto, parece-nos "alarmista" a sua especulação sobre o número exponencial de cubanos (que dentro em breve poderiam chegar aos "mil ou mais", escrevia ele em meados de 1966...). E, seguramente,  "despropositada", no que diz respeito à presença de russos no território da nossa "Guinézinha": a Cilinha nunca os viu e eu também não... 

Quanto ao morteiro 120, só há notícia dele, em agosto de 1968,  utilizado pela primeira vez em Gandembel, na região de Tombali. As bases de fogos eram sempre localizadas no território da Guiné-Conacri. Foi utilizada, contra as NT, como arma de artilharia, e terá sido a arma mais mortífera do PAIGC. (Convirá lembrar que as NT não tinham, à exceção de Gandembel, Guileje e pouco mais, abrigos à prova do morteiro 120 mm. Os nossos "bunkers" eram literalmente "bu...rakos", escavados na terra, e com cobertura de terra, chapa de zinco e troncos de cibe...).

Embora próximo do poder (estando no QG), o nosso camarada Pedro Barros e Silva não estava assim tão bem informado, como fazia crer na carta que escreveu ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri (que, por ua vez,  ainda não deveria estar em idade de ir para a tropa...).

2. Sabemos que em 1966 o PAIGC terá recebido umas escassas três dezenas de cubanos, entre "instrutores militares" (de artilharia) (3), médicos (2) e "combatentes" (25). (***)

(...) " 1966: Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca;

"Junho – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo tenente Aurélio Riscard Hernandez" (...) (**)

Nos anos seguintes (1967, 1969, 1970 e n1972) há notícia de chegada a Conacri de barcos com "pessoal militar e meios materiais", oriundos de Cuba, sem indicação das quantidades... Nem Cuba nem  o PAIGC tinha capacidade logística (barcos de transportes e instalações em Conacri)  para receber de chofre centenas e centenas de combatentes, entre 1967 e 1972. +E possível que, depois da independência, tenha aumentada o número de conselheiros militares cubanos na Guiné-Bissau.
O mais célebre (ou mediático) de todos os "internacionalistas cubanos" foi o capitão Pedro Rodriguez Peralta (****), capturado por tropas paraquedistas em 18 de novembro de 1969, no decurso da Op Jove.. 

Com ferimentos graves, foi enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, onde foi devidamente tratado. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão.

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da  extrema esquerda) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói (depois de esquecido, por incómodo, durante os anos de cativeiro)...

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo como "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guinén(técnica e legalmente falando). Além disso, Portugal e Cuba mantinham relaçóes diplomáticas, contrariamente à ex-URRS e demais países da Europa de Leste. 

Depois do 25 de Abril, mudou o estatuto do capitão Peralta: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974, após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo", membro da nossa Tabanca Grande.

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano.  

Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, durante a guerra da independência  (dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue). (De qualquer modo, é uma taxa de letalidade elevada: 2,05% e 3,89%, respetivamente.)

Mesmo assim, achamos inflacionado o número de combatentes cubanos (a menos que se incluia ainda, indevidamente,  o ano de 1975: aliás, desde meados de maio de 1974, deixou de haver combates entre as NT e o PAIGC) (*****).


3. Leia-se aqui um recorte do jornal "Granma", de 29 de maio de 2007:

Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau


Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR

Publicado: Martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

Autor: Dora Pérez Sáez | dora@juventudrebelde.cu


Jorge Risquet, miembro del Comité Central del Partido, conversa con el coronel Pedro Rodríguez Peralta, uno de los 437 cubanos que combatió en Guinea Bissau.

Foto: Franklin Reyes (não disponível)

El primer encuentro de internacionalistas cubanos residentes en Ciudad de La Habana, La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde desde 1966 hasta 1975 se efectuó en la Casa Central de las FAR.

En el encuentro participaron 190 combatientes que lucharon junto al Partido Africano para la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC) y su líder, Amílcar Cabral, hasta que alcanzaron su independencia.

El general de brigada (r) Harry Villegas, Héroe de la República de Cuba y vicepresidente de la Asociación de Combatientes de la Revolución, expresó que esta misión hizo reconocer a los portugueses la imposibilidad de seguir manteniendo el colonialismo.

«Esa misión fue, justamente, la que creó las posibilidades para la presencia masiva de los cubanos en África. No se trata solo de Guinea Bissau, sino de nuestra colaboración con otros países de ese continente, que culminó con la caída del apartheid».

En Guinea Bissau combatieron 437 cubanos, de los cuales murieron nueve. Desde el fin de la misión hasta el momento, han fallecido otros 51 compañeros.

El acto contó con la presencia de Jorge Risquet Valdés, miembro del Comité Central del Partido.

F0nte: Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:




Vd. também postes de:



14 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26027: Fotos à procura de... uma legenda (183): Antigos combatentes da Guiné-Bissau reivindicando, na festa da comemoração dos 50 anos da indepedÊncia, o aumento da sua pensão



Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > Cerimónia dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau > Desfile de um grupo de antigos combatentes do PAIGC.

Cartaz com os seguintes dizeres: "República da Guiné-Bissau | Combatentes da Liberda[de]
 da Pátria | Libertem-nos da pensão de 39000 francos CFA | Os libertadores".

Foto: Estúdios Revolución. Cortesia de Granma (2023) (*)



1. Por ocasião da comemoração dos 50 anos da Independência da Guiné-Bissau, no passado dia 16 de novembro de 2023, com desfile ao longo da Av Amílcar Cabral,  um grupo de antigos guerrilheiros, incluindo Aruna Baldé, empunhava um cartaz (vd. foto acima) a reivindicar o aumento da  pensão que recebem (39 mil francos CFA, o equivalente a 59,5 euros, à cotação atual  da moeda guineense).

(...) "A Lusa encontrou-o [,ao Aruna Baldé,
] com o seu grupo junto ao busto de Amílcar Cabral, ao fundo da avenida que leva o nome do herói da independência, para acompanhar, no desfile que marcou a celebração, os que, com a coragem com que combateram no passado, reivindicam agora uma pensão que lhes permita ter o mínimo para sobreviver e uma vida digna.

"Com os abutres a sobrevoarem os céus de Bissau, o busto de Amílcar Cabral não 'assistiu' aos festejos dos 50 anos da independência, celebrados fora de data -- Sissoco Embaló escolheu o Dia das Forças Armadas e não o 24 de setembro da proclamação unilateral da independência -, mantendo o olhar virado para o mar, que fica logo a seguir ao porto de Bissau." (...)


2. Mais entusiástica e retórica foi a notícia do jornal cubano "Granma", que deu conta da participação da delegação de Cuba nas cerimónias oficiais:

(...) Al frente de la delegación cubana, recibida con todos los honores y el cariño que la Mayor de las Antillas inspira por estas tierras, llegó a la avenida Amílcar Cabral el miembro del Buró Político y vicepresidente de la República, Salvador Valdés Mesa.

Hubo honores y agradecimiento para Cuba en la conmemoración, que dio inicio con la condecoración a varias personalidades unidas, de manera indisoluble, a la historia de Guinea Bissau.

Los primeros fueron dos internacionalistas cubanos: el comandante Víctor Dreke Cruz y el diplomático Oscar Oramas Olivas, quien ha sido embajador en varios países africanos. Ambos recibieron, de manos del presidente guineano, Umaro Sissoco Embaló, la Orden Nacional Colinas de Boe, la mayor condecoración que otorga el Estado de este país." (...)

(...) "Durante poco más de dos horas, la emblemática avenida Amílcar Cabral se desbordó con la alegría del pueblo guineano y la marcialidad de las tropas. Fue un vibrante desfile que rindió tributo a la historia de este país, y que contó con la presencia de varios jefes de Estado y primeros ministros de naciones amigas de Guinea Bissau." (...)

A jornalista cubana, que assina a peça,  não faz referância à luta do Aruna Baldé e demais "combatentes da liberdade da Pátria" que, de resto, não estragaram a festa do presidente Sissoco Embaló.  Curiosamente, e talvez por não ter entrendido a mensagem do cartaz, em português  (Os "lbertadores" a pedirem a "lbertação da pensão mínima"), o "Granma" inseriu, por equívoco, ou fora de contexto,  a foto que acima reproduzinmos, com a devida vénia.

Também mais uma vez ficámos sem saber, de fonte oficiosa, o número de "internacionalistas cubanos" que lutaram contra o "exército colonialista portuguesa" ao lado do PAIGC, de 1966 a 1974: já lemos alguns valores, muito díspares, que vão das escassas centenas a alguns milhares.... (Enfim, uma questão a desenvolver em próximo poste.)

Para já, talvez os nossos leitores queiram acrescentar algo mais à legenda da foto (***) ... Sem querer fazer comparações (nem  imiscuirmo-nos, nos assuntos internos da República da Guiné-Bissau) parece haver, em todo o lado, algumas semelhanças na injustiça (relativa) a que estão sujeitos todos os antigos combatentes de todas as antigas  guerras...


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25411: Notas de leitura (1684): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Estamos prestes a concluir a apresentação do trabalho do nosso confrade José Matos e de Matthew Hurley, trata-se do penúltimo volume que eles dedicaram à Força Aérea Portuguesa na guerra da Guiné. Naquele ano de 1972, Caetano rejeitou peremptoriamente qualquer solução política entre Portugal e o PAIGC, mediada por Leopold Senghor, diz abertamente a Spínola que negociações com a guerrilha teriam impacto direto e imediato noutras parcelas do império. Continua o afã para encontrar meios aéreos mais modernos do que o Fiat, entretanto o PAIGC melhora o seu armamento e equipamento, visando claramente avançar para a guerra convencional. É todo o relato de tais peripécias que aqui se dá conta ao leitor, já não havia ilusões nos altos comandos de que o PAIGC tudo estava a fazer para quebrar a supremacia dada pela Força Aérea. Mas será matéria que ficará para o derradeiro volume, fica-se à espera que o José Matos nos dê essa notícia.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Como se viu no texto anterior, no rescaldo da Operação Mar Verde emergiu com mais intensidade toda a questão da defesa aérea que já preocupara o governador Schulz. Era indesmentível a incapacidade de Portugal em defender a Guiné de ataques aéreos, e Spínola estava bastante bem informado das lacunas existentes. O Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, General Venâncio Deslandes, que visitou a Guiné em junho de 1971, concordou com Spínola que a situação se estava a deteriorar a um ritmo preocupante, reconheceu o agravamento do clima militar, observando que as forças portuguesas “não são suficientes para garantir a permanência dos sucessos obtidos”, admitindo também que o PAIGC “pode tentar impor uma solução pela força, criando situações desfavoráveis, difíceis ou impossíveis de reverter”.

Spínola, no entanto, nunca baseou a sua estratégia apenas sob resultados militares, continua a insistir que “a expressão vitória militar” não tinha qualquer sentido naquele tipo de conflito, como disse claramente na reunião havida em maio desse ano no Conselho Superior de Defesa Nacional. “O problema só pode ser resolvido no domínio político, e quero acreditar que tal solução ainda é viável”. O Governador estava certamente a deixar mensagens que incluíam a abertura de um diálogo com as forças de guerrilha, um esforço que considerou necessário para evitar “uma agonia prolongada e inútil”. Spínola já tinha tentado negociações com elementos do PAIGC no chamado “chão Manjaco”, e o ministro do Ultramar escreveu mais tarde que Spínola estava eufórico com os resultados que antevia. A aventura terminou em tragédia, quando três majores, um alferes e os intérpretes foram brutalmente assassinados por elementos do PAIGC, em 20 de abril de 1970. “Foi um duro golpe que sofremos”, informou Spínola o Ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, no dia seguinte, “já que eles eram uma equipa de valor e determinação excecionais”.

Voltando um pouco atrás, Spínola julgara que o planeamento da Operação Mar Verde lhe oferecia uma oportunidade para remodelar radicalmente a guerra. O impacto internacional do ataque a Conacri, as repercussões que teve e a escalada da guerra na Guiné, tolheram qualquer iniciativa em direção ao acordo negociado até 1972, quando os esforços diplomáticos face ao Senegal foram retomados. Houve uma reunião em Cap Skirring, em 18 de maio desse ano, entre Spínola e o presidente senegalês Senghor, os dois discutiram um cessar-fogo e um período de 10 anos de transição para preparar a independência da Guiné. Ainda tendo na mente o chamado “massacre dos majores”, as forças portuguesas prepararam uma operação de peso com o objetivo de proteger o comandante-chefe durante a conferência. Sem o conhecimento do presidente Senghor, um conjunto de aviões Fiat estava de alerta em Bissalanca, pronto para bombardear “toda a área” ao primeiro sinal de qualquer ameaça de Spínola; a par desta eventual operação de bombardeamento, dez helicópteros Alouette III e dois Noratlas aguardavam para levar 130 paraquedistas para Cap Skirring, onde iriam “recolher os corpos”, incluindo o de Spínola, se fosse preciso.

A reunião terminou sem quaisquer incidentes, assim como um encontro de acompanhamento, vários dias depois. Encorajado pelos resultados, Spínola viajou para Lisboa no fim do mês para informar Marcello Caetano sobre o encontro diplomático. Fê-lo com grandes esperanças: Caetano era considerado menos rígido e dogmático em questões coloniais do que o seu antecessor. Em 1972, porém, a perspetiva imperial de Caetano tinha aparentemente endurecido. Durante a reunião havida em 28 de maio com Spínola, proibiu terminantemente novas iniciativas diplomáticos de resolver o conflito na Guiné, dizendo a um estupefacto Spínola: “Para a defesa geral dos territórios ultramarinos é preferível deixar a Guiné através de uma derrota militar com honra do que através de um acordo com terroristas que justificaria outras negociações em outros territórios.” Se as forças portuguesas fossem militarmente derrotadas depois de terem lutado com todo o seu potencial, argumentou Caetano, “tal derrota deixa-nos intactas as possibilidades jurídicas e políticas para continuar a defender o resto dos territórios ultramarinos”. Spínola concluiu, desapontadamente, que Caetano tinha desperdiçado a última oportunidade de Lisboa para resolver o problema da Guiné com honra e dignidade, a resposta de Caetano significava o sacrifício de vida das suas tropas e o prestígio das Forças Armadas.

Os comandos subordinados a Spínola tinham preocupações mais imediatas, observavam com preocupação o aumento das capacidades militares do PAIGC e a introdução de novas armas. Numa avaliação feita em 1972, a guerrilha conduzida por Amílcar Cabral tinha canhões antiaéreos de 37 mm, lançadores múltiplos de foguetes BM-21 de 122 mm, veículos blindados de transporte de pessoal BTR-40 e até tanques leves PT-76.

Além disso, a guerrilha começava a realizar operações mais ambiciosas, com formações maiores, o que correspondia à sua intenção há muito estabelecida de desencadear uma guerra de manobra convencional. O resultado óbvio, como concluía o comandante do GO-1201 (e, mais tarde, Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) Coronel José Lemos Ferreira, era que o PAIGC acreditava agora que a vitória militar estava ao seu alcance, mas “o que eles precisavam era algo que anulasse a Força Aérea”. Com esta finalidade, as defesas antiaéreas da guerrilha reapareceram na Guiné em 1972. Em maio, por exemplo, canhões antiaéreos de 37 mm abriram fogo contra um par de Fiat que patrulhava a fronteira Sudeste e as chamadas zonas libertadas do Quitafine. Aqueles caças escaparam ilesos, mas outras oito aeronaves portuguesas ficaram danificadas pela ação da guerrilha durante o ano. Em fevereiro e agosto, fogo antiaéreo não especificado, presumivelmente originado da República da Guiné, atingiu um total de três Fiat que patrulhavam a fronteira Nordeste, provocando danos ligeiros. Dois DO-27 foram atingidos por tiros de armas leves durante março, assim como o T-6 em fevereiro, enquanto três Alouette III foram danificados por morteiros, por disparos de RPG e armas automáticas, em novembro e dezembro. A Zona Aérea reportou um total de 23 ações contra aeronaves ao longo de 1972, mas apenas dois resultaram em danos materiais ou ferimentos graves em militares portugueses. Significativamente esses incidentes envolveram armas e morteiros e infantaria em vez de sistemas antiaéreos especialmente construídos.

O Mirage passou a ser a opção para as operações da FAP em África (Dassault)
Em 1972, Spínola procura uma solução política para a questão da Guiné desde a mediação do presidente senegalês, mas Caetano rejeitou a iniciativa de paz (Coleção Revista do Povo)
O primeiro-ministro Marcello Caetano rejeitou qualquer negociação para a Guiné, temendo que ela seria um procedente irreversível para o resto do império colonial português (Arquivo Histórico do Ultramar)
Operações de fogo independentes da Zona Aérea, 1972 (Matthew M- Hurley, baseado em documentação portuguesa)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 15 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25389: Notas de leitura (1683):"Memórias SOMântícas", de Abulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)