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terça-feira, 17 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20152: Jorge Araújo: memórias de Bolama: a imprensa e o comércio locais há oito décadas atrás.



Bolama (1964) – Fonte: Arquivo Digital > Foto de   Manuel da Silva Pereira Bóia, com a devida vénia).


Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Ruína do antigo Palácio de Bolama, que foi sede da administração colonial

Foto: © Patrício Ribeiro (2010)Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné-Bissau > Bolama (2017) >  Fonte: Jornal "O Democrata", Bissau, edição de 12 de Abril de 2017, com a devida vénia).





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem c. 225 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS DE BOLAM: A IMPRENSA E O COMÉRCIO LOCAIS HÁ OITO DÉCADAS ATRÁS 



1. INTRODUÇÃO

Emerge esta narrativa do facto de terem surgido no Fórum, nas últimas quatro semanas, vários subsídios históricos alusivos à Ilha de Bolama. Uns, os mais antigos, relacionados com a sua descoberta e a presença portuguesa em África [P20104]. Outros, do princípio do Século XX, através de testemunhos do 2.º Sargento António dos Anjos, onde descreve ao pormenor a sua comissão de dois anos na Guiné, iniciada em 29 de Março de 1911, a primeira, com vivências em Bolama [P20041 e P20059]. Os últimos, recuperando uma efeméride de terror, pela quantidade de sangue derramado, respeitante aos trágicos acontecimentos de Morocunda, em Farim, nos dias 1 e 2 de Novembro de 1965, em que se presume ter sido o ex-presidente da Câmara Municipal de Bolama, Júlio Lopes Pereira, o seu "autor moral", e de que resultaram mais de três dezenas de mortos e cerca de uma centena de feridos [P20130, P 20135, P20140 e P20144].

Corolário da conjugação desses diferentes factos e análises historiográficas e sociológicas dadas à estampa pelos seus autores, permitiu adicionar-lhe uma outra abordagem, ainda pouco aprofundada, e que acabaria por corresponder ao tema em título. E esse aprofundamento, ou questão de partida, nasceu, inicialmente, da consulta ao trabalho de investigação do historiador guineense, Leopoldo Amado, publicado no seu livro «Guineidade e Africanidade», das Edições Vieira da Silva, 2013.


2. A IMPRENSA E O COMÉRCIO LOCAL HÁ OITO DÉCADAS ATRÁS

De forma sucinta e como antecedente histórico, Leopoldo Amado defende que Portugal, ao sair vitorioso da disputa por Bolama em que se vira envolvido com os Ingleses, ainda que com a sentença arbitral do Presidente norte-americano, Ulisses Grant, ficou obrigado a proceder à implantação de uma administração que garantisse a soberania sobre o território, bem como a criação de um mínimo de infraestruturas, que até então tinham estado sob a tutela do Governo-geral de Cabo Verde.

E é em 1879 que a Guiné ganha o estatuto de Província, passando Bolama a ser a sua capital, onde oito anos antes (1871) havia ganho o estatuto de Concelho [hoje, Município]. Desde então o Governo da Guiné passou a preocupar-se mais com as guerras de pacificação, e a prosseguir com a intervenção na estruturação da sua administração, processo que decorreu aproximadamente até aos finais da década de 30 do século XX.

Quanto à Imprensa, e na sequência do processo de pacificação, Leopoldo Amado acrescenta: "os colonos entregaram-se às tarefas mais prementes como, por exemplo, a instalação da tipografia em 1879 e a criação do Boletim Oficial da Guiné em 1880 que, não obstante alguns pequenos hiatos, foi publicado ininterruptamente até 1974" [P11804]

2.1. A IMPRENSA COLONIAL

De acordo com a narrativa de Leopoldo Amado, é no ano de 1879, com a instalação de uma tipografia em Bolama e com a constituição do primeiro grupo de tipógrafos guineenses que, no ano seguinte (1880), começa a ser editado o Boletim Oficial da Guiné. Acrescenta ainda que "a década de 30 [do século passado] nem por isso foi fértil."

Entretanto, em consulta à obra do jornalista guineense António Soares Lopes Jr. (Tony Tcheka), em «Os media na Guiné-Bissau», publicado pelas Edições Corubal, em Agosto de 2015 (capa ao lado, da 1.ª edição), aí se aprofunda um pouco mais sobre as origens da tipografia e, concomitantemente, a sua importância para a evolução da imprensa escrita.

António Lopes refere que "o surgimento da imprensa na Guiné-Bissau está intimamente ligado à instalação de uma tipografia em Bolama, em 1879, que seria mais tarde designada por Imprensa Nacional da Guiné Bissau. Nesta unidade se constituiu o primeiro grupo de tipógrafos guineenses, a maior parte deles, já com instrução primária feita. Depois, em 31 de Outubro de 1883, foi em Bolama editada a primeira publicação,  'Fraternidade', dedicada à sensibilização e recolha de fundos para socorrer as vítimas da estiagem que tinha ocorrido, nesse mesmo ano, em Cabo-Verde.

Em 1920, quarenta anos depois da criação da Tipografia em Bolama, surge na banca a terceira publicação, 'Ecos da Guiné'. Seguiram-se em 1922, a 'Voz da Guiné', um quinzenário republicano independente, e em 1924 o 'Pró-Guiné', órgão do Partido Democrático Republicano. Estas publicações pertenciam a portugueses radicados na Guiné." (op. cit. p35)

Por outro lado, o primeiro periódico editado e dirigido por um guineense, o advogado Armando António Pereira, foi 'O Comércio da Guiné', em 1930, tendo tido, contudo, uma curta duração, com encerramento no ano seguinte. No entanto, congregou à sua volta figuras de relevo da sociedade guineense, como o poeta Fausto Duarte (coordenador de um dos Anuários da Guiné-1946), Alberto Pimentel, Álvaro Coelho Mendonça, Juvenal Cabral (pai de Amílcar Cabral), João Augusto Silva e Fernando Pais de Figueiredo." (op. cit. p36).

Após o encerramento de 'O Comércio da Guiné', surgem três outros jornais, todos de número único e por isso, como afirma Leopoldo Amado,  "sem qualquer importância para o sujeito em estudo". Foram eles, respectivamente, o '15 de Agosto', em 1932, o 'Sport Lisboa e Bolama', em 1938, e 'A Guiné Agradecida', em 1939." [P11804].

"Entretanto, a década de 40 do século XX inicia-se com um acontecimento importante: a capital da Guiné é transferida de Bolama para Bissau, e dela resulta que Bissau cresce a olhos vistos, enquanto Bolama perde a sua vitalidade. Na verdade, a transferência da capital para Bissau foi um duro golpe para a elite africana de cariz pequeno-burguesa de Bolama, dispersando-se por imperativos de força maior. Por isso, a actividade literária e cultural em geral foi o primeiro sector a apresentar sinais palpáveis de um retraimento significativo, a ponto de se paralisar qualquer actividade editorial na Guiné, exceptuando as publicações do Boletim Oficial da Guiné." (Leopoldo Amado; P5147].


Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Cabeçalho do jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, 12 pp. (com a devida vénia).

2.2. O 'SPORT LISBOA E BOLAMA', EM 1938

Partindo da referência supra, mas procedendo em sentido contrário ao de Leopoldo Amado, entendemos que se justificaria tudo fazer para encontrar este número do jornal do Sport Lisboa e Bolama, que, por ser único, era de primordial importância localizá-lo.

E assim aconteceu.

Este jornal único do Sport Lisboa e Bolama é editado a propósito das comemorações do 5.º Aniversário da sua fundação em Bolama, em Novembro de 1933, inspirado no Sport Lisboa e Benfica (fundado em  28.02.1904), como se prova na figura acima. Com a transferência da capital de Bolama para Bissau, nasce o Sport Bissau e Benfica, em 27.05.1944, sendo a vigésima nona filial do Sport Lisboa e Benfica.

O seu estádio é considerado como sendo a mais antiga instalação desportiva da Guiné-Bissau, tendo sido inaugurado com a designação de «Estádio de Bissau», em 10 de Junho de 1948, pelo então governador da Província da Guiné, Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979), quatro anos depois da inauguração do «Estádio Nacional», no Jamor. 

Mais tarde o «Estádio de Bissau» passou a designar-se por «Estádio Sarmento Rodrigues», em homenagem àquele governador. Na sequência da independência da Guiné-Bissau, em 1974, a designação anterior foi, de novo, alterada, passando a designar-se por «Estádio Lino Correia», em homenagem ao antigo jogador da União Desportiva Internacional de Bissau (UDIB), e guerrilheiro do PAIGC, morto em 1962.

 Eis o programa das Festas: entre 26Nov1938 (sábado) e 04Dez1938 (domingo)



2.3. O COMÉRCIO LOCAL QUE CONTRIBUIU PARA OS FESTEJOS

Como elemento historiográfico relacionado com o comércio existente em Bolama, naquela época, e para memória futura, apresentamos o nome das empresas que patrocinaram o 5.º Aniversário do Sport Lisboa e Bolama. De entre os comerciantes e industriais , destaque para os nossos já conhecidos  Fausto [da Silva] Teixeira (, "Serração Eléctro-Mecânica") e Júlio Lopes Pereira (representante na Guiné da máquina de escrever Royal).

[Recorde-se que o Fausto Teixeira foi um dos primeiros militantes comunistas [, segundo reivindicação do PCP,] a ser deportado para a Guiné, logo em 1925, com 25 anos, ainda no tempo da I República; era dono, em novembro de 1938,   segundo o anúncio, que abaixo se reproduz, de "a mais apetrechada de todas as Serrações existente nesta Colónia". E o anúncio acrescenta: "Em 'stock' sempre as mais raras madeiras. Preços especiais a revendedores. Agentes em Bolama, Bissau e nos principais centros comerciais da Guiné"... Na altura a sede ou o estabelecimento principal era no Xitole... Foi expandindo a sua rede de serrações pelo território: Fá Mandinga,  Bafatá,  Banjara...  Era exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960... Naturalmente, sempre vigiado pela PIDE...Nota do editor, LG]



Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital >  Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 7  (com a devida vénia).




















Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

13SET2019
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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10916: Postais ilustrados (19): O menino, Augusto, que fumava cigarros "White Horse" (Beja Santos)



1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, Palácio de Cristal, 16/6/1934 - 30/9/1934.

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2013:



Queridos amigos,

Eis o resultado de andar a vasculhar caixas com bilhetes-postais, uma atração irresistível em lojas de ferro-velho ou velharias de toda a espécie.

O Augusto a fumar não é para ficarmos indignados, à luz das mentalidades dos anos 1930. Ajuda a refletir sobre o tratamento de uma criança-objeto, uma imagem irrecusável que até talvez causasse simpatia, naqueles tempos em que havia crianças contorcionistas em trupes de ciganos, crianças trapezistas no circo ou a chicotear cavalos.

A exposição do Porto, em 1934, teve como uma das principais atrações os guinéus. Eduardo Malta, convém não esquecer, sentiu-se fascinado pelo régulo Mamadu Sissé, um dos incondicionais do capitão Teixeira Pinto, desenhou-o com imensa beleza. Fazia-se filas para ver os Bijagós desnudados, era um desregramento autorizado.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


O menino da Guiné que fumava cigarros White Horse

por Beja Santos



Há, por ora, um embaraçante enigma que alguém, mais avisado, poderá contribuir para esclarecer. O postal que se exibe mostra o Augusto da Guiné, estamos em crer que ele veio na comitiva guineense que se apresentou na 1ª Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto, em 1934. Na verdade, o Augusto aparece noutras fotografias, até tem honras de aparecer estampado no livro “O Império de Papel”. E a Tabacaria Trindade fez nome publicando imensos bilhetes-postais, basta ir ao Google. Como os tabacos White Horse também existiram, basta ir ao Google.

E vamos agora à exposição em que participou o Augusto. Diga-se desde logo que foi um invento com estadão e alto significado político. Uma coisa foi a Exposição Industrial de 1932, no que é hoje o Pavilhão Carlos Lopes, por lá acamparam uns régulos Fulas e respetivas famílias em pleno Parque Eduardo VII, foram tratados com uma atração de feira, era uma chamada de atenção para aquela terra de onde vinha amendoim, coconote, algumas madeiras exóticas, ceras e curtumes, convinha sensibilizar os investimentos para a orizicultura e outras potencialidades agrícolas, o Império não era só Angola e Moçambique, espaços largos, de se perderem à vista.

Em 1934, o regime consagrado pela Constituição de 1933 queria dar provas de que o Império era muito mais do que o imaginário, era obra de missionação, havia para ali recursos a explorar para o engrandecimento da Nação. O capitão Henrique Galvão recebeu instruções para que a encenação ultrapassasse tudo o que até agora fora mostrando dos diferentes povos no vasto Império. E ele não se poupou a esforços. 

O problema foi a moral pública, a reclamar daquelas bajudas com maminhas ao léu, aqueles Bijagós despudorados com saias de ráfia, praticamente nus, e de olhar tão inocente. Faziam-se excursões, rezam as notícias publicadas nos jornais da época, para ver aqueles povos bárbaros, as crianças atiravam pedradas, a polícia tinha que agir, o ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não gostou das críticas, ordenou ao capitão Henrique Galvão que acabasse com os desmandos, quem desrespeitasse os guinéus ia para a choça.

O Augusto devia ser uma criança muito dócil, os pais até devem ter achado graça ver o menino a fumar, reproduzido em bilhete-postal. Não vale a pena fazer comentários, fica o registo de um tratamento primitivo. Em muitos domínios, a História não dorme.
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Nota de CV: