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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26393: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
É o final da governação de Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, irá entrar em funções Luís Vasconcelos e Sá. No acto de posse do novo governador, o secretário-geral interino, o capitão Passalagua, produz uma peça impressionante, não esconde o tumulto em que vive a província, as operações no Geba, as sequelas da guerra do Forreá, a necessidade de expulsar Mussa Moló, as hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes na ilha de Bissau; debelavam-se as sublevação, faziam-se acordos de paz, tudo era precário, o capitão Viriato Zeferino Passalagua dirá mesmo ao recém-chegado governador que ele está ao comando de uma província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos. E começa-se o ano de 1892 com uma espantosíssima concessão de terrenos a dois condes de apelido Buttler, concessões extensíssimas, espalhadas por todo o território, terão morrido à nascença, a vida das sociedades agrícolas e comerciais na Guiné, com exceções daquelas que irão prosperar como a Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, tiveram vida meteórica.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18)


Mário Beja Santos

Como se procurou sublinhar no texto anterior, o Governador Augusto Rogério Gonçalves dos Santos envolveu-se na operação a que chamou Guerra de Geba; no ano anterior houvera outro foco de incêndio, a Península de Bissau, hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes, fora debelada. Quanto à guerra de Bissau, o Governador tomara decisões: nomeou um oficial da classe dos capitães, conhecedor da ilha, Caetano Alberto da Costa Pessoa, tudo correu bem; a guerra de Geba envolveu lanchas canhoneiras a cooperar com a coluna de operações na circunscrição de Geba, sufocada a rebelião era louvado o capitão Zacarias de Sousa Lage pela dedicação, coragem, brio e valor militar e mérito com que dirigira as operações. E no rol dos louvores também apareceram civis:
“Tendo chegado ao meu conhecimento os serviços que a este Governo levaram diversos negociantes estabelecidos em Bissau, quando foi organizada a coluna de operações que devia bater os revoltosos na circunscrição do presídio de Geba, cujos serviços são dignos de ser tomados na maior consideração da sua natureza e importância, atendendo às circunstâncias em que foram prestados:
Hei por conveniente louvar os cidadãos seguintes:
Cidadãos franceses Gentil Maffrá e Benjamin Potin pelo oferecimento que fizeram como agentes da casa Blanchard & Companhia, de duas embarcações para transportarem tropas a Geba e não terem exigido frete por material que para ali foi transportado em embarcações diversas pertencentes à casa que representam;
Súbdito alemão Otto Schacht, como representante de Bernardo Soller; pelo oferecimento que fez de duas embarcações para conduzirem força e género a Geba, e duzentas libras de pólvora para auxiliares, e por ter gratuitamente posto à disposição do comandante militar de Bissau uma embarcação para descarregar carvão de pedra que estava a bordo do vapor Bissau;
José Sebastião de Sena, súbdito português, por ter oferecido um bote para transportar arroz para os auxiliares em Geba – e uma chalupa para transportar a esta capital uma força vinda do Geba;
Ricardo Barbosa Vicente, súbdito português, por ter oferecido uma chalupa para o desembarque do carvão de pedra que estava a bordo do vapor da empresa nacional.”


A 22 de junho de 1891 mudamos de Governador, agora é o tenente-coronel Luís Vasconcelos e Sá, toma posse com pompa e circunstância, recebe as laudes do secretário-geral interino, capitão Zeferino Passalagua. Avisa o novo Governador que a área da província é grande, porém a esfera de ação do domínio português é limitada. Fora dos pontos por nós ocupados e além de uma faixa com a escassa largura de 120 metros em volta dos muros ou das paliçadas que delimitam esses escassos pontos da presença portuguesa, a nossa autoridade e o nosso prestígio são iguais a zero, diz o secretário-geral interino. Entende não dever dizer na cerimónia as causas do abatimento, o novo Governador irá ler os documentos oficiais, limita-se a dizer a quem chega que os diversos selvagens que povoam esta região não conhecem o deslumbramento da civilização e do progresso – "são hoje tão selvagens como há quatro séculos quando ocupámos esta colónia; enquanto não conseguirmos civilizá-los, não conseguirmos também que o nosso prestígio se alevante e a nossa autoridade seja conhecida e respeitada.” E vai continuando a dizer verdades como esta: A não ser na ilha de Bissau, em que a nossa autoridade é respeitada, nos outros pontos é permanente o desassossego. Refere o que se passou no Forreá, que em Buba é preciso uma vigilância permanente, o presídio de Geba também não goza de tranquilidade e na sua circunscrição há permanente rebelião; o secretário-geral interino não esquece os dissabores provocados por Mussa Moló. E termina assim a sua alocução:
“Vem Vossa Excelência governar-me a província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos, os atritos e as dificuldades que a todo o momento hão de surgir, para prejudicar todos os projetos que Vossa Excelência conceber para bem administrar esta colónia; e quanto mais sublimes e grandiosos forem esses projetos, maior será a luta em que Vossa Excelência terá de empenhar-se para conseguir alevantar a província do marasmo, que a definha.”

Início de novo ano, há estrangeiros a cobiçar as terras da Guiné. No Boletim Official n.º 2, de 9 de janeiro, vemos que o Governo está pronto a cedências, através da Direção Geral do Ultramar, do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar. Recorda-se que há consideráveis tratos de terrenos incultos na Guiné, completamente desaproveitados pelos indígenas, são necessários modernos processos agrícolas que assegurem um rápido desenvolvimento moral e intelectual dos habitantes, e depois de vários consideramos decreta-se a concessão para explorações agrícolas cruciais à companhia ou sociedade que for legalmente constituídas pelos súbditos franceses, conde Buttler e conde Raoul Buttler, os terrenos públicos baldios, e são citados territórios manjacos, parte de território das Balantas e Brames situados entre a margem esquerda do rio Cacheu, terrenos na margem direita do rio Geba perto de S. Belchior, territórios limitados a Oeste pelo mar, ao Sul pela margem direita do rio Cacheu até Farim, ao Norte pela fronteira franco-portuguesa… Tudo isto é impressionante, vai até à ilha das Cobras ao Norte de Bolama e às ilhas Caraxe, Caravela e Galinhas. Reza o decreto que ficavam expressamente excluídos da concessão todos os terrenos ocupados e plantados pelo gentio, a companhia devia estar legalmente constituída dentro de um ano, ficando para todos os efeitos sujeita às leis portuguesas. E dizem-se quais as obrigações da sociedade concessionária: explorar agricolamente os terrenos da sua concessão e introduzir novas culturas, até hoje não empreendidas na Guiné; a fazer a exploração vegetal, a fazer todas as obras necessárias para a canalização e navegabilidade do rio Corubal; a ceder ao Governo português os terrenos que forem precisos para a construção de caminhos de ferro, estradas, fortificações, alfândegas ou quaisquer outras obras ou estabelecimentos do Estado. Ao que se sabe, nenhuma concessão foi criada.

Morança do Régulo de Chulame. Manjacos. Região de Cacheu, por Fernando Schiappa de Campos, 1959. Imagem da exposição Habitats tradicionais da Guiné-Bissau¸ que decorreu no Museu Nacional da História Natural e da Ciência, em 2018
Fortaleza de São José da Amura, na atualidade
Todos ao aeroporto de Bolama, é um modesto campo de aviação, vão chegar os aviadores portugueses, 2 de abril de 1925

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26362: Historiografia da presença portuguesa em África (460): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, começou a última década do século XIX (17) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26362: Historiografia da presença portuguesa em África (460): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, começou a última década do século XIX (17) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Convém recordar que as hostilidades em Geba não foram suspensas e que o governador no fim de 1890 preparou uma expedição comandada pelo capitão Zacarias de Sousa Lage, chamou-lhe Guerra de Geba; no início do ano seguinte, o presidente da Junta de Saúde diz-se claramente favorável a mudar a capital de Bolama para Bissau e explica porquê; isto em simultâneo com a abertura de novas hostilidades dentro da ilha de Bissau que, como veremos adiante, não serão fáceis de debelar.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, começou a última década do século XIX (17)


Mário Beja Santos

O ano de 1890, como vimos, foi marcado por um surto de sublevações, com especial realce para as hostilidades de Mussa Moló, isto na região de Geba. Ainda em 3 de dezembro desse ano o então Governador da Guiné, Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, publicava portarias, acusando Mali-Boiá como rebelde contra as determinações do Governo, assalto à mão armada a povoações pacíficas, hostilidade às autoridades, e procurando a conivência dos régulos do Corubal, Xime, Badora, Guerat, o Governador suspendia as garantias na região do presídio de Geba, mandava preparar uma coluna de operações, determinando a despesa da expedição com o título de guerra de Geba, escrevendo expressamente:
“Desde esta data são considerados rebeldes o referido Mali-Boiá e todos os seus partidários que sejam encontrados armados; como espiões são considerados e como tais, presos, processados e julgados nos termos das leis especiais em vigor para tais casos, todos os indivíduos que pertencerem ao partido de Mali-Boiá; os comandantes militares de Buba e Cacheu e os chefes dos presídios de Geba e Farim, procederão a um arrolamento minucioso de armas e munições de guerra que houverem em casa dos negociantes e os prevenirão de que não podem vender quaisquer desses artigos até que termine a guerra de Geba; hei por conveniente nomear comandante da coluna de operações o capitão Zacarias de Sousa Lage.”

No Boletim Official n.º 3, de 17 de janeiro do novo ano, o mesmo Governador expede novas portarias, chegara ao conhecimento que os negociantes da praça de Geba vendiam pólvora aos Mandigas de Bambadinca, a qual era por estes conduzidas em canoas para fornecer aos rebeldes, e assim proibia expressamente a venda de pólvora em Bissau, fosse a quem fosse, devendo o comandante militar daquela praça proceder contra os infratores.

No Boletim Official n.º 8, de 21 de fevereiro, publica-se o notório do serviço de saúde da Guiné referente a 1889. Nas considerações gerais, escreve o autor:
“Não discutirei se a capital da Guiné teria sido bem escolhida (era Bolama). Temos visto sustentar-se que ela deve ser transferida para a ilha de Bissau, por ser o ponto mais importante do comércio, o mais central da província e com um porto excelente e de fácil acesso para navios de grandes dimensões e tonelagem. São razões de alta ponderação que merecem sério estudo, antes que se façam os melhoramentos de que merece a atual capital da Guiné Portuguesa. Não partilhamos, porém, a opinião de que a capital seja transferida para a vila de Bissau, mas sim para a povoação de Bandim, situada na mesma ilha e próxima da vila. A povoação de Bandim está efetivamente colocada em terreno suficientemente elevado e com vertentes para a praia que é completamente arenosa: vantagens estas que não oferece a vila de Bissau que está situada em terreno baixo e com uma praia completamente lodosa.
Voltando à atual capital da província, diremos que ela precisa de vários melhoramentos dentre os quais avultam mais o aterro da sua extensa praia e o das duas enseadas que a cercam e que são verdadeiros pântanos; bem como a conclusão da ponte-cais de madeira cujas obras estão de há muito suspensas.”


E dirige agora as suas observações para os hospitais:
“O edifício do Hospital de Bolama demanda atualmente urgentes reparações. Este edifício é constituído de um corpo de madeira e compreendido por outro de alvenaria e tijolos ocos. Estes, que são mantidos por barras de ferro, não levaram exteriormente o mais ligeiro emboco e expostos à ação do tempo que os têm gasto em boa parte, precisam ser substituídos porque de outra forma em pouco tempo as paredes ficarão desfeitas. O edifício interno de madeira não é já pintado a óleo desde há três anos e meio a esta parte. O soalho, que é de madeira, está também deteriorado em grande parte.” Reclama outros melhoramentos e descreve minuciosamente as condições de fornecimento de medicamentos, entre outras questões. Quem assina é o presidente da Junta de Saúde, Albino Conceição Ribeiro.

Passa-se agora para o suplemento ao Boletim Official n.º 9, de 5 de março, abarcam um conjunto de portarias do mesmo Governador, destacam-se as seguintes:
“Achando-se em grande parte desmoronadas as fortificações permanentes e mistas que há na província, e sendo urgente repará-las convenientemente, bem como convém se edifiquem outras para garantirem a defesa dos pontos ocupados; não tendo as obras públicas da província verba disponível para ocorrer às despesas, votou-se uma verba de 30 contos para as fortificações da província, a pagar pela Tesouraria Geral da Fazenda Pública da Província.”

E o que vem a seguir é o relato de novas sublevações:
“Em 29 de junho de 1890 irromperam em hostilidades as tribos Papéis de Antula e Intim da ilha de Bissau, a primeira auxiliada por Balantas, a segunda pelos Grumetes. As tribos beligerantes empenharam-se em sangrentas lutas quem em alguns dias terminaram junto das muralhas da referida praça à frouxa e pálida luz dos últimos raios solares. Essas lutas por diversas vezes tiveram lugar a estabelecer-se o pânico entre os habitantes da praça que viram em perspetiva uma invasão gentílica, acompanhada de todo o triste cortejo de consequências funestas e desastrosas.
A intervenção política deste Governo, secundado nos seus esforços pela autoridade local, deu lugar às tribos beligerantes suspenderem as hostilidades, conseguindo-se que os gentios de Antula prometessem solenemente em 14 de fevereiro último conservarem-se em paz; mas, os gentios de Intim não só se recusaram a aceitar a benéfica intervenção deste Governo senão ainda começara a dar manifestas provas da sua rebelião, opondo-se o Cumeré, régulo de Intim, às ordens dimanadas deste Governo, negando-se a comparecer na administração do concelho, e a aceitar a paz que por via da autoridade local lhe era oferecida, a fim de se restabelecer. Enquanto duraram as hostilidades entre as referidas tribos, ressentiu-se o comércio na vila de Bissau, e paralisaram os trabalhos agrícolas no interior da ilha.”


É um extenso documento que iremos procurar sintetizar no próximo texto.


Selos antigos da Guiné Portuguesa
Chegou o cinema a Bolama, A Fera Humana, filme em 6 partes, um preço carote, 3 mil réis
Estamos em 1924, os Balantas mostraram-se desobedientes, o Governador Velez Caroço declara o estado de sítio até que se volte à obediência às autoridades

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26332: Historiografia da presença portuguesa em África (459): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26332: Historiografia da presença portuguesa em África (459): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se é facto que o ano de 1889 decorreu numa relativa acalmia, atendendo à ausência de informações em sentido contrário no Boletim Official, 1890 vai reacender três focos de sublevação, arremetidas de Mussa Moló a partir do Senegal, alta tensão na Península de Bissau, guerras étnicas na região de Buba, isto quando ainda é manifestamente claro que há ainda muito território por ocupar. Tomou posse o novo Governador, Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, em janeiro do ano seguinte será substituído por Luís Augusto de Vasconcelos e Sá. O que se vai manifestando é a pouca capacidade de Bolama dispôr de efetivos para apagar tantos fogos. E a Guiné ainda não sofreu o impacto da crise financeira que se abrirá em 1891, entrar-se-á num período de penúria, com efeitos na colónia.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16)


Mário Beja Santos


Por muito que o leitor se surpreenda, 1889 foi um ano bastante árido, não consegui extrair de tanta monotonia informações de interesse. E confesso que os primeiros meses de 1890 também não saíram da modorra. A Guiné mudou de Governador, o novo chama-se Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, e vão começar conflitos que irão permanecer bastante tempo em três pontos: Cacheu e Geba; Bissau e Bolola. O Boletim Official vai finalmente exprimir decisões em função do novo quadro de hostilidades.

O Boletim Official n.º 26, de 26 de junho, dá as seguintes informações, ambas assinadas pelo Governador:
“Tendo-se dado diversos factos pelos presídios de Geba e Farim, dependentes, aquele de Bissau e este de Cacheu, os quais só mui tarde têm chegado ao meu conhecimento por os respetivos chefes não se poderem corresponder com a secretaria geral do Governo senão por intermédio dos comandos militares de que dependem, e convindo que não haja delongas na resolução de quaisquer assuntos relativos àquele presídio, hei por conveniente determinar que os chefes dos referidos presídios se correspondam de futuro diretamente com a secretaria geral do Governo, participando ao comandante militar respetivo, em extrato, o que tiverem comunicado diretamente à referida secretaria.” E, mais adiante:
“Sendo sob todo o ponto de vista conveniente averiguar minuciosamente os factos ocorridos na praça de Buba na noite de 19 do corrente, em que foi ali morto por força pública um dos régulos do Forreá, Mamadi Paté, de Bolola, e preso um dos grandes daquele régulo; convindo não menos conhecer as causas para originar a prisão deste e a morte daquele, para se adotarem as providências que convierem: hei por conveniente determinar que o tenente Luís Maria Alves Costa siga na primeira oportunidade para Buba, a fim de com urgência proceder ali a um auto de averiguação.”

No Boletim Official n.º 27, de 5 de junho, a referência vai para a região de Geba:
“Tendo sido votado em sessão do concelho de Governo de 16 de junho último que, para ser tomada uma resolução definitiva sobre as providências que convém adotar, para pôr termo à discórdia sempre crescente entre os Fulas que habitam os territórios Joladu e Ganadu, dependências do presídio de Geba, os moradores da praça do mesmo presídio e os Mandingas e Biafadas que povoam a ponta de Sambel Nhantá, é preciso que se conheça por um relatório circunstanciados a origem das dissensões que ali se têm havido; pelo que o mesmo concelho foi de parecer que vá àquele presídio um oficial de exército ou empregado de confiança indagar minuciosamente qual a atitude que desde a última guerra os referidos Fulas têm tomado em relação àquela praça que os referidos Mandigas e Biafadas, compreendendo nas suas indagações o que há de verdade relativamente à forma como os territórios de Corolá e Sam Corlá, entre aquele presídio e o de Farim, foram invadidos e atacados por uma horda de gentios capitaneado pelo súbdito francês Mussa Moló, e que de tudo façam relatório de qual constam todos os factos de que ali se têm dado.” E faz a nomeação do capitão de artilharia.

No Boletim Official n.º 30, de 26 de julho, o Governador não está pelos ajustes perante atos que apontam para indisciplina militar:
“Tendo constado oficialmente a este Governo que o 2º tenente da bataria de artilharia Eduardo Augusto Perfelin, na qualidade de chefe do presídio de Farim deu autorização ao Mussa Moló, súbdito francês e chefe de guerra do rei Dembel para invadir e atacar os territórios portugueses Corolá e Sam Corlá, situados entre os presídios de Farim e Geba, hei por conveniente ordenar o seguinte: 1.º - Que no presídio de Farim seja aberta uma sindicância extraordinária aos atos oficiais do referido chefe, Eduardo Auguto Perfelin; 2.º - Que o capitão do Batalhão de Caçadores n.º 1, Joaquim Ribeiro de Brito Teixeira, comandante militar e administrador do concelho de Cacheu, proceda à referida sindicância; 6.º - O mesmo capitão, chegando a Farim, assumirá a direção político-administrativa e militar do presídio, fará seguir para Cacheu o 2.º tenente Eduardo Augusto Perfelin, que fica suspenso.”

O Boletim Official n.º 31, de 2 de agosto, traz notícias sobre a morte de Mamadi Paté, eis o que consta, de acordo com o relatório apresentado: "Mamadi Paté de Bolola, régulo do Forreá, foi morto na praça de Buba na noite de 19 de junho último, porque, quando o alferes João Moreira do Carmo, do Batalhão de Caçadores n.º 1, o foi chamar a comparecer ante o comandante militar para a conferência que tinha combinado ter, agrediu o referido alferes, pretendendo desarmá-lo e matá-lo; pelo que, teve este oficial de gritar socorro, o que sendo ouvido por aquele comandante e praças daquele destacamento, correram em seu auxílio, sendo então salvo da morte por um soldado que num ato de defender o pré-citado oficial ficou ferido e com a espingarda inutilizada devido aos contínuos golpes que sobre ele vibrou o falecido régulo com um ferro, o qual também feriu o 2.º sargento do referido batalhão, dando-lhe uma punhalada na cabeça e atacou todas as praças do destacamento que se lhe aproximaram; - Consta dos autos que o régulo tinha dentro da praça uns 30 homens, sendo alguns deles cavaleiros, e que fora da paliçada parecia ter alguma gente acampada; o que faz crer, que o falecido régulo pedindo ao comandante militar para guardar a conferência que havia de ter com ele depois do toque de recolher, era com fim premeditadamente sinistro, fim que se evidencia pelo seu procedimento, quando foi chamado pelo alferes Carmo para ir à conferência que tinha combinado ter com o comandante militar; consta também dos autos que as agressões dirigidas pelo falecido régulo à força pública deram lugar a estabelecer-se a uma completa desordem e confusão dentro da praça, a qual teria sérias consequência, se o comandante militar não fosse enérgico nem ativo, mandando dar fogo para fora da praça; por todos estes fundamentos, deve-se à energia do tenente comandante militar da praça não ter sido atacada e o alferes João Moreira do Carmo soube defender-se das agressões que o régulo Mamadi Paté lhe dirigiu.”

E termina o documento com o pedido de louvores tanto para o tenente como para o alferes e outros militares. Iremos ver seguidamente que ainda não acabou o contencioso com Mussa Moló, temos rebeliões em Geba, é uma nova época de instabilidade.

1890: o rei morreu, viva o rei! D. Carlos inicia o seu reinado e dirige uma carta a José Luciano de Castro que o Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa reproduz
O jovem D. Carlos
Sociedade do Fomento da Guiné, Bissau, bilhete-postal
Dispensário do mal de Hansen, Cumura, Guiné
Culturas da Guiné, gravura de Johann Theodor de Bry, séculos XVI e XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26310: Historiografia da presença portuguesa em África (458): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, finais de 1888, início de 1889 (15) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)

Mário Beja Santos

O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.

O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.

Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.

Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.

Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.

Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26279: Historiografia da presença portuguesa em África (457): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1888, há bons relatórios e pouco mais (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Oficial de prestígio e com provas dadas em várias missões, o capitão Zacarias de Sousa Lage, então administrador do concelho de Bissau, envia para Bolama um relatório que se distingue pela linguagem franca: à exceção do presídio de Geba, em todos os outros pontos do concelho de Bissau não existia autoridade alguma: os roubos e a pirataria eram incontroláveis; dá-nos uma lista das casas comerciais existentes, o que compram e vendem; as dívidas dos contribuintes são na sua maioria inquebráveis, a administração da justiça está entregue a comerciantes que acabam por cometer graves negligências, é escandalosa a falta de um código penal; não esconde o estado deteriorado das instalações públicas, a má qualidade do ensino e a falta de recursos a nível hospitalar. Sousa Lage irá posteriormente comandar o presídio de Geba, onde teve comportamento valoroso.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1888, há bons relatórios e pouco mais (14)


Mário Beja Santos

Voltamos à formalidade do movimento marítimo, dos boletins de saúde, de quem foi preso e porquê, chegadas e partidas de funcionários, a ambientação política está praticamente ausente. Mas logo em janeiro deste ano de 1888, o administrador do concelho de Bissau, Zacarias de Sousa Lage, produz um sucinto relatório sobre os diferentes ramos de serviço afetos ao seu concelho. Justifica-se a citação de parágrafos considerados bastante impressivos:
“À exceção do presídio de Geba, em todos os outros pontos do concelho não existe autoridade alguma que possa apresentar-se como delegado do Governo português.
Dificilmente se pode avaliar as dificuldades com que luta a autoridade do concelho de Bissau, quando existem pendências a resolver nos territórios sob a sua jurisdição, por não haverem ali delegados. Frequentes são os casos de roubos e piratarias aos negociantes estabelecidos; roubos estes exercidos pelas tribos Balantas, gentio de Boty, Caió e Cajegute, que não tem convívio frequente com a praça de Bissau, e em geral ficam impunes resultando o contínuo abuso.
É necessário que o Governo tenha um representante nas tribos, o qual deve ter conhecimento de causa perfeita, fornecer-lhe todos os meios para ser respeitada a autoridade sem vexame; porque se entre os povos mais avançados, gozando das melhores leis, há sempre margem para descontentamentos, não é de estranhar que os espíritos rudes e vulgares, como o do selvagem, se não conformem com o regime que nos rege.

O gentio em geral é indolente, aqui não existem indústria própria; a agricultura é representada com meia dúzia de grãos ou milho lançados no solo, numa área que cada preto cultiva não excedente a 10 ou 12 metros de circunferência: e eis aí representado o seu trabalho fatigante que não lhe dá alimentação para mais de um ou dois meses!
Finda a colheita, e enquanto se existe com que alimenta, não trabalha; findo isto, aproveita-se da riqueza que a própria natureza lhes deu, fazendo a quebra do coconote e fabricando algum azeite de palma, isto unicamente para permutar com arroz, ou fazer a compra de uma arma, resumindo-se a sua única ambição a contínuas correrias; atacando uma ou outra tribo dotada de instintos.
A agricultura, se imperasse nesta tão decadente província, cujo solo é tão fértil, riquíssimo em fauna e flora, daria, com o andar dos tempos, a riqueza do nosso mercado colonial, tão decadente hoje. Hoje, porém, ainda nada se consegue porque o atraso dos filhos da Guiné não os deixa compreender quais os deveres que cabem ao cidadão".


Referindo-se à população, comércio e navegação, depois de falar em decadência, sublinha que o comércio de Bissau tem aumentado de ano para ano, Bissau é a primeira praça da província, mantendo relações comerciais com Bolama, Cacheu, Geba e Farim e com as tribos selvagens limítrofes, muito especialmente a dos Balantas, que diariamente abastece o mercado. Na praça de Bissau existem estabelecidas diversas casas comerciais, nacionais e estrangeiras, recebendo diretamente da Europa as mercadorias e exportando os produtos do país. As casas comerciais mais importantes aqui estabelecidas são: Blanchard & Companhia, de Marselha, F. C. Butman, de Boston, B. Soller, representante de uma casa de Hamburgo, British Congo & Companhia Limited, de Liverpool, casas estas que permutam produtos coloniais desta costa que se resumem ao coconote, cera, borracha, couros de boi secos e alguma goma copal, importando em grande escala o álcool, tabaco em folha, genebra ordinária, pólvora, bretanjil, panos da costa, etc., principais artigos indispensáveis ao indígena. Estas casas entretêm operações externas e algumas delas nos próprios territórios gentílicos onde exercem um perfeito comércio de concorrência, chegando mesmo a venderem-se mercadorias por preços inferiores ao deste mercado.

Tece considerações sobre a fazenda pública, diz abertamente que a maioria das dívidas de contribuintes é incobrável, que o movimento da delegação da alfândega é grande e o pessoal é pouco em relação ao trabalho. O edifício onde se aloja a alfândega acha-se muito deteriorado e precisa de grandes consertos. Mudando para o tema da administração da justiça, refere que existe neste julgado, desde 1880, um juiz ordinário e dois substitutos por nomeação do Governo da província. “Permita-me V.ª Ex.ª que eu diga que as autoridades judiciais neste julgado quase de nada servem, por isso que, sendo este importante ramo confiado a negociantes sem que por tal encargo percebam renumeração alguma dada pelo Estado, claro está que nada mais fazem se não tratar dos seus interesses, mandando ordinariamente arquivar os autos que pela sua autoridade administrativa lhe são enviados, alegando não terem escrivão nem pessoa de confiança que possa exercer este cargo.” E solicita as providências necessárias.

O último capítulo do relatório de Zacarias Sousa Lage é dedicado à instrução pública e à administração geral. Parece útil reproduzir o que ele escreve:
“Existem duas escolas régias, sendo uma para o sexo masculino e outra para o feminino. A do sexo masculino é frequentada por um grande número de rapazes sendo o contrário a do sexo feminino. A instrução pública pouco progride por lhe faltar o principal elemento, as habilitações dos mestres, quer de um ou do outro sexo, estão muito longe de poder satisfazer o cumprimento dos seus deveres.
E infelizmente assim está paralisada a instrução, permitindo-me Sua Excelência o Governador, ser tão prolixo nas minhas observações, mas que é de urgência a reforma deste grande ramo muito especialmente nesta vila em que o número de educandos é bastante elevado. A câmara municipal deste concelho dispõe de grandes recursos e não seria oneroso ao município o inscrever no seu orçamento uma verba condigna para a manutenção de uma escola e deixar de figurar a irrisória verba orçamental de gratificação mensal de 10 mil réis pagas aos professores régios, a título de gratificação.”


O relatório termina com uma exposição sobre o serviço de saúde, desempenhado por um facultativo, dr. Albino Ribeiro, que também tinha a seu cargo o hospital. “Infelizmente, apesar do edifício ser bom, faltam-lhe os principais elementos para poder ter o fim a que é destinado. As camas da enfermaria estão em péssimo estado, desprovidas de roupas e utensílios apesar de terem decorridos poucos meses que a fazenda lhes forneceu alguns artigos, sendo urgentíssimo o fornecimento de louças, roupa e acessórios indispensáveis a um hospital. A farmácia do Estado, única aqui existente, acha-se também alojada no mesmo edifício, carece de grandes melhoramentos para assim poder funcionar como estabelecimento desta natureza. De medicamentos acha-se quase sempre desprevenida dos mais indispensáveis, apesar das contínuas requisições, e dificilmente pode dar cumprimento às exigências do público. O administrado do concelho despede-se com um Deus guarde a V.ª Ex.ª e assina em 8 de novembro de 1887".
Cartografia do rio Corubal, 1897, Comissão de Cartografia, província da Guiné
Carta da província da Guiné, distribuída na Exposição Colonial do Porto, 1934
Balanta em Festa comemorando o ano da prosperidade. Imagem retirada do site cabazgarandi4, com a devida vénia
1.ª página do relatório do capitão Zacarias de Sousa Lage relativo às campanhas de pacificação de 1890-91, era então comandante do presídio de Geba. Créditos: Fundação Mário Soares

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 11 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26256: Historiografia da presença portuguesa em África (456): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 2 (13) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26202: Historiografia da presença portuguesa em África (454): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Poderá ser entendido como um relato fastidioso, aquele a que se arrogou Damasceno Isaac da Costa que a propósito do estado de saúde da vila de Bissau em 1884 fala praticamente da Guiné por inteiro, o que vemos agora são referências ao estado do cemitério, à higiene da vila, à condição do pessoal de saúde militar e à sua própria alimentação. Recordo que todo este relatório veio a ser publicado pelos vários meses, uns parágrafos aqui outros acolá, apelo à compreensão do leitor quanto à consistência desta síntese, até porque durante a leitura destes textos apareciam dados curiosos, como é o caso que aqui se refere da população do presídio de Geba se manifestar agradecida pelos brilhantes resultados das 3 expedições do tenente Marques Geraldes, primeiro na margem direita do Geba, naquilo que no meu tempo correspondia aos regulados de Jaladu, Ganadu, Mansomini e Cuor, e depois atacando frontalmente as bases de onde saíam os homens de mão de Mussá Moló, Geraldes desbaratou as resistências.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12)


Mário Beja Santos

Continuamos a dar a palavra a Damasceno Isaac da Costa e ao seu relatório de 1884 que o Boletim Official publicou com intermitências no ano de 1886. Ele refere-se agora aos cuidados higiénicos a ter nos cemitérios, e refere a seguir a saúde pública, elencando as posturas publicadas: proibido ter nas ruas couros podres ou outro qualquer objeto que exale mal cheiro; proibido criar porcos ou leitões dentro da casa de habitação, nos quintais ou pátios e igualmente proibido ter ou conservar porcos ou leitões amarrados ou presos na rua à porta de casa; é proibido deitar qualquer objeto dentro das fontes públicas que suje e estrague a água. Convém recordar que ele agora está focado na vila de Bissau, o que diz dos hospitais tem a ver com a vila. Existes duas enfermarias a funcionar numa casa particular arrendada pelo Governo e comenta:
“Todos os higienistas são unanimemente concordes em que, sendo os hospitais estabelecimentos insalubres de primeira ordem, devem ser situados pelo menos a 200 metros de distância da povoação, mas o de Bissau acha-se situado no centro da povoação. Os soldados da guarda de alfândega apresentam-se repetidas vezes embriagados; passando toda a noite a gritar e a cantar, tem dado lugar a que os doentes não tenham o sossego que o seu estado de saúde reclama. Pelos fundamentos que deixa apontados, julgo conveniente que com urgência seja o hospital removido para um local afastado da população.”

Tece um amargo comentário sobre o quadro de saúde da Província. Permita-me o leitor introduzir aqui uma nota um tanto desajustada e que se prende com a linguagem médica usada no tempo, este caso uso um dado apresentado pelo delegado de saúde em Bissau em julho de 1886 acerca de um tratamento a alguém que fora baleado:
“O acidente foi devido ao tiro de revólver, cujo projéctil, dirigindo-se de cima para baixo e de fora para dentro, depois de atravessar o braço esquerdo, foi afectar o lado correspondente do tórax. Aí, ao nível de uma das costelas, existia uma solução de continuidade que era a boca da entrada, sem se descobrir, em região alguma, a da saída da bala. Desta ferida escapava pouco sangue, porém uma abundante hemorragia tinha lugar por ambas as aberturas da extremidade lesada. Os sintomas manifestados pelo doente inculcavam estar o corpo impelido pela conflagração da pólvora, alojado na cavidade pélvica onde o doente acusava ímpetos de dor que, irradiando-se da ferida do peito, pareciam ir concentrar-se no púbis. Para sondar esta ferida, faltavam os indispensáveis meios, portanto não podia estabelecer-se um diagnóstico pronto e preciso. A consideração, porém, de que o projétil em consequência da diminuição da velocidade e da violência da acção que deveria ter experimentado durante o seu trajeto através do braço do ponto de partida até ao peito, não poderia vencer a resistência e elasticidade do osso, sugeriu a probabilidade de que a bala não teria obrado sobre a costela senão ricochete. E não tardou a ser confirmada estra presunção, pois que o ferido, após breves dias de tratamento, deixou o hospital com o restabelecimento das funções das partes ofendidas.”

Voltando a Damasceno Isaac da Costa, ele dá-nos um quadro de completa penúria do estado do hospital, a começar pela falta de instrumentos cirúrgicos. Passando para o tema das boticas, observa que existe uma do Governo que fornece medicamentos ao público, carece de várias reparações, ele tem apresentado pedidos à delegação de saúde, mas não houve qualquer providência. Analisa o serviço médico-militar e deixa os seguintes comentários:
“O soldado, esse homem, que sacrifica constantemente a sua vida, leva em Bissau uma vida cheia de privações, miséria e fadigas e esses grandes e poderosos inimigos com os quais luta incessantemente, conjuntamente com os que fornece o clima e as más condições higiénicas da vila, e geram as doenças que se manifestam no soldado. Ele anda em Bissau esfarrapado, sujo e descaço, salvo raríssimas exceções e expõe-se constantemente aos abrasadores raios solares e aos rigores da chuva.
Natural de Portugal, Angola ou Cabo Verde, o soldado em Bissau alimenta-se quase sempre de arroz e feijão-vermelho ou branco ordinários, por vezes de má qualidade e raras vezes de grão-de-bico ou de ervilha. As leguminosas, a cujo pertencem estes alimentos, à exceção do arroz, tem por base principal a fécula que se acha associada a variados princípios e as matérias extrativas e corantes em diferentes proporções. Estas leguminosas, pelas suas qualidades feculentas não fermentadas, conservam-se no estômago mais tempo do que qualquer alimento da mesma base e dão lugar nos intestinos à formação de uma grande quantidade de gases. O feijão vermelho produz menos peso no estômago e menos desenvolvimento de gás do que as outras variedades. O soldado europeu faz uso imoderado das frutas ácidas que abundam na ilha, o uso de fruta ácida excita o apetite, facilita a digestão, modera o calor e acalma a agitação. O soldado natural de Angola embriaga-se frequentes vezes, especialmente depois de receber o pré.”


O novo assunto tem a ver com o quadro das doenças. As que se observam constantemente são as febres palustres. “Os meses de junho a outubro são aqueles em que o alimento palustre ativa a sua força e determina a manifestação de febres intermitentes perniciosas, tifoides e biliosas hematúricas, quase sempre revestidas de gravidade.” E deixa a lembrança de que em alguns meses de 1878 e 1879 manifestou-se na vila de Bissau a febre tifoide com grande intensidade. Mais adiante descreve ao pormenor a febre biliosa hematúrica ou melanúrica, o sulfato de quinino, que é a base do tratamento das febres ordinárias, revela-se improfícuo e perigoso na febre biliosa hematúrica quando for administrado no começo da doença. "O importante é empregar agentes farmacodinâmicos destinados a simplificar a natureza primitiva da doença e depois o tratamento específico.”

Como os textos deste relatório andam aos saltos, volto atrás a outubro de 1886 quando se publica o fim da operação de Mussá Moló na região de Geba, é um documento assinado por figuras do presídio de Geba, cujo chefe era então o tenente Francisco António Marques Geraldes. Dirigem-se ao Governador dizendo que Geba fora oprimida sob o jugo de Mussá Moló, pagavam-se impostos onerosos, a população sofria vexames de toda a espécie, Mussá Moló ameaçava as fronteiras de Ganadu, os seus principais guerreiros atacavam com repetidas correrias todo o território à volta de Geba. Até então os chefes do presídio, nomeados uns após outros, não se atreviam a atacar o colosso. É então nomeado o tenente Geraldes que preparou uma expedição de 200 homens e atacou as tabancas do régulo de Mansomini, arrasando-as. De regresso a Geba organizou nova expedição e atacou todas as tabancas da margem direita do rio Geba, pondo em debandada os régulos, obrigando-os a saltar para a outra margem do rio. Era a primeira vez que um oficial levava a cabo tão temerária empresa. O tenente Geraldes arranjou nova expedição composta por Biafadas e atacou Mussá Moló, este perdeu todo o prestígio que dispunha na região. E a carta termina apelando a que o Governador graduasse no posto imediatamente superior o tenente Geraldes pelos serviços distintos que prestara.

Continuamos no ano de 1886 e na companhia do médico Damasceno Isaac da Costa, ele ainda tem muito para nos dizer, é um dos poucos motivos de interesse neste Boletim Official onde estão ausentes os grandes acontecimentos do ano. Por isso, aqui se ilustra com imagens do Boletim Official de 1887, nasceu em março o príncipe da Beira, D. Luís Filipe, haja festa, salvas de 21 tiros, a tropa em grande uniforme, liberdade para as praças que estiverem em pena correcional, dando por cumpridos os castigos.
Nomeação do governador interino, coronel Euzebio Catella do Valle, virá depois o contra-almirante Teixeira da Silva.
Em 24 de setembro de 1887, o Boletim Official da Província da Guiné publica texto que define a Guiné Portuguesa de acordo com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886.
Em 30 de maio, o Boletim Oficial informa que foi nomeado Governador o contra-almirante da Armada Real, Francisco Teixeira da Silva.
Cais de Bolama, imagem dos anos 1960, retirada do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26172: Historiografia da presença portuguesa em África (453): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26150: Historiografia da presença portuguesa em África (452): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Impõe-se, antes demais, uma clarificação quanto a estas leituras que envolvem o médico Damasceno Isaac Costa. Tempos atrás, entrei na Biblioteca da Sociedade de Geografia e pedi à sua bibliotecária que verificasse na secção de Reservados se eu já tinha consultado algum documento envolvendo o nome de Damasceno Isaac Costa. E, de facto, descobri que o filho deste oferecera à Sociedade de Geografia documentação do pai, um conjunto de relatórios, começando por 1884. Fui verificar ao blogue e constatei que do relatório constante referente a 1884 fizera uma leitura um tanto abreviada. Ora, no Boletim Oficial, ano de 1886, inicia-se no mês de abril e prolonga-se até novembro, de forma intermitente, a publicação de extratos, perto do final do ano o médico começa a publicar o relatório de 1885. Tenho para mim que estas peças de Damasceno Isaac Costa, possuía o gosto da escrita, era observador com pendor para a etnografia e etnologia, que descreve minuciosamente localidades, neste caso Geba, é merecedor de uma publicação cultural, de fio a pavio de tudo quanto escreveu, é um cronista de mérito, não conheço nada de melhor referente a este período, há na sua arquitetura da escrita algo que lembra a literatura dos navegantes e viajantes que nos deixaram peças primorosas nos séculos XV, XVI e XVII. Dirijo-me a todos aqueles que têm responsabilidades nos estudos africanos de se encontrar uma forma de publicar Damasceno Isaac Costa, para que em Portugal e na Guiné-Bissau se conheça melhor o olhar clínico deste plumitivo tão arguto e entusiasta.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (10)

Mário Beja Santos

Já se disse ao leitor, e com pesar, que se esperava que o Boletim Official deste ano desse informação quanto à atividade política que iria levar à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio desse ano, nem uma só palavra. A grande surpresa passa pela publicação de um espantoso relatório assinado pelo médico Damasceno Isaac da Costa, aparentemente com referência ao ano de 1884 e que extravasa, do princípio ao fim os problemas de saúde pública. Fala sobre a história da Guiné, da importância do rio Geba, descreve a vila e fortaleza de Bissau, é minucioso a descrever o presídio de Geba, as edificações, não conheço outra exposição sobre o presídio de Geba como esta, veja-se a minucia a que chega o médico:
Próxima à residência do chefe do presídio acha-se situada uma casa térrea com dois compartimentos dos quais um funciona de secretaria do chefado e o outro serve para a arrecadação de géneros, cujas condições higiénicas são as mesmas que as das mencionadas casas.
Se em paragens longínquas se exige dos funcionários do Estado de serviços aturados, é também equitativo que lhes seja proporcionada uma habitação, que possua todos os requisitos exigidos pela lei higiénica. O cargo do chefe do presídio, que quase sempre é exercido por um alferes do Batalhão de Caçadores n.º 1, acumula os cargos de administrador, juiz, comandante militar e de destacamento, delegado fiscal e do correio, subdelegado e às vezes de professor do ensino primário, sendo obrigado no desempenho desses variados cargos a decidir questões de ordinário assaz complicadas. O cargo do juiz de povo, ao qual competiam as mesmas funções que ao de Bissau, foi aqui extinto, sendo o mesmo substituído pelo de regedor, desaparecendo desta forma para sempre os vexames e prepotências que os indivíduos investidos das funções deste cargo exerciam contra todos os habitantes do presídio, sem distinção.

A ambulância do Estado, a única que ali existe, funciona numa casa particular, que além de ser húmida não é ventilada, contribuindo muito a falta destes dois elementos para a deterioração dos medicamentos. Para escrituração, possui a ambulância três livros, destinados, um para o registo das faturas de medicamentos do depósito geral, um para a venda pública e outro para os medicamentos fornecidos às praças. Todos estes livros começaram a ser escriturados em 1880, não possuem nem termo de abertura, nem de encerramento, nem rubrica nas respetivas folhas. Por esses factos, e porque se acham escriturados irregularmente, não tem eles valor algum.

A escola régia de instrução primária funcionou ao princípio num compartimento da casa do negociante Manuel António de Barros, oferecido gratuitamente ao professor da escola, o pároco da freguesia, sendo mais tarde as rendas custeadas pelos habitantes do presídio. Atualmente a escola funciona na secretaria do chefado do presídio.
Durante a regência do pároco da freguesia, a escola foi frequentada por mais de 50 alunos, tendo sido publicamente examinados e aprovados na administração do concelho de Bissau dez alunos, ato este que raríssimas vezes tem tido lugar na Guiné.

Abastecem a povoação muitas fontes; há, porém, uma só água potável e esta mesma está situada fora do presídio, a uma légua de distância. Esta fonte denomina-se Estabeiro, e diz-se que na sua proximidade existe uma mina de ferro.
Para os usos culinários, os habitantes servem-se da água do rio, a qual é doce desde Fá no verão, e de todo o rio desde Bissau até Geba no inverno. É tradição oral, que nas proximidades do presídio existem minas de ouro e que em época em que foi abolida a escravatura foram enterradas dentro da praça e no bairro denominado S. Cruz, 40 arrobas de ouro bruto por um negociante português, que perseguido pela justiça por se entregar ao tráfico da escravatura, se internara nos sertões da Guiné para se pôr a coberto da espada da justiça.

Na povoação não há feira nem açougue, mas de tempos a tempos abate-se uma cabeça de gado vacum, que é dividida em quinhões de 8 libras, que se vendem pelo valor de 480 réis.
Acima de Geba e a dez léguas de distância está situada uma aldeia importante, já pelo seu comércio, já pela sua população, denominada Bafatá. É habitada pelos Fulas e negociantes cristãos.
O comércio interno de Geba consiste em cera, couro, marfim, amêndoa de palma, borracha, ouro e outros produtos, que todos os dias à porfia são comprados e transportados para as praças de Bissau e Bolama.
Geba, pelas suas riquíssimas produções, que lhe proporciona o seu ubérrimo solo, concorre mais que nenhum outro ponto da Guiné, para levar aos grandes centros comerciais da Europa as mesmas produções.
A prosperidade de Geba, dependendo, pois, em grande parte do presídio de Geba, convém por todos os meios elevá-lo à categoria a que tem jus, pela importância comercial e industrial.

Entre Geba e Farim existe fácil comunicação. Distanciado um presídio do outro em uma extensão de 20 léguas o trânsito de 8 é feito por terra, de Geba até o rio Tandegú e as restantes 12 em canoas, pelo rio de Farim até o mesmo rio Tandegú. Existe igualmente entre os dois presídios fácil comunicação por terra percorre-se esse trajeto em 48 horas, atravessando os territórios ocupados pelos Fulas e Biafadas. Para encurtar o trajeto fluvial de 60 léguas, que intermedeia entre Geba e Bissau, transita-se 20 por terra da praça de Geba até Fá, em 3 horas, as restantes 40 pelo rio, de Fá até Bissau, em 24 horas.

O alimento principal dos habitantes de Geba consiste em milho painço, arroz, fundo, baguexe e fruto de miséria. Os Grumetes de Geba, imitando os seus antepassados, amam a poligamia, pois a maioria deles casa-se com 7, 8 e 9 mulheres. Estas mulheres, como as dos Papéis de Bissau, são obrigadas a trabalhar incessantemente, não para sustentar, mas para auxiliar o homem e aumentar os seus haveres. É singular a forma que os Grumetes empregam nos seus casamentos. Quando um Grumete quer casar-se, pede em casamento a filha aos pais ou às mestras, e quando eles aceitam o pedido, o noivo envia-lhes 6 cabazes, contendo 60 garrafas de variadas bebidas alcoólicas, quase sempre ordinárias. Decorrido algum tempo, o noivo designa o dia em que deve ter lugar o casamento. O dia aprazado quase sempre ao obscurecer da noite, apresenta-se o noivo acompanhado de alguns convives nas proximidades da casa da noiva e aí pratica o rapto desta última auxiliado pelos ditos convives, que a conduzem para uma casa. Na ocasião em que tem lugar o rapto, o pai e os irmãos da noiva apresentam-se munidos de espingardas, espadas e cacetes para obstar ao rapto, e as mulheres e os demais parentes lamentam o facto em grandes alaridos e procuram a noiva por toda a parte com velas e archotes.

Os Fulas são destros em manejos bélicos e essa qualidade, tem-lhes feito conquistar extensos territórios, que dantes eram ocupados pelos Mandigas e Biafadas. Tanto o homem como mulheres amam excessivamente as bebidas alcoólicas. As mulheres amam tanto as moedas de prata, que longe de as trazerem ao mercado, guardam-nas em muitas dobras de pano, no fundo das suas caixas, que consistem em uns balaios de cana da Índia. As mulheres vestem panos pretos, que lhes cobrem desde a cintura até aos joelhos; trazem dependuradas nas orelhas argolas de latão ou cobre; em seus cabelos cuidadosamente entrançados trazem suspensos como um grande adorno moedas brasileiras ou francesas de 80, 120, 240, 480 e 900 réis; ainda com o mesmo fim, cingem a testa com missangas de variadas cores, e nas mãos e pés 8 a 10 manilhas de latão, e no pescoço enormes voltas de contas de âmbar.
"Para uma Fula casar-se é condição sine qua non provar pelo menos que já foi mãe três vezes, prova frisante de prodigiosa fecundidade, e por esta razão, à semelhança das raças Papel e Mandinga, a herança pela morte do pai passa aos sobrinhos maternos."

Contrato da Companhia de Cabo Verde e Cacheu pela venda de cento e quarenta e cinco escravos - documento do fundo documental do Conselho Ultramarino pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino.
Um pormenor de Bolama na atualidade, um passeio entre ruínas, fotografia de João Campos Rodrigues publicada no jornal Sol, em 2021, com a devida vénia
Uma fotografia de Bissau, século XIX

(continua)
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Notas do editor

Vd. post anterior de 6 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26121: Historiografia da presença portuguesa em África (450): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26126: Historiografia da presença portuguesa em África (451): o tecido económico da província em 1951, visto através dos anúncios publicados no suplemento, "dedicado ao Ultramar Português" (218 pp., no total), do "Diário Popular", de 20/10/1961