Queridos amigos,
É o final da governação de Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, irá entrar em funções Luís Vasconcelos e Sá. No acto de posse do novo governador, o secretário-geral interino, o capitão Passalagua, produz uma peça impressionante, não esconde o tumulto em que vive a província, as operações no Geba, as sequelas da guerra do Forreá, a necessidade de expulsar Mussa Moló, as hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes na ilha de Bissau; debelavam-se as sublevação, faziam-se acordos de paz, tudo era precário, o capitão Viriato Zeferino Passalagua dirá mesmo ao recém-chegado governador que ele está ao comando de uma província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos. E começa-se o ano de 1892 com uma espantosíssima concessão de terrenos a dois condes de apelido Buttler, concessões extensíssimas, espalhadas por todo o território, terão morrido à nascença, a vida das sociedades agrícolas e comerciais na Guiné, com exceções daquelas que irão prosperar como a Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, tiveram vida meteórica.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18)
Mário Beja Santos
Como se procurou sublinhar no texto anterior, o Governador Augusto Rogério Gonçalves dos Santos envolveu-se na operação a que chamou Guerra de Geba; no ano anterior houvera outro foco de incêndio, a Península de Bissau, hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes, fora debelada. Quanto à guerra de Bissau, o Governador tomara decisões: nomeou um oficial da classe dos capitães, conhecedor da ilha, Caetano Alberto da Costa Pessoa, tudo correu bem; a guerra de Geba envolveu lanchas canhoneiras a cooperar com a coluna de operações na circunscrição de Geba, sufocada a rebelião era louvado o capitão Zacarias de Sousa Lage pela dedicação, coragem, brio e valor militar e mérito com que dirigira as operações. E no rol dos louvores também apareceram civis:
“Tendo chegado ao meu conhecimento os serviços que a este Governo levaram diversos negociantes estabelecidos em Bissau, quando foi organizada a coluna de operações que devia bater os revoltosos na circunscrição do presídio de Geba, cujos serviços são dignos de ser tomados na maior consideração da sua natureza e importância, atendendo às circunstâncias em que foram prestados:
Hei por conveniente louvar os cidadãos seguintes:
Cidadãos franceses Gentil Maffrá e Benjamin Potin pelo oferecimento que fizeram como agentes da casa Blanchard & Companhia, de duas embarcações para transportarem tropas a Geba e não terem exigido frete por material que para ali foi transportado em embarcações diversas pertencentes à casa que representam;
Súbdito alemão Otto Schacht, como representante de Bernardo Soller; pelo oferecimento que fez de duas embarcações para conduzirem força e género a Geba, e duzentas libras de pólvora para auxiliares, e por ter gratuitamente posto à disposição do comandante militar de Bissau uma embarcação para descarregar carvão de pedra que estava a bordo do vapor Bissau;
José Sebastião de Sena, súbdito português, por ter oferecido um bote para transportar arroz para os auxiliares em Geba – e uma chalupa para transportar a esta capital uma força vinda do Geba;
Ricardo Barbosa Vicente, súbdito português, por ter oferecido uma chalupa para o desembarque do carvão de pedra que estava a bordo do vapor da empresa nacional.”
A 22 de junho de 1891 mudamos de Governador, agora é o tenente-coronel Luís Vasconcelos e Sá, toma posse com pompa e circunstância, recebe as laudes do secretário-geral interino, capitão Zeferino Passalagua. Avisa o novo Governador que a área da província é grande, porém a esfera de ação do domínio português é limitada. Fora dos pontos por nós ocupados e além de uma faixa com a escassa largura de 120 metros em volta dos muros ou das paliçadas que delimitam esses escassos pontos da presença portuguesa, a nossa autoridade e o nosso prestígio são iguais a zero, diz o secretário-geral interino. Entende não dever dizer na cerimónia as causas do abatimento, o novo Governador irá ler os documentos oficiais, limita-se a dizer a quem chega que os diversos selvagens que povoam esta região não conhecem o deslumbramento da civilização e do progresso – "são hoje tão selvagens como há quatro séculos quando ocupámos esta colónia; enquanto não conseguirmos civilizá-los, não conseguirmos também que o nosso prestígio se alevante e a nossa autoridade seja conhecida e respeitada.” E vai continuando a dizer verdades como esta: A não ser na ilha de Bissau, em que a nossa autoridade é respeitada, nos outros pontos é permanente o desassossego. Refere o que se passou no Forreá, que em Buba é preciso uma vigilância permanente, o presídio de Geba também não goza de tranquilidade e na sua circunscrição há permanente rebelião; o secretário-geral interino não esquece os dissabores provocados por Mussa Moló. E termina assim a sua alocução:
“Vem Vossa Excelência governar-me a província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos, os atritos e as dificuldades que a todo o momento hão de surgir, para prejudicar todos os projetos que Vossa Excelência conceber para bem administrar esta colónia; e quanto mais sublimes e grandiosos forem esses projetos, maior será a luta em que Vossa Excelência terá de empenhar-se para conseguir alevantar a província do marasmo, que a definha.”
Início de novo ano, há estrangeiros a cobiçar as terras da Guiné. No Boletim Official n.º 2, de 9 de janeiro, vemos que o Governo está pronto a cedências, através da Direção Geral do Ultramar, do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar. Recorda-se que há consideráveis tratos de terrenos incultos na Guiné, completamente desaproveitados pelos indígenas, são necessários modernos processos agrícolas que assegurem um rápido desenvolvimento moral e intelectual dos habitantes, e depois de vários consideramos decreta-se a concessão para explorações agrícolas cruciais à companhia ou sociedade que for legalmente constituídas pelos súbditos franceses, conde Buttler e conde Raoul Buttler, os terrenos públicos baldios, e são citados territórios manjacos, parte de território das Balantas e Brames situados entre a margem esquerda do rio Cacheu, terrenos na margem direita do rio Geba perto de S. Belchior, territórios limitados a Oeste pelo mar, ao Sul pela margem direita do rio Cacheu até Farim, ao Norte pela fronteira franco-portuguesa… Tudo isto é impressionante, vai até à ilha das Cobras ao Norte de Bolama e às ilhas Caraxe, Caravela e Galinhas. Reza o decreto que ficavam expressamente excluídos da concessão todos os terrenos ocupados e plantados pelo gentio, a companhia devia estar legalmente constituída dentro de um ano, ficando para todos os efeitos sujeita às leis portuguesas. E dizem-se quais as obrigações da sociedade concessionária: explorar agricolamente os terrenos da sua concessão e introduzir novas culturas, até hoje não empreendidas na Guiné; a fazer a exploração vegetal, a fazer todas as obras necessárias para a canalização e navegabilidade do rio Corubal; a ceder ao Governo português os terrenos que forem precisos para a construção de caminhos de ferro, estradas, fortificações, alfândegas ou quaisquer outras obras ou estabelecimentos do Estado. Ao que se sabe, nenhuma concessão foi criada.
Morança do Régulo de Chulame. Manjacos. Região de Cacheu, por Fernando Schiappa de Campos, 1959. Imagem da exposição Habitats tradicionais da Guiné-Bissau¸ que decorreu no Museu Nacional da História Natural e da Ciência, em 2018
Fortaleza de São José da Amura, na atualidade
Todos ao aeroporto de Bolama, é um modesto campo de aviação, vão chegar os aviadores portugueses, 2 de abril de 1925(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 8 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26362: Historiografia da presença portuguesa em África (460): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, começou a última década do século XIX (17) (Mário Beja Santos)
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