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domingo, 12 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26383: Efemérides (448): Há 54 anos, em 31/12/1970, acabámos com o álcool no bar de Nema, para "dar de beber à dor" pela morte de camaradas nossos na véspera (Eduardo Estrela, ex-fur mill, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)


1. Mensagem  do Eduardo Estrela (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2592/CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71; vive em Cacela Velha, Vila Real de Santo António; membro da Tabanca Grande desde 29/2/2012 (foto à direita)


Data - sexta, 27/12/2024, 21:50
Assunto - Memórias


Boa noite, Luís!


O post 26316 transporta-nos dolorosamente para a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche.(*)

Fui reler o P18551  (**) onde o Jorge Araújo relata a actividade do corpo de exército do PAIGC durante o final do ano de 1970, na zona dos corredores de Sitató e Lamel.

Como tenho comigo a história do BCAÇ 2879 onde a minha companhia estava integrada como unidade independente e de forma a ajudar o meu arquivo mental, fui também reler a mesma.

Já o disse no blogue que o PAIGC esteve muito ativo no período compreendido entre o início de dezembro de 1970 e meados de janeiro de 1971, na zona de Lamel (setor O2).

Tivemos nesse espaço de tempo 14 mortos e dezenas de feridos, a maior parte resultante de combates com os guerrilheiros e outros de acidente em atividade operacional na zona.

Em 14, para além do camarada João Bento Guilherme que faleceu, houve 4 feridos graves da Ccaç 2533.

Em 21 morreu em combate o camarada António da Fonseca Ambrósio que era alf mil da 2533 .

Em 30 , para além dos dois camaradas da Ccaç 14, morreram 2 camaradas do Pel Mil 281, 2 do Pel Mil 283 e 2 da Ccaç 2547.

Em 19 de Janeiro de 1971 um acidente com granada defensiva colocada num dilagrama provocou a morte de 3 camaradas da Ccaç 2681 e 2 dos Pelotões de Milícias, quando a coluna circulava na zona de Lamel.

Na emboscada de 30 de dezembro morreu o condutor da minha companhia José Rodrigues de Carvalho Lopes, o qual era habitualmente o rebenta-minas nas colunas onde estivesse integrado .

Nas colunas onde o comandante da escolta era eu, viajava sempre ao seu lado.  Nesse dia a escolta era feita pelo grupo de combate do António Bartolomeu, já que o meu grupo estava a reforçar a CCAÇ 2549 do à época capitão Vasco Lourenço.

Eram sensivelmente 16,30 quando em Nema/Farim começámos a ouvir os sons dos rebentamentos. Pelo rádio soubemos que já havia vários mortos e feridos. Saíram forças de Nema e de Jumbembem em socorro, mas quando chegámos ao local vislumbrámos um quadro horripilante.

O PAIGC imobilizou a coluna com o rebentamento dum fornilho. Apesar da pronta resposta da nossa malta,  o resultado da luta deixou-nos o coração esmagado. O Lopes era um moço fantástico. Era casado, tinha uma filhinha que nunca conheceu e era ele que nos cortava o cabelo.

Chorei a sua morte e a dos outros companheiros caídos.

No dia seguinte acabámos com o álcool no bar comum de sargentos e oficiais de Nema.
O "bioxene",  como diz o Valdemar,  era a muleta para o esquecimento e para suportar o inferno.

Abraço fraterno
 
Bom 2025 para ti e para todos os comparsas da fábula da loucura que ainda vão resistindo às intempéries 
da vida. (***)

Eduardo
_________________


7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Eduardo: desculpa o atraso... Passou a data.. Nem sempre é possível puplicar os postes da série "Efemérides" na data exata...

De qualquer modo, sei do que falas...Também se bebia muito nos nossos bares... no sector L1. Não tenhamos vergonha de o reconhecer. Bom ano também para ti e os teus. Luis

Anónimo disse...

João Crisóstomo, Nova Iorque

Caro camarada Eduardo Estrela,
Primeiro o meu obrigado pelos teus votos para 2025, já que (felizmente) me incluo entre "os comparsas da fábula da loucura que ainda vão resistindo às intempéries da vida”.

É sempre doloroso ler, relembrar , reviver momentos do que foi a tragédia da Guiné. Pelas tuas palavras "o álcool no bar ( para ) dar de beber à dor pela morte de camaradas" vejo que, independentemente de outras considerações, sempre foste /és um homem de muita coragem e tremendo senso de solidariedade com os que estavam ao teu cuidado, pois falando da morte do condutor da tua companhia relatas que "nas colunas onde o comandante da escolta era eu, viajava sempre ao seu lado”. Eu sei o que para os condutores significava conduzirem o veículo sozinhos ou terem alguém a seu lado, especialmente se esse alguém não tinha obrigação de o fazer e o fazia voluntariamente. Bem hajas.

Que para ti também os dias de 2025 sejam dias a "Festejar a vida, o estarmos aqui e querermos permanecer; brindar o prazer de estarmos juntos e de vibrar em sintonia”.
João Crisóstomo

Anónimo disse...

Eduardo francisco

Boa noit, Luís!
Não tens que pedir desculpa nenhuma.
Tu e o Carlos Vinhal dão muitas horas ao blogue e nem sempre há possibilidade de procederem à leitura e publicação dos textos que vos chegam, já que a família não pode ficar para trás.
Obrigado e um abraço amigo

Eduardo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo, há postes (com muitas fotos e links...) que dão uma trabalhadeira do caraças... Horas e horas de ediçáo... A malta não faz ideia...Publicar todos os dias é quase uma escravatura... ... Mas queremos manter o ritmo e não perder o contacto com os nossos grãos-tabanqueiros...LG

Anónimo disse...

Bom dia Luis e Eduardo Estrela,
Partilho o desespero do Luis Graça e demais editores.
Eu penso muitas vezes no que será esta escravidão voluntária do Luis, para todos os dias colocar aqui Postes dos mais variados, dos mais simples aos mais complicados! E dos seus comentários a todos os postes, é OBRA!
Eu que ainda tenho mais tempo livre, para fazer uns comentários ou arranjar material para um poste, ando tempos infinitos para acabar.
Lembro um que me foi sugerido elaborar ´sobre os Conselhos Administrativos´ que a maioria não sabe nada, e ando a trabalhar todos os dias e ainda não acabei. Claro que como sempre escrevo demais
Caro Eduardo, agradeço os teus comentários sinceros aos meus postes, agora já vi a cara pois não a conhecia.
Quando li esta saga dos condutores sacrificados e tantas mortes terríveis, faz-me lembrar as colunas de Nova Lamego para Medina do Boe e Cheche. Numa delas ainda eu estava lá (NL) e o falecido Major Pedras foi morto numa emboscada juntamente com outros militares e onde houve mortos e feridos. Ele foi ao lado do condutor e levou com uma morteirada na frente da GMC. Era da Engenharia e ia fazer as suas vistorias normais à fatídica Jangada do CHECHE, onde mais tarde viriam a perecer 47 militares .
Os teus relatos dessa situação que contas até põe os nervos à flor da pele, são coisas inesquecíveis, mas estamos cá, felizmente, para as recordar e contar.
Será que isto e tantas outras situações de guerra macabra não poderiam fazer parte da escola obrigatória das nossas crianças para não esquecer este passado recente.
Também estudamos as guerras desde D. Afonso Henriques até Aljubarrota e gostei.
Fico por aqui, vamos partilhando, e viver a vida que nos resta.
Abraço
Virgilio Teixeira


Eduardo Estrela disse...

Olá Virgílio bom dia!
No post 26374 estão inseridas umas fotografias que fizeste no dia do teu embarque de regresso.
Quando as vi, regressei ao dia 22 de março de 1970 cerca do meio dia, quando o Manuel Alfredo largou o cais de Bissau. Eu estava na amurada do navio, olhava para o arvoredo e casario com uma sensação estranha e difícil de explicar, misto de alegria e incredulidade.
Tinha conseguido!! Fiquei a ver Bissau desaparecer com a certeza de que parte do meu coração ficava nas gentes daquela terra vermelha.
Obrigado pela partilha das imagens.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela

Eduardo Estrela disse...

"regressei ao dia 22 de março mas de 1971 "
Abraço
Eduardo Estrela