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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25680: Notas de leitura (1703): O Ministro do Ultramar na Guiné, março de 1970, Horácio Caio fala na vitória (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Mais uma surpresa, uma bibliotecária dedicada deixou-me em cima da mesa de trabalho na Sociedade de Geografia de Lisboa uma revista que desconhecia totalmente, e de que não encontro referências no google, a Cartaz, pelo título palpita-me tratar-se de uma publicação do SNI, revista mensal de cultura, informação e turismo. O conteúdo tem a ver com a visita de Silva Cunha à Guiné, em março de 1970, nada que não esteja já registado. A novidade é a colaboração de Horácio Caio, não se sabe ao certo se também viajou na comitiva ministerial, já escreveu sobre a Guiné e o último livro de reportagem claramente em defesa do Ultramar é da sua lavra, já caminhamos para o 25 de Abril. Foi o primeiro repórter de guerra, terá ido pelo menos três vezes à Guiné, e podemos juntar o seu nome a Amândio César, José Manuel Pintasilgo, Dutra Faria e Avelino Rodrigues (este entrevistou Spínola, que numa dessas peças publicadas no Diário de Lisboa teve uma tirada bombástica, revela-se favorável à autodeterminação). Enfim, tratemos estes documentos como reportagens pró-regime (não será o caso das de Avelino Rodrigues), Horácio Caio era jornalista da Época (jornal do regime que sucedeu ao Diário da Manhã).

Um abraço do
Mário



O Ministro do Ultramar na Guiné, março de 1970, Horácio Caio fala na vitória

Mário Beja Santos

Já conhecia dois livros de Horácio Caio alusivos a duas viagens que fizera à Guiné. Caio tornou-se no primeiro repórter de guerra e foi autor de um bestseller Angola Os Dias do Desespero. Foi com surpresa que pude compulsar uma revista intitulada Cartaz, revista mensal de cultura, informação e turismo, ano VI, número especial março 1970, a visita de Joaquim da Silva Cunha percorreu durante dias localidades da zona Leste (chegou a aterrar em Madina do Boé), esteve no Norte, em Mansabá, no chão manjaco, foi ao Sul a Catió, Cabedu, Cacine, etc. Agradável descoberta na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, desconhecia inteiramente este relato e creio que esta revista estava ligada ao SNI. No seguimento do relato da viagem aparece um texto de Horácio Caio, é bem provável que ele havia viajado como ministro e intitula-o os caminhos para a vitória, quatro pequenas histórias que ele interliga. Aqui fica o seu resumo.

Na primeira, refere um episódio passado em Bissalanca, que assim começa:
“Às cinco horas nasce o dia. O céu pardo da madrugada fica subitamente brilhante de purpura, passa aos poucos para o turquesa e o laranja e esborrata-se em vários matizes de azul. Então, a grande bola de fogo surge majestosa no seu bom-dia de esperança. A estrada alcatroada até Bissalanca, nastro esticado no ocre da terra, avisa de súbitos rumores metálicos os bairros sociais e as tabancas. São cinco quilómetros de asfalto bordado de casuarinas e poilões onde belos pássaros gorjeiam as sinfonias da manhã.” Faz uma apreciação do que encontra no bar, anda por ali alguém a fazer limpezas enquanto a enfermeira paraquedista e os pilotos do helicóptero ouvem música do tempo. O senhor da limpeza trava conversa com o repórter, agora estava tudo muito melhor, no passado não havia helicópteros nem piquetes, agora tudo se processa com rapidez para transportar os feridos. “Tudo está muito melhor desde que veio este general.”

A segunda estória prende-se com a audácia de um capitão miliciano que se fartou de ouvir os obuses por cima do seu quartel, perdeu a paciência com aqueles guerrilheiros que matavam, roubavam, destruíam, incendiavam e raptavam gente, preparou uma operação em que levou alguns homens para observar a posição onde estavam os guerrilheiros e a população forçada a viver com eles. Feita a referência, preparou um grupo para um golpe de mão, dividiu o contingente em três grupos de homens e pelas quatro da manhã emboscou-se ali perto. Ao nascer do dia, abriu fogo, os guerrilheiros ainda resistiram, e depois fugiram, o capitão queria apanhar gente, a população não acompanhou os guerrilheiros, homens, mulheres e crianças desceram o outeiro, silenciosos, à frente dos soldados. Atrás, o fumo do incêndio subia grosso e negro, traziam setenta e seis vacas que o inimigo roubara à população dos arredores.

A terceira estória intitula-se Eu dei a minha palavra, tem a ver com um homem que se vem entregar à tropa, é interrogado, tem resposta pronta: “A Guiné é a terra onde eu nasci. Esta é a minha terra, é aqui que eu quero ficar. Venho entregar-me à tropa.” E explica que há outros que também se querem entregar, mas têm medo, estão numa tabanca no Senegal, têm medo de ser mortos, compromete-se a ir buscá-los se o deixarem. Volta quarenta dias depois, numa luminosa manhã de dezembro, avisa que os fugitivos do PAIGC estão do outro lado da fronteira, será quatrocentos desalojados que querem viver à sombra da bandeira portuguesa.

E a última estória, Dá muito trabalho para morrer, um paraninfo à bravura militar, até mete linguagem de caserna, anda um grupo de combate à procura de turras, há tiroteio, o nosso herói perde-se do grupo, apanhou um tiro no ombro, aconteceu-lhe quando andava na caça ao homem. Novamente vem à baila o nosso general, não é a primeira vez que Horácio Caio enaltece o comandante-chefe que aparece imprevistamente nos lugares de risco, houvera uma emboscada, não quis tiros, queria saber para onde ia aquele grupo de cinquenta turras, então avistou-se um depósito de material.

“Caçámos quarenta e oito, vivos, e um montão de pistolas metralhadoras e espingardas, que eram as deles e outras que estavam escondidas. Outros fugiram, mas o que vigiava em cima da árvore estava morto, no chão, ainda por cima caiu de cabeça para baixo, tinha o pescoço partido; ele foi apanhado como um rato dentro da ratoeira. Ele podia ter caído só com o medo do barulho do tiro. E caiu daquela altura, já se vê, um tipo parte logo o pescoço, é uma chatice. Também já vi alguns morrerem só porque têm medo e quando vão a fugir e têm que atravessar um rio afogam-se porque o medo tira as forças todas a um turra.
Não querem combater e, por isso, fogem à nossa frente cheios de medo e não se entregam porque depois os chefes que vivem para lá das fronteiras mandam matá-los. É isso o que dizem todos quando se convencem de que nós os protegemos e ficam a trabalhar connosco e depois veem que é assim mesmo e são felizes ao pé da tropa.”


A história vitoriosa tem que envolver o general claro está, ele andava perdido, deu um tiro no turra que se está a esvair em sangue, virá um helicóptero bendito. Foram lá metidos, quando chegaram ao destino tinha à espera o general que lhe deu um abraço. “Eh pá, a gente sente uma coisa cá por dentro.”

Creio tratar-se da segunda viagem de Horácio Caio, e como o documento comprova ele acreditava a todo o transe que estava a escrever para mostrar aos incréus ou aos indiferentes por onde passavam os caminhos para a vitória, como ele escreveu histórias muito breves e de pouca importância para quem vive longe da guerra.

Joaquim da Silva Cunha, Ministro do Ultramar, distribuindo presentes às autoridades gentílicas durante a sua visita de março de 1970
O Ministro cumprimentando a população após a inauguração do aeroporto do Gabu, no seu quinto dia de viagem à Guiné, março de 1970
Horácio Caio (1928-2008)

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Nota do editor

Último post da série de 21 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25668: Notas de leitura (1702): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1860 a 1864) (8) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24150: Notas de leitura (1564): "Guiné 9 Dias em Março" e "Guiné 74 Vigilância e Resposta"; O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Três repórteres se distinguiram na cobertura da guerra da Guiné, para efeitos de propaganda do Estado Novo: Amândio César, Horácio Caio e Dutra Faria. Amândio César e Dutra Faria tiveram na Guiné no tempo do Governador Arnaldo Schulz, Caio visita a Guiné em 1970 e 1974. A todos irmana o tantam da portugalidade, do amor da Guiné a Portugal, há sempre progresso, novas estradas, desenvolvimento agrícola, o inimigo dispara no território estrangeiro ou tem no interior bases temporárias. Caio não encontrou ninguém que lhe tenha falado em mísseis, por toda a parte encontrou tropa animada, régulos indefetíveis, Bissau era uma cidade completamente segura, viajou de helicóptero ou de jipe em certas estradas alcatroadas. É estarrecedor vermos hoje, à distância de meio século, como se pretendia instrumentalizar ou ludibriar a opinião pública portuguesa. Mas aconteceu, basta ler estes repórteres e sentir como o credo nacionalista podia deturpar a realidade dos factos.

Um abraço do
Mário


O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974

Mário Beja Santos

Horácio Caio (1928-2008) é considerado o primeiro repórter da guerra colonial, trabalhou para a RTP e várias publicações escritas. Pelo menos duas obras sobre a Guiné chegaram ao meu conhecimento. Em 1970, acompanha o ministro Silva Cunha de que resulta um folheto intitulado “Guiné Nove Dias em Março”. Descreve a visita do ministro do Ultramar, alvo de uma receção patriótica, a publicação está profusamente ilustrada com imagens com crianças, jovens e adultos, visitando projetos, andando de jipe entre Nova Lamego e Bafatá, saindo do helicóptero na área de Madina do Boé. Desmente tudo quanto Cabral por essa altura dissera numa entrevista à Newsweek sobre controlo do território, afirma que anda com o ministro por toda a parte, embora não diga como. É encomiástico com as transformações que se estão a operar na Guiné: “Rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta; lançam-se pontes e viadutos sobre os canais dos belos rios guineenses; em toda a província se constroem habitações em aldeamentos; abrem-se escolas e hospitais; potentes máquinas desbravam as florestas e preparam terrenos para novas culturas; criam-se granjas agrícolas; reordenam-se palmares; recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz”. O Governador Spínola mostra ao ministro o que se está a passar no Chão Manjaco, também no Chão Mancanha e Balanta, e no Quínara. Os jornalistas recebem ampla informação quanto ao que se está a passar na assistência médico-sanitária. Também Bafatá recebe em apoteose o ministro, o comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, João Bacar Djaló, é condecorado, Horácio Caio sente-se contagiado pelo portuguesismo das populações.

Viaja-se até à fronteira, vai-se de helicóptero até Sare Bacar, depois a Cambajú e depois a Canhamina, esta um complexo de aldeamentos em autodefesa. De Bafatá até Bambadinca o ministro vai de automóvel. Noutra digressão segue-se até Nova Lamego, tem novo aeroporto, uma construção que é contemporânea nos aeródromos de Aldeia Formosa e de Cufar. A guerra que se move contra a Guiné tem por detrás as potências estrangeiras e há muitos mercenários com o PAIGC, afirma e reafirma o jornalista. Não há quartel em Madina do Boé porque as populações decidiram transferir-se para o Gabú. “Mas isso não significou que esta parcela da Guiné deixasse de ser portuguesa. E a prová-lo este a presença dos visitantes nas povoações de Beli e de Madina do Boé, a escassos quilómetros da fronteira, tendo sido sobrevoadas a baixa altitude”. Houve também passeio à ilha do Como. Assim se desfaz mais uma mentira da propaganda adversária. “O Professor Doutor Silva Cunha esteve em Porto de Corcô, no centro geográfico da ilha de Como, pedaço de terra, embora de reduzido interesse, mas pedaço de terra portuguesa, onde portugueses mesmo desarmados como foi o caso, podem permanecer quando e enquanto quiserem”. A viagem prossegue até Guilege e Gadamael. “A intensa alegria com que receberam os visitantes somada à determinação que puseram nas suas afirmações, demonstraram mais uma vez a razão da sua permanência em tão inóspitas paragens”.

Chegou a vez de visitar o Chão Manjaco, fala-se em construções como uma maternidade, ampliação da missão de combate a doenças tropicais, o elevado número de postos sanitários, reordenamentos rurais, estava em curso a construção de três mil casas de habitação. Com efeito, Spínola apostava no Chão Manjaco, um mês depois ali ocorrerá uma tragédia, suponha-se que grupos do PAIGC aceitassem ser integrados nas fileiras do Exército Português, os oficiais de negociadores foram retalhados à catana.

Em janeiro de 1974, é a vez de Baltazar Rebelo de Sousa, o novo ministro do Ultramar, visitar a Guiné, irá a Catió, a Caboxanque, Bafatá, Nova Lamego, Farim, Cacheu, Teixeira Pinto e Bubaque. O livro "Guiné 74, Vigilância e Resposta", é editado no mês seguinte. Não há áreas libertadas. Apenas 5% da população está sob o jugo do PAIGC. As flagelações deste são realizadas à distância, ou de acampamentos temporários ou nos territórios do Senegal ou da República da Guiné. Há cada vez mais progresso, começara a laboração da CICER, Fábrica de Cervejas e Refrigerantes, o maior investimento privado na Guiné, caminhava para a inauguração o Hotel Ancar, havia cada vez mais estradas asfaltadas. O jornalista está a engraxar os sapatos, o engraxador é um jovem de 15 anos que aspira ser Comando. Bissau é uma cidade seguríssima. “Nenhuma das pessoas com quem conversei me falou em bombardeamentos, tiros ou foguetões. A campanha de falsas notícias, insidiosamente montada pelo inimigo e quantas vezes acreditada até por pessoas de boa fé, não corresponde à realidade observada”.

O repórter assiste ao encontro entre o ministro e o rei de Bassarel, no Pelundo, fala-nos da fortaleza de Cacheu, de Honório Pereira Barreto e de sua mãe D. Rosa Carvalho Alvarenga. Depois os helicópteros rumam para Cufar, Catió, Caboxanque, no Cantanhez. “Aí convivemos durante uma manhã inteira com esses bravos soldados que defendem a terra e as populações”. Os encontros são muitos, com o dirigente do Turismo, um alferes promovido a capitão, na saúde e do ensino, aqui pontificam os militares e as suas mulheres, entrevista-se o proprietário do Hotel Ancar, há visita à Imprensa Nacional da Guiné, o ministro inaugura o estádio escolar que inclui campos de futebol, campos de voleibol e basquetebol, balneários, salas de jogos, pista de atletismo. Volta-se ao investimento da CICER, enumeram-se as cervejas e os refrigerantes, tudo parecia um investimento promissor. Edição profusamente ilustrada como a anterior, uma narrativa de rasgada fé na portugalidade guineense, refere-se textualmente que são 500 mil guineenses antes separados por odiosas rivalidades fomentadas pelo PAIGC, ele via por toda a parte a nossa Guiné fraterna e exclama: “Com uma farda de Comando, com indumentária da Mocidade Portuguesa – movimento que na Guiné tem presença vigorosa – ou com um distintivo da ação nacional popular, o jovem – milhares de jovens – da Guiné está personalizado e é o fermento da vida nova que freme e acoroçoa a aurora que desponta”. É verdade que a guerra traz incómodos, sacrifícios, destruição e mortes. “Clareado o que tenho na minha frente, o que antevejo é o futuro da Guiné, onde todos participam com ânimo, aceitando desafios constantes à inteligência e à imaginação”.

E tudo termina com uma citação do ministro do Ultramar, produzida em Cacheu no dia 17 de janeiro: “A Guiné dos nossos dias está apostada em se defender dos ataques que lhe são dirigidos, já que ela, por si própria, é pacífica, não ofende ninguém e não ambiciona nada senão que a deixem trabalhar em paz e progredir em paz, a favor da sua gente”.
E meses depois aconteceu o 25 de abril.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24141: Notas de leitura (1563): Cadernos Militares - Convencer a malta do Exército dos malefícios da descolonização (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21515: Historiografia da presença portuguesa em África (237): “Permanência": a última revista de propaganda imperial (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Havia um conjunto de entidades que difundiam conhecimento científico da mais diferente índole sobre o nosso império, distingo logo as revistas da Escola Superior Colonial e mais tarde das revistas da Junta de Investigações de Ultramar. Ainda hoje são muito procuradas as edições do Centro de Estudos de Cartografia Antiga, que foi dirigido por Teixeira da Mota; o Museu de Etnologia do Ultramar era também outro grande difusor científico. No campo da propaganda, sobressaia a revista Ultramar, mesmo com artigos assinados por especialistas; no tempo de Marcello Caetano concebeu-se a revista Permanência que vigorou entre 1970 e até ao fim do regime. Dela hoje se dá aqui notícia.

Um abraço do
Mário


Permanência: a última revista de propaganda imperial

Beja Santos

Para difundir os valores e o conhecimento sobre as parcelas imperiais, a I República criara em Setembro de 1924 a Agência Geral das Colónias, teve como seu primeiro responsável um eminente cartógrafo e historiador, Armando Cortesão, ele orientava-se pela necessidade de dar ampla divulgação ao que se fazia, onde estavam, as oportunidades económicas, de todo o espaço imperial. A Agência Geral das Colónias passou a ter no Estado Novo um serviço de propaganda, difundia eventos sobre as coisas e as causas coloniais, trabalhava conjuntamente com estabelecimentos de ensino e nas universidades com o apoio da Sociedade de Geografia de Lisboa e a Escola Superior Colonial. Um outro serviço da mesma agência editava publicações, legislação, relatórios, estudos e documentos coloniais, tudo passou a ter ampla procura, os eventos sucediam-se uns aos outros como a “Semana das Colónias”, exposições, caso da do Porto de 1934, a de 1937 dedicada à ocupação colonial, isto para já não esquecer as celebrações do dia de “Mouzinho” no final de 1935; em 1938, a Agência homenageou o marquês de Sá da Bandeira, a propósito do octogésimo aniversário da abolição da escravatura; o presidente Carmona visitou S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, a Agência deu ampla ressonância a esta digressão. E não se pode esquecer que a agência divulgara 450 obras desde a fundação em 1924, um milhão de exemplares, ganhou ampla notoriedade a coleção “Pelo Império”.

A Exposição do Mundo Português também badalou a obra da Agência, que era vastíssima, assumiu a forma de palestras radiofónicas, exposições itinerantes, cinema ambulante, publicações de prestígio como a revista “O Mundo Português”. Em 1951, a Agência muda de nome, fruto do Acto Colonial, passou a ser a Agência Geral do Ultramar. Em 1967 o Agente-Geral passou a ser Francisco da Cunha Leão, tudo fez para que a instituição se destinasse a difundir informações relativas ao património tropical, a impulsionar o turismo, a difundir através da imprensa, rádio e televisão. Editava dentro das suas publicações o Boletim Geral do Ultramar, um jornal de parede para distribuir nos centos de informação e turismo. Criou prémios literários para conto, poesia, romance e teatro.

Em 1970, surge a última publicação de relevo, a revista Permanência, difusora dos ideais do regime, um tratamento moderado da guerra, muito noticiário e sobretudo divulgação do que estava a correr bem na conquista das almas e no desenvolvimento económico. Todas as parcelas do Império tinham o seu espaço, incluindo o Estado da Índia e havia um conjunto de pequenos artigos em cada número para dar informação sobre etnias ou grandes mudanças sociais em curso. É precisamente sobre a Guiné que se encontrou um artigo assinado por João Mattos e Silva sobre os Fulas e outro assinado por José Valle de Figueiredo referente ao I Plenário dos Povos da Guiné.

Vejamos alguns parágrafos sobre a divulgação dos Fulas. São encarados como o povo mais evoluído, mercê de fatores como o religioso. “Localizar, hoje, a população Fula na Guiné Portuguesa é extremamente difícil. No entanto, pode dizer-se que é o Gabu a região Fula por excelência, pelo menos aquela que apresenta uma maior densidade populacional dessa etnia e, ainda, aquela que está ligada por laços históricos e políticos de maior profundidade à sua fixação no território (…) Parece remontar ao século XIX a invasão Fula da Guiné Portuguesa, mais propriamente do Gabu, onde se foram fixando grupos, recolhidos à hospedagem dos Mandingas. Em situação de inferioridade numérica, hostilizados, foram procurando ganhar força até ao momento em que se apoderaram do território reduzindo à escravatura ou exílio os seus anteriores hospedeiros”. E a concluir: “O seu espírito de guerreiro, revestindo anseios expansionistas, mantém-se ainda hoje vivo, embora reduzido a aspetos competitivos, mercê da ação de integração portuguesa. Se os Fulas são hoje uma etnia perfeitamente integrada numa comunidade internacional, são-no diferenciando-se sempre naquilo que os torna superiores e grandes entre todos, constituído um povo com um interesse e um valor que merecem ser do conhecimento de todos os portugueses”.

Falando do I Plenário dos Povos da Guiné, Valle de Figueiredo não esconde a exaltação doutrinária: “Quando um povo aspira a integrar-se numa unidade de destino cimentada com autenticidade e fidelidade à vocação histórica da Pátria a que pertence, não tem outro caminho se não o de construir na paz e na harmonia a revolução social necessária”. E logo se cita um extrato do discurso do general Spínola: “Estamos presentemente a realizar na Guiné Portuguesa uma autêntica revolução social que visa, acima de tudo, a valorização a e dignificação das gentes desta terra; revolução que tem que ser conduzida num clima de paz e de harmonia”. Um exaltante discurso e em que se garantia valorizar, em ritmo crescente, as estruturas tradicionais próprias de cada etnia, discurso que rematava da seguinte maneira: “Aos que teimarem em tentar impedir-nos de realizar os anseios de progresso do bom povo da Guiné, destrui-los-emos lutando lado-a-lado – africanos e europeus – sob a mesma bandeira, a bandeira verde-rubra da fraternidade, da liberdade e de paz".

No último editorial de 1973, o jornalista e escritor nacionalista radical Amândio César não escondia as crescentes dificuldades que se punham ao regime e na ordem internacional para aceitar o colonialismo português, não deixando, porém, de garantir que em condições algumas se iria perder a fé na defesa do Portugal ultramarino.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21489: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, - O Senegal - por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Retoma-se o Diário de JERO e algumas das suas páginas mais emocionantes e sintetiza-se alguns dos títulos significativos da história do BCAV 490 na sua zona de ação, aspeto bem curioso não muito distante por onde começou a sua atividade operacional, antes de ser lançado na batalha do Como.
Recorda-se Amândio César e até de uma sua visita a Binta. Procura-se escavar este período da guerra da Guiné e dói a falta de documentação ou relatos fundamentados. A mágoa é tanto maior quanto se sabe que à volta desse "homem providencial" de nome António de Spínola tudo se procurou deixar publicado, desde as suas primeiras diretivas, as suas viagens ao mato, as suas entrevistas, as suas aparições mediáticas nos Congressos do Povo, e o mais que se sabe. Com Louro de Sousa e Schulz é bem o contrário, parece mesmo que se procurou construir a imagem de que foram líderes impreparados para o turbilhão da luta armada. E não deixa igualmente de ser curioso que quem anda a historiografar nunca cite as instruções mais importantes destes dois oficiais-generais que estão publicadas em diferentes volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África.
Enfim, muito caminho há a percorrer para se chegar à verdade histórica e a uma justa cronologia de toda aquela guerra.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (34)

Beja Santos

“Tivemos 3 feridos
o Sousa cego ficou.
José dos Santos Pascoal
muito sangue derramou.

À tardinha trabalhando
para estarmos descansados
fazendo recuar os malvados
que nos cordéis vão tropeçando.
Vamos granadas armando
nos sítios mais escondidos
para ver se os bandidos
não nos vêm atacar,
mas um dia, com azar,
tivemos três feridos.

Um grande desastre se dava
ao espoletar uma armadilha:
o 407 afrouxou a cavilha
e nisso não reparava.
Ao Alferes Monteiro a entregava
e o percutor desarmou.
Neste momento rebentou
levando-lhe dois dedos de uma mão.
E nesta mesma ocasião
o Sousa cego ficou.

A 13 de Outubro se seguia
quando uma mina explodiu,
o António de Sousa se feriu,
às 16 horas do dia.
No helicóptero se metia,
directamente para o Hospital.
Com seus colegas, muito mal,
tudo foi evacuado
e com o corpo estilhaçado
José dos Santos Pascoal.

Neste mês aconteceu
outra coisa amargurada:
Emídio bom camarada
no dia 25 morreu.
Uma úlcera lhe apareceu
que a morte originou.
Essa nascença rebentou,
foi grande a infelicidade
até ir para a eternidade
muito sangue derramou.”

********************

O bardo continua a desfiar o seu rosário de desditas, volta-se àquela bela página contida no diário de JERO, o “Diário da CCAÇ 675”, onde se descreve a retirada do Capitão do Quadrado para o Hospital Militar 241, cercado pela ternura dos seus militares.
É um texto pleno de sinceridade e ternura:
“Embora necessariamente combalido, o nosso capitão enquanto caminhava tranquilizava os que o acompanhavam que se sentiam manifestamente impressionados pelo acontecimento.
Renovado o penso e depois de estancada a hemorragia que tinha voltado a surgir durante a caminhada até à coluna, pediu-se helicóptero para evacuação urgente já que não se podia avaliar da extensão do ferimento e da sua gravidade. O estilhaço tinha penetrado profundamente e poderia ter lesado algum órgão importante.
Organizada a coluna, voltaram-se as viaturas já com todo o pessoal montado, iniciando-se o regresso o mais depressa possível pois o estado do nosso Capitão inspirava sérios cuidados.
Recusando-se a tomar sedativos que lhe aliviariam as dores mas que o tornariam inconsciente, continuou a dar ordens que eram transmitidas pelo furriel-enfermeiro.
Apenas uma centena de metros tinham sido percorridos quando, no meio de uma mata fechadíssima, um inimigo emboscado atacou. Um tiro de pistola inicial e depois rajadas de pistola-metralhadora. As viaturas pararam imediatamente, os ocupantes ripostaram o fogo inimigo.
Por duas vezes o Alferes Santos, que deve ter sido referenciado pelo inimigo por ter dado ordens em voz alta, foi particularmente visado, passando uma rajada de pistola-metralhadora bem perto da sua cabeça.
De salientar no momento, a calma e sangue-frio do nosso Capitão que foi sempre transmitindo ordens, insistindo pelo afastamento da coluna o mais rapidamente possível da zona de morte da emboscada. Com frequência, soldados abeiravam-se do Unimog onde seguia o nosso Capitão perguntando pelo seu estado, não conseguindo ocultar uma lágrima teimosa que descia pelos seus rostos sujos de terra e suor.

Cerca do meio-dia, quando seguíamos na região de Sansancutoto, surgiu dos lados de Binta o helicóptero pedido para a evacuação do nosso Capitão que, já há cerca de duas horas ferido, começava a sentir-se enfraquecido e com dores que os solavancos da viatura tinham aumentado.
Montada a segurança em círculo, o helicóptero desceu em manobra perfeita numa clareira junto à estrada.
O momento que se seguiu não mais será esquecido por todos aqueles que o viveram.
Alguns daqueles homens de camuflado que poucos quilómetros atrás tinham zombado das balas inimigas, desprezando a morte com um sorriso altivo nos lábios, choravam agora como crianças despedindo-se do seu capitão.
Não menos comovido, este, deixava correr livremente pelo seu rosto marcado pelo sofrimento, lágrimas de que um homem não se envergonha.
Todos queriam pegar na maca para o transportar até ao helicóptero; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça na maca do helicóptero; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate; outro ainda quase que o obrigava a beber a água do seu cantil. Todos lhe queriam tocar, apertar a mão, desejar-lhe as melhoras para que voltasse depressa.
Será difícil para um mortal comum cujas emoções fortes nunca passaram além da discussão com um polícia por causa do estacionamento do carro ou de um momento mais emotivo de um desafio de futebol ou de uma tourada, avaliar do que se sente num momento destes, quando se vê sofrer um homem, que além de um chefe de excepção, é um amigo a quem se quer como a um pai e pelo qual todos nós daríamos um pedaço da nossa vida, um pouco do nosso sangue.”

E de Binta e de um ferimento que felizmente não trouxe graves consequências ao Capitão do Quadrado retorna-se à história do BCAV 490. Se nos é lícito fazer uma síntese, recorde-se que partiram para a Guiné em julho de 1963, onde permaneceram cerca de dois anos. Haverá um número substancial de alterações nos Comandos no decurso da comissão, farão inicialmente um conjunto de operações na região do Oio, partem depois para a Operação Tridente, que durou 71 dias. Após um período de recuperação em Bissau, o BCAV 490 sedia-se em Farim, o seu campo de ação não será minimizável: Farim, Jumbembem, Cuntima, Binta, Bigene, Barro, Guidage, Canjambari, viu-se que a CCAÇ 675, em Binta, foi confrontada com o inimigo que praticamente se passeava pela sua zona, o PAIGC precisava de transportar gentes, armamento e munições, abastecimentos de toda a ordem, através de corredores que saíam do Senegal e que apontavam primordialmente para a região do Oio. A história da unidade detalha minuciosamente as diferentes operações, a partir de junho de 1964, recorde-se a operação realizada à região de Farincó-Mandinga, em 24 de setembro de 1964, de que resultou captura de material e foram destruídas cerca de 37 casas de mato. Igualmente aqui se fez referência ao grave acidente sofrido em 5 de janeiro de 1961 pelo Pelotão de Morteiros 980. Sucedem-se as operações em que se destroem algumas casas de mato e se captura material, emboscadas, nomadizações, como é timbre na guerra de guerrilhas, vai-se da falta de resultados a sucessos inesperados. Foi o caso da Operação Vouga, realizada pela CCAV 487, em 31 de maio de 1965, não longe de Farincó e Fambantã, entrou-se num acampamento, houve reação de fogo, o inimigo resistiu e depois retirou, apreendeu-se bastante material, e escreveu-se no relatório que o inimigo persistia em permanecer na área, mudando de lugar. Em junho desse ano, deu-se a rendição do BCAV 490, foram-se deslocando de Farim para Bissau e de Bula para Bissau, ficaram aquartelados em Brá até ao embarque para Portugal. A história da unidade elenca os efetivos, as baixas sofridas, condecorações e o resumo do material mais importante apreendido às forças do PAIGC.

É tempo de voltar ao escritor e jornalista Amândio César e ao seu livro “Guiné 1965: Contra-Ataque”, Editora Pax, 1965.
É o seu regresso à Guiné para fazer reportagens, fala de Bissau e da sua evolução, da variedade de etnias que se espalham pelo território, a natureza da guerra subversiva conduzida por Amílcar Cabral, elenca os progressos no sistema educativo, faz o balanço de um ano de governo do General Arnaldo Schulz, as batalhas vencidas na doença do sono, da lepra e da tuberculose, as belezas do artesanato, recorda com saudade o falecido Capitão Francisco Torres de Meireles, falecido na região do Xime em junho desse ano, visita o régulo de Pachisse Sené Sané, acredita piamente que Bolama recuperará o esplendor do passado, visita o Chão Felupe, onde assiste a uma luta livre ao lado do Rei do Caruai, comove-se com o Juramento de Bandeira em Nhacra e visita Binta, onde foi recebido pelo Capitão Tomé Pinto e os seus oficiais.
Dedica alguns parágrafos a Binta, elogiosos:
“Diga-se desde já que quando a tropa aqui chegou encontrou apenas 38 pessoas nas tabancas que constituem Binta. A recuperação vai-se verificando dia após dia. O Capitão Tomé Pinto apresenta-nos o professor de Binta. Binta tem para mim um estranho significado: aqui deixou a vida o filho de um velho amigo meu – o Furriel Vilhena de Mesquita – que, em seis meses de Guiné, fora duas vezes gravemente ferido e morreu ao deflagrar de uma mina na estrada de Binta a Bigene. Vi partir o Furriel Vilhena de Mesquita para a Guiné e depois acompanhei o seu pai – o jornalista Rebelo de Mesquita – quando os despojos do filho chegaram a Lisboa”.

É um relato eivado de propaganda, contudo fala-se prudentemente da guerra, mais do desenvolvimento, dedica-se alguma atenção à história da imprensa na Guiné, à indústria no Ilhéu do Rei, dedica todas as suas reportagens aos soldados da Guiné, pela sua coragem, pelo seu sacrifício. Como atrás se disse, Amândio César fará uma segunda visita à Guiné, não se cansará de elogiar o trabalho de Arnaldo Schulz, considera que a subversão está a ser detida e a generalidade da população mantém-se fiel à soberania portuguesa.
Veremos adiante numa diretiva de Schulz datada de 1 de dezembro de 1966 que ele tece previsões muito sombrias para o futuro da Guiné.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 22 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20298: Notas de leitura (1232): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (30) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Temos o BCAV 490 em Farim, o bardo dá-nos um retrato com alguma pompa e circunstância. Remete-nos a imaginação para um outro nível de preocupações, que Guiné é aquela de que os historiadores tão pouco falam, dito com brusquidão parece que aquele conflito teve um ator de alto coturno chamado António de Spínola, o que aconteceu antes é traçado como história melancólica ou tempo perdido. O triste disto tudo é que no momento presente escreve-se sobre a guerra da Guiné e continua-se a não dar o corpo ao manifesto, isto é, ninguém quer fazer frente às toneladas de papel em arquivo relacionadas com a documentação que saiu de Bissau para os Ministérios do Ultramar e da Defesa. E o que se continua a escrever é baldear o mais do mesmo, a bibliografia conhecida tratada à luz de um olhar pretensamente inovador, ora abóbora!

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (30)

Beja Santos

“A Companhia do Comando
faz um grande servição.
Alferes Pires, nas Transmissões,
orienta todo o Batalhão.

E formada por exploradores
e por muitos electricistas,
temos alguns especialistas,
uns, deles, os estofadores.
Também temos os sapadores
que andam sempre actuando.
As Transmissões vão falando
para qualquer local
e não há outra que igual
a Companhia do Comando.

Temos muito escriturário,
fazendo participações;
nas armas e nas munições
o Alfredo e o Mário.
O Furriel Januário
às armas faz inspecção.
Temos o Lopes e o Ganhão,
Grifo, Caramelo, Ferreira,
Pécurto, Dimas e Oliveira,
fazem grande servição.

Fazendo serviço num pelotão
p’ra Guidage Filipe abalou
e seguidamente alinhou.
Pombo noutra ocasião
pois nesta povoação
comia-se muitas rações
travavam-se comunicações
com o Jorge e o Matias
e orientando as companhias
Alferes Pires nas Transmissões.

Nuno e Horácio, cifradores,
Centro de mensagens, o Armando,
Sargento Pedro vão trabalhando,
com os seus rádio-montadores,
os estafetas transportadores
pertencem à mesma secção.
Temos o nosso capitão:
também leva tudo avante.
E o nosso Comandante,
orienta todo o Batalhão.”

********************

O bardo apresenta-nos o Comando em Farim, e ficamos a pensar qual o delineamento estratégico que lhe está subjacente. A história da guerra da Guiné é uma nebulosa neste período. Quem sobre ela escreve, do Brigadeiro Louro de Sousa ao General Arnaldo Schulz foge como gato das brasas, vai tartamudeando boletins das Forças Armadas, como se não houvesse diretivas, orientações, decisões tomadas sob ordenamentos de população, ação psicossocial, enfim, os investigadores ainda não meteram as mãos na massa nos arquivos dos Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, seguramente que aqueles jornais oficiais informavam os seus superiores de como pretendiam travar a guerrilha e dar esperança às populações que confiavam na bandeira portuguesa, neste tumultuoso período em que se separavam as águas e o PAIGC procurava afirmar-se designadamente na região Sul e no Morés e redondezas, sem prejuízo de abrir corredores do Senegal e da Guiné Conacri para as suas bases. O que se publicou sobre este período é escasso e não está sistematizado.

Procurando saber como Schulz procurou contra-atacar na ação psicológica, encontrou-se na Revista Africana, N.º 10 de Março de 1992, do Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, um elucidativo artigo de José Abílio Lomba Martins, esteve à frente de tais serviços. Começa por nos dizer que em 1965, o Gabinete Militar do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, por determinação de Schulz, decidiu elaborar uma diretiva de ação psicológica adequada ao quadro de subversão em curso, foi designada uma equipa de oficiais, elaborou-se um estudo sobre o meio humano da Guiné, uma diretiva e um plano de ação psicológica, um serviço de radiodifusão e imprensa e propuseram-se diligências quanto ao envio de ordens às unidades territoriais e especiais e recomendações às autoridades civis. Fez-se o estudo do meio humano, o posicionamento das etnias, e em função deste posicionamento elaborou-se um plano de ação psicológica com motivações, slogans e materiais a produzir. Criaram-se programas radiofónicos diários de horário intenso, o Programa das Forças Armadas emitia em crioulo, francês, fula, mandinga, balanta e, eventualmente, noutras línguas. Havia igualmente a emissão de comunicados de informação pública, visitantes, jornalistas e cineastas eram convidados a visitar a Guiné. Folhetos e cartazes foram difundidos profusamente, do tipo “Gente do mato apresenta-se às autoridades, só vive no mato gente enganada, a gente que pensa direito vive na Tabanca, no mato há fome, doença e morte, na Tabanca há alegria, há comida e há visita de médico, vem ter com a tropa”.

Lomba Martins avança informações de grande importância:
“A rarefacção de funcionários civis no Interior era compensada pela existência de uma quantidade apreciável de militares com especialidades como medicina, enfermagem, mecânica, serviço religioso e de oficiais e sargentos que ministravam cuidados médicos, educação escolar e davam apoio social e económico às populações mais carenciadas.
Quer o Ministério do Ultramar quer o Ministério da Defesa concediam à Província meios financeiros importantes, equipamentos, navios e materiais que eram utilizados no desenvolvimento agrícola, no apoio sanitário, na acção social e nos transportes aéreos, rodoviários e fluviais. As estradas eram construídas por Companhias de Engenharia Militar ou por empresas de construção civil, com o apoio e segurança imediata de Companhias de quadrícula”.

Diz o autor que as milícias normais e especiais atingiram 29 Companhias com a missão de colaborar na defesa e proteção das populações e que desde o início os portugueses tiveram sempre controlo sobre a ilha de Bissau, Mansoa e Teixeira Pinto, sobre Bolama e o arquipélago dos Bijagós, sobre o Gabu e Bafatá, o que correspondia, de grosso modo, aos “chãos” dos Papéis, Manjacos, Bijagós, Mandingas e Fulas. E esclarece, ainda: “Os portugueses reforçaram os seus aquartelamentos e estabeleceram uma linha importante de tabancas em autodefesa na região de Bafatá e Gabu”. Dá-nos elementos detalhados sobre o que foi o desenvolvimento económico neste período, refere as prospeções petrolíferas e as prioridades nas ações de fomento desde a metalomecânica, passando pelos curtumes e congelação até aos têxteis e tabaco, entre outros. É igualmente minucioso sobre os serviços de Saúde e o combate às doenças tropicais.

Não se pode igualmente subestimar o que apareceu escrito em obras de propaganda, e aqui se destaca um livro do jornalista e escritor Amândio César intitulado “Em ‘Chão Papel’ na terra da Guiné”, publicado pela Agência-Geral do Ultramar em 1967. Em 1965, Amândio César fora à Guiné e fizera uma reportagem sobre o estado da guerra, mais adiante falaremos dessa obra. Neste segundo livro, o escritor espraia-se pelas realizações do primeiro ano da governação de Schulz: feira do livro em Bissau, a atividade escolar da Guiné, com realce para o Liceu Honório Pereira Barreto, o trabalho do Movimento Nacional Feminino na Guiné, refere o ainda despique entre o PAIGC e a FLING, mas o desenvolvimento de Bissau é onde ele é mais entusiasmante, alude as alterações que a cidade sofreu de um ano para o outro, o alargamento do mercado de Bandim, o fornecimento de eletricidade aos bairros “Chão de Papel” e “Alto Crim”, a valorização do campo de jogos desportivos Estádio Sarmento Rodrigues, estava novo em folha o Bairro da Ajuda que iria albergar, até ao fim do ano de 1966, 3 mil pessoas.

Amândio César
Confiava-se, ao tempo, ainda ser possível a ressurreição de Bolama, Schulz terá animado a criação de uma cooperativa de pesca e uma Escola de Magistério, destinada a criar professores de postos escolares. Bolama tinha um Centro de Instrução Militar onde se formavam as tropas provinciais, o autor diz mesmo que Bolama estava destinada a ser o centro de repouso das Forças Armadas, dadas as qualidades da ilha em clima, boa praia e infraestruturas e caráter turístico. Vai desvelando outras iniciativas sob a égide de Arnado Schulz: a nova mesquita de Bissau, a luta contra o analfabetismo, as preocupações com o desenvolvimento rural e daí as suas longas conversas na Granja do Pessubé sobre as potencialidades das culturas, do gado, da borracha; refere o artesanato, as obras do Porto de Bissau, a pavimentação da estrada Mansoa – Mansabá, a construção da Ponte-Cais de Bambadinca, a melhoria da rede de comunicações internas e externas, conclui a sua extensa digressão esperançado de que aquele desenvolvimento era a melhor forma de descredibilizar Amílcar Cabral e o seu sonho nacionalista.
Proximamente voltaremos a Amândio César e ao seu modo de ver a guerra naqueles primeiros anos em que se demarcaram os campos, em que cada um dos contendores parecia ter condições de esmagar rapidamente o outro.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19656: (De)Caras (127): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte IV (Jorge Araújo)


Foto 5 - Amedalai (Abr1965) – Da esquerda para a direita: Amândio César, Administrador Augusto Cabrita, Cmdt Cyrne de Castro, Cap Francisco Meirelles (ao volante) e Alf Ferreira

[Fonte: Amãndio César  - Guiné, 1965: Contra-ataque», Braga, Editora Pax, Colecção: Metrópole e Ultramar,  1965,  p.38, com a devida vénia].


Foto 6 - Amedalai (13Set73) - Aldeamento de A/D de Amedalai (oito anos depois da foto acima), onde estava instalado o PMil 241, na sequência de um ataque com RPG e armas automáticas. Para além do estado em que ficou a Daimler do PRecD 8681, nada mais houve a registar. Nessa ocasião encontrava-me com a minha secção (+) no Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, pelo que ainda guardo na memória esta ocorrência.




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


A COMPANHIA DE CAÇADORES 508 [CCAÇ 508] - (1963-1965) E A MORTE DO SEU CMDT CAP INF FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 NA PONTA VARELA: A ÚNICA BAIXA EM COMBATE DE UM CAPITÃO NO XIME (PARTE IV)

1. INTRODUÇÃO

A presente narrativa, a penúltima relacionada com tema em título, segue a mesma metodologia das anteriores – P19597, P19613 e P19640 – onde os diferentes elementos historiográficos, de hoje, se encontram divididos em dois pontos principais.(*)

No primeiro ponto, recuperaram-se mais algumas imagens da história colectiva da Companhia de Caçadores 508 [CCAÇ 508], com recurso ao álbum de Cândido Paredes, condutor auto rodas dessa Unidade, actualmente a residir em Ponte de Lima. No âmbito da actividade operacional, destacaremos, também, algumas missões desenvolvidas nos últimos cinco meses da sua presença no CTIG (1963-1965), na sequência da transferência, em Março de 1965, para o subsector de Bambadinca, para integrar o dispositivo e manobra do BCAÇ 697, então sediado em Fá Mandinga, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos, região que passou a ser designada, a partir de 11 de Janeiro de 1965, por «Sector L1».

No segundo ponto, continuaremos a citar o que de mais relevante retirámos das páginas do livro elaborado em memória do capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965) pela sua família. Neste contexto, como alternativa às dificuldades (em entender a actual política de gestão do audiovisual da nossa "Estação Pública") no acesso às imagens captadas na Ponta Varela (Xime) pelos enviados especiais da RTP, Afonso Silva (operador) e Luís Miranda (realizador), naquela fatídica manhã de 03 de Junho de 1965, local da morte em combate do capitão Francisco Meirelles, e transmitidas por aquele canal televisivo em 16 de Setembro desse ano, optámos por recuperar uma entrevista radiofónica gravada umas semanas antes, em Bambadinca, pela Emissora Nacional, durante uma operação de patrulhamento sob o comando do Capitão Meirelles.


2. SUBSÍDIOS HISTÓRICOS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (BISSORÃ, BARRO, BIGENE, OLOSSATO, BISSAU, QUINHAMEL, BAMBADINCA, GALOMARO, PONTA DO INGLÊS E XIME, 1963-1965)



Foto 1 – Bissorã (1964) - Grupo de militares da CCAÇ 508. [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia]


2.1 – SÍNTESE DOS PRIMEIROS DEZOITO MESES

A CCAÇ 508 chegou a Bissau em 20 de Julho de 1963, sábado, a bordo do cargueiro "SOFALA", sob o comando, interino, do Alferes Augusto Teixeira Cardoso, onde se juntou o Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (?-2007), aquele que seria o seu 1.º Cmdt.

Cinco meses após o início do conflito armado na região de Tite, a CCAÇ 508 assumiu a responsabilidade do subsector de Bissorã, então criado, com grupos de combate destacados em Barro, até 23Dez63, e Bigene, até 26Dez63, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 507, sob o comando do TCor Hélio Esteves Felgas, e, após remodelação daqueles sectores, no BCAÇ 512, sob o comando do TCor António Figueiredo Cardoso. Em 26Dez63, passou a ter um GrComb destacado em Olossato.

Em 11Ago63, dez dias após ter iniciado a sua actividade operacional, tem a sua primeira baixa, por acidente com arma de fogo. Em 12Fev64, com seis meses de comissão, a CCAÇ 508 regista mais duas baixas, estas em combate, em Maqué (Região do Óio), na sequência da sua intensa actividade operacional.

Entretanto, em Julho de 1964, chega a esta Unidade Independente, mobilizada pelo RI7, de Leiria, o Cap Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles [1938-02-21/1965-06-03], em rendição do anterior Cmdt, Cap João Almeida. Em 04Set64, já então na dependência do BART 645, sob o comando do TCor António Sobral. Depois da chegada da CART 566, a CCAÇ 508 foi substituída no subsector de Bissorã pela CART 643, do antecedente ali colocada em reforço, tendo seguido para o sector de Bissau, a fim de se integrar no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, com um GrComb destacado em Quinhamel, ficando na dependência do BCAÇ 600.


Foto 2 – Bissau (1964) - Grupo de militares da CCAÇ 508 junto ao monumento "esforço da raça". [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia]


Em 15Nov64, a CCAÇ 508 regista a quarta baixa, com a morte, por afogamento no Rio Geba, em Bafatá, de um soldado. Em 08Fev65, outra baixa, a quinta, desta vez provocada pelo levantamento de uma mina em Jabadá.

Porém, no início de Março de 1965, com dezoito meses já contabilizados na "fita do tempo" da sua comissão ultramarina, a Companhia do Capitão Meirelles é informada da sua transferência (a última) para uma zona operacional.


2.2. SÍNTESE OPERACIONAL DOS ÚLTIMOS CINCO MESES

Em 07 e 23Mar65, por troca com a CCAÇ 526, a CCAÇ 508 deslocou-se, por fracções para Bambadinca, onde ficou instalado o Comando da Companhia, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector, com grupos de combate destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, sediado em Fá Mandinga, sob o comando do TCor Mário Serra Dias da Costa Campos.

Antes da sua chegada ao Leste, cujo sector passou a designar-se por «Sector L1» a partir de 11Jan65, o BCAÇ 697, para desenvolver a intensa actividade operacional, corolário da planificação, comando e controlo das diversas acções, como eram as missões de patrulhamento de reconhecimento e de recuperação das populações da região, recorria às subunidades do sector e a outras que lhe eram atribuídas como reforço, pois era constituída somente por Comando e CCS.

Uma das primeiras acções planeadas pelo BCAÇ 697, do início de 1965, tinha por objectivo a ocupação seguida da instalação de um aquartelamento na Ponta do Inglês (Mata do Fiofioli). Essa missão, baptizada de «Operação Farol», foi agendada para os dias 19 e 20Jan, envolvendo forças da CCAÇ 526, CCAV 678 e Pel AMetr "Daimler" 809, onde, depois, ficou instalada a Companhia de Cavalaria para, a partir de 16Abr65, data em que foi criado o subsector do Xime, ficar reduzida a nível de grupo de combate.

Durante o decorrer desta operação, as NT foram emboscadas, no primeiro dia, pelos guerrilheiros do PAIGC, tendo este sofrido algumas baixas não estimadas e onde foi capturado algum material e guerra, nomeadamente granadas de mão e de RPG. No dia seguinte, forças da CCAÇ 526 e CCAV 678, durante a sua actividade de segurança à distância e por efeito de um reconhecimento na área da Ponta do Inglês-Buruntoni, destruíram um acampamento IN com 15 casas a cerca de 600 mts a sul da antiga tabanca da Ponta do Inglês, tendo capturado mais munições diversas, onde foram encontrados alguns abrigos no lado sul da Ponta do Inglês-Xime, no local da emboscada do dia anterior, onde foram destruídas mais duas casas, a leste da Ponta do Inglês.

Com a criação do novo subsector do Xime, a CCAÇ 508 seria substituída em Bambadinca pela CCAV 678 (que se encontrava na Ponta do Inglês), deslocando-se, então, para o Xime, onde assumiu a responsabilidade deste subsector, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.

Em 20Abr65, quatro dias após a instalação do GrComb da CCAÇ 508 na Ponta do Inglês, um GrComb de Paraquedistas (CCP 121), durante a «Operação Coelho» na zona de Galo Corubal, destruiu 12 casas, abateu um guerrilheiro e fez dois prisioneiros. Forças da CCAÇ 510, vindas do Xitole, destruíram várias casas na região de Silibalde e apreenderam granadas de mão ofensivas e defensivas.

Em 27Mai65, a CCAÇ 508 regista a sexta baixa, com a morte em combate, no Xime, de um soldado condutor.

Uma semana depois, em 03Jun65, na estrada Xime-Ponta do Inglês, na região da Ponta Varela, a CCAÇ 508 tem mais quatro baixas em combate, sendo uma a do seu Cmdt, o Capitão Francisco Meirelles, por efeito do rebentamento de uma mina "bailarina" [P-III]. (*)


Foto 3 – Ponta Varela (Xime), 03JUN1965. Momentos após a explosão que vitimou o Cap Francisco Meirelles, o 1.º Cb José Corbacho, o Sold Domingos Cardoso e o Caç Nat Braima Turé, todos da CCAÇ 508 [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].


Foto 4 – Ponta Varela (Xime), 03JUN1965. Momentos após a explosão que vitimou quatro camaradas da CCAÇ 508, entre eles o Cap. Francisco Meirelles [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].

Em 06Ago65, após a chegada da CCAÇ 1439 para treino operacional, a CCAÇ 508 foi rendida no subsector do Xime por forças da CCAV 678, recolhendo imediatamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso ao Continente, após dois anos de comissão, onde contabilizou uma dezena de baixas.

A viagem de regresso iniciou-se a 07Ago65, sábado, a bordo do vapor «Alfredo da Silva», com a chegada ao cais de Alcântara, Lisboa, a ter lugar sete dias depois.


3.  A ACTIVIDADE OPERACIONAL DO CAP FRANCISCO MEIRELLES E DA SUA UNIDADE ANTES DA SUA MORTE EM 03JUN1965

Fazendo parte do dispositivo e manobra do BCAÇ 697, estavam atribuídas à CCAÇ 508 todas as missões emanadas do comando do «Sector L1», nomeadamente: patrulhamentos de reconhecimento, contactos com as populações da região e o competente enquadramento dos grupos de milícias em regime de auto-defesa.

Neste âmbito, recupero um fragmento publicado no livro do Capitão Meirelles (pp 35-37), extraído de um artigo escrito por Amândio César (1921-1987), que fora lido, na íntegra, aos microfones da Emissora Nacional e que, posteriormente, foi publicado no «Diário do Norte» de 19 de Outubro de 1965.

Este texto está, ainda, plasmado no livro, «Guiné, 1965: Contra-ataque», Braga, Editora Pax, 1965, 229 pp., Colecção: Metrópole e Ultramar, de que é autor Amândio César, cuja capa se reproduz abaixo.

O texto tem por título: «Em Bambadinca – Uma tabanca em auto-defesa».

[…]

"Foi na companhia do Capitão Torres de Meirelles que visitei uma tabanca em auto-defesa, uma das muitas tabancas onde a população civil, devidamente preparada pela nossa tropa faz frente aos eventuais ataques dos salteadores, a soldo de potências estrangeiras inimigas. Segui no «jeep» do Capitão Torres de Meirelles e, desta nossa visita, ficou-me a recordação das fotografias que tirámos, uma das quais neste mesmo «jeep», exactamente quando saímos da Tabanca de Amedalai, a caminho de Bambadinca para o salto ao aeroporto [Bafatá].

A tabanca estava devidamente guardada e vigiada, sem que nós nos apercebêssemos do facto. Os seus moradores surgiam diante de nós, como por encanto, trazendo as suas espingardas, o seu armamento, nos seus trajos característicos. Era a autêntica guerra patriótica, sentida e vivida pela população pacífica que as eventualidades do destino tinham transformado em guerreiros valentes e intimoratos. Percorremos toda a tabanca, entrámos nas casas dos seus naturais, praticámos o seu viver do dia-a-dia. O Comandante Cyrne de Castro conseguiu uma bela tábua, onde, em marabu, se ministrava os ensinamentos do Corão. (…) As fotos chegaram-me às mãos, mandadas a 30 de Maio [de 1965], da Guiné. Dias depois o Capitão Torres de Meirelles encontrava a morte; foi a sua última recordação…".

Vd. Foto 5 e Foto 6 (acima reproduzidas]

Outro fragmento a merecer relevância neste contexto, reporta-se a uma entrevista dada em Bambadinca pelo Capitão Meirelles ao locutor Fernando Garcia (1926-2015) e transmitida pela Emissora Nacional, depois de ser pública a notícia da sua morte.

Assim, em 8 de Junho de 1965 [vai fazer cinquenta e quatro anos], a Emissora Nacional transmitiu essa reportagem radiofónica na qual se incluía a entrevista acima referida, obtida na Guiné com o Capitão Meirelles, onde aquele locutor [FG] a fez preceder de algumas palavras evocativas da sua memória.

Eis as primeiras palavras: "A Emissora Nacional vai transmitir hoje mais uma reportagem realizada na província ultramarina da Guiné, onde os soldados portugueses estão a levar a cabo uma obra a todos os títulos notável." (…)

Segue-se a transcrição da entrevista:

Introdução: - "De Bambadinca fala a reportagem da Emissora Nacional. Em Bambadinca está instalada uma unidade militar. Bambadinca quer dizer em mandinga – Cova do Lagarto – talvez até devido ao facto de neste lugar existirem bastantes lagartos. Neste momento vai partir uma operação de patrulha, operação de rotina que se regista frequentemente, cremos que diariamente, ou até mais do que uma vez por dia. Em qualquer caso nós vamos conversar com o Capitão Torres de Meirelles [CM], encarregado do comando desta coluna militar.

FG – Ora, quer falar-nos desta operação de patrulhamento e dizer-nos como é que ela se costuma processar?

CM – Esta operação de patrulhamento, como disse, é absolutamente de rotina. Executa-se várias vezes por dia, tanto com tropas de linha, caçadores europeus, como com tropa nativa, caçadores nativos. Todos os dias e várias vezes ao dia todo o terreno da nossa região é batido por patrulhamentos de reconhecimento, mantendo assim as populações debaixo de um estado de segurança e de alerta.

FG – Quer dizer, portanto, que para além do facto de procurar desfeitear o inimigo, onde quer que ele surja, compete também a esta unidade e a estas colunas de patrulhamento vigiar as populações e velar pela sua segurança?

CM – Exactamente, se bem que a população dentro desta área, que é muito grande, está em regime de auto-defesa. O pessoal das tabancas defende-se a si próprio, isto é, está armado e defende-se a si próprio.

FG – Quer dizer, portanto, que há muita confiança em toda a população?

CM – Absoluta, absoluta.

FG – Se assim não fosse não seriam entregues armas para eles se defenderem no caso de qualquer ataque inimigo.

CM – Exactamente.

FG – Agora, uma vez que vamos partir, agradecemos estes esclarecimentos e voltaremos a contactar consigo ou no meio desta operação ou até depois da missão terminada.

CM – De acordo.
……

FG - Terminou já esta operação de patrulha de uma coluna militar. De novo em Bambadinca vamos procurar registar agora a opinião final do Capitão Meirelles, que comandou esta coluna militar. Entretanto, nada de novo. Missão cumprida e nada de especial surgiu nesta operação de patrulha. Durante o caminho, conforme o Capitão Meirelles já nos havia confiado à partida, encontrámos vários elementos civis armados, pois eles próprios fazem a vigilância e patrulhamento desta região. Depois de termos visitado o lugar de Amedalai, saímos, tomámos de novo a estrada [de terra batida] e regressámos ao aquartelamento de Bambadinca. A coluna militar continua a entrar no aquartelamento. Mais alguns veículos dirigem-se para o local onde nos encontramos. Num desses veículos veio o Capitão Meirelles que comandou esta operação. Ele acaba de chegar. Vários outros carros seguem-no e nós vamos trocar impressões com ele.

FG – Capitão Meirelles: gostaríamos, agora, que depois de terminada esta operação de patrulha nos confiasse o que se passou, muito embora tivéssemos tomado parte dela.

CM – Ora bem, nós fomos daqui, como viram, a Amedalai. Esta estrada tem tabancas perto e portanto tem pessoal armado e está mais ou menos defendida. O único cuidado que há a ter é com o problema das minas que podem ser instaladas na estrada. Para isso levamos equipas de batedores bastante expeditos com aqueles utensílios que viram e que se parecem com os engaços da Metrópole. Vão picando a estrada toda e vão vendo se há alguma coisa. Aqui nesta zona já foram caçadas bastantes minas, bastantes, mesmo, e nunca rebentou nenhuma.

FG – Ah! Nunca rebentou nenhuma?

CM – Não. Nunca rebentou nenhuma. Foram todas detectadas.

FG – Hoje, porém, nesta operação não foi encontrada qualquer mina?

CM – Não. Não foi encontrada mina nenhuma. De resto é natural, pois logo de manhãzinha cedo veio um grupo de pesquisadores que percorreu estra estrada em que nós seguimos, em sentido inverso e fez a pesquisa das minas. Esse grupo é de nativos, caçadores nativos

FG – Quer dizer, portanto, que se tivesse havido minas já eles as tinham detectado?

CM – Sim, já as tinham detectado e nós íamos lá levantá-las.

FG – Não lhe parece que é um caso de certo modo singular o facto de haver várias minas espalhadas por uma estrada e todas elas serem detectadas até hoje?

CM – É. Revela uma eficácia bastante grande do grupo de pesquisadores e também bastante sorte, pois para isso nestes casos é preciso sorte. É preciso sorte para encontrar as minas, pois às vezes podem não se encontrar.

Também foram entrevistados na mesma reportagem: o Senhor Tenente-Coronel Mário Campos, Cmdt do BCAÇ 697; o regedor de Badorá, Mamadu Sanhá e o soldado fula Samba Valdé. (op.cit, pp. 27-29)

Termina, dizendo:

De Bambadinca falou a reportagem da Emissora Nacional em serviço na Província da Guiné com as Forças Armadas Portuguesas. Ouviram «Missão de Soberania», reportagem pelas Forças Armadas em serviço da Província Ultramarina da Guiné em colaboração com a Defesa Nacional – Serviço de Informação Pública".

Continua…
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Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); p.195.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p.321.

Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (s/d). Braga. Editora Pax.

Outras: as referidas em cada caso.


Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

04ABR2019.
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Vd. postes anteriores:

23 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19613: (De)Caras (102): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte II (Jorge Araújo)

18 de maro de 2019 > Guiné 61/74 - P19597: (De)Caras (101): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte I (Jorge Araújo)