sexta-feira, 17 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24150: Notas de leitura (1564): "Guiné 9 Dias em Março" e "Guiné 74 Vigilância e Resposta"; O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Três repórteres se distinguiram na cobertura da guerra da Guiné, para efeitos de propaganda do Estado Novo: Amândio César, Horácio Caio e Dutra Faria. Amândio César e Dutra Faria tiveram na Guiné no tempo do Governador Arnaldo Schulz, Caio visita a Guiné em 1970 e 1974. A todos irmana o tantam da portugalidade, do amor da Guiné a Portugal, há sempre progresso, novas estradas, desenvolvimento agrícola, o inimigo dispara no território estrangeiro ou tem no interior bases temporárias. Caio não encontrou ninguém que lhe tenha falado em mísseis, por toda a parte encontrou tropa animada, régulos indefetíveis, Bissau era uma cidade completamente segura, viajou de helicóptero ou de jipe em certas estradas alcatroadas. É estarrecedor vermos hoje, à distância de meio século, como se pretendia instrumentalizar ou ludibriar a opinião pública portuguesa. Mas aconteceu, basta ler estes repórteres e sentir como o credo nacionalista podia deturpar a realidade dos factos.

Um abraço do
Mário


O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974

Mário Beja Santos

Horácio Caio (1928-2008) é considerado o primeiro repórter da guerra colonial, trabalhou para a RTP e várias publicações escritas. Pelo menos duas obras sobre a Guiné chegaram ao meu conhecimento. Em 1970, acompanha o ministro Silva Cunha de que resulta um folheto intitulado “Guiné Nove Dias em Março”. Descreve a visita do ministro do Ultramar, alvo de uma receção patriótica, a publicação está profusamente ilustrada com imagens com crianças, jovens e adultos, visitando projetos, andando de jipe entre Nova Lamego e Bafatá, saindo do helicóptero na área de Madina do Boé. Desmente tudo quanto Cabral por essa altura dissera numa entrevista à Newsweek sobre controlo do território, afirma que anda com o ministro por toda a parte, embora não diga como. É encomiástico com as transformações que se estão a operar na Guiné: “Rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta; lançam-se pontes e viadutos sobre os canais dos belos rios guineenses; em toda a província se constroem habitações em aldeamentos; abrem-se escolas e hospitais; potentes máquinas desbravam as florestas e preparam terrenos para novas culturas; criam-se granjas agrícolas; reordenam-se palmares; recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz”. O Governador Spínola mostra ao ministro o que se está a passar no Chão Manjaco, também no Chão Mancanha e Balanta, e no Quínara. Os jornalistas recebem ampla informação quanto ao que se está a passar na assistência médico-sanitária. Também Bafatá recebe em apoteose o ministro, o comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, João Bacar Djaló, é condecorado, Horácio Caio sente-se contagiado pelo portuguesismo das populações.

Viaja-se até à fronteira, vai-se de helicóptero até Sare Bacar, depois a Cambajú e depois a Canhamina, esta um complexo de aldeamentos em autodefesa. De Bafatá até Bambadinca o ministro vai de automóvel. Noutra digressão segue-se até Nova Lamego, tem novo aeroporto, uma construção que é contemporânea nos aeródromos de Aldeia Formosa e de Cufar. A guerra que se move contra a Guiné tem por detrás as potências estrangeiras e há muitos mercenários com o PAIGC, afirma e reafirma o jornalista. Não há quartel em Madina do Boé porque as populações decidiram transferir-se para o Gabú. “Mas isso não significou que esta parcela da Guiné deixasse de ser portuguesa. E a prová-lo este a presença dos visitantes nas povoações de Beli e de Madina do Boé, a escassos quilómetros da fronteira, tendo sido sobrevoadas a baixa altitude”. Houve também passeio à ilha do Como. Assim se desfaz mais uma mentira da propaganda adversária. “O Professor Doutor Silva Cunha esteve em Porto de Corcô, no centro geográfico da ilha de Como, pedaço de terra, embora de reduzido interesse, mas pedaço de terra portuguesa, onde portugueses mesmo desarmados como foi o caso, podem permanecer quando e enquanto quiserem”. A viagem prossegue até Guilege e Gadamael. “A intensa alegria com que receberam os visitantes somada à determinação que puseram nas suas afirmações, demonstraram mais uma vez a razão da sua permanência em tão inóspitas paragens”.

Chegou a vez de visitar o Chão Manjaco, fala-se em construções como uma maternidade, ampliação da missão de combate a doenças tropicais, o elevado número de postos sanitários, reordenamentos rurais, estava em curso a construção de três mil casas de habitação. Com efeito, Spínola apostava no Chão Manjaco, um mês depois ali ocorrerá uma tragédia, suponha-se que grupos do PAIGC aceitassem ser integrados nas fileiras do Exército Português, os oficiais de negociadores foram retalhados à catana.

Em janeiro de 1974, é a vez de Baltazar Rebelo de Sousa, o novo ministro do Ultramar, visitar a Guiné, irá a Catió, a Caboxanque, Bafatá, Nova Lamego, Farim, Cacheu, Teixeira Pinto e Bubaque. O livro "Guiné 74, Vigilância e Resposta", é editado no mês seguinte. Não há áreas libertadas. Apenas 5% da população está sob o jugo do PAIGC. As flagelações deste são realizadas à distância, ou de acampamentos temporários ou nos territórios do Senegal ou da República da Guiné. Há cada vez mais progresso, começara a laboração da CICER, Fábrica de Cervejas e Refrigerantes, o maior investimento privado na Guiné, caminhava para a inauguração o Hotel Ancar, havia cada vez mais estradas asfaltadas. O jornalista está a engraxar os sapatos, o engraxador é um jovem de 15 anos que aspira ser Comando. Bissau é uma cidade seguríssima. “Nenhuma das pessoas com quem conversei me falou em bombardeamentos, tiros ou foguetões. A campanha de falsas notícias, insidiosamente montada pelo inimigo e quantas vezes acreditada até por pessoas de boa fé, não corresponde à realidade observada”.

O repórter assiste ao encontro entre o ministro e o rei de Bassarel, no Pelundo, fala-nos da fortaleza de Cacheu, de Honório Pereira Barreto e de sua mãe D. Rosa Carvalho Alvarenga. Depois os helicópteros rumam para Cufar, Catió, Caboxanque, no Cantanhez. “Aí convivemos durante uma manhã inteira com esses bravos soldados que defendem a terra e as populações”. Os encontros são muitos, com o dirigente do Turismo, um alferes promovido a capitão, na saúde e do ensino, aqui pontificam os militares e as suas mulheres, entrevista-se o proprietário do Hotel Ancar, há visita à Imprensa Nacional da Guiné, o ministro inaugura o estádio escolar que inclui campos de futebol, campos de voleibol e basquetebol, balneários, salas de jogos, pista de atletismo. Volta-se ao investimento da CICER, enumeram-se as cervejas e os refrigerantes, tudo parecia um investimento promissor. Edição profusamente ilustrada como a anterior, uma narrativa de rasgada fé na portugalidade guineense, refere-se textualmente que são 500 mil guineenses antes separados por odiosas rivalidades fomentadas pelo PAIGC, ele via por toda a parte a nossa Guiné fraterna e exclama: “Com uma farda de Comando, com indumentária da Mocidade Portuguesa – movimento que na Guiné tem presença vigorosa – ou com um distintivo da ação nacional popular, o jovem – milhares de jovens – da Guiné está personalizado e é o fermento da vida nova que freme e acoroçoa a aurora que desponta”. É verdade que a guerra traz incómodos, sacrifícios, destruição e mortes. “Clareado o que tenho na minha frente, o que antevejo é o futuro da Guiné, onde todos participam com ânimo, aceitando desafios constantes à inteligência e à imaginação”.

E tudo termina com uma citação do ministro do Ultramar, produzida em Cacheu no dia 17 de janeiro: “A Guiné dos nossos dias está apostada em se defender dos ataques que lhe são dirigidos, já que ela, por si própria, é pacífica, não ofende ninguém e não ambiciona nada senão que a deixem trabalhar em paz e progredir em paz, a favor da sua gente”.
E meses depois aconteceu o 25 de abril.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24141: Notas de leitura (1563): Cadernos Militares - Convencer a malta do Exército dos malefícios da descolonização (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Em 1970, portanto já sem Salazar, e já com um pouquinho de liberdade para se "abrir a boca", pelo menos quem vivia e conhecia o ambiente colonial, militares e civis, (europeus), o caso da Guiné era de "largar", e diziam-se coisas, tais como "abandonar" e outras barbaridades.

Militares como fusileiros navais que tinham assento de "repouso" na tranquila Ilha de Luanda, eram convocados com frequência a ir socorrer a Guiné, traziam as novidades, embora não publicassem nos jornais, mas espalhava-se tudo.

No fundo, para toda a gente era corrente que só se defendia a Guiné, por "mor de Angola e Moçambique", mas principalmente defender Angola.

Aliás, também era o intuito da União soviética, com aquela luta na Guiné atingir Angola e África do Sul e Moçambique, o chamado por eles o Cone de África, pois o Corno de África já eles tinham a ferro e fogo.





Mas também havia terceiros com as barbas de molho, que era África do Sul, o grande sonho soviético, a que chamava o "cone de África", era a guerra fria.