Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)
Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC. Furriéis da CCav 8351, Azambuja Martins e Costa
Foto: A. Murta / Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, com a devida vénia
Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIG pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijâ) > Abrigos subterrâneos do PAIGC > Toto de A. Murta, com a devida vénia
Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI (*)
Operação Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo
Com o aproximar da estrada a Nhacobá, estava chegada a hora de fazer a ocupação desta base do PAIGC (“retribuindo” as duas visitas ao Cumbijã). Embora sem grandes informações, era de prever que Nhacobá fosse um local de grande importância estratégica e logística para o PAIGC já que ficava no corredor de Guilege, também conhecido por “corredor da morte” (corredor de circulação de homens e material para o interior da Guiné)(#).
Fito nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Guileje > Mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Alguns dos topónimos míticos por onde passava o "corredor de Guileje" ou o "corredor da morte", triangulando entre Guileje, Gandembel / Balana e Nhacobá. Ver também posição relativa de Cumbijã e Colibuía, a sudoeste de Aldeia Formosa.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
Embora nada nos fosse transmitido (como sempre - ao que parece nem o próprio capitão foi informado), fomos surpreendidos com a chegada ao destacamento de um grupo de comandos africanos, armados até aos dentes com todo o tipo de armas capturadas ao IN (muito mais eficazes e fiáveis que as nossas), que segundo rumores teriam como missão fazer o reconhecimento a Nhacobá antes do assalto final.
Nada nos foi dito mas constava-se que nada encontraram de relevante. Todo aquele aparato (não disfarçando algum exibicionismo) nos pareceu estranho, para não dizer caricato. Contudo, depois de uma reunião dos “senhores da guerra” em Aldeia Formosa, foi lançada a operação de assalto a Nhacobá, de seu nome de código: “Balanço Final” (17-23 de maio de 1973).
Foram mobilizados quase todos os recursos humanos disponíveis na região para o assalto final a Nhacobá, atirando por terra a ideia de que os comandos africanos não tinham encontrado nada de relevante.
Foram mobilizadas para a operação:
Foram mobilizados quase todos os recursos humanos disponíveis na região para o assalto final a Nhacobá, atirando por terra a ideia de que os comandos africanos não tinham encontrado nada de relevante.
Foram mobilizadas para a operação:
(i) três companhias;
(ii) uma equipa com duas chaimites (carros de combate anfíbios);
(iii) dois grupos de combate de uma outra companhia de reserva no Cumbijã~;
(iv) e a artilharia de Cumbijã e Mampatã em alerta máxima. (##)
A minha companhia (CCav 8351 – Os Tigres do Cumbijã) estava incumbida de fazer o assalto (golpe de mão) com a proteção lateral de outras duas.
“De manhã cedinho, levanto do ninho e vou para … Nhacobá...”
Com todo aquele aparato de movimento de tropas em grande azáfama com alguns dos intervenientes, há última hora, a serem acometidos de doença súbita e desconhecida e com os “senhores da guerra” (sempre na retaguarda!) mandando os seus últimos “bitaites” sobre a estratégia a seguir (e a que ninguém ligava), lá avançamos nós, conduzidos por um guia, da nossa confiança e que conhecia muito bem o local.
“De manhã cedinho, levanto do ninho e vou para … Nhacobá...”
Com todo aquele aparato de movimento de tropas em grande azáfama com alguns dos intervenientes, há última hora, a serem acometidos de doença súbita e desconhecida e com os “senhores da guerra” (sempre na retaguarda!) mandando os seus últimos “bitaites” sobre a estratégia a seguir (e a que ninguém ligava), lá avançamos nós, conduzidos por um guia, da nossa confiança e que conhecia muito bem o local.
Como era habitual, nas operações de alto risco, quase todos os soldados beijavam, à saída, o seu amuleto da sorte: a foto da namorada ou dos pais, um santo devoto, uma folha da Penthouse (a famosa revista pornográfica norte-americana), do Furriel Martins, e o Furriel Machado o seu inseparável mapa, que guardava num dos bolsos do camuflado, mais perto do coração.
Fot0 nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)> O “amuleto” que sempre acompanhava o Furriel Machado em operações no mato, o “Mapa de Operações Pontos de Artilharia”...
Ao seu lado estávamos mais seguros. Nunca nos sentíamos perdidos na mata e a ajuda da artilharia em situação de emergência era mais precisa e eficaz. Este homem nunca deixava nada ao acaso. Tudo era feito de forma profissional, tal como a sua sofisticada hortinha que plantou em pleno teatro de guerra!
Conforme íamos avançando na direção do objetivo, a adrenalina ia subindo na mesma proporção já que minguém melhor do que nós sabia o que nos esperava. Dada a nossa experiência feita de vivermos, diariamente, paredes meias com o IN, conhecendo melhor do que ninguém as suas “taras e manias”, fazíamos tábua rasa das opiniões dos teóricos do “pionés no mapa” (cujo único risco era picarem-se no mesmo) para bem da nossa segurança e ao mesmo tempo para bem da eficácia na concretização do objetivo traçado.
O nosso guia mantinha um grande sangue frio e uma calma desarmante, reparando nos mais pequenos pormenores que a todos nós escapava: um pequeno ramo de árvore cortado recentemente; pegadas no chão recentes; barulhos de população e de animais ao longe, que nenhum de nós ouvia, etc.
Era fácil medir a tensão do grupo quer através das feições do guia quer do “arrebitar” do bigode do camarada Machado!!!
Quatro grupos de combate em marcha na direção do objetivo em silêncio quase ensurdecedor, ouvindo-se apenas a nossa respiração, cada vez mais acelerada. Caminhavámos como em campo minado, pé ante pé, com concentração absoluta e sempre atentos às feições do guia (...e ao bigode do Machado!).
Pelo caminho já percorrido sabíamos que devíamos estar muito perto do objetivo, o que foi confirmado pelo guia. Uns metros mais à frente já todos nós ouvíamos sons de pessoas em conversas despreocupadas.
Mais uns metros e avistamos uma caçadeira (Simonov) encostada a uma árvore e, logo a seguir, um grupo de homens e alguns mulheres e crianças sentados em amena cavaqueira. Avançamos e surpreendemos todo o grupo, creio que um homem foge a gritar Comando, comando!... Não demos um único tiro, acalmamos as mulheres e as crianças, e montamos segurança.
Estávamos nós a tentar obter de alguns elementos do grupo, obviamente assustados, informações relevantes, tendo em vista o prosseguimento da operação em segurança, quando irrompe um grande “fogachame” com armas ligeiras e RPG. Como estávamos já bem posicionados, ripostámos, protegendo aos mesmo tempo os elemento da população.
Passados uns bons minutos, que pareceram uma eternidade, a situação acalmou, as metralhadoras calaram-se, permitindo assim o socorro aos feridos, alguns com alguma gravidade.
Passados uns bons minutos, que pareceram uma eternidade, a situação acalmou, as metralhadoras calaram-se, permitindo assim o socorro aos feridos, alguns com alguma gravidade.
Pela surpresa, pensámos que o grupo de guerrilheiros de defesa da base do PAIGC, depois da forte reação, se tinham já posto em fuga. Contudo, passados uns 15 minutos, fomos nós surpreendidos por nova investida, agora mais intensa e organizada, sobre as nossas posições causando mais uns feridos, alguns com gravidade.
O grupo de guerrilheiros (supomos, em grande número), depois da segunda investida fugiu, uns em direção ao local onde deveriam estar as companhias que faziam a nossa proteção lateral e outros para a grande bolanha, perto de um rio. Conseguimos ainda avistar vários elementos do grupo, desordenado e desorientado, em fuga através da grande bolanha.
Uma das situações que mais me perturbam, relembrando hoje o assalto a Nhacobá, é o facto de, ao ver lá ao longe pequenos grupos de guerrilheiros em fuga, apontar-lhes a minha arma. Não disparei, e alguém me dissr: "A G3 não alcança".
O grupo de guerrilheiros (supomos, em grande número), depois da segunda investida fugiu, uns em direção ao local onde deveriam estar as companhias que faziam a nossa proteção lateral e outros para a grande bolanha, perto de um rio. Conseguimos ainda avistar vários elementos do grupo, desordenado e desorientado, em fuga através da grande bolanha.
Uma das situações que mais me perturbam, relembrando hoje o assalto a Nhacobá, é o facto de, ao ver lá ao longe pequenos grupos de guerrilheiros em fuga, apontar-lhes a minha arma. Não disparei, e alguém me dissr: "A G3 não alcança".
Este episódio mostra como a guerra nos leva a tomar atitudes completamente irracionais. Contudo, para meu sossego, acredito (quero mesmo acreditar) que nunca teria coragem para disparar naquelas condições.
Terminado o tiroteio, nada aconteceu aos elementos da população e nós tivemos vários feridos, alguns com gravidade.
Pedimos que um dos grupos de combate estacionado em Cumbijã, viesse em apoio levar os elementos da população e os feridos para o destacamento, sendo os mais graves levados, para Aldeia Formosa onde um avião Nordatlas aguardava para eventual evacuação para o hospital de Bissau.
Depois de todas estas diligências e com todas as cautelas lá fomos explorar a zona.
Terminado o tiroteio, nada aconteceu aos elementos da população e nós tivemos vários feridos, alguns com gravidade.
Pedimos que um dos grupos de combate estacionado em Cumbijã, viesse em apoio levar os elementos da população e os feridos para o destacamento, sendo os mais graves levados, para Aldeia Formosa onde um avião Nordatlas aguardava para eventual evacuação para o hospital de Bissau.
Depois de todas estas diligências e com todas as cautelas lá fomos explorar a zona.
Acompanhado pelo amigo Martins, juntamente com outros elementos da companhia, avançamos, com cuidados redobrados, para o local de onde fomos atacados. Passada a zona onde encontramos os elementos da população, ficamos boquiabertos com o que encontramos: muitas moranças, com indícios claros de habitadas até momentos antes com os seus animais a vaguearem ainda em sobressalto; vários silos de barro, cheios de arroz (estavam ali toneladas de arroz ainda com casca); abrigos subterrâneos; muitos maços de tabaco e fósforos cubanos, bem como cadernos e livros escolares e muitos folhetos de propaganda.
“Roncos” que muitos de nós guardaram como recordação (eu guardei um maço de tabaco e uma caixa de fósforos que deitei ao lixo, juntamente toda a roupa e tudo que me fizesse lembrar a Guiné num quartel em Lisboa, no regresso a casa).
Este era de facto um posto de “mala-posta", muito importante neste corredor de Guileje, onde os guerrilheiros descansavam e se alimentavam em trânsito para operações militares na região sul. Todo o arroz aqui apreendido dava para alimentar um exército durante vários dias.
O elevado número de moranças, os abrigos subterrâneos, bem camufladas na vegetação, a quantidade de arroz (as suas rações de combate), bem como a grande quantidade de tabaco e material de propaganda, era a confirmação de estarmos perante uma importante base do PAIGC no interior da Guiné. Esta ação foi em rude golpe na logística do PAIGC no abastecimento de parte da zona sul da região.
Estávamos nós já a “debicar” parte da ração de combate, quando começamos a ouvir rajadas de armas ligeiras e mais tarde sons de HK - encontros de “3.º grau” dos guerrilheiros em fuga com as companhias de proteção lateral e do grupo de chaimites, sofrendo o IN, aqui, danos consideráveis.
A configuração da tabanca, a quantidade de abrigos subterrâneos (bem protegidos contra ataques aéreos e bem camuflados na mata), o volume e tempo de fogo configuram um destacamento do IN muito bem protegido, que só caiu sem grandes baixas do nosso lado pela surpresa e, ao mesmo tempo, presumo, julgarem estarem perante uma operação de grande envergadura com o apoio da aviação e tropa especial (por isso a sua fuga precipitada).
Este era de facto um posto de “mala-posta", muito importante neste corredor de Guileje, onde os guerrilheiros descansavam e se alimentavam em trânsito para operações militares na região sul. Todo o arroz aqui apreendido dava para alimentar um exército durante vários dias.
O elevado número de moranças, os abrigos subterrâneos, bem camufladas na vegetação, a quantidade de arroz (as suas rações de combate), bem como a grande quantidade de tabaco e material de propaganda, era a confirmação de estarmos perante uma importante base do PAIGC no interior da Guiné. Esta ação foi em rude golpe na logística do PAIGC no abastecimento de parte da zona sul da região.
Estávamos nós já a “debicar” parte da ração de combate, quando começamos a ouvir rajadas de armas ligeiras e mais tarde sons de HK - encontros de “3.º grau” dos guerrilheiros em fuga com as companhias de proteção lateral e do grupo de chaimites, sofrendo o IN, aqui, danos consideráveis.
A configuração da tabanca, a quantidade de abrigos subterrâneos (bem protegidos contra ataques aéreos e bem camuflados na mata), o volume e tempo de fogo configuram um destacamento do IN muito bem protegido, que só caiu sem grandes baixas do nosso lado pela surpresa e, ao mesmo tempo, presumo, julgarem estarem perante uma operação de grande envergadura com o apoio da aviação e tropa especial (por isso a sua fuga precipitada).
Era suposto, da parte do IN, que a tropa sediada na zona não reunia as condições para tal assalto, daí os gritos do homem que fugiu a dizer Comandos, comandos!
Este foi um dia (… o mais longo) que me fez lembrar a guerra do Vietname, com todos os ingredientes presentes, nomeadamente: entrar no reduto do IN, desalojá-lo e passar junto dos seus mortos em combate, inexplicavelmente, com naturalidade e indiferença. Visão que hoje muito me perturba e desassossega!
Este foi um dia (… o mais longo) que me fez lembrar a guerra do Vietname, com todos os ingredientes presentes, nomeadamente: entrar no reduto do IN, desalojá-lo e passar junto dos seus mortos em combate, inexplicavelmente, com naturalidade e indiferença. Visão que hoje muito me perturba e desassossega!
(Continua)
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Notas do autor:
Notas do autor:
(#) Este corredor com início na fronteira da Guiné Conacri, atravessando a zona de Guileje (Gandembel) e Nhacobá (Foto nº 6), tinha uma importância vital para o PAIGC, já que por aqui introduzia 70 a 80 % dos abastecimentos de armas, homens, munições e outros, para todo o território da Guiné. Neste corredor muitas vidas se perderam dum lado e do outro do conflito.
Assim se explica a luta sem tréguas dada pelo PAIGC na defesa deste importante corredor e particularmente da sua base em Nhacobá,
Situação semelhante teve lugar em Gandembel de quando a sua ocupação pelas nossas tropas no tempo do antigo governador (Arnaldo Schulz), acabando por ser abandonado no tempo de Spínola, dado as elevadas perdas humanas. Daí a designação de “corredor da morte”.
(##) NT: CCaç 3399, 3a/BCaç 4513/72, CCaç 18, CArt 6250/72, CCav 8351/72, 2° Pel Art (10,5 cm), 14° PelArt (14 cm), e 1 Pel/ERec 3431.
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)