1. O José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, ou apenas José Ferraz de Carvalho é um camarada da diáspora lusófona: ex-Fur Mil, Op E Esp, CART 1746, e QG/CTIG Xime e Bissau, 1968/70); radicado em Austin, Texas, EUA, desde meados de 1970; tem duas dezenas de referências no nosso blogue; faz parte da Tabanca Grande desde 19 de novembro de 2011; é autor da série "Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz", de que se publicaram 13 postes, de novembro a dezembro de 2011. Ainda há tempos nos contactou, espero que continue a seguir o nosso blogue.
É um homem com um especial sentido de humor como se comprova com esta "história pícara" de uma ida noturna ao Pilão, com um amigo do peito (e de farras). Ele chamou-lhe um "acidente" (*)... Eu acho que é um eufemismo... E mais: uma parábola sobre a nossa guerra... Na altura, escrevi o seguinte comentário:
(...) Quer se goste ou não, o Pilão fazia parte do "anedotário" e do "imaginário" do Zé Tuga...
Pergunto-me: como é que tu, 40 anos depois, te foste lembrar desse "acidente", associado à "friday night fever" (febre de sexta feira à noite) ?...
Sim, porque no Pilão, no nosso tempo, todos os dias da semana eram de "febre de sexta-feira à noite", de segunda a domingo, sobretudo para os "desenfiados" do mato como o teu amigo A.T....
Confesso, sem qualquer pinga de pudor, que ri sozinho que nem um perdido ao editar o teu poste... Tens um piadão a contar esta cena (caricata) e ao descreveres o infortunado mas pimpão do teu amigo como "o maestro do cagalhão"...
Podemos discutir por é que os seres humanos têm uma especial temdência para se rirem do ridículo, do grotesco, do burlesco, do pícaro, do caricato... A tua "pequena história", que nada tem de heróico, ajuda a compreender a necessidade que nós, os operacionais, a malta que vinha do mato, tínhamos de "humanizar" o nosso absurdo quotidiano e de mantermos algumas das rotinas que nos prendiam ao fio da vida...
Como diria um sisudo académico que eu conheço, isto dava uma tese de doutoramento... se a academia portuguesa tivesse um bocadinho do teu "sense of humor"...
Luis Graça sábado, 26 de novembro de 2011 às 21:01:00 WET
Luis Graça sábado, 26 de novembro de 2011 às 21:01:00 WET
Humor de caserna > Ir às meninas ao Pilão, todo pipi, de calça e camisinha branca e pingalim debaixo do braço... Mas o terreno estava "minado"...
por José Ferraz de Carvalho (Austin, Texas)
Um dos meus amigos fixes desse tempo era um furriel miliciano, destacado no Cacheu, que sempre que conseguia, desenfiava-se e aparecia em Bissau, quase sempre de madrugada.
Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:
− Zé, acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à miii...nha espera!!!
Ora bem, quase sempre durante a minha estadia em Bissau, conseguia que o "nosso primeiro", responsável pela distribuição de alojamentos, se esquecesse de que no meu quarto havia duas camas. Portanto, quando os meus amigos vinham a Bissau, sabiam que tinham onde ficar...
Numa dessas visitas, o A.T. comprou um pingalim de pau santo, igual ao meu, que usava quando eu ia ao Pilão. Era uma excelente arma de defesa porquanto, se houvesse necessidade, partia-se com o joelho e tinhamos dois punhais improvisados...(truque aprendido em Lamego).
Como eu ia dizendo, numa dessa visitas, depois de se recompor e depois do jantar, era da ordem a visita ao Pilão, depois de o A.T. ter feito, durante o dia, o respectivo reconhecimento. Dizia ele então:
− Ó Zé, descobri estas meninas e temos que lá ir hoje à noite, pá.
Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:
− Zé, acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à miii...nha espera!!!
Ora bem, quase sempre durante a minha estadia em Bissau, conseguia que o "nosso primeiro", responsável pela distribuição de alojamentos, se esquecesse de que no meu quarto havia duas camas. Portanto, quando os meus amigos vinham a Bissau, sabiam que tinham onde ficar...
Numa dessas visitas, o A.T. comprou um pingalim de pau santo, igual ao meu, que usava quando eu ia ao Pilão. Era uma excelente arma de defesa porquanto, se houvesse necessidade, partia-se com o joelho e tinhamos dois punhais improvisados...(truque aprendido em Lamego).
Como eu ia dizendo, numa dessa visitas, depois de se recompor e depois do jantar, era da ordem a visita ao Pilão, depois de o A.T. ter feito, durante o dia, o respectivo reconhecimento. Dizia ele então:
− Ó Zé, descobri estas meninas e temos que lá ir hoje à noite, pá.
A.T. estava convencido que era o Adónis de toda a Guiné, não só do Pilão. Nessa noite parece que o estou a ver vestido a rigor, todo pipi, de calças e camisinha branca, e de pingalim debaixo do braço.
Arrancámos pró Pilão e fomos para uma área que eu desconhecia, o que me preocupava e perguntava-lhe:
− Ó pá, tu sabes para onde vais ? Parece-me bem que não...
O A.T. respondia-me:
− Sei, sei, é por aqui...
E lá íamos cada vez mais embrenhados em território inimigo... Noite de lua nova, escuro como breu, a única coisa que eu via era o branco do A.T.... De repente o A.T. desaparece da minha vista (ia vários passos à minha frente) e, antes que eu pudesse falar, ouvi-o vociferar:
− Ah, foda-se!| Porra! C... ! Ó Zé, ajuda-me!...
− Porra, onde é que estás ?− pergunto eu...
O A.T. respondia-me:
− Sei, sei, é por aqui...
E lá íamos cada vez mais embrenhados em território inimigo... Noite de lua nova, escuro como breu, a única coisa que eu via era o branco do A.T.... De repente o A.T. desaparece da minha vista (ia vários passos à minha frente) e, antes que eu pudesse falar, ouvi-o vociferar:
− Ah, foda-se!| Porra! C... ! Ó Zé, ajuda-me!...
− Porra, onde é que estás ?− pergunto eu...
− Aqui, pá!
Acendi o isqueiro e com a pouca luz que dava vi que o A. T. tinha caído numa fossa de merda, atascando-se até ao peito e de pingalim na mão a gesticular... Parecia o maestro dos cagalhões!...
− Ó Zé, ajuda-me! Foda-se!...
Tirei o meu cinto, passei-lhe uma ponta e ajudei-o a vir para terra firme... Ah, meu Deus, e o cheiro..., poça!
E aí fomos os dois andando em busca de lugares conhecidos com o A.T., caminhando de pernas abertas, e deixando um rasto de merda... E os dois, às gargalhadas.
Lá chegámos ao pé do quartel da PSP onde entrei para chamar um táxi para o levar para o hospital militar onde recebeu um banho de antibióticos e mais não sei quantos medicamentos.
O resto deste acidente: o taxista que chegou quando viu o estado em que estava o A. T., disse logo:
− Não, senhor, não entra no carro, nunca mais tiro esse cheiro do assento!
Por sua vez, os cabrões da PSP não deixaram o A. T. usar os seus chuveiros. Lá consegui uma mangueira da PSP. O A.T. despiu-se e eu de mangueira na mão a dar-lhe um duche como se estivesse a lavar um cavalo...
Já mais limpo e tremer de frio, lá o meti no táxi e toca a ir pró hospital... Arrancámos, e agora imaginem a malta do hospital quando aí chegámos, de táxi, com um passageiro nu em pelota e a tremer de frio... Disse o médico que o viu:
− Teve muita sorte e lavar-se foi muito boa ideia...
O resto deste acidente: o taxista que chegou quando viu o estado em que estava o A. T., disse logo:
− Não, senhor, não entra no carro, nunca mais tiro esse cheiro do assento!
Por sua vez, os cabrões da PSP não deixaram o A. T. usar os seus chuveiros. Lá consegui uma mangueira da PSP. O A.T. despiu-se e eu de mangueira na mão a dar-lhe um duche como se estivesse a lavar um cavalo...
Já mais limpo e tremer de frio, lá o meti no táxi e toca a ir pró hospital... Arrancámos, e agora imaginem a malta do hospital quando aí chegámos, de táxi, com um passageiro nu em pelota e a tremer de frio... Disse o médico que o viu:
− Teve muita sorte e lavar-se foi muito boa ideia...
− OK, o que não sabe é que, sem essa lavagem, tínhamos que vir à pata para o hospital.
Graças a Deus o A.T. não só sobreviveu a este acidente como recuperou a sua saúde. Em 1974 quando levei a minha então esposa a Portugal para conhecer o resto da minha família e amigos, tive o prazer de o convidar para vir jantar connosco e estivemos noite fora à conversa:
− E lembras-te disto... e lembras-te daquilo ?...
Sinto enormes saudades desse amigo e camarada. (**)
(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título)
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão
(**) Último poste da série > 23 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26522: Humor de caserna (104 ): "Ontem fui ao Pilão, o que não quer dizer que fui às p..." (Bissau, 16 de dezembro de 1973, in: António Graça de Abreu, "Diário da Guiné", Lisboa, Guerra e Paz, 2007).