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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26537: Humor de caserna (105): Ir às meninas ao Pilão, todo pipi, de calça e camisinha branca, e pingalim debaixo do braço... Mas o terreno estava "minado"... (José Ferraz de Carvalho, Tabanca da Diáspora Lusófona)


1. O José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, ou apenas José Ferraz de Carvalho é um camarada da diáspora lusófona: ex-Fur Mil, Op E Esp, CART 1746, e QG/CTIG Xime e Bissau, 1968/70); radicado em Austin, Texas, EUA, desde meados de 1970; tem duas dezenas de referências no nosso blogue; faz parte da Tabanca Grande desde 19 de novembro de 2011; é autor da série "Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz", de que se publicaram 13 postes, de novembro a dezembro de 2011. Ainda há tempos nos contactou, espero que continue a seguir o nosso blogue.

É um homem com um especial sentido de humor como se comprova com esta "história pícara" de uma ida noturna ao Pilão, com um amigo do peito (e de farras). Ele chamou-lhe um "acidente" (*)... Eu acho que é um eufemismo... E mais: uma parábola sobre a nossa guerra... Na altura, escrevi o seguinte comentário: 

(...) Quer se goste ou não, o Pilão fazia parte do "anedotário" e do "imaginário" do Zé Tuga...

Pergunto-me: como é que tu, 40 anos depois, te foste lembrar desse "acidente", associado à "friday night fever" (febre de sexta feira à noite) ?...

Sim, porque no Pilão, no nosso tempo, todos os dias da semana eram de "febre de sexta-feira à noite", de segunda a domingo, sobretudo para os "desenfiados" do mato como o teu amigo A.T....

Confesso, sem qualquer pinga de pudor, que ri sozinho que nem um perdido ao editar o teu poste... Tens um piadão a contar esta cena (caricata) e ao descreveres o infortunado mas pimpão do teu amigo como "o maestro do cagalhão"...

Podemos discutir por é que os seres humanos têm uma especial temdência para se rirem do ridículo, do grotesco, do burlesco, do pícaro,  do caricato... A tua "pequena história", que nada tem de heróico, ajuda a compreender a necessidade que nós, os operacionais, a malta que vinha do mato, tínhamos de "humanizar" o nosso absurdo quotidiano e de mantermos algumas das rotinas que nos prendiam ao fio da vida... 

Como diria um sisudo académico que eu conheço, isto dava uma tese de doutoramento... se a academia portuguesa tivesse um bocadinho do teu "sense of humor"...


Luis Graça sábado, 26 de novembro de 2011 às 21:01:00 WET 



Humor de caserna >  Ir às meninas ao Pilão, todo pipi, de calça e camisinha branca e pingalim debaixo do braço... Mas o terreno estava "minado"... 

por José Ferraz de Carvalho (Austin, Texas)



Um dos meus amigos fixes desse tempo era um furriel miliciano, destacado no Cacheu, que sempre que conseguia,  desenfiava-se e aparecia em Bissau, quase sempre de madrugada.

Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:

 Zé, acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à miii...nha espera!!!

Ora bem, quase sempre durante a minha estadia em Bissau, conseguia que o "nosso primeiro", responsável pela distribuição de alojamentos, se esquecesse de que no meu quarto havia duas camas. Portanto, quando os meus amigos vinham a Bissau, sabiam que tinham onde ficar...

Numa dessas visitas, o A.T. comprou um pingalim de pau santo, igual ao meu, que usava quando eu ia ao Pilão. Era uma excelente arma de defesa porquanto,  se houvesse necessidade, partia-se com o joelho e tinhamos dois punhais improvisados...(truque aprendido em Lamego).

Como eu ia dizendo, numa dessa visitas, depois de se recompor e depois do jantar, era da ordem a visita ao Pilão, depois de o A.T. ter feito, durante o dia, o respectivo reconhecimento. Dizia ele então:

   Ó Zé, descobri estas meninas e temos que lá ir hoje à noite, pá. 

 A.T. estava convencido que era o Adónis de toda a Guiné, não só do Pilão. Nessa noite parece que o estou a ver vestido a rigor, todo pipi, de calças e camisinha  branca,  e de pingalim debaixo do braço. 

Arrancámos pró Pilão e fomos para uma área que eu desconhecia, o que me preocupava e perguntava-lhe:

 Ó pá, tu sabes para onde vais ? Parece-me bem que não...

O A.T. respondia-me:

  Sei, sei, é por aqui...

E lá íamos cada vez mais embrenhados em território inimigo... Noite de lua nova, escuro como breu, a única coisa que eu via era o branco do A.T.... De repente o A.T. desaparece da minha vista (ia vários passos à minha frente) e, antes que eu pudesse falar, ouvi-o vociferar:

− Ah, foda-se!| Porra! C... ! Ó Zé,  ajuda-me!...

 − Porra, onde é que estás ?   pergunto eu...

 − Aqui, pá!

Acendi o isqueiro e com a pouca luz que dava vi que o A. T. tinha caído numa fossa de merda, atascando-se até ao peito e de pingalim na mão a gesticular... Parecia o maestro dos cagalhões!...

−  Ó Zé, ajuda-me! Foda-se!...

Tirei o meu cinto, passei-lhe uma ponta e ajudei-o a vir para terra firme... Ah, meu Deus, e o cheiro..., poça!

E aí fomos os dois andando em busca de lugares conhecidos com o A.T., caminhando de pernas abertas, e deixando um rasto de merda... E os dois, às gargalhadas. 

Lá chegámos ao pé do quartel da PSP onde entrei para chamar um táxi para o levar para o hospital militar onde recebeu um banho de antibióticos e mais não sei quantos medicamentos.

O resto deste acidente: o taxista que chegou quando viu o estado em que estava o A. T., disse logo:

 Não, senhor, não entra no carro, nunca mais tiro esse cheiro do assento!

Por sua vez, os cabrões da PSP não deixaram o A. T. usar os seus chuveiros. Lá consegui uma mangueira da PSP. O A.T. despiu-se e eu de mangueira na mão a dar-lhe um duche como se estivesse a lavar um cavalo...

Já mais limpo e tremer de frio, lá o meti no táxi e toca a ir pró hospital... Arrancámos, e agora imaginem a malta do hospital quando aí chegámos, de táxi, com um passageiro nu em pelota e a tremer de frio... Disse o médico que o viu:

 Teve muita sorte e lavar-se foi muito boa ideia...

 OK, o que não sabe é que, sem essa lavagem, tínhamos que vir à pata para o hospital.

Graças a Deus o A.T. não só sobreviveu a este acidente como recuperou a sua saúde. Em 1974 quando levei a minha então esposa a Portugal para conhecer o resto da minha família e amigos, tive o prazer de o convidar para vir jantar connosco e estivemos noite fora à conversa:

 − E lembras-te disto... e lembras-te daquilo ?...

Sinto enormes saudades desse amigo e camarada. (**)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título)

______________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão

(**) Último poste da série > 23 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26522: Humor de caserna (104 ): "Ontem fui ao Pilão, o que não quer dizer que fui às p..." (Bissau, 16 de dezembro de 1973, in: António Graça de Abreu, "Diário da Guiné", Lisboa, Guerra e Paz, 2007).

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É das das histórias pícaras do nosso blogue que merece honras de antologia... Eu vejo-a como uma parábola, sem falsos moralismos: a guerra, aquela guerra, foi a nossa (e do PAIGC de Amílcar Cabral) "fossa de merda!"...

Andámos lá atolados, 11 anos, estúpida e inutilmente... Militar e politicamente foi uma "fossa de merda"... Mais valera, todos nós, termos lá ido ajudar a fazer a "paz, e não a guerra, da descolonização", para ajudar a construir com os guineenses a Guiné-Bissau, independente, do futuro... Todos nós, do médico ao professor, do regente agrícola ao trolha da construção civil, da enfermeira ao eletricista, do pescador ao mestre de obras, do bate-chapas ao condutor, do topógrafo ao arquiteto... Mas, não, ficámos lá atolados na merda!.... Com os nossos "maiores", Schulz, Spínola, Bettencourt...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, o que é feito de ti ? Continuas a seguir-nos ?... Faz prova de vida e não percas o sentido de humor que já não tinhas na Guiné...Afinal, a vida são dois dias, e o carnaval são três...Mesmo que o mundo seja uma "fossa de merda"...Um alfabravo, Luís Graça.

Tabanca Grande Luís Graça disse...



Zé Ferraz, fui "desenterrar" esta tua história, passada no Pilão, que merece honras de antologia... E lembrei-me que não temos tido notícias tuas há muito...

Dei conhecimento ao Jorge Araújo (nosso coeditor, que esteve no Xime e em Mansambo, 1972/74) e ao João Crisóstomo, que também andou pelas nossas bandas, na Guiné, no setor L1 (Bambadinca, Xime, Enxalé, Missirá, Porto Gole...), e foi alf mil, da CCAÇ 1439, 1965/67...Vive em Nova Iorque, Queens, é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona. Manda-lhe o teu número de telefone / telemóvel para ele te contactar. Há muitos antigos camaradas nossos espalhados pelos EUA e Canadá...Temos tentado chegar até eles...

O nosso amigo Torcato Mendonça, de Mansambo, do tempo do cap Laranjeira Henriques, infelizmente já morreu. E o teu capitão Vaz também. E o Manuel Moreira, igualmente...Mas não ficaram na "vala comum do esquecimento"...

Um alfabravo. Luís

Anónimo disse...

Domingos Robalo (comentário na página do Facebook da Tabanca Grande, 27/2/2025, 19:26)

E era no “pilão “ que por vezes os fuzas e os páras se envolviam em festins de pancadaria. Quanto às missões de paz no pilão, havia alternativas junto das lavadeiras, algumas,que também lavavam a alma.
O tempo passou e sugiro que não se agite o tema, pelo menos em respeito a todos os intervenientes nesta área. Obrigado ao povo guineense.

Anónimo disse...

Manuel Serôdio (comentário na Página do faceboo da Tabanca Grandcem 28/2/2025, 9:37):

Domingos Robalo Para quê continuar a falar do Pilão, ou da mudança de nome após a retirada das forças armadas? O Pilão onde todos querem dar a sua "colherada" apenas porque por lá "passaram" alguns dias antes de se "internarem" na floresta. Também "visitei" o Pilão logo ao meu desembarque, e enquanto "estacionado" em Brá, e mais tarde um pouco melhor, quando a Companhia foi para o Quartel General esperando embarque. Comecei a fazer patrulhas quer diurnas quer noturnas, e mesmo assim não conheci o Pilão. O Pilão era um aglomerado imenso, onde coabitavam várias etnias, com alguns bares de média e fraca fama, local de zaragatas e pancadaria, local de muita prostituição, local altamente infiltrado pelo inimigo, local de muitos iformadores quer a favor das forças armadas, quer a favor do inimigo, (conheci um europeu, que no final da sua comissão se instalou no Pilão como fotógrafo, e atuava na "sombra" a favor do inimigo). Finalmente era isto o Pilão.

Anónimo disse...

Acabei de ler à gargalhada esta antologia sobre o Pilão e as cenas as que por lá se passaram.
O Serôdio, penso que era da PM! Bem ilustrou o que era o Pilão do meu tempo, 67-69.
Eu como cliente habitual do Pilão só tenho boas me, mas nada que dê para a gargalhada.
Estou a preparar o meu poste sobre o Pilão, e já escrevi que a minha grande vantagem era o meu transporte individual, a motorizada, bem como a minha inseparável lanterna em vez do pingolim.
Por isso nunca caí nas fossas da merda que era o ex-libris daquele resort.
E se caísse não precisava de táxi, tinha o meu próprio transporte que me levava directamente ao BIAFRA onde normalmente estava instalado nas minhas vindas a Bissau.
E depois tinha a piscina mesmo de noite!
Até breve.
Mas não possuo essa capacidade de fazer rir os outros com as desgraças de alguns.
Gostei e parabéns.
Virgílio Teixeira

Anónimo disse...

Esqueci que não caí nessa fossa, mas uma noite chegado com um amigo, vínhamos de Nhacra e Safim na motoreta, já bem avinhados ambos na mesma pequena motoreta.
Entrando no QG Santa Luzia, aquilo tinha valas profundas nas imediações do Clube, para evacuação rápida das águas da chuva, então mesmo com iluminação, perdi o controle e aterramos no fundo duma vala e voamos!
Uns pequenos arranhões fomos mudar de roupas e jantar na Messe.
Ficamos limpos, mas com ferimentos sofridos em COMBATE.
Vou ainda pedir uma invalidez ao exército, por ser em serviço esta queda brutal.
Abraço amigo
Continuo a rir do vosso espectáculo no HM241, por onde também passei duas semanas.
Virgílio Teixeira