1. Diz-se, no poste P26522 (*):
(...) Temos apenas umas trinta e tal referências sobre o Pilão: famigerado, para uns; triste, para outros, vergonhoso, para os mais puritanos e conservadores... Houve um presidente da Câmara municipal de Bissau, o major Matos Guerra, que por volta de 1966 o terá querido arrasar (segundo o comerciante Carlos Domingos Gomes, "Cadogo Pai", vereador na altura) ...
Ainda bem que prevaleceu o bom senso... (A ideia teria partido do próprio Governador e Comandante-Chefe, Arnaldo Schulz: alegava-se que o Pilão era umn "ninho de terroristas.) (...)
2. Esta história está mal contada pelo "Cadogo Pai" (Bolama, 1929 - Coimbra, 2021), o empresário e político Carlos Domingos Gomes, cujas memórias já aqui publicámos no blogue. E-nos impossível verificarr, caso a caso, por falta de contradeitório, a veracidade factual de tudo aquilo que aqui se escreve pelos nossos amigos e camaradas da Guiné. A não ser a posteriori, muitas vezes, cruzando com outras fontes.
"Cadogo Pai" engana-se nas datas: em 1966, o major Matos Guerra ainda não era major nem muito menos presidente da Câmara Municipal de Bissau, cargo que só exerceu durante dois anos anos e meio, de mar71 a out73 (portanto, no tempo do gen Spínola e não do gen Schulz).
Em 1966, José Eduardo Matos Guerra era simplesmente cap cav, cmdt da CMP 1489 (Bissau, Amura e Sta Luzia, out65/jul67). (**)
Segundo o portal UTW - Dos Veteranos da Guerrra do Ultramar (nota de obituário do cor cav na situação de reforma, Eduardo Matos Guerra, 1931-2016), este antigo combatente, depois da comissão na Guiné (out64/jul67), em 23jul68, encontrava-se colocado como adido na GNR, sendo então "promovido a major"...Em 23out70 regressa à metrópole, ficando colocado no RC3, Estremoz. Em 1mar1971, "tendo sido requisitado pelo Ministério do Ultramar para desempenhar comissão de âmbito civil na Província da Guiné Portuguesa, volta a Bissau"...
Quinze dias depois, em 16mar71 no palácio do governo provincial da Guiné Portuguesa, "é empossado no cargo de presidente do município de Bissau", cargo que exerceu até 18out73.
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > BART 2917 (1970/729 > Março de 1972 > Carreira de tiro > Da direita para a esquerda: (i) em primeiro plano, o general Spínola, e o ten cor Polidoro Monteiro (comandante do BART 2917); e atrásm (iii) o Guerra Ribeiro, transmontano. antigo administrador do concelho de Bafatá, e nesta altura intendente em Bafatá (e não em Bissau)
Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
A menos que quisesse referir-se a outro militar ou administrador civil (como, por exemplo, o Guerra Ribeiro, administrador da circunscrição nos anos 60 e depois intendente em Bafatá, no tempo de Spínola), o então comerciante e vereador "Cadogo Pai" nunca poderia ter trabalhado, em 1966, com o Matos Guerra, que era capitão da Polícia Militar, e não presidente da Câmara Municipal de Bissau.
Repôe-se aqui a verdade dos factos (***).
________________
(*) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26522: Humor de caserna (104 ): "Ontem fui ao Pilão, o que não quer dizer que fui às p..." (Bissau, 16 de dezembro de 1973, in: António Graça de Abreu, "Diário da Guiné", Lisboa, Guerra e Paz, 2007).
Companhia de Polícia Militar nº 1489
Identificação CPM 1489
Unidade Mob: RL 2 - Lisboa
Cmdt: Cap Cav José Eduardo Matos Guerra
Divisa: -
Partida: Embarque em 200ut65; desembarque em 260ut65 | Regresso: Embarque em 27Ju167
Em 26Nov65, transferiu o seu aquartelamento para Santa Luzia, também em Bissau.
Em 26Ju167, foi substituída pela CPM 1751, a fim de efectuar o embarque de regresso.
Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 83 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).
Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 581
No arquivo assinalava os mortos, os desaparecidos, os evacuados, os que tiveram a sorte de já ter regressado e os que se encontravam presentes. Claro que a curiosidade principal foi ver a ficha do maestro da banda. Tive oportunidade de estar bem perto dele, diversas vezes, Refiro-me ao homem da lupa pelo qual nunca tive qualquer simpatia.
Passado um mês tive oportunidade de concorrer a um cargo de Mestre de Obras, para a Cãmara Municipal de Bissau para o qual estava talhado, Chefiada pelo major [cav Eduardo} Matos Guerra [1931-2016] como Presidente da Câmara, homem duro, aliado e bastante protegido pelo Governador,
A partir desse dia a minha farda foi arquivada no armário até ao dia do regresso, Foi muito difícil desempenhar tal cargo, a Câmara não tinha recursos, imaginem que tinha que fazer os remendos das ruas com cimento, porque não tínhamos alcatrão.
Também existia uma empresa civil de construção ali sediada com o nome de TECNIL. Esses eram os meus fornecedores gratuitos.
Fiz uma messe para Sargentos e renovei o bar de oficiais dentro do Hospital Militar. Alarguei parte da estrada de Bissalanca, para o aeroporto, arrancando dezenas de mangueiros. Fiz uma vala de drenagem e alargamento da estrada para o Quartel General, Enfim, fiz várias obras de beneficiação para melhorar aquela cidade, passando nestas lides diárias os restantes e difíceis 23 meses. (...)
10 comentários:
Na altura em que morreu, a ANG - Agência de Notícias da Guiné, publicou no seu blogue o seguinte (negritos nossos):
segunda-feira, 10 de maio de 2021 > Obituário > PAIGC envia condolência à família do empresário Cadogo-Pai
Bissau 10 Mai 21 (ANG) – O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), enviou hoje em nome daquela organização politica e do seu Presidente uma mensagem de condolência aos familiares do empresário e ex-ministro da Justiça e Poder Local, Carlos Domingos Gomes, vulgo Cadogo Pai, falecido no passado dia 08 do mês em curso, em Portugal, vitima de doença prolongada.
De acordo com uma nota à imprensa à que a ANG teve acesso, o partido lembra que o malogrado foi dos primeiros guineenses a se destacar no sector empresaria, tendo desde a época colonial, estabelecido os seus negócios com sucesso, proeza que lhe valeram a alcunha de “Carlos Banco”,.
“Nos primeiros anos pós-independência contribuiu para emergência da nova classe empresarial, tendo sido um dos fundadores da Câmara do Comércio, Indústria, Agricultura e Serviços(CCIAS).
A nota refere que, nos anos 90, após ter desempenhado um “papel importante” , através de iniciativas cívicas, no processo de abertura politica e multipartidária ,Carlos Domingos Gomes, seria candidato independente às Eleições Gerais de 1994, tendo tido como base de apoio o Partido da Convergência Democrática (PCD) e certas franjas da Sociedade Civil.
Segundo o documento o malogrado apesar da derrota sofrido no escrutínio e , com o advento da nova República, passou a estabelecer pontes entre os diferentes actores políticos e sociais desavindos pela dinâmica da Democracia Pluralista, e que no decurso do conflito político-militar de 1998/99 teria contribuído “inestimavelmente” na reaproximação entre as partes em desavença, contribuindo e fazendo parte na instituição do então Governo de Unidade Nacional.
“Figura consensual de referência no sector empresarial e reserva moral na sociedade guineense, Cadogo Pai, deixa o legado de uma figura trabalhadora , honesta e frontal, que sempre amou o seu país. Nesta hora de dor e consternação, o PAIGC e o seu Presidente Domingos Simões Pereira endereçam as suas mais sentidas condolências à família enlutada”, lê-se na missiva dos libertadores.ANG/MSC/ÂC//SG
Spínola quis fazer em 5 anos o que não se tinha feito em 50 e muito menos em 500 anos (nos tais 500 anos da não-ocupação efetiva da Guiné)... Será que os guineenses o vão recordar, a ele, ao Sarmento Rodrigues, ao Honório Barreto e outros ?
Já pedi ao Evaristo Reis, que mora em Setúbal, para falar um pouco mais sobre o seu tempo como "mestre de obras" da CM Bissau, ao tempo do maj cav Matos Guerra... Porque é que este militar (e autarca) haveria de ficar na memória do Cadogo Pai (que é vereador da edilidade por volta de 1966) ?
Contrariamente ao dito no post, Guerra Ribeiro,em Março/72 era Intendente em Bafatá,não em Bissau.Há uma foto minha,publicada no Blogue,onde está presente aquela autoridade administrativa na cerimónia de encerramento do Curso de Milícias naquele mês de Março.Foto tirada na Carreira de Tiro.
Paulo, obrigado, vou corrigir... Confundem-se por vezes os dois "Guerras", o Matos Guerra e o Guerra Ribeiro. Nesta altura (1971/73), um era presidente da CM Bissau (requisitado à tropa) e o outro intendente (funcionário da carreira de administração colonial) em Bafatá, dizes tu... Assim sendo, num nem outro podiam ter estado ligados à construção do Bairro da Ajuda, em Bissau, em meados dos anos 60 (e destinado a realojar as vítimas de um grande incêndio de 1965)..,.
Haverá aqui confusão do nosso Cherno Baldé ?... Mas eu próprio começo a ficar com dúvidas: terá ido o Guerra Ribeiro para Bissau, depois de ter ter feito "bom trabalho" em Bafatá ?... Confesso que não sei o que fazia um intendente da carrreira de administração colonial...
É muito difícil, a esta distância temporal e sem estar presente nos locais onde as coisas, alegadamente, se passaram, emitir uma qualquer afirmação.
Facto insofismável é que, querendo alguém "arrasar" o Cupilom, ou não, ele está estava, lá ficou e, ao que já li por aí, cresceu até um tanto desmesuradamente.
Todas as coisas que se diziam sobre os perigos e as "vivências" do, e no, Bairro, teriam algum suporte de veracidade mas, como é habitual nestas circunstâncias, muito distorcidas e ampliadas.
Em 1971 e 1972 circulei pelo Bairro sem qualquer problema. É verdade que foi sempre de dia e acompanhado. Para fazer uma encomenda a um alfaiate (umas calças) e/ou para fazer de "pau de cabeleira" a um amigo que ia visitar outra pessoa.
Portanto, o Cupilom existia, tinha as suas peculiaridades, havia uma "fama" ampliada para assustar periquitos mas também servia de prevenção, existe ainda hoje e continua a ser motivo de recordações e "falatório".
Abraços
Hélder Sousa
Luis Graça,
Estive no BENG 447 de dezembro de 1968 a janeiro de 1971 . Fui o responsável pelo transporte, recepção e expedição de todos os materiais de engenharia para os reordenamentos (uma das prioridades do general Spinola) , estradas, e obras. A minha memória para nomes nunca foi boa e não me recordo do maj. Matos Guerra. Certo é que neste período nunca transportei materiais ou máquinas para obras nas ruas de Bissau.
Obrigado, Hélder, ajudas a repor a verdade, fazendo justiça aos moradores do Pilão, a maior parte deles gente pacata que lá vivia e trabalhava, como o teu alfaiate, ou civis que trabalhavam para a tropa... Nada como ser "vizinho". E tu moravas ali ao lado, em Santa Luzia...É assim que se (des)constroi as narrativas enviesadas racistas... Podíamos falar dos nossos bairros ditos "problemáticos", nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto, Setúbal, mais complicados (e inseguros) que o Pilão de há 50/60 anos atrás, enfrentando outros problemas...
Obrigado, João, estamos a falar do período de 16mar71 a 18out73, em que o maj cav Matos Guerra foi presidente da CM Bissau... Já tu não estavas lá. Mantenhas. Luís
Cá está um caso que ilustra a nossa convicção: não se pode confiar na nossa memória em matéria de datas..."Cadogo Pai", trocando nomes e datas, terá posto em causa a "honra" de um oficial português, colaborador próximo próximo de Spínola... o major cavalria José Eduardo Matos Guerra...
Também é preciso ter em conta que "Cadogo Pai" e "Cadogo Filho" tinham as suas divergências políticas, que nos abstemos de comentar, uma vez que ultrapassam o âmbito do nosso blogue...
É bom que os guineenses escrevam as suas memórias sobre a época colonial e a "luta de libertação", mas também estão sujeitos à crítica dos seus leitores.... A única coisa que pedimos a todos (combatentes e não combatentes, dum e doutro lado), é que confirmem os factos que relatam....
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