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quinta-feira, 20 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)


Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864).








Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864) (Detalhes). Tinha (tem) 4 baluartes: Bandeira, Puana (ou Poama),  Onça e Balança.


Guiné > Bissau > c. 1870 > A Rua de S. José, considerada como a artéria mais importante. Ia do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluart da Bandeira. 

Após o 5 de outubro de 1910, passou a designar-se como Rua do Advento da República; depois,  Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência, mudou  em 21 janeiro  de 1975,  paa Rua Guerra Mendes, um dos combatentes da liberdade da Pátria, mortos em combate.

 Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).




Guiné > Bissaau > Av República > Postal ilustrado > c. 1960/70 > : Av da República (Hoje, Av Amílcar Cabral) > Ao fundo, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau... Sob o arvoredo, do lado direito, a esplanada do Café Bento (O postal era uma Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 - Telef. 329775, Lisboa).

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




António Estácio (Bissau,
Chão de Papel, 1947 -
Sintra, Algueirão  2022),
V Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Monte Real,
 2010.
Foto: Luís Graça (2010)
1. Já na altura demos o devido destaque a esta publicação do nosso querido e saudoso camarada e amigo António Estácio (1947-2022): nascido em Bissau, fez o serviço militar em Angola, em 1970/72), foi engenheiro técnico agrícola, deixou saudades em Macau, escreveu diversos livros, vivia em Algueirão, Sintra, tinha duas filhas e seguramente netos. 

A propósito das mudanças de toponímia de Bissau logo no início de 1975 (*), fomos revisitar o livrinho "Nha Bijagó: respeitada personalidade da  sociedade guineense (1871-1959)" 
(edição de autor, 2011, 159 pp., il,).  (**)

Do prefácio, escrito por Eduardo Ferreira
respigamos entretanto os seguntes excertos (**):

(...) Ao ler este livro  não podemos 
deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta 
influência tiveram na costa ocidental 
africana,  em particular  nos Rios da Guiné, 
entre  o século XVI e finais do século XIX. 

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. 

A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos,  nomeadamente os europeus. 

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas” como:

  • a Bibiana Vaz, 
  • a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, 
  • a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” 
  • e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, 

entre muitas outras. 

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de:

  •  André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594
  •  ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 
  • ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, 
para apenas citar alguns.

(...) Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! 

O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”  (...)

(...) Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer. (...)

Eduardo J. R. Fernandes, "Prefácio" (**)

[O Eduardo Fernandes foi amigo e condiscípulo do autor no Liceu Honório Barreto, em Bissau, e na alutra, em 2011, era comentador da RDP África].

Leopoldina Ferreira,
Nha Bijagó
(1871-1959)
2. Leopoldina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó"  (Bissau, 1871 - Bissau, 1959) e a cronologia da cidade de Bissau

Aproveitando a vasta e valiosa pesquisa historiográfica do António Estácio, uma homem de várias pátrias (Guiné-Bissau, Portugal, Angola, Macau...) vamos aqui recolher e sintetizar algumas datas marcantes do desenvolvimento urbano de Bissau, correspondente ao período em que viveu a "Nha Bijagó" (1871-1959), acrescentando mais algumas de outras fontes:


(i) Leopoldina Ferreira (Pontes, pelo primeiro casamento...) nasceu em Bissau em 4 de novembro de 1871

(ii) era filha ("ilegítima", segundo a terminologia do  Código Civil em vigor na época, o de 1866) de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné);

(iii) morreu aos 87 anos, em 26 de maio de 1959;

(iv)  o nominho Nha Bijagó deve tê-lo recebido da mãe, Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau);

(v) pouco antes de ela nascer, em 1871, o 18º Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses Simpson Grant , proferiu a sentença referente à posse da ilha de Bolama, pertencente ao, então, distrito da Guiné, favorável a Portugal o que pôs termo ao conflito se arrastava com os ingleses;

(v) nessa altura Bissau era uma povoação encravada entre a fortaleza de S. José e um muro, com 4 metros de altura;

(vi) a igreja e o cemitério ficavam no interior da Amura;

(vii) de entre as poucas ruas e ruelas, extra-muros, a Rua de S. José era considerada como a artéria mais importante: a do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluarte da Bandeira; após o 5 de outubro de 1910, passou ser a Rua do Advento da República; depois, a Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência e a 21 janeiro  de 1975 a Rua Guerra Mendes; funcionaca como "passeio público" e tinha casas de sobrado

(viii) em 1872, tinha ela cerca de um ano "quando as ruas de Bissau começaram a ser iluminadas a petróleo" mas ainda eram "poucos os candeeiros";

(x) a 1877, foi criado o concelho de Bissau, sendo de 573 habitantes a população na área murada, composta por :

  • 391 nativos, 
  • 166 oriundos de Cabo Verde 
  • e, apenas, 16 europeus.

(xi)  em 1879, ainda a Nha Bijagó não tinha completado os oito anos, foi “a sede do Governo transferida para Bolama";

(xii) no dia 3 de agosto do mesmo ano, assinou-se o tratado de cessão a Portugal do território de Jufunco, ocupado pelos Felupes;

(xiii) pouco antes de Leopoldina completar os 12 anos de idade, 1883, foi publicado o decreto que dividiu a província da Guiné  em quatro circunscriçõess, criando-se assim os concelhos de Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. 

(xiv) tinha ela 14 anos quando Portugal e a França celebraram [ em Paris, em 1886] a convenção referente à delimitação das possessões dos 2 países na África Ocidental e que correspondem às atuais Repúblicas do Senegal, Guiné-Conacri e Guiné-Bissau;
.
(xv) as más condições climatéricas, agravadas pela insalubridade da região, dizimavam a população de tal modo que, em 1886, Bissau era o menos povoado de todos os aglomerados urbanos da Guiné;

(xvi) tinha Nha Bijagó já 18 anos quando foi, então, lançada, em 1889,  a primeira pedra para a tão almejada ponte-cais; (foi designada  por ponte Correia e Lança, em homenagem a Joaquim da Graça Correia Lança  Governador da Guiné., de 1888 a 1890)

(xvii) ano e meio depois, em fevereiro de 1891, o chefe dos Serviços de Saúde defendia que a capital deveria regressar à ilha de Bissau, ainda que para local ligeiramente diferente, isto é, puxando-a para a zona de Bandim que se situava “em terreno suficientemente elevado e com vertentes para a praia arenosa.”, o que, em termos de drenagem e salubridade, era, indubitavelmente, vantajoso; 

(xviii) à beira de completar 22 anos, registaram-se, no interior da fortaleza, dois incidentes graves, em 1893:

  •  o incêndio da enfermaria militar  (13 de janeiro) (vd. planta, 3);
  •  uma explosão (em 9 de maio);

(xvix) a 7/12/1893, a vila sofreu um grande cerco, movido por elementos da etnia Papel a que se juntaram os Balantas de Nhacra;

(xx) em 1894, é demolida uma  parte do muro de 4 metros de altura que ia do Fortim Nozolini ao Baluarte da Balança (vd. planta, 11, 13), com o objetivo de se construir uma igreja católica;

(xxi)  por volta dos seus 25 anos, dada a elevada densidade populacional intramuros, o governador Pedro Inácio Gouveia autorizou “o aforamento de, terrenos no ilhéu do Rei”,  tendo, em 1900, ali, chegado a ser instalado um lazareto; 

(xxii) a implantação da República em Portugal levou à mudança do Governador e, em 1912/13, o primeiro-tenente Carlos de Almeida Pereira manda demolir o muro que constrangia a expansão urbana;


Guiné > Bissau > s/d > Av República (hoje Av Amílcar Cabral), com placa central guarnecida  com árvores, que nos anos 50 seria removida, dando lugar a uma ampla avenida, com duas faixas de laterais, arborizadas, destinadas a estacionamento e delas separadas por um passeio. Fonte: António Estácio (2011)
  

(xxiii) Com a República há mudanças na toponímia:

  • Rua de S. José > Rua do Advento da República
  • Rua do Baluarte da Bandeira > Rua Almirante Reis
  • Travessa Larga > Travessa do Dr. Miguel Bombarda
  • Travessa da Botica > Travessa 5 d’ Outubro
  • Travessa da Ferraria > Travessa Honório Barreto;

(xxiv) depois da "campanha de pacificação" do cap João Teixeira Pinto (1913/15),  Bissau é finalmente  objeto dum plano de urbanização que lhe permitiu crescer de forma disciplinada e segundo malha ortogonal bem definida;

(xxv) a autoria do plano é do tenente-coronel engenheiro José Guedes Viegas Quinhones de Matos Cabral que, no início da década de vinte, seria o director das Obras Públicas na Guiné;

(xxvi) para além do Mercado Municipal e do Cemitério, por detrás do Hospital, etc., procedeu-se ao aterro e à regularização do molhe da rua marginal (Rua Agostinho Coelho, numa evocação do primeiro governador da Guiné)  e à construção do edifício-sede da Alfândega;

(xxvii) ao completar Nha Bijagó os seus 62 anos, teve lugar, em 1933, a transferência da sede da comarca judicial da Guiné, que passou de Bolama para Bissau;

(xxviii) em 1934, procedeu-se ao lançamento da primeira pedra para a construção do monumento ao Esforço da Raça, da autoria do Arq Ponce de Castro; as pedras foram enviadas do Porto e o monumento foi inaugurado em 1941; o único monumento colonial que resistiu ao camartelo revolucionário;



Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Baluarte da Puana > c. 1900 > Tropas expedicionárias (Foto do domínio público. Coleção Jill Rosemary Dias, em Memórias de África e do Oriente > Cortesia der Wikimedia Coommons)


Fortaleza da Amura. Foto de Manuel Coelho (c. 1966/68)


(xxix) em 1936, a Associação Comercial e Industrial da Guiné cedeu ao Estado o terreno que lhe fora concedido, o qual se destinava à sua sede e ficava em frente ao  edifício do Banco Nacional Ultramarino, para no local se construir um grande edifício onde, a par do Tribunal, foram instalados os Serviços de Administração Civil, assim como os Serviços de Fazenda;

(xxx) em 1939 foi a Fortaleza de S. José, vulgo Amura, classificada como Monumento Nacional

(xxxi) em finais da década de 30 foi celebrado o contrato para a realização dos estudos de abastecimento de água, melhoramento que só se viria a concretizar  na segunda metade da década  de 40;

(xxxii) transferência da capital de Bolama para Bissau,  em 19 de dezembro de 1941;

(xxxiii) em 1945 toma posse o novo governador, Sarmeno Rodrigues. (***)

 (xxxiv) em meados dos anos 40:

  • efetua-se um novo projecto de urbanização;
  • mudam de nome  as vilas de Canchungo (Teixeira Pinto) e Gabú (Nova Lamego)
  • procede-se à construção do depósito de água no Alto de Intim
  • assim como do Palácio do Governador; 
  • constroem-se moradias no “Bairro Portugal”
  • surge o Bairro de Santa Luzia; 
  • deu-se início à edificação da Catedral, do Museu e Biblioteca, etc.
(xxxv) procedeu-se à colocação de estátuas como a do navegador Nuno Tristão, a de Teixeira Pinto, a do grande guineense Honório Pereira Barreto, etc.

(xxxvi) a Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 6/4/1953;

(xxxvii)  de tudo isto e a muito mais Nha Bijagó foi contemporânea, como de:

  • a conclusão da nova ponte-cais, inaugurada em 18/5/1953 pelo Subsecretário de Estado Raul Ventura, 
  • a construção do aeroporto em Brá e à sua transferência para Bissalanca; 
  • a visita do Presidente da República Craveiro Lopes; 
  • a  inauguração do edifício situado na, então, Praça do Império, onde ficou a sede da Associação Comercial e Industrial da Guiné, etc. (****)

Fonte: Adapt. livre de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).

[Selecão / revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]



Nova ponte-cais (1953) e estátua de Diogo Gomes.
Postal ilustrado, edição Foto Serra.



Guiné > Bissau > s/d  > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império), ao fundo o cais do Pijiguiti (ou Pindgiguiti, como se escreve agora...), o porto de Bissau,  o ilhéu de Rei... Em primeiro plano, à esquerda, o edifício da administração civil da época colonial, hoje sede o ministério da Justiça.  O edifício a seguir, branco, no cruzamento da Av Amílcar Cabral com a Rua 19 de Setembro ea então o da  RTP África (antiga localização do Café Bento / 5ª Rep).



Guiné- Bissau > Bissau > c. 2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império). Em primeiro plano, a Catedral de Bissau.

Fotos:  © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
























_____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:




 

segunda-feira, 30 de março de 2020

Guiné 61/74 – P20791: (Ex)citações (363): Os conflitos e a dedicação do povo (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Os conflitos e a dedicação do povo


Camaradas, 

O momento sanitário que irreversivelmente fustiga a humanidade global, por via de um inimigo invisível que dá pelo nome de Covid-19, leva-nos, amiúde, procurar no nosso baú eternas lembranças de outras guerras, Guiné em concreto, onde fomos simplesmente atores numa peleja onde existiam duas frentes em combate, conhecendo-se, então, quem era afinal o inimigo nas trincheiras da morte. Combatia-se com armas de fogo, cujos resultados foram catastróficos. 

Hoje, o figurino mudou e a invisibilidade do inimigo não conhece, por ora, a vacina para a sua cura.

Neste âmbito, resolvi debitar mais um texto que surge no meu último livro "Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74", para vos "matar" um pouco do vosso tempo da quarentena que, por força real das circunstancias, fomos submetidos. 

Os conflitos e a dedicação do povo
Gratidão
Olhares distantes das mulheres grandes

Há histórias hilariantes de vida onde a encruzilhada da guerrilha se cruzou com a nobreza exótica de gentes que compartilhavam sentimentos comuns. A gratidão do povo guineense, no dar e receber, era enorme. O confronto no terreno, sendo real, não eliminava de todo um contacto permanente com uma população civil que se desfazia no ato “de bem servir” a tropa tuga.
Não vou, por razões realmente díspares, debruçar-me sobre acontecimentos reais da chamada guerrilha no terreno a qual, na minha modesta opinião, estava, aparentemente, condenada ao fracasso. Negociar? Talvez! Restava saber quando e como o processo poderia eventualmente evoluir.
A Guiné apresentava, no seu todo, um cenário deveras perspicaz tendo em conta a sua curta dimensão territorial e a forma como o PAIGC controlava os buracos no espaço. As emboscadas, ou os ataques aos quartéis, teriam pressupostamente um maior ronco se os guerrilheiros fossem possuidores de conhecimentos mais profícuos sobre a sua minuciosidade em usar as armas, ou na conceção mais exata em preparar uma guerrilha que, para nós, se apresentava transversalmente desigual.
O PAIGC contava com a ajuda de guerrilheiros cubanos que comandavam alguns dos estratos operacionais. Comentava-se, à época, que a sua operacionalidade assumia-se deveras importante nos confrontos. Tinham largos anos de experiência na guerrilha, comentava-se no interior dos arames que delimitavam os aquartelamentos no mato.
O IN abastecia-se com armamento russo, sendo disso exemplo as kalachinikovs, normalmente utilizadas nos confrontos diretos, a que se associavam armas de calibre superior. Ainda assim, as nossas tropas debitavam capacidades quando deparadas com o conflito. Foram heróis!
Esta minha análise, embora sintética, enquadrou-se em absoluto quando pela primeira vez me deparei com a fragilidade, penso eu, do IN. Estávamos no mês de novembro de 1973. Na transparência de um dia levado ao êxtase, tinha completado 23 risonhas primaveras, sendo que da metrópole tinham chegado queijos de ovelha e enchidos alentejanos, comestíveis enviados carinhosamente pela minha saudosa mãe, sendo que o “material”, embora escasso, foi de pronto devorado pelos meus companheiros de lides, lembro-me que pelo meio da festança e das muitas cervejas emborcadas, chegou, inesperadamente, uma mensagem que nos deixou algo desalentados.
Cerca das quatro horas da tarde, e sem que nada o fizesse prever, fui chamado ao capitão Ramalhete, o militar graduado que controlava o gabinete de operações, que me colocou a par das novidades acabadinhas de chegar: “temos conhecimento de um grupo IN perto da tabanca (não me lembro do seu nome), sendo urgente a nossa intervenção. Prepare o grupo de imediato e siga para o terreno”. E assim foi.
A estrada ligava Nova Lamego a Piche. Uma hora depois estávamos em contacto com a realidade da guerrilha. Em pé, e de peito aberto, o Jau (guia), já conhecedor do perigo que a situação impunha, aconselhava a deitar-me uma vez que o risco ganhava uma maior grandeza.
Vincando a minha condição de ranger, tentei apaziguar as hostes porque a reação do IN, à primeira vista, parecia-me algo dispersa. A sua cadência de tiro um pouco anárquica e os sons da sua algazarra confusa. O certo é que o tiroteio serenou e a malta, antes de anoitecer, retirou sem prejuízos de maior monta.
No dia seguinte, em reconhecimento ao local, constatou-se que se tratou de um grupo, quiçá em instrução, que deixou antever inexperiência, permitindo que o pessoal no terreno não tivesse sofrido sequelas físicas, nem tão-pouco baixas para engrossar o rol de jovens infelizes tombados em combate.
Lembro a maneira como o meu camarada ranger Rui Fernandes Álvares, furriel miliciano, e do meu curso em Lamego, ironizou a situação quando chegado ao quartel e comentou o diabólico contacto: “vi um turra a fugir, apenas com uma perna, de arma na mão e a dar tiros em todas as direções. Fugia que nem uma lebre”.
Depois, embevecia-se a fazer o filme ao pormenor e a malta ria que se desunhava. O Rui era um rapaz de bom trato, com um coração enorme e oriundo do concelho de Boticas. As suas telas cinéfilas, entretanto desenhadas, eram divinais. O seu nome jamais me fugiu da memória. A sua inclinação para criar um bom ambiente era brilhante. Um moço porreiro. Brincava com as fatalidades da guerra.
O Rui, tal como a maioria da rapaziada que pisava o palco da guerrilha, não meditava, creio, a preceito com os buracos impensáveis que a guerra impingia ao infeliz soldado chamado “carne para canhão”, propunha-se, isso sim, a disfarçar os confusos e agrestes contornos que o conflito colocava no terreno.
Éramos jovens. Não temíamos as adversidades que o rosto da mata adensada e das estreitas picadas impunham. E tantas foram as ocasiões em que a despreocupação em cima do Unimog, já caquético, nos conduzia a uma pura brincadeira não temendo o momento seguinte.
Recordo uma tarde a caminho de Piche a viatura que seguia atrás embater na traseira daquela que rolava à sua frente e a malta a atirar-se para o chão embrenhado entre as granadas da bazuca, do morteiro 60 e das G3 que transportávamos nas mãos. Um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas. Um “acidente” que, felizmente, não causou vítimas a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso.
Colocando de parte as ações da guerrilha, e as vitimizações que ela provocou, vou referir uma alegação que sempre considerei nobre: A GRATIDÃO! Não me recordo que em tempo algum tivesse sentido a nefasta opinião que a população guineense se mostrasse desordeira sempre que solicitada a um eventual pedido para uma pontual colaboração e humildemente reconhecia que a nossa tropa era um meio intervencionista para a sua própria sobrevivência.
Dar e receber apresentava-se como uma reciprocidade maioritariamente perfeita. Reconheço que a sua posição no meio territorial não se apresentava nada fácil. Lidar com duas frentes da guerrilha, manifestava uma assimetria desigual. De um lado os guerrilheiros do PAIGC, homens eventualmente conhecidos na tabanca, filhos da terra, familiares, e com quem amiúde trocavam opiniões, assumindo-se estes como os verdadeiros mestres para libertarem o território dos ditos invasores brancos; do outro, a tropa “tuga” que lutava para defender pressupostos direitos alheios, desconhecendo por completo as razões pelas quais expunha o seu corpo à bala. Uma situação dúbia que determinava a neutralidade de uma população carenciada e sobretudo sofrida.
Neste contexto, ter-me-ei apercebido da verdadeira ação do povo. Lidar com as duas faces da moeda não era fácil. Um dia tivemos conhecimento que numa tabanca situada na zona de Gabu o PAIGC se havia ali instalado. A aproximação à tabanca careceu de cuidados redobrados. Mesmo assim lá chegámos sem problemas que afligissem o grupo. A nossa ação foi pronta.
As informações recolhidas no local foram, a princípio, escassas. O chefe de tabanca dizia desconhecer a existência de guerrilheiros inimigos naquele local e era convictamente apoiado por quase toda a população. Só que pelo meio da conversa alguém se descuidou. O Jau, perito nestas andanças e sempre atento, apercebeu-se e toca a pôr o homem que bufou a confessar.
Ficámos a saber que um grupo de guerrilheiros pernoitou na noite anterior na tabanca, mataram uma vaca, comeram e beberam, fizeram uma festa e ao romper da aurora partiram para um novo rumo.
Esta conceção, tida como perfeitamente atendível, sublinha o reconhecimento de um povo em guerra que brigava, apenas, pela sua sobrevivência. Aliás, a forma como toda a população se entregava a uma missão plenamente percetível, deixava antever que o seu sentimento puro de dar e receber não suspendia os começos que a guerrilha, desde o seu início, lhe propusera.
Numa viagem memorial aos idos da década de 1970, recordo os tempos passados na Guiné em que recebi e dei momentos de enorme gratidão. Um abraço sentido para o povo da Guiné!



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.: 

Vd. também o último poste desta série: 

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20320: Historiografia da presença portuguesa em África (184): O desenvovimento urbano de Bissau, no período em que viveu Leopodina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó" (1871-1959)


Guiné > Bissau > C. 1870 > A Rua de S. José, considerada como a artéria mais importante. Ia do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluarte da Bandeira. Após 5 de outubro de 1910, passou a designar-se como Rua do Advento da República; depois,  Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência, mudoum  em 21 janeiro  de 1975,  Rua Guerra Mendes, um dos combatentes da liberdade da Pátria, mortos em combate.

 Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).




Guiné > Bissaau > Av República > Postal ilustrado > c. 1960/70 > : Av da República (Hoje, Av Amílcar Cabral) > Ao fundo, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau (O postal era uma Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 - Telef. 329775, Lisboa).

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



António Estácio, V Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Monte Real, 2010. Foto; 
1. Já na altura demos o devido destaque a esta publicação do nosso camarada e amigo António Estácio (n. 1947, em Bissau, fez o serviço militar em Angola, em 1970/72),  que representou vários anos de pesquisa, com recurso a várias técnicas (entrevistas, análise documental, observação participante, viagem a Bissau e Bolama em 2006, etc. , tudo a expensas do autor.)


E a propósito das mudanças de toponimia de Bissau, fomos revisitar o livrinho "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).  (**)

Do prefácio, escrito por Eduardo Ferreira, respigamos entretanto os seguntes excertos (*):

(...) Ao ler este livro  não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX. 

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos,  nomeadamente os europeus. 

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras. 

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.

(...) Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! 

O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”  (...)

(...) Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer. (...)

Eduardo J. R. Fernandes, "Prefácio" (*)

[O Eduardo Fernandes, amigo e condiscípulo do autor no Liceu Honório Barreto, em Bissau, e na alt7ra, em 2011, comentador da RDP África].

Nha Bijagó (1871-1959)
Leopoldina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó"  (Bissau, 1871 - Bissau, 1959) e a cronologia da cidade de Bissau

Aproveitando a vasta e valiosa pesquisa historiográfica do António Estácio, uma homem de várias pátrias (Guiné-Bissau, Portugal, Angola, Mavau...= vamos aqui recolher e sintetizar algumas datas marcantes do desenvolvimento urbano de Bissau, correspondente ao período em que viveu a "Nha Bijagó"(com a devida vénia ao autor...)


(i) Leopoldina Ferreira (Pontes, pelo primeiro casamento...) nasceu em Bissau em 4 de novembro de 1871. Era filha ("ilegítima", segundo a terminologia do Código Civil em vigor na época, o de 1866) de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné) . Morreu aos 87 anos, em 26 de Maio de 1959. O nominho "Nha Bijagó" deve tê-lo recebido da mãe, Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau).
(ii) Pouco antes de ela nascer, em 1871, o 18º Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses Simpson Grant , proferiu a sentença referente à posse da ilha de Bolama, pertencente ao, então, distrito da Guiné, favorável a Portugal o que pôs termo ao conflito se arrastava com os ingleses.

(iii) Nessa altura Bissau era uma povoação encravada entre a fortaleza de S. José e um muro, com 4 metros de altura. A igreja e o cemitério ficavam no interior da Amura. De entre as poucas ruas e ruelas, extra-muros, a Rua de S. José era considerada como a artéria mais importante. Ia do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluarte da Bandeira. Após 5 de outubro de 1910, passou a Rua do Advento da República; depois, a Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência e a 21 janeiro  de 1975 a Rua Guerra Mendes.

(iv) Em 1872, tinha ela cerca de um ano "quando as ruas de Bissau começaram a ser iluminadas a petróleo. Eram, todavia, poucos os candeeiros"...

(v) A 1877, foi criado o Concelho de Bissau, sendo de 573 habitantes a população na área murada, composta por 391 nativos, 166 oriundos de Cabo Verde e, apenas, 16 europeus.

(vi) Em 1879, ainda a "Nha Bijagó" não tinha completado os oito anos, foi “a sede do Governo transferida para Bolama.” 

(vii) No dia 3 de agosto do mesmo ano, assinou-se o tratado de cessão a Portugal do território de Jufunco, ocupado pelos Felupes.

(viii) Pouco antes de Leopoldina completar os 12 anos de idade, foi publicado o decreto que dividiu a província da Guiné  em quatro circunscriçõess, criando-se assim os concelhos de Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. 

(ix) Tinha ela 14 anos quando Portugal e a França celebraram [, em Paris, em 1886,] a convenção referente à delimitação das possessões dos 2 países na África Ocidental e que correspondem às atuais Repúblicas do Senegal, Guiné-Conacri e Guiné-Bissau.
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(x) As más condições climatéricas, agravadas pela insalubridade da região, dizimavam a população de tal modo que, em 1886, Bissau era o menos povoado de todos os aglomerados urbanos da Guiné.

(xi) Tinha “Nha Bijagó” já 18 anos quando foi, então, lançada, em 1889,  a primeira pedra para a tão almejada ponte-cais,( Foi designada  por ponte Correia e Lança, em homenagem a Joaquim da Graça Correia Lança  Governador da Guiné., de 1888 a 1890,)

(xii) Ano e meio depois, o chefe dos Serviços de Saúde defendia que a capital deveria regressar à ilha de Bissau, ainda que para local ligeiramente diferente, isto é, puxando-a para a zona de Bandim que se situava “em terreno suficientemente elevado e com vertentes para a praia arenosa.”, o que, em termos de drenagem e salubridade, era, indubitavelmente, vantajoso.

(xiii) À beira de completar 22 anos, registaram-se, no interior da fortaleza, dois incidentes graves, em 1893: o incênndio da da enfermaria militar e uma explosão;

(xiv) A 7/12/1893, a vila sofreu um grande cerco, movido por elementos da etnia Papel a que se juntaram os Balantas de Nhacra.

(xv) Em 1984, é demolida uma  parte do muro de 4 m. de altura que ia do Fortim Nozolini ao Baluarte da Balança, com o objetivo de se construir uma igreja católica.

(xvii) Por volta dos seus 25 anos, dada a elevada densidade populacional intramuros, o governador Pedro Inácio Gouveia autorizou “o aforamento de, terrenos no olhéu do Rei”m tendo, em 1900, ali, chegado a ser instalado um lazareto.

(xviii) A implantação da República em Portugal levou à mudança do Governador e, em 1912/13, o primeiro-tenente Carlos de Almeida Pereira manda demolir o muro que constrangia a expansão urbana.

Guiné > Bissau > s/d Av República (hoje Av Amílcar Cabral), com placa central guarnecia  com árvores, que nos anos 50 seria removida, dando lugar a uma ampla avenida, com duas faixas de laterais, arborizadas, destinadas a estacionamento e delas separadas por um passeio. Fonte: António Estácio (2011)
  

(xix) Com a República há mudanças na toponímia:

Rua de S. José > Rua do Advento da República
Rua do Baluarte da Bandeira > Rua Almirante Reis
Travessa Larga > Travessa do Dr. Bombarda
Travessa da Botica > Travessa 5 d’ Outubro
Travessa da Ferraria > Travessa Honório Barreto

(xx) Depois da "campanha de pacificação" do cap João Teixeira Pinto (1913/15),  Bissau é finalmente  objeto dum plano de urbanização que lhe permitiu crescer de forma disciplinada e segundo malha ortogonal bem definida. A autoria do plano é do tenente-coronel engenheiro José Guedes Viegas Quinhones de Matos Cabral que, no início da década de vinte, foi director das Obras Públicas na Guiné.

(xxi) Para além do Mercado Municipal e do Cemitério, por detrás do Hospital, etc., procedeu-se ao aterro e à regularização do molhe da rua marginal {, Rua Agostinho Coelho, numa evocação do primeiro governador da Guiné],  e à construção do edifício-sede da Alfândega.

(xxii) Ao completar 62 anos, teve lugar, em 1933, a transferência da sede da comarca judicial da Guiné, que passou de Bolama para Bissau.

(xxiii) Em 1934, procedeu-se ao lançamento da primeira pedra para a construção do monumento ao Esforço da Raça, da autoria do Arq Ponce de Castro. (. As pedras foram enviadas do Porto e o monumento foi inaugurado em 1941; o único monumento colonial que resistiu ao camartelo revolucionário.)

Fortaleza da Amura. Foto de Manuel Coelho (c. 1966/68)
(xxiv) Em 1936, a Associação Comercial e Industrial da Guiné cedeu ao Estado o terreno que lhe fora concedido, o qual se destinava à sua sede e ficava em frente ao  edifício do Banco Nacional Ultramarino, para no local se construir um grande edifício onde, a par do Tribunal, foram instalados os Serviços de Administração Civil, assim como os Serviços de Fazenda;

(xxv) Em 1939 foi a Fortaleza de S. José, vulgo Amura, classificada como Monumento Nacional.

(xxvi) Em finais da década de 30 foi celebrado o contrato para a realização dos estudos de abastecimento de água, melhoramento que só se viria a concretizar  na segunda metade da década  de 40.

(xxvii) Transferência da capital de Bolama para Bissau,  em 19 de Dezembro de 1941. Em 1945 tomna posse o novo governador, Sarmeno Rodrigues. (***)

 (xxviii) Em meados dos anos 40 efectua-se um novo projecto de urbanização, mudam de nome  as vilas de Canchungo (Teixeira Pinto) e Gabú (Nova Lamego), procede-se à construção do depósito de água no Alto de Intim, assim como do Palácio do Governador; constroem-se moradias no “Bairro Portugal” e surge o Bairro de Santa Luzia; Deu-se início à edificação da Catedral, do Museu e Biblioteca, etc.

Nova ponte-cais (1953) e estátua de Diogo Gomes.
Postal ilustrado, edição Foto Serra.
(xxix) Procedeu-se à colocação de estátuas como a do navegador Nuno Tristão, a de Teixeira Pinto, a do grande guineense Honório Pereira Barreto, etc.

(xxx) A Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 6/4/1953.

(xxxi)  De tudo isto e a muito mais “Nha Bijagó” foi contemporânea, como da conclusão da nova ponte cais, inaugurada em 18/5/1953 pelo Subsecretário de Estado Raul Ventura, à construção do aeroporto em Brá e à sua transferência para Bissalanca; à visita do Presidente da República Craveiro Lopes; à inauguração do edifício situado na, então, Praça do Império, onde ficou a sede da Associação Comercial e Industrial da Guiné, etc. (****)

Fonte: Adapt. livre de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).

A aquisição do livro poderá ser feita diretamente com o autor, através de contacto telefónico:  fixo >  + 351 21 922 9058: telem > + 351  962 696 155.

[Selecão / revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes

Vd. também poste de 16 de setembro de  2011 > Guiné 63/74 - P8785: Notas de leitura (274): Nha Bijagó, de António Estácio (Mário Beja Santos)

(**) Vd. postes de:


4 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20311: Memória dos lugares (395): Roteiro de Bissau Velha: ruas antigas e ruas atuais, onde se localizavam algumas casas comerciais do nosso tempo: café Bento, Zé da Amura, Pintosinho, Pinto Grande / Henrique Carvalho, Taufik Saad, António Augusto Esteves, Farmácia Moderna...

(***) Vd. também > 18 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17877: Historiografia da presença portuguesa em África (98): Bissau, em 1947, ao tempo de Sarmento Rodrigues, revisitada por Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"

(****)  Último poste da série > 6 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20318: Historiografia da presença portuguesa em África (182): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (1) (Mário Beja Santos)