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domingo, 26 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22847: Memória dos lugares (434): Hospital Militar de Hamburgo, onde estiveram internados, para tratamento e reabilitação, camaradas nossos deficientes como o Quebá Soncó (CCAÇ 1439) e o António Dias das Neves (CCAV 2486): não se sabe quantos, mas devem ter sido algumas centenas de um total de mais de 1800 "amputados", entre 1964 e 1974


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu Pai é o que está na cadeira de rodas com o prato na mão. Esteve lá 8 meses. Antes passou pelo anexo de Campolide, em Lisboa, onde fez 18 operações" (Marisa Neves).



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que está no lado direito, de camisola acastanhada, sentado na cadeira de rodas" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que está de frente, de  camisola acastanhada" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que vem com duas muletas,  de camisola branca" (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o de camisola castanha, sentado na cadeira de rodas, em primeiro plano " (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai sentado na cadeira de rodas, e com um camarada ao lado" (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai, junto a um lago, amparando-se a m camarada" (MN)

Antiga Alemanha Ocidental  (ex-RFA - República Federal Alemã) > Hamburgo > Hospital Militar de Hamburgo > Álbum fotográfico de António Dias das Neves (1947-2001) (*) 


Fotos (e legendas): © Marisa Neves (2011) Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Depois de ter ficado sem as duas pernas, devido ao acionamento de uma mina A/P, a norte de Bula, no decurso da tão mediatizada Op Ostra Amarga, 18 de Outubro de 1969, o sold at cav António Dias das Neves, da CCAV 2486/BCAV 2868 (1969/70), foi evacuado para a metrópole, longe dos holofotes da televisão e do voyeurismo dos jornalistas franceses... e daqui para a Alemanha

Sabemos que passou esteve no Hospital Militar da Estrela, anexo de Campolide, desde finais de 1969. Deve ter ido no ano seguinte   para o prestigiado Hospital Militar de Hamburgo, na Alemanha  onde recebeu, com sucesso, duas próteses que lhe permitiram refazer a sua vida como civil... na sua terra natal, Ramada, Odivelas.

"O meu pai fez bastantes amigos durante os 8 meses que esteve em recuperação no hospital de Hamburgo. Sei que fartou-se de passear, pois tenho alguns postais de vários sítios da Alemanha que o meu pai mandava para a minha avó", escreve-nos a sua filha Marisa Neves.

"Sei também que o meu pai foi um caso de sucesso na adaptação das próteses, sei que fizeram bastantes arquivos documentados para próximos doentes".

"As pessoas que acompanham o meu pai nas fotos, infelizmente não sei quem são, só ele poderia dizer ou a minha avozita que infelizmente faz agora dia 6 de Novembro [ de 2011] num ano que me deixou. O meu pai sempre foi um homem de coragem e de orgulho".


Em 1979 nasceu a sua primeira filha, Marisa Neves. Estas fotos, recebidas originalmente sem legenda, documentam a parte final, germânica, do seu calvário da Guiné...

Sobre a hospitalização do seu pai, a Marisa disse-nos o seguinte:

 "Em relação aos hospitais, infelizmente não sei datas concretas, acho que ele foi, primeiro, para Bissau [ HM 241]   e depois veio para Portugal [ HMP] . A seguir foi transferido para Alemanha. Sei que esteve algum tempo na Alemanha em tratamentos e recuperação para adaptação das próteses". 

E, ao que parece, adaptou-se bem, do ponto de vista funcional, às suas novas pernas artificiais, segundo o testemunho da filha.

Há um ponto que não conseguimos (ainda)  esclarecer com a Marisa. Diz ela que, de acordo com a caderneta militar, o pai foi "evacuado para o HMP em 6/11/71"... "por despacho de 30/12/70 de sua Excia o Secretário de Estado do Exército" (?)... 

Admitamos que é um erro de transcrição, dela ou do burocrata do exército... Não é crível que tenha ficado mais de dois anos no HM 241, em Bissau (contando o período que medeia entre a data dos ferimentos em combate, 18/10/1969, e a alegada mas improvável data de evacuação para o HMP, 6/11/71)... É mais provável que a data seja 6/11/1969... Por outro não se entende a referência ao "despacho" do Secretário de Estado do Exército, de 30/12/70.

Por outro lado,  foi-lhe contado 100% o  tempo  de  serviço militar no TO da Guiné, desde 1/3/169 (data de desembarque da CCAV 2486) ate´31/12/1970.

Foi condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª Classe.




Fonte: Revista de Cavalaria: Anais da Cavalaria Portuguesa, Ano de 1971, pág. 96



2. De qualquer modo, o que importa é sublinhar a novidade destas fotos do álbum da filha de uma camarada nosso, já falecido, integrado na Tabanca Grande a título póstomo (poste P8910) (*),  em 2011, quando aqui foram publicadas (poste P8914) (**) eram as primeiras de camaradas nossos, feridos gravemente na guerra de África, e n0meadamente amputados, que foram beneficiários do programa de tratamento e reabilitação do Hospital Militar de Hamburgo...  

Não sabemos quantos por lá passaram, pro Hamburgo, por causa das próteses...Um deles foi o Quebá Soncó, que também perdeu uma perna, no dia 7 de dezembro de 1966, ao serviço da CCAÇ 1439 (***). 

 O mesmo se passa com o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitção, inaugurado em 1966 ... Não sei se a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas tem informação estatística, ou dados históricos, adicionais, com referência  aos utentes portugueses do Hospital Militar de Hamburgo, entre 1964 e 1974.

Segundo Pedro Marquês de Sousa ("Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 144),  dos cerca de 28 mil feridos graves evacuados durante a guerra (nos 3 teatros de operações),  "resultaram cerca de 14 mil deficientes  (5120 com grau de deficiência superior a 60%)"...  

Desses 14324 feridos graves e deficientes, 1852 estão classificdos na categoria de "amputados" (12,9%), dos quais 480 em Angola, 540 na Guiné, 697 em Moçambique e 135 na instrução e serviço militar. (Algumas centenas destes amputados deverão ter sido tratados e recuperados no Hospital Militar de Hamburgo, acrescentamos nós.)

À Marisa já aqui deixámos, em 2011, o nosso profundo reconhecimento por querer partilhar, connosco, com os camaradas do seu pai, este cantinho da sua intimidade, o álbum fotográfico do seu querido pai e seu grande herói (**).



3. Sobre o programa de reabilitação dos deficientes da guerra colonial no Hospital Militar de Hamburgo (****), iniciado em 1963, publicamos uma "nota histórica",  excerto da revista ELO, da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, julho de 2013, pág. 9, com a devida vénia:


Pequeno historial

Em 1963 uma delegação alemã visitou Portugal. Integrava essa mesma delegação o General médico, Diretor do Serviço de Saúde Militar da República Federal da Alemanha, que foi convidado pela Cruz Vermelha Portuguesa, através do então Movimento Nacional Feminino, a visitar o Hospital Militar Principal, onde já se encontravam um número significativo de deficientes vindos dos conflitos das ex-colónias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

Na sua maioria, esses mutilados eram vítimas de rebentamentos de minas. Esta visita deu origem à assinatura de um protocolo em que os médicos militares alemães aplicariam a sua ampla experiência adquirida com mutilados das primeira e segunda guerras mundiais, no tratamento dos mutilados portugueses. O referido protocolo também estava relacionado com a presença da Força Aérea Alemã na base de Beja e dependências em Alverca.

Em 1964, os primeiros deficientes de guerra foram internados no Serviço de Cirurgia do Hospital Militar de Hamburgo (nessa data chamava-se Standortlazarett, depois Bundeswehrlazarett) e eram levados diariamente para tratamentos para o hospital de acidentados em Hamburgo – Hospital de Bergedorf.

Em 1966, foi colocado no Hospital Militar de Hamburgo o então Capitão-de-Fragata, médico, Dr. Franz Traut, especialista em ortopedia de guerra, que criou o Serviço de Ortopedia e também foi o responsável pela instalação de uma casa ortopédica dentro do Hospital Militar.

Para complementar o processo, disponibilizou duas enfermarias, uma com seis camas e outra com quatro, destinadas aos deficientes das Forças Armadas portugueses. Criou também o Serviço de Fisiatria e chamou a fisioterapeuta, Srª. Frauke Maltusch, docente no Hospital Universitário de Eppendorf, em Hamburgo.

Os mutilados eram transportados de e para Portugal nos aviões militares de transporte alemães – a princípio Noratlas, depois Transal, sempre acompanhados por um oficial médico ou sargento enfermeiro portugueses. Os custos inerentes a todo o processo, eram suportados pelo Estado alemão.

Em 1975 e em virtude dos conflitos coloniais terem terminado, o número de camas foi reduzido para seis.

Em 1986, o então Capitão de Mar-e-Guerra, médico, Dr. Franz Traut, passou à situação de reforma (os médicos alemães eram obrigados a passar à reforma aos 60 anos) e foi substituído pelo Coronel médico, Dr. Joachim Niehaus.

Este acordo terminou em 1991 e os últimos deficientes militares regressaram a Portugal, em setembro de 1991. A partir desta data, apenas aqueles que necessitavam de tratamentos que não encontravam resposta em Portugal, eram autorizados a irem para o Hospital Militar de Hamburgo.

Atualmente, a chefia do Serviço de Ortopedia e Cirurgia de Acidentados é exercida pelo Coronel Médico, Dr. Bernhard Klein, o qual já efetuou diversas deslocações a Portugal, tendo visitado o então Hospital da Força Aérea e a ADFA.

O Dr. Franz Traut, a fisioterapeuta Frauke Maltusch e outros elementos ligados aos Deficientes das Forças Armadas (DFA), em 1981, foram condecorados pelo então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Garcia dos Santos, em cerimónia pública no Estado-Maior do Exército.

Em 1977, o General Ramalho Eanes, na qualidade de Presidente da República, visitou os Deficientes da Forças Armadas no Hospital Militar de Hamburgo.

(***) Vd. poste de 25 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha
 
(****) Último poste da série > 8 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22788: Memória dos lugares (433): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte IV

sábado, 25 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadicna) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Missirá > O alf mil João Crisóstomo e o régulo do Cuor, Malan Soncó, alferes de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977, 
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



1. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)

Parte XV: Memórias do Quebá Soncó



Dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 1966

Realizou-se a Op FIFA no Chão Balanta que consistiu em emboscadas e batidas na região de Colicunda, Durante as emboscadas não houve contacto com o IN.

Foram capturados três elementos , sendo dois de menor idade e entregues ao posto Administrativo e o terceiro entregue ao BCAç 1888.


Dia 7 de Dezembro de 1966

Eu fiz parte desta operação, mas não me recordo de pormernores, excepto do momento em que Quebá Soncó foi ferido. Por isso transcrevo o que consta do relatório até esse momento, e falarei/lembrarei depois Quebá Soncó.

(...) A CCaç 1439 realizou a Op Harpa na região a N de Cherel, a fim de explorar uma informação dum prisioneiro que disse conhecer a casa de mato de Cubadjal.

O prisioneiro que serviu de guia não colaborou devidamente com a tropa, tendo conduzido por um itinerário muito vigiadoo pelo IN. Desta forma as NT foram detectadas a cerca de 1.000 metros do acampamento por uma a sentinela dupla que se encontrava colocada sobre uma árvore absolutamente camuflada. À aproximaçnao das NT a sentinela disparou várias rajadas de P. M. alertando desta forma todo o acampamento. Quando as NT, numa tentativa de aproximação rápida do referido acampamento o mesmo encontrava-se abandonado. Feita uma batida, foi encontrada uma tabanca a qual tinha sido da mesma forma abandonada." (...) 

"Resultados obtidos: Destruiram-se 13 casas de mato no acampamento IN e 10 casas na tabanca satélite.

Foi destruida grande quantidade de arroz e capturados 4 pentes de munições cal 7.9.

Baixas estimadas em número não estimado."


E o relatório diz então que, "quando a sentinela disparava sober as NT ( portanto no início da aproximação) foi atingido numa perna o caçador auxiliar contratado Quebá Soncó, evacuado para o HMP". 

E o relatório prossegue:

(...) "Mais uma vez foi distinguido o 1º cabo nº 5939264, Dionísio Lopes Ferreira, tendo demostrado a sua competência e sangue frio,  não abandonado o ferido mesmo debaixo de fogo IN,  prestando uma assistência permanente e cuidadosa." (...)

Lembro bem esses momentos e a dedicação e sangue frio do cabo enfermeiro, como vem descrito.

O que discordo é do momento e situação em que isso aconteceu. Se isto tivesse sucedido durante a aproximação, não teria havido mais esse assalto ao campo inimigo, deixando o enfermeiro a cuidar de Quebá Soncó.

Estas “rajadas de metralhadora” e o ferimento de Quebá Soncó foram depois do assalto quando já regressávamos e de repente começou um forte tiroteio, que era a uma distância razoável e que durou algum tempo. 

 Lembro-me que estava a disparar a minha G3 como um louco para onde me parecia vir o fogo IN, quando o o Quebá Soncó, que estava mesmo ao meu lado esquerdo,   foi ferido. E lembro que o fogo, embora de longe, ainda continuou por algum tempo, e de ver o enfermeiro Dionísio, ainda o tiroteio não tinha acabado, a ajudar o Quebá Soncó e logo a pedir que chamassem um helicópetro para o evacuar para Bissau.

Não sei se Quebá Soncó era considerado “caçador auxiliar contratado”. Ele era o filho do régulo de Missirá, Malan Soncó, a quem na devida altura iria suceder como régulo de Missirá. O que sei é que ele estava sempre connosco,  sempre com um grande sorriso contagiante e sempre voluntário inspirando com o seu exemplo o resto do pessoal da tabanca. 

Depois do meu regresso a Portugal,    escrevemo-nos por algum tempo. A sua volta à Guiné, em outubro de 1967.   simultânea com a minha ida para a Inglaterra,  ocasionou a perda de contactos. Mas lembro-o sempre assim, amigo e brincalhão também. E assim continuou, mesmo depois de ter sofrido a amputação duma das pernas. 

Uma das cartas que seguem, foi escrita já depois de ter regressado à Guiné  (, datada de Bambadinca, 18 de outubro de 1967). A outra carta que junto também, escrita quando ele estava na Alemanha Ocidental (, Hamburgo, 6 de agosto de4 1967), é uma boa amostra da sua jovialidade. Nunca mais o esquecerei. Já falei de Quebá Soncó numa outra ocasião (Vd. poste P21797)  (**)

Acabada a Guiné, quando voltei, logo que fui a Lisboa  fui visitá-lo ao Hospital Militar Principal.  Ficou contente de me ver e mostrou vontade de conhecer Lisboa antes de partir para a Alemanha onde ia para lhe porem uma perna artificial. E, mesmo na condição em que ele estava, de muletas  – ele insistia que não era problema e se podia movimentar – eu peguei nele e de taxi andei com ele  dum lado para outro  e mostrei-lhe Lisboa tanto quanto pude fazer.  Ele não o esqueceu e  depois de voltar à Guiné escreveu-me uma carta lembrando isso, carta essa que faz parte  do mencionado Poste de 23 /01/21 (**).


Dia 17 de Dezembro de 1966

No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta. Noto que esta operação é quase uma repeticão de uma que teve lugar em 10 de Junho, operação GOLO 1. A região era realmente muito perigosa, como tristemente e à custa de muitas mortes nas NT,  se viria a  confirmar depois da CCaç  1439 ter voltado, acabado o seu tempo de comissão na Guiné. E por isso a  frequente presença da CCaç 1439 nesta região, durante a nossa “comissão”.

Para que conste  transcrevo o relatório:

(...) "No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta, que  consistiu em montagem de emboscadas a N de Chubi e Sée seguida de batida às tabancas de Bissá, Funcor, Blassé, Sée e Chubi.

Durante esta operação não foram detectados quaisquer elementos supeitos. Verificou-se que a população  manifesta desejos de melhor colaborar com a tropa, dando a impressão de fadiga de descontentamento perante as atitudes do IN que visita aa tabancas, exigiundo tudo inclusive bufalos. As NT através de palestras e pequenos serviços de enfermagem continuous a exercer influência psicológica no seio da população.

 Dia 23 de Dezembro de 1966 : Ataque a Missirá (vd. próximo poste, Parte XIX)

 



Carta do (António Eduardo) Quebá Soncó, filho do régulo de Missirá, enviada ao João Crisóstomo,  Datada de Hamburgo, 6 de agosto de 1967. Reprodução de alguns excertos:

(...) "Sr. Crisóstomo, recebi a sua carta, há já algusn dias, mas foi-me impossível respodner-lhe mais cedo, do que peço muita desculpa. (...) Fui operado à bexiga, pois apareceram-me uns micróbios nela: não é nada de grave, pois há me levanto e não dói quase nada..

"Logo que cheguei à Alemanha, dali por poucos dias, deram logo a perna [prótese] e agora ando a treinar a andar. Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês. Ainda me custa um bocadinho mas, depois de estar mais habituado,já não me vai custar tanto. No princípio custava-me muito mais porque a perna [prótese] estava um pouco grande, mas depois tiraram-lhe 2 centímetros e agora isto vai bem".

E depois acrescenta: "Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês."

Sabemos que partiu para a Alemanha a 23/6/1967, pela carta que escreveu nessa data ao João Crisóstomo, a despedir-se dele e a agradecer-lhe a sua amizade (**).   Deve ter regressado a Lisboa em setembro de 1967. Esteve no Depósito Geral de Adidos à espera de transporte para Bissau aonde chegou a 3 de outubro de 1967, conforme aerograma datado de Bambadinca, 18 desse mês e ano.

Sobre o hospital disse ainda o seguinte:

(...) "Isto aqui é muito bonito e muito bom. Eu logo que possa sair para a rua, ponho-me logo a mexer pois as meninas aqui são muito boas e andam quase todas de mini-saia (...)

"A assistência médica aqui é tão boa como em Portugal ou ainda melhor, estamos todos muito satiosfeitos (...).

"Sr. Crisóstomo, como o Sr vai para Inglaterra e não pode ir ver-me ao hospital em Lisboa, eu fico muito triste, palavra de honra. Aproveito para lhe desejar boa viagem e muitas felicidades na Inglaterra" (...)

 



Aerograma do Quebá Soncó, para o João Crisóromo, datada de 18 de outubro de 1967, quando o destinatário já estava em Inglaterra. Num português quase impecável, o remetente dá conta do seu regresso a Bissau, depois de ter estado internado no Hospital de Reabilitação de Hamburgo, Alemanha  (então Ocidental) e pede desculpa de não ter podido responder mais cedo ao João Crisóstomo:

 " (...) estive muito tempo no Depósito Geral de Adidos  [em Lisboa] e só cheguei a Bissau em 3 do corrente ".

E acrescenta: 

"Já estive com a minha família que ficou não só muito satisfeita por me ver como também ficou muito agradecida ao amigo João Francisco  [Crisóstomo ] pelas atenções que teve comigo quando da minha estadia na Metrópole. Eu também nunca esquecerei a sua amizade e toda a vida hei de recordar os belos passeios que me proporcionou"


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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sábado, 23 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19614: A galeria dos meus heróis (25): E na hora da nossa morte, ámen! (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,  CIM Contuboel, julho de 1969
A galeria dos meus heróis> E na hora da nossa morte, ámen!


por Luís Graça







"O meu país é o que o mar não quer"

(Ruy Belo, 1973)




1. Porra, meu irmão, meu herói, estou no teu velório!... Nunca me preparei, em vida, para este momento, para este papel!... Estou destroçado!... Desta vez, a gaja, a “gaidja”, como tu lhe chamavas, a puta da gadanha da morte, trocou-te as voltas... Tanto a fintaste, na guerra, e foi ela agora que te pregou a rasteira em tempo de paz!... O xeque-mate, a última emboscada!...

Bem podia ser eu a estar aí esticado que nem um carapau seco, de botas altas,  já gastas, cambadas,  engraxadas para a ocasião!... A cerimónia fúnebre, a tua última parada, a tua última formatura!... As mãos em oração, elevadas ao céu qual estátua jacente!... 


Os gatos pingados sabem do seu ofício. Vestiram-te a farda nº 1, já muito puída do uso e dos anos, com os amarelos dos galões de coronel desbotados... A cruz de guerra ao peito e as tuas demais condecorações de uma vida dedicada à tropa. E até a espada, não se esqueceram da tua espada de defensor da Nação.


Tu, que noutra encarnação só poderias ter sido um cavaleiro andante, um condestável, um bravo e fero guerreiro do Império!... (Desculpa a ironia, bem sabes que tu e eu nem sempre líamos as coisas pela mesma cartilha...)

Porra, meu irmão, meu amigo, meu companheiro, meu camarada... Chegou a tua vez, como chegará a minha.  Cedo de mais, pelo menos a avaliar pelas estatísticas da morte em Portugal. Ou talvez não, matematicamente falando, se calhar já tinha chegado a tua hora, o teu dia, o teu mês, o teu ano. Não importa, para quem te amava, a morte bateu cedo demais à tua porta!

E, no entanto, era uma morte anunciada, diz a tua viúva alegre, encolhendo os ombros, conformada, e limpando uma lágrima furtiva, quiçá hipócrita.(Mas quem sou eu para julgá-la?!) 

O teu médico oncologista, esse, não te escondeu (nem podia esconder) a verdade... “nua e crua”!... Porque um homem tem o direito de despedir-se da vida e de morrer em paz com a vida, com os outros e com Deus, sentenciou o capelão militar quando já estavas nos cuidados paliativos, no terminal da morte... 

Que atroz ironia, que insulto, como se a gente soubesse como isso se faz!... Isso, de um gajo despedir-se da vida. Como se nos tivessem ensinado, na família, na escola, na catequese, na igreja, no seminário, na Academia Militar, na tropa, na guerra…, a arte de bem morrer!... Ensinaram-te, isso sim, a andar a cavalo em toda a sela...

Também lá andei, na guerra,  mas nunca pensei na minha própria morte, mesmo vendo a morte, ali tão pertinho, a meu lado. Aos vinte anos, em qualquer guerra, não há combatente que não tenha desenvolvido um forte sentimento de imortalidade... Terrível ilusão!...É por isso que há heróis!... E soldados desconhecidos, mortos aos milhares, nas trincheiras das Grandes Guerras...


2. Imagina, pediram-me para te fazer o teu elogio fúnebre, amanhã, na igreja, na missa de corpo presente, mas eu não sei se serei capaz de dizer duas coisas a teu respeito, que valha a pena dizer, em público, e que não sejam meras palavras de circunstância... Invade-me a angústia, o pânico... Não quero dececionar-te, muitos menos aos teus filhos e netos, aos teus amigos, aos teus camaradas, que eu não conheço ou conheço mal... Sobretudo não me peças para repetir essa grandessíssima mentira, com que te formataram, a de que “é doce morrer pela Pátria!”… A tua Pátria, a minha Pátria, a nossa Pátria ? Qual delas, afinal ? Fico confuso...

E depois, meu mano, ao fim e ao cabo, o que é que eu sei de ti ?... Não sei se fostes um bom amante, um bom homem, um bom pai, um bom cidadão ou até mesmo um bom militar. Sei que fostes um bom irmão, um bom amigo. E que até nem eras mau cavaleiro, ainda ganhaste uns concursos de equitação quando eras novo e não havia guerra... E talvez isso me baste, ou deveria bastar-me: foste um homem bom. É o mínimo que eu poderia dizer de ti. É o mínimo que se pode dizer de qualquer gajo minimamente decente.


3. Porra, poderia estar eu no teu lugar. E no meu íntimo regozijo-me por estar vivo... Ou a
inda vivo, aos setenta!... Podia lá ter ficado, na Guiné, morto por uma roquetada ou uma mina. Pergunto-me: quantos anos ainda me restam ?... 

Quando olho para ti, ou para o que ainda sobra de ti, aí deitado na urna aberta, no teu esquife, arrepio-me… O raio da morte não tem pudor… E exala um cheiro tão forte, a cabra, que afugenta os vivos... Daí as flores, as coroas de flores, e as ervas aromáticas com que a gente a tenta esconjurar, afugentar, enganar, porventura engalanar... 

Os guineenses, animistas, no meu tempo, faziam o "tchoro", comiam, bebiam, dançavam, choravam e homenageavam o morto... A nossa Igreja, na morte,  apodera-se de nós, do nosso cadáver, e incita-nos, aos vivos,  ao arrependimento, ao nojo, ao jejum e à abstinência, à secura de sentimentos e emoções... Que este é um vale de lágrimas, que a vida é uma passagem,  que estamos em trânsito, mas que no fim teremos, os justos, a eterna recompensa da glória de Deus, de nos podermos sentar à sua direita... Repara: nunca à sua esquerda...

É verdade, és o “mano velho”, o “morgado”, e eu sou o “caçula” da família, como tu me chamavas, quando vieste de Angola, lembras-te ?… Uma década nos separa, mas podíamos ser irmãos gémeos, sempre o disseste ou o desejaste…

Porra, não morreste de pé, de espada em riste, a defender o "quadrado", como os nossos gloriosos antepassados, nas ditas guerras de pacificação do Império, agarrados à bandeira das quinas, branca e azul, no caso do tio-bisavô António, em Chaimite, em Moçambique, e já a verde-rubra, no caso tio-avô José, no Cunene, em Angola…

Claro que tinhas de seguir a carreira das armas, estava inscrito no teu ADN, numa família de nobres tradições como a nossa, mas arruinada, que deu alguns bravos soldados à Pátria… Desde 1640, habituámo-nos a viver "do soldo e do saque", como ironizava o nosso avô materno, Francisco, professor primário, antimilitarista, republicano dos quatro costados,  que casou, contrariado, a filha numa família monárquica (e muito pouco liberal)… Mas o amor falou bem mais alto, o que era raríssimo naquele tempo, em que os casamentos eram de conveniência... A nossa mãe foi uma santa, uma heroína... Enfim, não dávamos apenas soldados, a verdade seja dita: demos também padres, missionários, administradores, mestres-escola e, seguramente, freiras e frades, pelo menos até 1834…

4. Porra, mano, não sei se foste um bom cristão. Não pesei o teu saco de pecados, nem sei se os pecados têm peso… Mataste ? Nunca falámos disso, mas talvez tenhas matado na guerra, onde andámos os dois, cada um para seu lado, e com motivações bem diferentes… De resto, não se ganha uma cruz de guerra sem matar um ou mais inimigos, uma boa dúzia deles, no mínimo…

Torturaste ? Roubaste ? Desejaste a mulher do próximo ? Cometeste adultério ? Evocaste o santo nome de Deus em vão ? Adoraste o bezerro de ouro ?... Não sou juiz, muito menos o do Juizo Final… Mas não vou pôr as mãos no fogo por ti, no que diz respeito aos pecados mortais... E já nem sequer me lembro de quantos eram, os que nos ensinaram na catequese. Eu, dantes, sabia isso tudo na ponta da língua, a começar pelos dez mandamentos da lei de Deus... 

Porra, mano querido, olho para o teu cadáver, ponho a mão na tua testa, gelada como o granito da nossa casa, e causas-me horror e dó: o que fazem a um gajo depois de morto!... Mas, que importa?!, se amanhã, ao meio-dia, vais parar ao crematório. E tudo acaba lá, a mais de 900 graus centígrados. Ou talvez não, para nós que fomos ou ainda somos cristãos... Os gatos pingados, esses,  entregam um pote com as tuas cinzas à  viúva, tiram as luvas das mãos, tomam um banho, voltam a vestir o fato e a gravata, e metem-se no carro a caminho do aconchego do lar, doce lar… 


E a tua gaja, a viúva alegre, essa, ainda vai gozar metade da tua pensão de reforma de herói nacional, com um marmanjo qualquer que ela há-de conhecer no Facebook ou no ginásio onde faz Pilates e olhinhos sofridos de Barbie, a pestanejar de rimel, aos putos de vinte anos, cheios de testosterona…

5. Mas o que estás para aí a rosnar entre dentes ? Oiço já mal, mas mesmo assim sou capaz de reconstituir o teu pensamento, a tua voz, cavernosa, que vem, senão das profundezas do Inferno, pelo menos do outro lado do rio  que acabas de atravessar, na  barca de Caronte…

“Meu sacana!, desta vez passaste-me a perna!... Não pediste a bênção ao mano velho, como te ensinaram os nossos pais. Foste um cobardolas de merda, podias ter sido solidário comigo... Podíamos ter feito a nossa viagem juntos, sempre era menos penosa. Iríamos empoleirados, divertidos, na minha Chaimite, a cantar as canções da nossa alegre infância que eu te ensinei... Sempre tínhamos as férias grandes para estarmos juntos, na nossa quinta, apesar da diferença de idades!... Essa seria a tua derradeira (e verdadeira) prova de fraternidade, de amor e de amizade!... Mas não tenho esse direito, o de te pedir o supremo sacrifício da vida, nem que fôssemos irmãos gémeos verdadeiros!... Espero que ainda tenhas, ao menos, uma longa vida para te poderes ir lembrando, de quando em vez,  com saudade, deste teu pobre amigo, mano e mentor”…


E como vais querer ser lembrado ? Como um herói?!

“Sim, justamente como um herói. Lembras-te como tu me dizias ?!... Sempre tiveste a mania de recorrer à mitologia grega, com referências eruditas, chatas p'ra burro, para um gajo como eu que era de cavalaria, e que nunca gostei de estudar: ‘Meu herói, mais do que um homem, menos do que um deus’... Sempre me chamaste 'meu herói’... E eu até gostava, confesso, mas sem nunca te levar a sério. Quero, por isso, que te lembres de mim como um herói. Sempre gostei da tua definição de herói, mais do que homem, menos do que deus...”

Seja, então, feita a tua última vontade, grande cavaleiro!

“Podia ter morrido pela Pátria!?... Com Honra e Glória!... Mas, não, acabei por ser um burocrata da tropa, no fim da carreira, num daqueles serviços do Exército que ninguém quer chefiar"...

Deixa-te de tretas, tivemos muitas discussões em vida, sobre isso. E sobre o teu militarismo. Sempre foste um bocado militarista. Que tu tenhas recebido a cruz de guerra, tudo bem. E foi bem merecida. Felizmente que não foi a título póstumo... Estou a ser egoísta, desculpa lá, queria eu dizer: não fiquei, assim, privado de conviver contigo, mais estes quarenta e tal anos...


6. “É doce morrer pela Pátria”: ensinaram-me na Academia Militar, uma escola de valores e virtudes que tu nunca tiveste o privilégio de conhecer… E, se bem me lembro, onde nunca me foste ver, a não ser no juramento de bandeira, com os pais. Sem esquecer o Colégio Militar, de que guardo as melhores recordações e onde fiz amigos para a vida. Chamas a isto militarismo ?”

Não, aí já não te acompanho, nem nunca te acompanhei. Bem sabes que nunca tive jeito para a tropa, como tu e os nossos antepassados. E fiquei com fobia aos internatos. Fiz o que tinha a fazer, como português e cidadão, que foi o serviço militar obrigatório. Honrei a palavra dada ao nosso pai... Não fugi. E fui "infante", tropa-macaca, como a gente dizia na Guiné... Já tu tinhas dado uma volta pelo Índico, em 1958, quando eu entrei para o Seminário… E mal sabias tu que a Pátria te voltaria a chamar, desta vez, para Angola, três ou quatro anos depois... Sempre receei ter que ir a Lisboa, com os pais, ao 10 de junho, para receber uma qualquer cruz de guerra tua, a título póstumo... Tinha esses pesadelos...

“A nossa querida e saudosa mãe queria que eu fosse para padre, contrariando o avô que era anticlerical, como sabes... E o nosso pai, esse, queria que eu seguisse a tradição da família… Acabei por ir para o Colégio Militar e entrar na Academia, graças aos pergaminhos da nossa casa e à nobreza da nossa linhagem… Mas sei que o nosso pai, que Deus lá tem, teve de fazer das tripas coração. Vivíamos acima das nossas possibilidades, com as míseras rendas dos caseiros e os roubos do feitor... Mais uma vez, valeu-nos a cunha do nosso primo general, que foi sempre um grande e leal amigo da família...” 


O seminário sempre era mais barato. Ir para Lisboa era um pesado encargo para a família. E a nossa mãe, com a sua intuição, o seu sexto sentido, parece que estava a adivinhar que os tempos que aí vinham, não eram propriamente cor de rosa...

Sobrou para mim, que acabei por ir para Montariol, em Braga... Já que tinha um filho oficial do Exército, um garboso oficial e cavalheiro, faltava-lhe, à nossa mãe, um missionário, barbudo, de sotaina branca, para dilatar a fé e o império. Mas eu cedo percebi que os votos de pobreza, obediência e castidade eram um fardo demasiado pesado para um jovem que não tinha cometido nenhum crime lesa-família ou lesa-pátria,  só queria afinal viver, e viver a vida do seu tempo… E que tempos, esses, os dos anos 60, meu irmão!

Fui aguentando, à custa de muitos sacrifícios pessoais e muito cinismo à mistura, só para não dar um desgosto à nossa mãezinha... Quando ela morreu, precocemente, ainda tão jovem, tão cedo e tão linda, eu estava no 10º ano, no Seminário da Luz, em terra de mouros... Há muito que tinha perdido a vocação ou percebido que não tinha vocação para missionário franciscano desterrado para Angola, Guiné ou Moçambique... 


Voltei ao Norte. Mal tive tempo de respirar o ar livre da noite do Porto (que na altura era uma chungaria), chamaram-me para a tropa e, de seguida, meteram-me num barco, misto de carga e passageiros, direitinho à Guiné.

“Estava eu em Moçambique, fui lá que me cobri de honra e glória , e ganhei esta cruz de guerra que ostento, com orgulho, ao peito”…

Aos 32 anos!... E eu com 22!… Em boa verdade, não tive infância, nem adolescência nem juventude... Tal como tu… Envelheci, pelo menos uma década, no seminário, na tropa, na guerra... 


Quando voltei da Guiné, fui à procura do tempo perdido... Andei na noite, na má vida, com más companhias, desperdiçando o resto dos meus verdes anos, dando cabo do fígado e arriscando a saúde... Felizmente, ainda não havia, nesse tempo, o VIH/Sida... Ou estava em incubação... 

À beira do abismo, na 23ª hora, conheci a Manela, que me levou, de novo,  para o caminho do bem... Estamos casados há 40 anos. Foi o segundo anjo que conheci na vida, depois da enfermeira paraquedista que me levou para o hospital militar de Bissau, e me salvou do inferno de...


7. Ai!, porra, já não me lembro do raio do sítio onde apanhei uma mina anticarro que matou uma meia dúzia dos nossos… Bula ou Buba ou Binta ou coisa parecida ?... Peço-te desculpa pela branca...  Como não me lembro também do nome desse anjo que veio do céu, para me salvar. Imperdoável!... A minha memória já não é o que era... Ainda gostava de a conhecer, a essa enfermeira paraquedista,  se por acaso ainda for viva, como espero... 

Acabou-se a guerra, para mim, nesse dia. E lá percorri as estações do calvário: Hospital Militar, em Bissau, Hospital Militar Principal, na Estrela, depois o Centro de Reabilitação de Alcoitão... E ainda tive que ir à Alemanha, ao Hospital Militar de Hamburgo... Muitos meses em tratamento e recuperação, uma prótese no calcanhar, enfim, foram as medalhas que eu trouxe da Guiné... E tenho uma pensão de merda como Deficiente das Forças Armadas.

Nunca ninguém me foi visitar, nem sequer as senhoras do Movimento Nacional Feminino... E muito menos o meu pai, o que eu entendo e até perdoo: Vila Nova de Cerveira ficava longe da capital e o pai, não sei se te lembras, já estava doente... A nossa mãe, essa, já tinha partido para a beira de Deus Pai.  

“Tiveste azar, irmãozinho… Os manos do meio, esses, lá se foram desenrascando, pior ou melhor. O António foi 'a salto' para França, para grande desgosto dos pais, era refratário e tornou-se um comuna de merda… O Jorge, depois do magistério primário, livrou-se da tropa, com um grande cunha de um médico militar do Porto; a mana essa, lá casou, tarde, com um chefe de finanças de Braga”…

Sabes ?!, nunca te contei isto!... Aos dez anos quis ficar órfão e depois morrer, quando fui para o Seminário de Montariol. É monstruoso, tenho que o admitir: desejei a morte dos nossos pais!... Eles, coitados, já não estão cá, e espero que não me oiçam... Mas, se me estão a ouvir, que me perdoem!... Agora, eu não sei é se Deus me vai perdoar. Nunca contei o segredo, nem sequer ao meu confessor nem ao meu diretor espiritual... Estou-te a contá-lo, pela primeira vez, e sei que me vais entender e perdoar....


"Achas que é normal um puto querer morrer na flor da idade ? Ou sentir um secreto prazer em imaginar-se órfão de pai e mãe ?... Eras um monstrozinho!"... 

Sim, quis matá-los!... Sentia-me só, abandonado, terrivelmente só, perante Deus Todo Poderoso… Para trás de mim, e cada vez mais distante, ficava o mundo… Um a um via desaparecer, por detrás de um vidro espesso, os rostos que me eram familiares e queridos, os dos meus pais, irmãos, tios, primos, mas também os dos meus amigos e colegas de escola…

“Também passei por esse choque, essa angústia, a da separação, quando fui para o Colégio Militar, lá longe, na capital do império… Passava da nossa casinha, da nossa quinta, da nossa querida família extensa, onde conviviam três gerações, para um casarão, uma instituição castrense dominada por seres poderosos, prepotentes... Tive medo, sobrevivi às praxes, enfim, sabes como era naquele tempo... Mas nunca me passou pela cabeça essas ideias malucas de suicídio ou de orfandade... Sempre foste, afinal,  um puto mimado, sobretudo pela mãe e pelo avô Francisco que te queria fazer doutor de letras!"...


Em boa verdade, eu sentia-me abandonado por todos, e até por ti, que eras o meu herói, o meu ídolo, o meu anjo da guarda!...


“Não te podia valer, por muito que o quisesse!... No início do último trimestre de 1958, eu já estava na Índia como alferes... Uma eternidade para lá chegar, seguimos o caminho de Vasco da Gama, deixámos tropa e material em Angola e em Moçambique…”

E tu, meu sacana ?!... Sempre foste um mulherengo, um gajo fraco com as mulheres, como eu mais tarde vim a descobrir!...Na altura, fiquei chocado e dececionado contigo, que eras o meu ídolo, quando te apanhei, nu em pelota, no espigueiro, montado na filha de um dos nossos caseiros... 'Boa como o milho', rías-te tu, meu safado... Armado em pinga-amor, um rabo de saias, caíste mais do que uma vez como a mosca no vinagre… 


"Eh!, nada de aldrabices, essa era a Joaquina das Bouças, ficámos até bons amigos. Estamos quites, tratei-lhe do passaporte e paguei-lhe a passagem de comboio para França, lá casou com um mouro, um gajo do Sul..." 

Abelhudo, era o que tu eras!... Sempre atrás do mel, sem te importares com os sarilhos de saias que arranjavas e as aflições   que causavas à nossa pobre mãezinha... Ficas a saber que não posso com a gaja que te caçou há 15 anos, no carnaval do Rio de Janeiro... Nem sei que idade tem, a 'coronela', muito mais nova do que tu!... Deve ter a idade dos teus filhos mais velhos, os do teu primeiro e trágico casamento, e que eu mal conheço. Felizmente que não tens filhos da brasileira...

“Não te admito que fales assim da minha legítima esposa, e agora viúva, face à lei de Deus e dos homens… Se me pudesse pôr de pé, ainda te dava com o pingalim”…


Desculpa, mano velho, não tenho o direito de me intrometer na tua vida e na vida da tua família… Estou apenas irritado comigo próprio, zangado com com o resto do mundo... Estou eu a querer falar contigo, baixinho, a sussurrar contigo, que já estás no mundo dos mortos, estou eu aqui a não querer perturbar o sono eterno dos que viajam contigo na barca de Caronte, e ouço, ao lado, as gargalhadas despudoradas da tua viúva e dos seus amigos… Alguém, tenho impressão que um gajo do teu curso, deve estar a contar uma anedota porca do tempo do Colégio Militar ou da Academia...

Mas que falta de pudor e de respeito por ti, que estás em câmara ardente,  recebendo a derradeira homenagem dos teus familiares, amigos e camaradas de armas!...


Acho que me vou retirar, com a tua licença, durmo mal, vou descansar um pouco, volto amanhã com a Manela, para rezarmos por ti e encomendarmos a tua alma... Vais ter com o nosso pai e a nossa mãe, e o nosso Jorge, coitado,  que Deus também já lá tem... 


Vou rezar por ti e pedir a Deus perdão pelos teus e pelos meus pecados. Nunca me hei esquecer das palavras que a nossa mãezinha nos obrigava a rezar:  antes de ir para a cama, e da oração ao anjo da guarda, vinha a Avé Maria que terminava com o "Agora e  na hora da nossa morte, ámen!".
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19564: A Galeria dos Meus Heróis (24): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - II (e última) Parte (Luís Graça)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10706: Memória dos lugares (195): Alcoitão, o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, inaugurado em 1966, para dar resposta aos grandes incapacitados da guerra colonial



Antigo sítio institucional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, hoje alojado aqui.


O CRMA está localizado em Alcoitão, uma localidade, no eixo Estoril/Sintra/Cascais. Dista a 4 Kms do Estoril, a 6 Kms de Cascais e cerca de 7 Kms de Sintra. Está servida de transportes públicos rodoviários a partir do Estoril, Cascais e Sintra. A Auto-estrada A5, com saída no Estoril ou Alcabideche, coloca o CMR a 20 minutos de Lisboa. Contactos: Morada: CMRA – Rua Conde Barão – Alcoitão 2649-506,  Alcabideche / Tel.: 21 460 83 00

1. Com a devida vénia transcrevemos, da antiga página da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o seguinte apontamento sobre o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão (CMRA) (Realce nosso, a amarelo). Solicitamos fotos, testemunhos e outros documentos a quem teve  o azar (e a sorte) de por lá passar no decurso da guerra colonial (, de 1966 a 1975). Infelizmente não temos (ainda) dados históricos sobre o movimento assistencial do CMRA aos deficientes das Forças Armadas... Quantos dos nossos camarados terão por lá passado ? E pelo hospital de Hamburgo ?

CMRA > História 

Em 1956, sendo Provedor o Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) decidiu dar início à construção de um Centro de Reabilitação.

O contexto social e político nacional ditou a criação de um centro com estas características, sendo a principal motivação dar resposta às necessidades dos lesionados da Guerra do Ultramar.

O autor do projecto foi o Arquitecto José Maria Ferreira da Cunha.

De referir ainda a colaboração do Escultor Martins Correia, autor da escultura que embeleza o jardim e cuja imagem foi escolhida para logótipo da instituição. Todas as despesas foram suportadas pelas verbas provenientes dos lucros do Totobola (então principal jogo social da SCML).

Em 2 de Julho de 1966, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) foi solenemente inaugurado com a presença do Presidente da República, Almirante Américo Tomás, definindo dois objectivos principais: (i) ba reabilitação de pessoas com incapacidade motora; e (ii) a formação de pessoal especializado.

A preparação de pessoal, compreendeu cursos segundo programas de nível internacional e teve substancial cooperação de entidades internacionais, particularmente do World Rehabilitation Fund. Os cursos funcionaram de Janeiro de 1957 a Outubro de 1965 em colaboração com as Casas de S. Vicente de Paulo, em Lisboa, tendo sido formadas 47 alunas nas áreas de enfermagem, fisioterapia e ortoprotesia, entre outras.

À data da sua criação este Centro foi desde logo aclamado como uma das melhores instituições na área da medicina de reabilitação no mundo.

Nas últimas três décadas tem-se assistido a uma adaptação da estrutura organizacional, de forma a ir acompanhando as necessidades dos profissionais e dos destinatários. Disto são exemplos paradigmáticos os cuidados de reabilitação prestados a doentes com Acidentes Vasculares Cerebrais, com Sequelas de Politraumatismos e com Traumatismos Craneo-encefálico graves.

Empenho na diferenciação técnica e científica dos profissionais

Modernização das instalações e do equipamento de diagnóstico e terapêutica

Tem-se verificado igualmente um crescente empenho na diferenciação técnica e científica dos profissionais e assistido à modernização das instalações e do equipamento de diagnóstico e terapêutica, mantendo elevados padrões de qualidade, inovação e excelência.

Actualização contínua dos equipamentos e tecnologias

É na associação de uma política de actualização contínua dos equipamentos e tecnologias, com a constante promoção do desenvolvimento científico, profissional e humano dos seus colaboradores que o CMRA dá substância à sua assinatura de marca "Excelência em Reabilitação", e assim se mantém uma referência desde a sua fundação.

domingo, 16 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8914: Álbum fotográfico de Antóno Dias das Neves: a parte final, germânica, de um doloroso calvário... A reabilitação no Hospital Militar de Hamburgo (Marisa Neves)

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu Pai é o que está na cadeira de rodas com o prato na mão. Esteve lá 8 meses. Antes passou pelo anexo de Campolide, em Lisboa, onde fez 18 operações" (MN).
Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que vêm com duas canadianas de camisola branca" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que esta de frente camisola acastanhada" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que está no  lado direito, de camisola acastanhada, sentado na cadeira de rodas"

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o de camisola castanha, sentado na cadeira de rodas" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "Pai sentado na cadeira de rodas" (MN)

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 >

"O meu pai é o mais baixinho" (MN)...

Fotos (e legendas):  © Marisa Neves (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Antiga Alemanha Ocidental > Hamburgo > Hospital de Hamburgo >  Álbum fotográfico de António Dias das Neves (1947-2001) (*) > Depois de ter ficado sem as duas pernas, devido ao acionamento de uma mina A/P, a norte de Bula, no decurso da tão mediatizada Op Ostra Amarga, 18 de Outubro de 1969, o sold at cav António Dias das Neves, da CCAV 2486/BCAV 2868 (1969/70), foi evacuado para a metrópole, longe dos holofotes da televisão e do voyeurismo dos jornalistas franceses... 

Sabemos que passou esteve no Hospital Militar da Estrela, anexo de Campolide, possivelmente mais de dois anos (desde finais de 1969). Não sabemos se passou pelo Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, inaugurado em 1966....No prestigiado Hospital de  Hamburgo, na Alemanha (, hospital que pertence à Universidade de Saarland),  recebeu, com sucesso, duas próteses que lhe permitiram refazer a sua vida como civil... na sua terra natal, Ramada, Odivelas. 

"O meu pai fez bastantes amigos durante os 8 meses que esteve em recuperação no hospital de Hamburgo. Sei que fartou-se de passear, pois tenho alguns postais de vários sítios da Alemanha que o meu pai mandava para a minha avó", escreve-nos a sua filha Marisa.

"Sei também que o meu pai foi um caso de sucesso na adptação das próteses, sei que fizeram bastantes arquivos documentados para próximos doentes". 

"As pessoas que acompanham o meu pai nas fotos, infelizmente não sei quem são, só ele poderia dizer ou a minha avozita que infelizmente faz agora dia 6 de Novembro um ano que me deixou. O meu pai sempre foi um homem de coragem e de orgulho".

Em 1979 nasceu a sua primeira filha, Marisa Neves, hoje com 31 anos. Estas fotos, recebidas originalmente sem legenda, documentam a parte final, germânica,  do seu calvário da Guiné... 


Sobre a hospitalização do seu pai, a Marisa disse-nos o seguinte: "Em relação aos hospitais,  infelizmente não sei datas concretas, acho que ele foi, primeiro,  para Bissau  e depois veio para Portugal. A seguir foi transferido para Alemanha. Sei que esteve algum tempo na Alemanha em tratamentos e recuperação para adaptação das próteses". E, ao que parece, adaptou-se bem, do ponto de vista funcional,  às suas novas pernas artificiais, segundo o testemunho da filha.

Há um ponto que gostaríamos de esclarecer com a Marisa. Diz ela que, de acordo com a caderneta militar, o pai foi "evacuado para o HMP em 6/11/71" (?)... "por despacho de 30/12/70 de sua Excia o Secretário do Estado do Exército"... Admitamos que é um erro de transcrição, dela ou do burocrata do exército... Não é crível  que tenha ficado mais de dois anos no HM 241, em Bissau (contando o período que medeia entre a data dos ferimentos em combate, 18/10/1969, e a alegada mas improvável data de evacuação para o HMP, 6/11/71)...  Até por que no tempo de contagem da comissão de serviço militar no TO da Guiné, não aparece mencionado, na caderneta, o ano de 1971...

De qualquer modo, o que importa é sublinhar a novidade destas fotos: julgo que é a primeira vez, em oito anos, que aqui se fala, no nosso blogue, de camaradas nossos, feridos na guerra de África, que foram beneficiários do programa de reabilitação do Hospital de Hamburgo... E isso fica aqui documentado. Não sabemos quantos por lá passaram, por causa das próteses... O mesmo se passa com o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação (**)... Não sei se a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas tem informação informação estatística, ou dados históricos,  adicionais, com referência a este doloroso dossiê...  

À Marisa, mais uma vez, o nosso profundo reconhecimento por querer partilhar, connosco, com os camaradas do seu pai, este cantinho da sua intimidade, o álbum fotográfico do seu querido pai e seu grande herói... LG

[ Seleção e edição das fotos: L.G.]


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8910: In Memoriam (94): António Dias das Neves (1947-2001), Sold At Cav, CCAV 2486 (Bula, 1969/70), "o meu herói" (Marisa Neves)

(**) Apontamento histórico sobre o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, sito no concelho de Cascais:

(...) "Em 1956, sendo Provedor o Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) decidiu dar início à construção de um Centro de Reabilitação. O contexto social e político nacional ditou a criação de um centro com estas características, sendo a principal motivação dar resposta às necessidades dos lesionados da Guerra do Ultramar.

 
"O autor do projecto foi o Arquitecto José Maria Ferreira da Cunha. De referir ainda a colaboração do Escultor Martins Correia, autor da escultura que embeleza o jardim e cuja imagem foi escolhida para logótipo da instituição [, foto à esquerda]. Todas as despesas foram suportadas pelas verbas provenientes dos lucros do Totobola (então principal jogo social da SCML).
 
"Em 2 de Julho de 1966, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) foi solenemente inaugurado com a presença do Presidente da República, Almirante Américo Tomás, definindo dois objectivos principais: a reabilitação de pessoas com incapacidade motora e a formação de pessoal especializado.

"A preparação de pessoal, compreendeu cursos segundo programas de nível internacional e teve substancial cooperação de entidades internacionais, particularmente do World Rehabilitation Fund. Os cursos funcionaram de Janeiro de 1957 a Outubro de 1965 em colaboração com as Casas de S. Vicente de Paulo, em Lisboa, tendo sido formadas 47 alunas nas áreas de enfermagem, fisioterapia e ortoprotesia, entre outras. 

À data da sua criação este Centro foi desde logo aclamado como uma das melhores instituições na área da medicina de reabilitação no mundo. Nas últimas três décadas tem-se assistido a uma adaptação da estrutura organizacional, de forma a ir acompanhando as necessidades dos profissionais e dos destinatários. Disto são exemplos paradigmáticos os cuidados de reabilitação prestados a doentes com Acidentes Vasculares Cerebrais, com Sequelas de Politraumatismos e com Traumatismos Craneo-encefálico graves." (...) (Fonte: CMRA)

Do portal da A25A, Guerra Colonial, reproduzimos com a devida vénia a seguinte entrada sobre Feridos:


Feridos

(...) "Os feridos eram habitualmente evacuados de helicóptero ou de viatura para a unidade do serviço de saúde mais perto, um posto de socorros ou uma enfermaria de sector, onde recebiam os primeiros tratamentos. Neste primeiro nível pretendia-se, antes de mais, manter o ferido vivo e em condições de ser tratado num hospital, se fosse caso disso.

"O sistema de evacuação sanitário passava depois pelos hospitais militares existentes em cada um dos teatros[, HM 241, em Bissau, no caso do TO da Guiné,] e podia terminar no Hospital Militar Principal, em Lisboa. Os feridos com necessidade de tratamentos de recuperação eram, posteriormente, transferidos para o Centro [de Medicina] de Recuperação do Alcoitão ou para o Hospital de Hamburgo, ao abrigo do acordo estabelecido entre Portugal e a Alemanha no âmbito das facilidades concedidas pelo uso da Base Aérea de Beja".(...)