sábado, 23 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21797: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (83): Pergunta ao Beja Santos: afinal quem era o filho mais novo do régulo de Missirá? E quem foi o seu sucessor? (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Carta do António Eduardo Quebá Soncó, filho do régulo de Missirá, enviada ao João Crisóstomo,  Datada de Lisboa, 23 (?) de junho de 1967 (?)

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentárioenviado ao Mário Beja Santos, pelo João Crisóstomo
nosso camarada da diáspora (EUA, Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), casado com a eslovena Vilma, e destacado ativista social:


Date: sexta, 22/01/2021 à(s) 18:58
Subject: Comentário ao Post Guiné 61/74 - P21795
 

Caro Beja Santos,

Tentei fazer/ escrever um comentário ao teu post P 21795 (*), de hoje, 22 de Janeiro, mas nesse comentário não consegui incluir cópia duma carta, que acho pertinente ao assunto/pergunta de que queria falar.

Por isso envio-te este comentário por E mail, com conhecimento ao comandante de todos nós, Luís Graca, na esperança de que ele te faça chegar este comentário, pois me parece que raramente lês os meus E mails, o que é mais que compreensível, pois assim como sucede com o Luís Graca, eu não sou capaz de imaginar como vocês têm tempo para tantas coisas sobre que escrevem e em que estão envolvidos todos os dias). 

Mas o facto de eu não ter capacidade para tanto,  não quer dizer que outros não a tenham e vocês os dois são disso prova. E, como diz o ditado: "contra factos não há argumentos", embora o ex-presidente "trump" (letra pequena) e muitos dos seus crentes seguidores tenham tentado provar que não é bem assim. Mas, com ele fora de circulação, esperemos que volte o bom senso e "ditados" como este voltem a ter a devida aceitação.

Mentiria se dissesse que leio tudo o que escreves; mas porque andaste por terras que a ambos nos ficaram no coração e ainda hoje nos são queridas, sempre que vejo menções destas, especialmente Missirá e Porto Gole,  não deixo de ler essas tuas memórias. Por vezes, como sucedeu hoje, essas descrições memórias são fortes demais para mim e tenho de me socorrer do lenço de bolso para controlar estas emoções.

Hoje foram algumas fotos deste post que começaram por chamar a minha atenção: as fotos a "subida da palmeira" ; a "panorâmica da velha Tabanca de Bambadinca"; a foto do "local em Mato Cão onde se fazia a vigilância das embarcações" …Que saudades e emoções me fizeram logo sentir! E depois comecei a ler:

(...) "Foi um grande choque encontrar Bissau a caminho do descalabro, as ruas esburacadas, os prédios em ruínas, a Guiné a viver da ajuda internacional, a classe dirigente enriquecida e o povo muito pobre. (...). E à entrada do hospital (...) viste chegarem os familiares dos doentes com colchões, havia camas nas enfermarias, mas os colchões estavam literalmente podres. Tu sentias uma infinita tristeza com um espetáculo tão deplorável (...) 

"O ponto alto dessa estadia foi a visita a Missirá (...), tu entraste em transe, a procurar reconhecer os locais que percorrias com tanta assiduidade, ficaste impressionado por ter voltado vida a Cancumba, durante a guerra não havia vivalma, e a alegria do reencontro com amigos, registei o abalo que sentiste quando abraçaste Bacari Soncó, que será mais tarde régulo do Cuor, a conversa havida com a população. (...) Antes, tu percorreras Missirá sempre a soluçar, à procura de vestígios do passado,(...)

(...) "A despedida foi um sofrimento ainda mais penoso, até porque foi nesse momento que chegou Cherno Suane, o teu guarda-costas, alguém fora de bicicleta chamá-lo a Gambiel, e quando o viste foi outro choro irreprimível, porque ele logo disse que sabia por Deus que um dia o virias buscar, um irmão ajuda sempre o seu irmão, era para ele impensável que eu não o trouxesse para Portugal, fora castigado porque pertencera aos Comandos. (...)

Como não hei-de ficar abalado ? Descrições como esta fazem-me sempre imaginar coisas: neste momento esta pessoa que tu descreves sou eu, voltando à Guiné procurando saber o que é feito de tantos que eram meus amigos… Especialmente do meu guarda-costas, uem sabe não faz parte das muitas vítimas do abandono a que foram sujeitos depois da independência e da vingança dos "vencedores" que logo se seguiu… 

Como posso eu deixar de sentir mágoa e revolta… gostaria de um dia voltar lá, mas ao mesmo tempo sei bem que não sou capaz. 

Antes, no mesmo texto leio:

(...)  "Regressas a Lisboa em 1970, tens vários militares feridos, uns a pôr próteses, outros em tratamento.(...) Outra gente da Guiné ia aparecendo, é o caso do Abudu Soncó, o filho mais novo do régulo, que apareceu em 1996. (...)

E aqui eu fiquei confuso: Eu conhecia o filho do régulo de Missirá, de nome António Eduardo Quebá Soncó , ferido um dia em combate, mesmo ao meu lado; o destino da bala podia ter sido eu , mas foi ele que a apanhou, numa operação em que tomei parte. 

Na minha mente jamais o esqueço e o seu grande sorriso permanente e contagioso. Era ele , assim se dizia, que ia um dia suceder a seu pai como régulo de Missirá. Eu pensei que ele era o filho mais novo do régulo. Ferido, teve de ser evacuado para Bissau e daí foi para Portugal . 

Em 1966 eu vim de férias a Portugal e fui-o ver no hospital; e no dia seguinte voltei lá com uma mala que ele me disse precisava para as suas coisas pois ia ser enviado para a Alemanha, para lhe porem uma perna artificial. Ele queria conhecer Lisboa antes de partir; e, no mesmo momento apesar do seu estado, peguei nele e levei-o a visitar diversos pontos da cidade . 

Ele jamais esqueceu isso; quando voltou à Guiné escreveu-me de Bambadinca, que já tinha visto a família, etc. Foi a última carta dele. Esta carta e outras que recebi dele guardo-as com o mesmo carinho com que guardo outras cartas de minha família e amigos cuja amizade muito enriqueceram a minha vida.

Como falas do "Abudu Soncó, filho mais novo do régulo" que apareceu em 1966… depreendo que eu estava enganado: então o Quebá Soncó não era o filho mais novo; muito menos sabia que o irmão dele tivesse conseguido ir/ficar em Portugal e o Quebá nunca me ter falado dele. Ou pelo menos eu não me lembro. Talvez esta minha confusão seja resultado da idade que nos faz destas… (**)

Obrigado pelas muitas memórias que me fazer sempre reviver. Não esqueço que foi graças a ti —e a este blogue--que consegui encontrar e ainda ver o meu/nosso querido amigo Zagalo, antes de ele nos deixar.

A Vilma , ( de apelido  "Knapič," não esqueças… e portanto ainda tua distante familiar e compatriota eslovena,) quis saber a quem eu estava a escrever e pede para a não esquecer… 

O abraço, por enquanto apenas virtual, é portanto de nós dois. Vamos a ver se quando formos a Portugal tu arranjas tempo para um abraço mesmo como deve ser!  

João e Vilma
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