quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21786: Historiografia da presença portuguesa em África (248): "Senegâmbia Portuguesa ou Notas Descritivas das Diferentes Tribos que Habitam a Senegâmbia Meridional", por Luís Frederico de Barros; Tipografia Editora de Matos Moreira & C.ª, 1878 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos, 

Na esteira dos principais documentos lavrados sobre a Guiné depois de Lopes de Lima, Travassos Valdez, Honório Pereira Barreto, José Conrado Carlos de Chelmich, Luís Frederico de Barros, também cabo-verdiano, viaja pela Guiné e procede a um inventário. Começa por confirmar que a dita Senegâmbia Meridional é onde chega a presença portuguesa, praticamente circunscrita à faixa litoral; é muito cuidadoso a estudar as etnias e dá-nos um relato meticuloso da história de Bissau, torna compreensível aquilo que nós estudamos entre a permanente hostilidade e a praça, ao longo de todo o século XIX, a pacificação veio com a campanha de Teixeira Pinto em 1915, seguiu-se a acalmia. 

Continua a ser incompreensível como é que estes relatos de viagem, de importância capital para o entendimento da presença portuguesa, não mereceram ao menos uma investigação universitária que dê aso a poder-se equacionar o que era essa presença portuguesa antes da primitiva configuração do território graças às compras de Honório Pereira Barreto até à I República. 

É um período histórico de incontestável importância tanto para o estudo do Império Português como para o bilhete de identidade da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



Viagem até à Senegâmbia Meridional, livro de 1878

Mário Beja Santos

Senegâmbia Portuguesa ou Notas Descritivas das Diferentes Tribos que Habitam a Senegâmbia Meridional, tem por autor Luís Frederico de Barros, natural de Santiago de Cabo Verde, a edição é de Lisboa, Tipografia Editora de Matos Moreira & C.ª, 1878. Já aqui se tem falado de relatos singularíssimos, este é mais um, com a particularidade de nos trazer alguns elementos que se podem reputar por novos ou terem o poder de confirmar outros relatos. Em dado passo, o autor revela o que era na época a Guiné:

“Dá-se geralmente o novo de Guiné Portuguesa ou Senegâmbia Meridional à extensão de terreno compreendido desde o Cabo de Santa Maria até ao Cabo Verga; mas limitando-se à extensão do território que ocupamos atualmente naquela parte ocidental da costa de África com os nossos estabelecimentos agrícolas e comerciais, não passa de Casamansa, ao Norte, e do rio Geba, ao Sul”.

Confirma-se que a nossa presença do Corubal até ao Cacine era mais do que modestíssima.

A sua descrição de Bissau e das suas gentes ajuda-nos a compreender a multiplicidade de problemas havidos entre os autóctones, as autoridades portuguesas e os mercadores posicionados dentro dos muros de Bissau. Ele escreve sobre a natureza do poder dos nativos em Bissau:

“O governo é absoluto. O símbolo da realeza é um barrete encarnado e uma vassoura. A religião dos gentios Papéis é o feiticismo. O seu Deus é o Irã, e acreditam na imortalidade da alma, se bem que alguns crêem na metempsicose ou transmigração da alma para outro corpo”

E fala assim da fortaleza de S. José de Bissau:
 
“Compõem-se de um reduto quadrado, feito de cantaria e flanqueado por quatro baluartes, tendo cada um um poilão, árvore gigantesca. É em partes rodeado por uma pequena cava, a que se dá o nome de fosso, onde as ervas crescem com louçania. Os indígenas fazem ali o despejo de matérias fecais e um número infinito de répteis venenosos neles vive beatificamente. Represam neste lugar as águas pluviais e ao tempo da dessecação destes pântanos morrem alguns destes répteis; isto junto à maceração dos vegetais contribui poderosamente para a insalubridade do clima. A alvenaria do forte está totalmente desprezada e invadida por altas ervas que ali crescem. 

Era antigamente Bissau governada por um só rei, que exercia também uma espécie de sumo sacerdócio, com a denominação de Balobeiro Grande. Com este rei e seus descendentes, praticaram muito os portugueses e com o engodo do negócio alcançaram dele que levantasse uma feitoria defendida em que se acolhessem e guardassem suas mercancias; a esta feitoria foram alguns missionários capuchos da província da Soledade, que catequizaram e converteram à nossa Santa Fé muitos pretos, que vieram reunir-se aos portugueses mercadores e religiosos, e em breve se tornou povoação o que apenas tinha sido, em seu começo, feitoria; esta povoação já existia no ano de 1604”.

Mais adiante, dá-nos conta do clima e o quadro das doenças que ele pôde observar: 

“Raros são os europeus que resistem à influência deste clima deletério. Recebem frequentes visitas de febres biliosas, hematúricas, paludosas e outras de carácter pernicioso, de sorte que se vê ali chegar um homem dotado de robustez e de porte garboso, e dias depois estar macilento e cadavérico. Caso diverso sucede com os que estão no Rio Grande de S. Domingos (Cacheu), Bolama e ilhas do arquipélago de Bijagós porque gozam das imunidades de um clima salubre. As doenças predominantes são: alcoolismo crónico, amolecimento cerebral, febres intermitentes quotidianas, terçãs, biliosas, hematúrias, paludosos, elefantíase, hepatite, hemorragias, apoplexias, sonolência ou doença do sono, úlceras, etc., etc.”

Passa em revista alguns dados históricos e mesmo tece largas referências ao esforço da missionação. Segundo ele, a povoação de Bissau muito cedo passou a ser cobiçada por nações estrangeiras, principalmente holandeses e ingleses, vexando tanto os naturais como os portugueses. Foi vexando tanto que o rei de Bissau se dirigiu ao rei de Portugal para que construísse uma fortaleza, a que o rei D. Pedro II anuiu em 1692. Nada ou muito pouco correu bem no relacionamento entre autoridades, missionários e povoações autóctones, houve imensas desavenças, concluir a fortaleza foi o cabo dos trabalhos. Luís Frederico de Barros fala-nos também da iniciativa do bispo D. Frei Vitorino Portuense que quis reedificar um hospício em Bissau, mas também foi sol de pouca dura.

Como é próprio de todas estas memórias, o autor assinala a geografia, fala das etnias, apresenta os edifícios públicos e os dados económicos. Vê-se que estudou, leu alguns dos principais documentos que antecederam a sua visita como as obras de Travassos Valdez, Chelmich e Lopes de Lima. 

O que apetece enfatizar é o escrúpulo que usou na sua preparação, confessando a torto e a direito que não é um homem letrado, esperando que estas notas descritivas alentem as autoridades para um aproveitamento das potencialidades agrícolas da região, tão estranhamente ignoradas, isto numa época em que os estrangeiros tudo fazem para arredar a presença portuguesa da Guiné.


Estas quatro imagens foram retiradas do livro La Guinée Portugaise, o seu autor é Carlos Pereira, antigo governador da Guiné, o documento foi apresentado no III Congresso Internacional da Agricultura Tropical, em Londres, 1914, o livro saiu da tipografia “A Editora Limitada”, também nesse ano. 

Considero imagens muito impressivas e úteis, aliás o livro está profusamente ilustrado, tanto o antigo governador revela que tinha uma boa máquina como mostra que viajou até pelo Interior. Na primeira imagem ficamos com uma elucidativa atmosfera do que era o porto do Pidjiquiti, embora seja difícil de conjeturar a dimensão do dito tornado; a segunda imagem é para mim uma verdadeira novidade, há muitos relatos sobre a possibilidade de haver plantações de café na Guiné, pois aqui temos um exemplar de café Arábica; também nunca tinha visto a feitoria de Bambaiã, na região de Buba; finalmente, fico a saber que o Xitole tinha um pequeno porto, viajei de Bambadinca para lá várias vezes, sempre por estrada, mais uma surpresa, esta infraestrutura portuária.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21765: Historiografia da presença portuguesa em África (247): Guiné, o seu primeiro grande relato no século XIX: O Capitão-de-Fragata da Real Armada, José Joaquim Lopes de Lima (3) (Mário Beja Santos)

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