Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Intrução Militar (CIM) > CART 2479 / CART 11 > c. março/maio de 1969 > O instrutor (Valdemar Queiroz) e o recruta (Umaru Baldé, "menino de sua mãe")... Afinal, todos portugueses, todos iguais, mas uns mais do que outros...
Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O nosso camarada C. Martins (ex-alf mil art, cmdt, 23º Pel Art, Gadamael Gadamael, 1973/74), citava há tempos o seu avô que, na inauguração da escola lá da terra, em pleno Estado Novo, ouviu da boca de um manda-chuva esta "verdade sociológica": "O escritório, para o rico; a enxada, para o pobre"... No fundo, é uma variante do ditado alentejano: "A rica teve um menino, a pobre pariu um moço"...
Não nascemos nem morremos iguais, embora sejamos todos feitos - com a sua licença, caro leitor -, da mesma "merda"... E, ao longo da vida, há outros fatores que nos continuam a diferenciar...No caso da tropa, da arma e da especialidade, e da mobilização para o Ultramar, o estatuto sócio-económico dos pais, as habilitações literárias, os testes psicoténicos, o mérito, a instrução militar e o famoso factor C [,a "cunha") e, já agora, a "sorte" e os "santinhos"... ajudam a explicar muita coisa...
Com graça, mas naturalmente de forma redutora, o C. Martins dizia que o "pobre" ia para atirador de infantaria, o "remediado" ia para cavalaria, o "remediado com estudos" para a artilharia... e os "ricos" e os gajos com cunhas, esses, desenrascavam-se muito melhor: tinham especialidades que os livravam de ir para o Ultramar ("ir para fora"...) ou ficavam no "ar condicionado" de Bissau, Luanda ou Lourenço Marques...
O retrato pode ser grosseiro, mas, na época da guerra colonial, não andaria muito longe da "verdade sociológica"... Na sociedade portuguesa ser "filho de algo" sempre foi, historicamente, importante, se não mesmo decisivo. O mérito é uma noção recente, capitalista, burguesa, coisa de há menos de 100 anos... E a "cunha" (o factor C) era como as bruxas: que as havia, havia, e toda a gente "mexia os seus pauzinhos"...
Camaradas: toda a gente, fosse "rico", "remediado" ou "pobre", do Exército, da Marinha ou da FAP, tem opinião sobre este "tópico"... Tirem a "máscara" e comentem... 50 anos depois não vale a pena levar segredos para a cova... E um gajo, a ter de confessar-se, deve ser agora, aqui e agora, à sombra do poilão da Tabanca Grande... antes do Parkinson, do Alzheimer, do AVC, da morte macaca ou do cancro da próstata... (De que Deus nos livre!)
De qualquer modo, há uns largos anos atrás, em 2009, tínhamos criado uma série intitulada "O trauma da notícia da mobilização"... Publicaram-se então nove postes... A nova série de hoje dá continuidade a essa... LG
2. Depoimento do Valdemar Queiroz [ex-fur mil at art, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70] [, foto atual à esquerda]
Sobre cunhas, principalmente em Especialidades com pouca rotação/mobilização (ex.: munições de artilharia, topógrafo de artilharia, transmissões de artilharia), a cunha estava feita para a Especialidade e, depois, se corresse mal havia os 'mata pra fora', ou seja quando havia um com boa nota e não se importava, a troco duns contos de réis, de ir 'pra fora' no lugar dele.
Mas, isto de Santa Bárbara, padroeira da Artilharia, bem se podia rezar por ela, que em novembro de 1967, todos os que estavam na EPA, Vendas Novas, ficaram com todas as fardas ensopadas durante três dias.
Aconteceu no RAP3, Figueira da Foz, com um cabo miliciano. meu conhecido, e um jogador de futebol dum clube grande.
Mas, isto de Santa Bárbara, padroeira da Artilharia, bem se podia rezar por ela, que em novembro de 1967, todos os que estavam na EPA, Vendas Novas, ficaram com todas as fardas ensopadas durante três dias.
Quanto ao dia do conhecimento da mobilização estava no RAP3, já com 16 meses de tropa e não me lembro como foi passado. Apenas me recordo, ainda com muita mágoa, ter telefonado à minha mãe e ela me dizer:
- Então, e depois?, os filhos dos ricos também vão pra fora!...
Pobre coitada, assim já tinha motivo pra rezar a todos os santinhos. (*)
Valdemar Queiroz
________________Valdemar Queiroz
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 16 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)
(*) Vd. poste de 16 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)