Viana do Castelo > Afife > A soga > Postal iliustrado, s/d, c. 1940. (Diz-se "levar os bois à soga"; a soga é uma tira de couro cujas extremidades se prendem às pontas do boi, e pela qual ele é puxado ou guiado.)
Fonte: Arquivo Municipal de Viana do Castelo (com a devida vénia...)
O primeiro escreveu sobre a feira, em Vila Nova de Famalicão, onde ia, mais a mãe, comprar chancas (não se podia ir descalço para a "escolinha"...). O Valdemar, esse, lembrou-se da sua primeira viagem de comboio (em tudo na vida, há sempre uma primeira vez)... Uma história não menos deliciosa de um menino que gostava era de andar descalço e comer "coubes", lá na casa da avó, em Afife, em "Biana" do Castelo...
Afife fica a 10 km a norte de Viana do Castelo, sede do concelho. Hoje a distância ao Porto (70/80 km) faz-se em menos de uma hora de carro ou de comboio. Mas em 1955 devia ser uma eternidade, a avaliar pelo "martírio" quer sofreu o nosso "djubi", como ele conta aqui com verve e com graça...
Minhoto de nascimento, alfacinha por criação, avô de netos neerlandeses, e para mais vivendo sozinho trancado em casa na Rua de Colaride, Agualva-Cacém, é uma figura muito querida da Tabanca Grande.
Que os bons irãs lhe deem vida e qualidade de vida (que a saúde, essa, anda muito remendada, por mor de um raio de uma DPOC)...
Valdemar Queiroz, minhoto por criação, lisboeta por eleição,
ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego,
Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70;
aqui, na foto, em Contuboel, 1969.
O martírio de viagem ao Porto
por Valdemar Queiroz
Com dez anos fiz a primeira viagem de comboio (#), foi no correio de Afife ao Porto.
Foi à casa de uma tia nas férias grandes de Verão.
O martírio começou em casa da minha avó, continuou estrada abaixo até à Estação e só melhorou quando o comboio partiu e eu descalcei umas botas novas que me apertavam os pés.
Eu ia sozinho e com medo de me roubarem as botas atei-as à cintura, até parecia um "cowboy" com duas pistolas, e fiz toda a viagem descalço, que nada me custou por estar habituado.
O martírio das botas passou, mas outro tão complicado apareceu, passada a Ponte de Viana:
Não passou muito tempo de admiração para levar com um 'estás a levar um puxão d'orelhas, vai já pro teu lugar', disse-me o "polícia'" da carruagem.
Lá me sentei no meu lugar do banco de pau da 3.ª classe (?) e adormeci até chegar ao Porto.
Passado pouco tempo de andar de boca aberta na grande cidade, comecei a chorar e a pedir para voltar à minha terra pra casa da minha avó.
Foram quinze dias de martírio, aflito dos pés e ser obrigado a comer bife com esparguete.
Ah! que saudades quando regressei a Afife, poder andar descalço e a comer couves com batatas, toucinho e chouriço.
Manias de criança mimada.
Valdemar Queiroz
Nota do autor: (#) no ano seguinte voltei a viajar de comboio pra Viana, para ir fazer o exame da 4.ª classe (Instrução Primária)
27 de setembro de 2023 às 15:29 (*)
______________
Nota do editor:
(*) - Ultimo poste da série > de 4 setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24704: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (1): A Feira (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)
Foi à casa de uma tia nas férias grandes de Verão.
O martírio começou em casa da minha avó, continuou estrada abaixo até à Estação e só melhorou quando o comboio partiu e eu descalcei umas botas novas que me apertavam os pés.
Eu ia sozinho e com medo de me roubarem as botas atei-as à cintura, até parecia um "cowboy" com duas pistolas, e fiz toda a viagem descalço, que nada me custou por estar habituado.
O martírio das botas passou, mas outro tão complicado apareceu, passada a Ponte de Viana:
− Nunca saias do teu lugar! − dissera-me a minha avó à frente do chefe da Estação que parecia um polícia.
O tempo ia passando e eu, com uma grande vontade de correr dentro do comboio, para ver o que se passava nas outras carruagens. E assim foi, até chegar à carruagem de 1.ª classe com os bancos de couro avermelhado.
Não passou muito tempo de admiração para levar com um 'estás a levar um puxão d'orelhas, vai já pro teu lugar', disse-me o "polícia'" da carruagem.
Lá me sentei no meu lugar do banco de pau da 3.ª classe (?) e adormeci até chegar ao Porto.
No Porto foi um martírio calçar as botas, andar com elas a olhar para todos os lados que nunca tinha visto.
Passado pouco tempo de andar de boca aberta na grande cidade, comecei a chorar e a pedir para voltar à minha terra pra casa da minha avó.
Foram quinze dias de martírio, aflito dos pés e ser obrigado a comer bife com esparguete.
Ah! que saudades quando regressei a Afife, poder andar descalço e a comer couves com batatas, toucinho e chouriço.
Manias de criança mimada.
Valdemar Queiroz
Nota do autor: (#) no ano seguinte voltei a viajar de comboio pra Viana, para ir fazer o exame da 4.ª classe (Instrução Primária)
27 de setembro de 2023 às 15:29 (*)
______________
Nota do editor:
(*) - Ultimo poste da série > de 4 setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24704: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (1): A Feira (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)