sábado, 24 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21478: Os nossos seres, saberes e lazeres (418): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Não há bem que não acabe, aqui fica o relatório do último dia em Ponte de Lima, já pairam no ar notícias inquietantes de um vírus, nos noticiários relevam-se termos como pandemia, confinamento, quarentena, é suposto que em breve seja anunciado um estado de emergência. Por aqui deambulo sem palpitações ou receios de me infetar, mas à cautela já nem a mão estendemos a amigos e conhecidos. Foi uma viagem surpreendente, como repetidamente se veio a afirmar, era um dever de amizade e a confirmação de tudo quanto se lia sobre estes pontos do Alto Minho que tanto emocionavam um amigo cego, que vibrava com a história de Ponte de Lima e Viana do Castelo, sobretudo, nestes locais viveu até à adolescência, e muitas vezes regressou, marcado pela paternidade minhota. Há um travo amargo, o que ficou por ver, os arrabaldes, a passagem por Viana do Castelo foi visita de médico, nunca se conseguiu entrar na Igreja da Misericórdia, nem se visitou o esplêndido barroco da Correlhã, mas outros exemplos podiam ser dados. Isto para acentuar que foi uma viagem memorável e que Deus permita que se possa repetir.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12)

Mário Beja Santos

Esta inolvidável peregrinação caminha para o seu termo, hoje é dia reservado a Ponte de Lima, as notícias sobre o coronavírus são cada vez mais alarmantes, vêm aí restrições severas, fala-se em confinamento, logo de manhã, no próximo dia, ruma-se a Lisboa, há uma certa suspeita de que vale a pena passar por Pedrógão Pequeno e encher uma mala com livros, nos noticiários de rádio fala-se em quarentena, ao menos que haja leituras e boa música, o resto virá por acréscimo. Contempla-se este magnífico painel de azulejos, o tema é a Restauração, a aclamação de D. João IV, bate certo neste templo religioso que vem dos confins da Idade Média.
É uma deambulação sem itinerário, voltou-se a visitar alguns parques, estátuas, percorreu-se cuidadosamente a Rua do Arrabalde de S. João de Fora e também a Rua Lima Bezerra, não se esqueceu a Casa de Nossa Senhora de Aurora que se visitou com tanto gosto, com o seu jardim aprimorado, acolhimento de estalo da anfitriã que zela aquele património seja mantido com desvelo, uma casa destas exige restauro permanente, conservação permanente.
E os jardins? Sai-se deste ponto da Ribeira Lima assegurando ao leitor que se cumpriu à risca o guia turístico e o que confere a Ponte de Lima a Rota das Camélias: o passeio ribeirinho, o parque temático do Arnado, com os seus diversificados jardins, o jardim Sebastião Sanhudo, a inevitável Avenida dos Plátanos, o jardim dos Terceiros, e mesmo junto ao edifício da autarquia, o jardim Dr. Adelino Sampaio. Já se anda com os pés a escaldar, mas o dia está magnífico, e o maravilhamento é intenso.
Havia um encontro aprazado com um limiano que é personalidade conhecida da terra pelo denodo com que se bate para que seja respeitada a memória dos combatentes, carteamo-nos regularmente, ele reservara-me surpresa, visitar Ponte de Lima do alto. E que grande surpresa. Começou por me levar a uma elevação onde se desfruta do vale do rio Trovela, as águas que por ali correm vêm dos montes da Boalhosa, passando por Fornelas e pela Feitosa. O que é que há de especial nesta floresta? Uma floresta antiga, ali pontificam amieiros, carvalhos, castanheiros, sobreiros, salgueiros, ainda não entrou a praga do eucalipto, e não constam pinheiros. Antes porém, houve subida ao Monte da Madalena, na freguesia de Fornelos, estamos a 240 metros de altitude, há por ali até um parque em espaço arborizado e aprazível, e está aberto um restaurante, aqui se pode desfrutar uma panorâmica sobre o populoso concelho.
O Mário Leitão insistiu que fôssemos às Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos, ele foi um pioneiro para que ali houvesse uma reserva natural, expliquei-lhe que tentara por ali cirandar, quase impossível, os caminhos estavam praticamente alagados, só de galochas, que eu não trouxera. E tranquilizei-o, haverá regresso, iremos os dois a esse paraíso da biodiversidade. Insistiu numa fotografia a dois, e eu fiz questão de mostrar o livro das Lagoas de Bertiandos, um dos motivos do próximo regresso.
Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos
No caminho de regresso encontrou-se este espigueiro em bom estado, tão importante património como as casas, pontes, jardins e lagos que me encheram os olhos. Há um lugar icónico, que é o Soajo, em que estes armazéns de cereais assentam na robustez da pedra, o que produz um efeito de ponto fortificado, que não é, terá sido impressão minha, depois de ter palmilhado aquele magnífico Castelo de Lindoso, de perpétua memória.
Procuro uma síntese de tudo quanto me foi dado observar, tanto em património natural como construído: o bucolismo genuíno da Ribeira Lima, as belas veigas e gândaras dos pequenos vales, o rio longo e plácido, aquela ponte histórica, nó viário fulcral desde tempos antigos e também da alvorada da nossa nacionalidade; a vila cuidada, o seu casario que assinala um passado dinâmico; as visitas a Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Viana do Castelo, por haver reporte, a diferentes níveis sentimentais com a pessoa que aqui se veio homenagear, uma vida que se extinguiu em janeiro de 2020, 90 anos há pouco feitos, e que continua a deixar-me inconsolável. Daí as imagens que se seguem, de tempos imemoriais, até uma lápide para mim indecifrável, mas que tanto me comoveu. São imagens de saudade, valem pelo que valem.
Os estudantes coimbrões falam da hora da despedida nas suas baladas, vai anoitecendo, daqui a pouco não me vou poupar ao meu último caldo verde, porque aqui a comida tem fama e proveito, primeiro o dia tem aquela luz ofuscante que anuncia a escuridão repleta; era inevitável que a última imagem fixasse um troço da Ribeira Lima, que associo sempre a todos aqueles jornais que lia regularmente a um cego ávido de informações da terra-mãe. Cumpri o meu voto, espero dobrá-lo e redobrá-lo, por definição toda a viagem é inacabada.
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Notas do editor:

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Último poste da série de 23 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21476: Os nossos seres, saberes e lazeres (417): O que é que isto tem a ver connosco e com a nossa 'guerra'?

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Provavelmente, a escadaria de pedra no espigueiro foi colocada por ser outra a utilidade dada ao espaço interior.
Os suportes em pedra, os pilares e as bases são feitos de forma arredondada/lisa para os roedores não conseguirem subir, assim com escada facilmente subiriam.

Valdemar Queiroz