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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

1. Em visita de trabalho, a Angola, tive oportunidade de assistir, em Luanda, no passado dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela, ao lançamento do livro Poemas, de Viriato da Cruz, na associação cultural Chá de Caxinde, criada em 1989, e agora com instalações renovadas, sitas em plena baixa luandense (Rua do 1º Congresso do MPLA). A edição é da editora Nósssomos, com sede em Vila Nova de Cerveira, e associada ao nome do escritor José Luandino Vieira.

Mais uma vez a sugestão e o desafio para sair da minha dupla insularidade (, hospedado como habitualmente estou na Clínica da Sagrada Esperança,  na Ilha de Luanda) vieram do meu amigo Raul Feio, angolano, médico formado na Faculdade de Medicina de Lisboa, antes  do 25 de abril, e conceituado especialista em saúde pública, além de histórico militante do MPLA, um dos 26 médicos que ficou em Angola, sua terra, aquando  da independência, enfim, um homem cultíssimo que me apresentou a diversas personalidades do meio cultural, intelectual e jornalístico de Luanda, presentes no evento, no Chá de Caxinde.  

Confesso que não conhecia a obra, a não ser uma ou outra coisa avulsa,  de Viriato da Cruz, um homem de quem se diz que o político cedo matou o poeta, autor de um único livro de poesia publicado em vida (Poemas, 1961) mas considerado como um referência maior da moderna poesia angolana, injustamente esquecido por muitos angolanos, e nomeadamente pelo partido no poder. No Chá de Caxinde, assisti, eu e o Raúl, a um bonita homenagem ao poeta, na presença da sua viúva, Maria Eugénia (de 85 anos de idade) e netas. Nessa homenagem foram ditos (e cantados) alguns dos seus poemas, incluindo que o que reproduzimos a seguir, o conhecidíssimo Namoro (nem sempre associado ao nome do seu autor).

Recorde-se que foi o cantor português Fausto Bordalo Dias quem nusicou este poema, tendo-o interpretado e incluído no álbum "A preto e branco" (1988). Este tema jdo Fausto já tinha sido incluído no disco do Sérgio Godinho, "De pequenino se torce o destino" (1976).

È, quanto a mim, um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa.


2. VIRIATO DA CRUZ (Porto Amboim, Angola, 1928
- Pequim, China, 1973)

De seu nome completo, Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu em Kikuvo, Porto Amboim em 1928. Fez os estudos liceais em Luanda.

Considerado o primeiro teórico e membro ativo do chamado Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e mentor da revista Mensagem (1951/52),  Em 1955, esteve também ligado à criação do Partido Comunista Angolano. Foi membro fundador do MPLA, e seu primeiro secretário-geral (1960/62). É-lhe atribuída a autoria do seu Manifesto.

Colaborou em diversas revistas literárias (Cultura I e II, Mensagem) bem como na imprensa escrita (Jornal de Angola, Diário de Luanda). Temendo pela sua segurança, parte em 1957 para Paris, onde se junta Mário Pinto de Andrade, com quem participa nos eventos culturais e políticos, mais importantes, na época, relacionados com África. Acabou por romper com a direcção do MPLA (donde será formalmente expluso em 1963), viveu exilado em vários países (incluindo Portugal) e acabou por se ficar na China, onde morreu precocemente, aos 45 anos, em 13/7/1973, em condições miseráveis e indignas, vítima de revolução cultural chinesa, no tempo do maoísmo. Pagou em vida um preço elevado pela sua rebeldia, independêdncia de espírito, firmeza de convicções e angolanidade.

É considerado como um dos principais precursores (ou representantes) da moderna poesia angolana, a par de Agostinho Neto, Aires de Almeida Santos de António Jacinto. Foi amigo íntimo de Mário Pinto de Andrade. Figura em diversas antologias de poesia angolana, nomeadamente estrangeiras.

Fontes consultadas:

Lusofonia: o teu espaço da poesia lusófona, de Manuel C. Amor > Viriato da Cruz 
Wikipédia > Viriato da Cruz

Sobre Viriato da Cruz

(...) Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos. Viriato da Cruz procurou assuas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialetais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantementeos símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana. (...)

(...) Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais ativos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem, onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra. (...) (Fonte: Infopédia)



Obra Poética:

Poemas, 1961, Lisboa:  Casa dos Estudantes do Império.
Poemas, 2013. Vila Nova de Cerveira e Luanda: Nóssomos.



NAMORO

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia ─ era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce ─ como o maboque...
Seu seios laranjas ─ laranjas do Loge
seus dentes... ─ marfim...

   Mandei-lhe uma carta
   e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração".
Num canto  
─ SIM, noutro canto ─ NÃO.
    E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
    E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
   E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" ─ Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba ─ dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos ─ sorriu para mim
pedi-lhe um beijo ─ e ela disse que sim.

In: Viriatro da Cruz: Poemas. Vila Nova da Cerveira e Luanda: Nóssomos, 2013, pp. 45-46. (Reproduzido com a devida vénia)

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11794: Manuscrito(s) (Luís Graça) (5): fumo, logo existo