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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
As "estrelas" deste texto são o Fiat e o Alouette III, entraram em cena em finais de 1966, mereceram a aprovação de todos os intervenientes na guerra da Guiné. O Fiat superava as limitações do T-6, era declaradamente ágil e atemorizou as forças da guerrilha; o Alouette III era também marcadamente superior ao Alouette II, transportava com rapidez reforços, forças especiais, armamento de toda a espécie, era um elemento moralizante no decurso de operações que exigiam o resgate de feridos ou o transporte de munições e água. Os autores detalham os esforços para comprar equipamento mais moderno e eficiente, e lembram as graves questões políticas de recusa de vendas, com os EUA à frente, mas igualmente havia limitações financeiras. Quando compulso textos sobre este período da guerra e leio críticas inaceitáveis ao comportamento militar de Schulz, não posso esconder que livros como este, de Hurley e Matos, vêm repor a verdade dos factos, mas não ignoro que enquanto não se estudar a fundo o período militar de 1964-1968 as opiniões fúteis continuarão a prevalecer.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria dos dois textos anteriores, os autores dão-nos conta das tremendas dificuldades sentidas pela Zona Aérea no teatro da Guiné quanto a aeronaves adaptadas às especificidades do terreno e à natureza da escalada de guerrilha, dificuldades que se estendiam aos recursos humanos e até às aeronaves pousadas a aguardar peças de substituição, que pareciam demorar séculos. A compra de aeronaves revelava-se difícil, Washington dava o mote, recusava categoricamente qualquer venda que se destinasse à nossa guerra de África, e era seguido por outros parceiros da NATO. É nisto que se consegue a compra providencial de Fiat G-91 à República Federal da Alemanha, dava-se em troca a cedência da base de Beja. Estamos nos finais de 1966.

O G-91 prometia satisfazer a maioria dos requisitos da FAP para um jato de ataque na Guiné: poderia operar em ambientes difíceis com o mínimo de manutenção, tinha capacidade de operar em pistas de aterragem curtas. Dado o ambiente de defesa para a qual originalmente se foi concebida, a cabine da aeronave era cercada nos três lados por chapas de aço e tinha para-brisas blindado, enquanto as secções vitais (incluindo os sete tanques de combustível) estavam protegidas por armadura. As características de voo do G-91 também pareciam satisfatórias porque proporcionava estabilidade aerodinâmica, tinha um excelente canhão e carregava três câmaras Vinten F.95-MK3 no nariz para obter imagens verticais e oblíquas de alvos suspeitos do PAIGC, incluindo bases de apoio transfronteiriças e até posições antiaéreas no Senegal e na República da Guiné. O G-91 também ofereceu algo que os pesadões T-6 não tinham: surpresa tática. Alimentado pelo turbojato Bristol Siddeley ‘Orpheus’ Mk 803-D11, produzido sob licença na Itália, o G-91 podia atingir velocidades até 600 nós (mais de 1100 km/h) ao nível do mar, podia chegar a qualquer ponto da província dentro de 15 minutos após a descolagem. A baixa altitude, este avião de caça mostrava-se silencioso na abordagem e aterrorizante no ataque, era uma arma de reconhecido valor.

O Governador e Comandante-Chefe Arnaldo Schulz, durante os voos de demonstração em Bissalanca expressou a sua “certeza” de que o G-91 iria decidir a guerra a favor de Portugal. Mas a exuberância do oficial-general não tomava em linha de conta as deficiências da aeronave, a mais significativa era o seu alcance limitado e a resistência tática, os pilotos tiveram de desenvolver uma série de soluções operacionais, em jeito de compensação. Estas soluções incluíram rotas de alta altitude de e para áreas-alvo, se bem que se desse um sinal às forças de guerrilha; transporte de combustível correspondente a uma redução de transporte de material bélico; e limites estreitos na quantidade de armamento para combates, restringindo os pilotos a uma única bomba ou ao tempo de metralhar em pontes nevrálgicos. Os pilotos também mostraram insatisfação com as quatro metralhadoras montadas no nariz, deram preferência ao uso de canhões DEFA de 30 mm, que eram usados nos modelos alemães. A frota G-91 foi também afetada pelas dificuldades de abastecimento e manutenção que afligiam a FAP de um modo geral. Houve que fazer um contrato com a Alemanha para fornecer peças de substituição para as primeiras 1000 horas de voo (o suficiente para cobrir apenas 6 semanas de operações de combate). O uso de um novo tipo de avião como o Fiat implicou um stock muito maior de peças de reposição, pelo que a Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné alertou as autoridades em Lisboa para a questão. Levaria pelo menos 6 meses para fazer os “ajustes necessários”, tendo em conta os novos itens respeitantes ao avião. O ministro da Defesa, Gomes de Araújo, queixou-se às autoridades alemãs alertando para o tempo que demorava a reposição dos stocks. A situação tornou-se tão difícil que a Zona Aérea foi forçada a “canibalizar” um dos aviões para ter peças para manter as outras 7 aeronaves em condições de voo. Por tal facto, houve necessidade de reduzir as operações do Fiat na Guiné.

Portugal recebeu apenas 10 motores Orpheus de substituição para os Fiat, vindos no âmbito do projeto Feierabend, por exemplo, mas os pedidos para outro equipamento demoraram vários meses a ser satisfeitos, algumas aeronaves tiveram de ficar no solo. A falta de componentes do assento ejetável Martin-Baker Mk4 também limitou as operações, pois quando os G-91 voaram pela primeira vez na Guiné já tinham ultrapassado os prazos de inspeção dos seus assentos ejetáveis. Apareceram outros problemas, outros desafios operacionais e imprevistos logísticos, caso do desgaste prematuro dos pneus, escassez de dispositivos de travagem, falta de munições, tudo somado, foram dificuldades sentidas que impediram a utilização plena dos Fiat. A deficiência mais premente, no entanto, foi a falta de sistemas de armamento. O G-91 teve um impacto ofensivo considerável, os caças de ataque operavam aos pares, cada um armado com quatro metralhadoras e oito rockets. O Fiat podia também transportar vários tipos de bomba, incluindo as de fragmentação e as de napalm. Mas o número de bombas existente era diminuto pelo que, de modo geral, a arma usada era a metralhadora, como observou o General José Nico.

As bombas de 50 kg passaram a ser usadas em julho de 1966. Até inícios de 1968, os G-91 na Guiné só puderam realizar ataques com uma única bomba, depois receberam meios bélicos suficiente para poder usar múltiplas bombas de 50 kg e 200 kg. Enfim, todas estas dificuldades combinadas restringiram em muito o emprego inicial do Fiat na Guiné, só se poderia fazer uma surtida em média diária com 2 a 3 jatos, e a situação prolongou-se até outubro de 1967. Mas este novo caça passou a desempenhar um papel relevante em todas as principais operações da Zona Aérea até ao fim da guerra. Os Fiat passaram a atacar quase à vontade em todo o território – mesmo quando os guerrilheiros do PAIGC aperfeiçoaram os seus métodos, melhoraram a sua mobilidade e estabeleceram defesas antiaéreas.

Embora o Fiat tenha revitalizado as operações, a verdadeira revolução na guerra aérea na Guiné aconteceu com a chegada dos primeiros helicópteros Alouette III, em novembro de 1965. As novas aeronaves foram imediatamente colocadas ao serviço, executando tarefas de ligação e evacuação médica, tal como já faziam os Alouette II. Contudo, os Alouette III tinham uma melhoria significativa em relação ao seu antecessor, um motor mais potente e 50% de maior capacidade de carga. Para transportes de operacionais, cada um desses helicópteros podia transportar 5 soldados e os seus equipamentos individuais, um sexto passageiro poderia ser transportado no assento central da frente. Alternativamente, este helicóptero construído em França poderia levar dois pacientes em maca e dois profissionais de saúde durante as missões de evacuação. O Alouette III foi descrito por um piloto português como uma “aeronave extraordinariamente robusta e muito fácil de pilotar”, era também fácil de manter estável em condições de terrenos difíceis e poderia transportar um número surpreendente de armas ligeiras.

Os novos helicópteros entraram em ação na Operação Hermínia, conjuntamente a Zona Aérea e o Comando Territorial Independente da Guiné, operação helitransportada, 6 de março de 1966. No início da operação, seis Alouette III levaram 30 Comandos para aterrar em Jabadá, a 24 km a Leste de Bissau; os mesmos helicópteros trouxeram este contingente para Bissalanca cerca de 3 horas depois. A Operação Hermínia deu rapidamente lugar a uma nova operação, em 10 de março, cinco Alouette III transportaram uma força paraquedista para Salancaur, Operação Odete, e a 14 de março foram desembarcados Comandos para cercar forças da guerrilha durante a Operação Desforço.

Comparativamente a operações que tiveram lugar no Sudeste Asiático, a Hermínia e as outras foram episódios significativamente menores. Por exemplo, no mesmo dia em que ocorreu a Operação Hermínia, as forças norte-americanas concluíram uma operação que durara 41 dias numa província do Vietname do Sul, envolveu um recorde de 74.385 missões de helicóptero que transportaram o equivalente a 78 batalhões de infantaria, 55 baterias de artilharia e o material necessário para sustentá-las durante seis semanas de intensa operações de combate. Hermínia representou um esforço menor, mas foi um golpe de mão que inaugurou uma séria de 300 operações de heliassalto só na Guiné. O ex-Chefe de Estado-Maior, General da FAP, Rui Fidalgo Ferreira, observou que provavelmente as frotas mais importantes em África eram as unidades de helicópteros.
Um B-26 Invader em Angola, Portugal comprou clandestinamente 7 destes aviões (Arquivo Histórico da Força Aérea)
No início dos anos 1960, Portugal tentou comprar 25 English Electric Canberra, mas abandonou tal ideia devido a restrições políticas e monetárias (Coleção José Matos)
O T-6 (Coleção José Nico)
Dois F-86F na Ilha do Sal, foram retirados por pressão norte-americana na Guiné e voltara para a base de Monte Real (Coleção Touricas)
G-91 num voo sobre a Alemanha (Coleção José Matos)
O piloto José Nico durante um curso de formação na Alemanha Federal (Coleção José Nico)
O primeiro grupo de pilotos de G-91 da Esquadra 121 em Bissalanca (Coleção Egídio Lopes)
Empoderado por um turbojato Bristol Sideley “Orpheus”, o G-91 podia atingir velocidades superiores a 1100 km/h (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)