segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
É nos dada a oportunidade de ouvir na primeira pessoa a trajetória de um líder que viveu desde de 1961 missões de que Amílcar Cabral o incumbiu, uma das mais importantes terá sido a formação de um grupo que iria desembarcar no arquipélago de Cabo Verde, missão depois considerada inviável e que leva este grupo cabo-verdiano preparado em Cuba a ir combater no interior da Guiné. O comandante conta-nos a sua história desde a infância na Ilha do Fogo, as lembranças que ele guardou da vida do arquipélago até chegar a Lisboa, pensava tirar um curso na Faculdade de Ciências para ser professor, foi oficial da Força Aérea, desertou em 1961 e chegou a Conacri. É um discurso sereno, não há arroubos nem farroncas, uma crença inquebrantável no pensamento de Cabral, tem lugar de destaque na hierarquia do PAIGC, foge sempre com subtileza à questão tensional Guiné-Cabo Verde, ou defende-se com o mantra de que foram os colonialistas quem acirrou esse ódio, que não tinha fundamento. Não se entende como este octogenário, cioso para que haja uma história feita pelos independentistas africanos, não tenha documentação suficiente para saber que a questão cabo-verdiana se tinha naturalmente agudizado com a ocupação dos lugares chaves da administração colonial guineense por cabo-verdianos, desde administradores de circunscrição, a notários, a professores, a empresários, situação que se vivia essencialmente desde a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879. Não sei o que ganham estes homens que exerceram altos cargos no PAIGC e no PAICV a fugir à realidade, está tudo documentado. E, como veremos a seguir, Pedro Pires vai ter a desfaçatez de considerar que o assassinato de Cabral foi perpetrado a partir de Bissau, pela entidade colonial e a PIDE-DGS.

Um abraço do
Mário



Comandante Pedro Pires, memórias da sua vida e da sua luta na Guiné-Bissau (1)

Mário Beja Santos

Pedro Verona Pires, após a sua deserção das Forças Armadas portuguesas juntou-se ao PAIGC em Conacri, foram-lhe atribuídas múltiplas missões, acompanhou a luta da libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Após a independência de Cabo Verde, foi Primeiro-ministro entre 1975 a 1991 e seu presidente de 2001 a 2011. Este livro sobre o Comandante Pedro Pires é o resultado de uma longa entrevista realizada em Cabo Verde por uma equipa da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas: "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde, entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel", FGV Editora, Brasil, 2021. O entrevistado regista a história da sua vida, mediada pelo método da História Oral. Obviamente que nos vamos circunscrever das suas declarações até à independência da Guiné-Bissau e sequelas da rutura Guiné-Cabo Verde.

Pedro Pires nasceu na Ilha do Fogo em 1934, origem eminentemente rural, filho de pais médios proprietários rurais. Fala da sua família e do Fogo, onde viveu até aos 7 anos; depois fez a escola primária em São Filipe; aos 12 anos foi fazer a admissão aos liceus em São Vicente, estudo com interregnos, o dinheiro da família não chegava para tudo; inevitavelmente fala das fomes e da condição atroz da vida cabo-verdiana, da muita emigração, refere também a revolta dos famintos; em 1956, com 21 anos, terminado o liceu, vem para Portugal, inscreve-se na Faculdade de Ciências, frequenta a Casa dos Estudantes do Império, mas em 1957 vai prestar serviço militar obrigatório, depois de Mafra, fez a formação na área de controlo aéreo, tornou-se oficial controlador aéreo de radar, colocado em Montejunto. Assume que é por esta época que começa o seu crescimento político, a sua condição de colonizado, fala das suas leituras, recorda "Geografia da Fome", de Josué de Castro e as obras de Jorge Amado. Confessa que não fez parte de nenhuma organização comunista. Decide fugir de Portugal em 1961, vai com uma enorme leva de companheiros africanos, sobretudo angolanos, lembra outros companheiros de viagem, como Manuel e Lilica Boal, Amélia Araújo, Elisa Andrade e Osvaldo Lopes da Silva. Em Paris, o grupo foi visitado por Mário Pinto de Andrade e por Dulce Almada Duarte, ligada ao PAIGC. Viaja para o Gana, em Acra tem o primeiro encontro com Amílcar Cabral. Em Conacri recebe como missão ficar agregado ao secretariado da CONCP - Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois foi destacado para trabalhar em Dacar no seio da comunidade cabo-verdiana residente no Senegal. Fez depois formação na União Soviética. Tece elogios à personalidade de Amílcar Cabral.

Descreve os inícios da luta armada, os primeiros líderes revolucionários formados na China, depois um grupo formado em Marrocos, onde aliás Pedro Pires esteve em missão, os envios de armas e até incidente resultantes do envio de munições de Marrocos de que Sékou Touré suspeitou que pudessem ser munições para um golpe de Estado. Considera que a obsessão pela luta armada era inevitável. “Portugal não estava em condições de seguir uma via pacífica e negociada. Não estava em condições de negociar com quem quer que fosse, porque o regime dependia política e economicamente do colonialismo. Ele só tinha futuro, tal como existia, aliado ao regime colonial”. E explica o pensamento de Cabral relativamente à natureza da luta armada que se ia fazer na Guiné. “Para Amílcar Cabral, era fundamental evitar que se transformasse numa guerra de fronteiras, que dizer, estar do outro lado da fronteira e fazer ataques armados a partir do exterior. E escolheu uma localidade do centro-sul da Guiné, Tite, para começar a luta armada. Mas já tinha havido um trabalho prévio de mobilização dos camponeses, de mobilização dos guineenses, quer em Bissau, que no interior do mundo rural”. Considera que no espírito de Amílcar Cabral esteve sempre presente a ideia de que Pedro Pires devia trabalhar prioritariamente no quadro do desenvolvimento da luta em Cabo Verde.

Pedro Pires visita pela primeira vez a Guiné-Bissau em 1968, foi destacado para a Frente Leste, em substituição do secretário-geral e na companhia de Osvaldo Vieira. Refere-se ao Congresso em Cassacá e da necessidade de jugular as arbitrariedades de líderes assumidamente criminosos. Fará parte da delegação do PAIGC à Conferência Tricontinental que se realizou em Havana, no início de 1966. Fez formação militar em Cuba. Na impossibilidade de fazer desembarque em Cabo Verde, e após completar nova formação militar na União Soviética, volta para Conacri, o grupo de que ele faz parte irá instalar-se na base Kambéra, na região de Madina de Boé. “A minha incumbência era criar as condições de acolhimento e distribuir os recém-chegados pelas três frentes, buscando, sobretudo, tirar benefício dos mais bem qualificados, e que entrariam especialmente no corpo de artilharia das FARP, com o objetivo de melhorar a eficácia da nossa artilharia. O que se conseguiu grandemente, e viria a constituir o pilar principal da derrota do exército colonial.” Faz alusão à africanização da guerra e à política da “Guiné Melhor”.

Os entrevistadores pretendem apurar qual o grau de tensão entre os dirigentes cabo-verdianos e os guineenses. “Suponho que talvez pudesse existir alguma coisa, provavelmente inveja, preconceito retrógrado, mas não dava para afirmar que houvesse tensão”. Não teve conhecimento de que houvesse conflito expresso com os cabo-verdianos. “O certo era que a presença cabo-verdiana nas FARP perturbava as autoridades coloniais e militares porque sabiam que constituíam uma mais-valia importante do ponto de vista militar e ameaçavam a sua segurança”. Da sua análise, em 1968, a guerra encontrava-se numa fase equilíbrio entre as forças opositoras, nem o movimento de libertação estava em condições de expulsar as tropas colonialistas e estas não estavam em condições de derrotar a guerrilha. Falava-se da Operação Mar Verde, da resposta do PAIGC à campanha da “Guiné Melhor” com a criação dos “Armazéns do Povo”. Considera que a rutura do equilíbrio é dada pela chegada dos mísseis Strel
a, Manecas Santos, da Frente Norte, fora o chefe da missão do grupo que se formou na União Soviética. E acrescenta:
“Os combatentes do PAIGC dispunham de uma outra arma de artilharia, ligeira e muito prática, com bom alcance, também de fabrico soviético, o 3P132GRAD-P. Numa guerrilha em que as armas e as munições são carregadas pelos combatentes, é importante que não sejam pesadas. Ora, o GRAD-P respondia a esses critérios operacionais. Além do mais, podia ser empregado com um só tubo de lançamento ou com vários tubos, em bateria, em que era mais eficaz e com menor dispersão de tiro. Trata-se de uma versão reduzidíssima da arma pesada que o exército soviético tinha usado na II Guerra Mundial, conhecida por órgãos de Estaline, é uma versão mini.”

E inopinadamente, os entrevistadores orientam a conversa para o assassinato de Amílcar Cabral.

(contínua)

Pedro Pires no serviço militar em Portugal
Pedro Pires na Guiné-Bissau
Entrevista de Pedro Pires a uma equipa da Escola das Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, junho de 2019: (https://www.youtube.com/watch?v=A7eXvPIwie8)
Ilha do Fogo, Cabo Verde
Pedro Pires nas cerimónias da Independência da Guiné-Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)

7 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Ainda bem que o Mário Beja Santos nos avisa sobre a qualidade da pessoa Pedro Pires e o nenhum rigor que utiliza sobre as realidades que viveu. Diz, e bem, o Mário Beja Santos:
"Não sei o que ganham estes homens que exerceram altos cargos no PAIGC e no PAICV a fugir à realidade, está tudo documentado. E, como veremos a seguir, Pedro Pires vai ter a desfaçatez de considerar que o assassinato de Cabral foi perpetrado a partir de Bissau, pela entidade colonial e a PIDE-DGS."
Nem o MBS, nem eu estamos a defender a execrável PIDE. Apenas, a negar tremendos equívocos, a pôr os pontos nos iis da nossa história comum. Pedro Pires ainda caminha pela falsificação da Historia.

Um abraço do

António Graça de Abreu

Jose Macedo, DFE 21 disse...

Quem fez a História , não a pode falsificar. Pedro Pires é a história da luta . Ser acusado de falsificar a história por acreditar que a PIDE está por traz da morte de Cabral e simplesmente ridícula. Para os defensores da teoria de “clean hands” de Portugal no assassinado de Cabral , uma das razões para ilibar Spinola e que Cabral estava aberto ao diálogo e não se ganharia nada em assassina-lo. Para esses “brains” só lhes digo “Operação Mar Verde.” José “Zeca” Macedo. DFE 21 - Guiné Bissau 73-74

Antº Rosinha disse...

Pedro Pires e Aristides Pereira, foram os fundadores do PAICV, no dia 20 de Janeiro de 1981, 8º aniversário do assassinato de Amilcar Cabral.

O PAICV, 3 meses antes ainda era PAIGC, no entanto os caboverdeanos dentro de uma perspicácia muito especial estão a escrever a história à sua maneira, muito disfarçadamente, que o PAICV é o partido fundador da independência de Caboverde.

Muito caladinhos, viram o irmão deles todos, Luis Cabral ser derrubado em Bissau 3 meses antes da fundação do PAICV, e nem se mexeram nem uma palavrinha de condenação do golpe, nem de apoio ao homem.

Até deu a impressão que já há muito tempo, Aristides e este Pires, estavam à espera do funeral definitivo, dos sonhos de Amílcar, a Unidade Guine-Caboverde.

É que na semana a seguir àquele golpe ia ser o congresso do PAIGC, em que ia ser consagrada a tal UNIÂO sonhada por Amílcar.

Até ficou a ideia que teria sido um alívio na consciência daqueles dois ao verem-se livres daquele sonho de Amílcar que para eles seria o maior pesadelo tal União.

Ao menos que manifestem em algum monumento num lugar nobre da Praia, o esforço dos guineenses em prol da independência de Caboverde, conseguida sem um único tiro nem uma facada.

E que não falsifiquem a história dizendo que foi o PAICV, fundador da independência, que é umma traição a Amílcar e a Luís Cabral.



Manuel Luís Lomba disse...

Pedro Pires foi a personalidade mais determinante do PAIGC - depois de Amílcar Cabral e dos primos Vieira (Nino e Osvaldo).

E a mais radical, de parelha com Luís Cabral e Jorge Araújo. Refira-se os seus tirocínios na Rússia e em Cuba.

Que não diz o que sabe, o que fez e apenas diz o que lhe convém e atende às circunstâncias, que até falsifica a história, são evidências de "bom terrorista" - e tema para outras especialidades.

Que no balneário do PAIGC não havia tensões entre guineenses e cabo-verdianos? Vi e ouvi a sua lamentação de que fora hostilizado nas exéquias e no funeral de Amílcar (era o Comissário Político da Frente Sul, "controleiro" do Nino...

Que Amílcar não queria guerra nas fronteiras? Evoco Guileje, Guidaje, Gadamael, Buruntuma, etc.

Que a eficácia da sua artilharia no interior do território guineense foi obra sua? Eu vi-o e ouvi-o afirmar que manobrou o avanço do seu armamento de infantaria e de artilharia de calibre de 120para o interior do território, pela primeira vez e para atacar Gadamael, na exploração do sucesso de Guileje, e que a sua retirada foi grande provação, pressionado pelos paraquedistas de Bissalanca e complicada pela entrada da época das chuvas.

Se, em 1961, os nossos mandantes daquela guerra em vez de perderem tempo com a burocracia de tratados de "Nâo-gressão" tivessem controlado a fronteira da GConacry, o Pedro Pires cantaria vitória?

Finalmente, o comandante indigitado para as operações em Cabo Verde foi Osvaldo Vieira.

E Pedro Pires não derrotou nenhum exército colonial - a derrota dos guineenses foi o legado d legado do PAIGC. O tempo é o mestre.







Valdemar Silva disse...

Ainda sobre o caso de ter sido a PIDE a matar Amílcar Cabral, evidentemente que não foi nenhum agente daquela polícia política da ditadura.

Não sei se Beja Santos conhece um documento com o carimbo/autenticação do arquivo da Torre do Tombo, em que se toma conhecimento da PIDE andar a arranjar 'colaboradores' para liquidar Amílcar Cabral.

O documento é uma carta secreta de 28-12-1970 do Posto de Mindelo para o Chefe da Delegação da DGS da Praia, com o assunto : Colaboradores.
Parte de texto "Encontra-se na Cidade como tripulante do navio o colaborador acima citado.
O mesmo informou este Posto, de que tem aliciados um grupo de seis
indivíduos, prontos a dinamitar o depósito das munições do PAIGC em Conakry
e a liquidarem Amílcar Cabral.
A cada um dos indivíduos seria pago por esta DGS a importância de 10 mil
escudos, caso esta operação tivesse pleno êxito.

O blogspot COMO UM CLARIM DO CÉU, de 01-12-2020, apresenta o post ESPECIAL-OPERAÇÕES ENCOBERTAS-O ASSASSINATO DE AMILCAR CABRAL, um extenso texto sobre este assunto.

Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

O post referido pelo Valdemar Queiroz sobre o assassinato de Amílcar Cabral, pode ser visto no Blog "Como Um Clarim do Céu", aqui: https://comoumclarimdoceu.blogspot.com/2020/12/especial-operacoes-encobertas-o.html.
Carlos Vinhal
Coeditor

Joaquim Luis Fernandes disse...

Para mim, falar de Pedro Pires é tempo perdido! Do que já se sabe da sua pessoa, da sua coerência (ou falta dela) é suficiente para o arrumar no canto da História que lhe cabe.

Já sobre os mandantes do assassinato de Amílcar Cabral, é um capítulo em aberto, a necessitar de conclusões que não falseiem a História, como aconteceu no passado, em versão conveniente no "politicamente correto", que teima em fazer carreira em algumas cabeças, sabe-se lá porquê.

Há falta de elementos concludentes de terem sido a PIDE/DGS, conjuntamente com o Comando Militar em Bissau, os mandantes do assassinato, forjam-se documentos, sem autenticidade, que sustentem essa acusação, conforme os planos de quem esteve por detrás do complô.

E esse capítulo em aberto, não se resume nas linhas de um simples comentário; é uma investigação que requer rigor na junção de todos os elementos conhecidos, na sua confrontação com o verosímil, não deixando de fora nenhum dos elementos conhecidos, de antes, durante e depois do funesto ato criminoso. E respondendo à questão: a quem interessava e interessou a liquidação de Amílcar Cabral?