Queridos amigos,
Havia ainda umas imagens guardadas da visita a Barcos, pareceu-me razoável voltar a esta aldeia vinhateira. Tentei uma cena com a coordenadora da excursão, quando ela anunciou que o resto da manhã estava destinada a visitar o miradouro do Fradinho, com falinhas mansas perguntei se não podíamos, ao invés, ir visitar o Mosteiro Românico de São Pedro das Águias, considerado como uma das igrejas mais emblemáticas do Douro Sul, a resposta foi inexorável, só há tempo para ir ao miradouro do Fradinho, é o que eu tenho na lista. Não fiz beicinho, mas não sei quando terei a oportunidade de voltar a este templo que para muitos veio dos primórdios da Reconquista Cristã. E à tarde partimos para Favaios, tal como Barcos, e mais adiante Trevões, foi concelho até meados do século XIX, ainda guarda algum belo casario, o edifício da Câmara, que teve esquadra da polícia e até prisão, estamos em terra de vinho moscatel, vai-se começar a visita ao Núcleo Museológico Favaios, Pão e Vinho, virá depois uma tromba de água, seguir-se-á a prova do moscatel galego, ainda tenho umas coisas para vos contar.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (133):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (2)
Mário Beja Santos
Confesso que ando deliciado com este passeio por aldeias vinhateiras, mesmo em excursão, e ainda estamos em Barcos, ando com o nariz no ar, vejo esta casa restaurada, seguramente que se tratava do proprietário, um sénior mais sénior do que eu, debruçava-se sobre a varanda, cumprimentei-o, quis saber de onde vínhamos, ao que vínhamos, então o senhor não sabe que vive numa aldeia preciosa que atrai os seus compatriotas? Perguntou se estava a gostar, ouviu-se lá ao fundo alguém a perguntar o que se estava a passar, voz feminina, o sénior mais sénior do que eu gritou que era gente de fora, ficas a saber que este senhor aprecia que a nossa casa esteja estimada, peço-lhe licença para continuar e faço votos de muita saúde para os dois. Ainda há os detalhes de Barcos que gostaria de vos mostrar, mas não escondo que apreciei imenso esta conversa da varanda para a rua.
Voltemos à igreja matriz de Barcos, já se falou da capela-mor e do esplendor do templo, mas aprecio imenso a rusticidade, a sobriedade deste templo românico dos fins do século XIII. Os guias são parcos em pormenores, atenda-se ao portal de volta redonda e diga-se que ao longo da cornija correm modilhões.
No folheto relativo à aldeia vinhateira de Barcos fala-se na festa em honra de Nossa Senhora do Sabroso, diz-se que no Carnaval os jovens vão para o Cabeço da Forca e lá fazem casamento das jovens solteiras da freguesia; e Barcos também tem a queima do Judas, no sábado de Aleluia, que mais não é que um boneco (de crítica popular) que é queimado na Praça da Colegiada. Ainda tenho mais uns minutos para me flanar neste conjunto urbanístico, contemplar imponentes habitações de época moderna e modestas casas de cariz vernacular. Sinceramente, valeu bem a pena vir a Barcos.
O último programa da manhã é uma ida ao Miradouro do Fradinho. Ainda andei com umas falinhas mansas a dizer à assistente da excursão que valia a pena irmos conhecer um tesouro que dá pelo nome de Mosteiro Românico de São Pedro das Águias, sem dúvida uma das igrejas mais emblemáticas de Douro Sul. Goza de uma singularidade pela riqueza e variedade do trabalho escultórico, concentrado no portal lateral e na fachada voltada para o penedo, diz a lenda que é do tempo de dois cavaleiros da Reconquista Cristã. A ornamentação, pelo que pude ver em diferentes publicações, é espetacular. Na porta lateral norte destaca-se o tímpano decorado com o Cordeiro de Deus, há outras inscrições num silhar da parede; a fachada virada para a penedia apresenta decoração mais luxuriante, de influência orientalizante, combinando uma cruz trepanada no centro do tímpano, representando simbolicamente Jesus Cristo, tem também leões como noutro templo soberbo, em Rates, na Póvoa de Varzim. Bem pedi, mas a assistente não se fez rogada, vamos para o miradouro. É a lei do mais forte, quem manda na excursão tem muita força. Mas apreciei a atividade física, aí uns 400 degraus para cima e uns outros tantos para baixo, neste Douro em que se anda aos altos e baixos parece que se está a olhar para Tabuaço à mesma cota, lá fomos subindo cantando e rindo, contemplámos a paisagem e o granítico Fradinho, regresso para o almoço, um delicioso bacalhau.
Porta lateral da igreja matriz de Barcos
A fachada principal da igreja matriz de Barcos apresenta um portal de volta redonda ladeado por colunelos
Pormenor escultórico junto da fachada principal
Para que a gente não esqueça que havia crimes que levavam à forca
Um portão bem seguro em moldura de granito encimado com armas de nobreza, é que Barcos vem das origens da nacionalidade, importa não esquecerA pisar a uva, com a porta aberta, pediu-se licença, entre e esteja à vontade, eu não posso é sair daqui
Fachada do mosteiro românico de São Pedro das Águias
Pormenor de uma beleza extraordinária
Ali está Tabuaço, e depois há uma estrada íngreme que bifurca, à esquerda para a Régua, à direita para o Pinhão
O Fradinho no seu miradouro, a contemplar Tabuaço, ainda é uma boa distância
Já chegámos a Favaios, a visita começa no Núcleo Museológico, Favaios, Pão e Vinho. Mudámos de concelho, estamos em Alijó. Não iremos visitar a igreja matriz, de relativa monumentalidade, estamos de novo numa aldeia que já foi concelho e numa zona peculiar, toda a apresentação irá incidir sobre a história do vinho moscatel e o pão de Favaios. Este núcleo está instalado no edifício do século XVIII, tem na fachada principal elementos decorativos barrocos. Quem discursa não tem evasivas, Favaios é sinónimo de Moscatel, o tal vinho licoroso apreciado pela sua doçura e aroma. O desenvolvimento deste lugar muito deve ao vinho, desde o século XVIII, marca indelevelmente a paisagem, a arquitetura e a população. Bem acotovelados numa sala, a cicerone desenvolve o elogio ao vinho licoroso. Fiquei a saber que este moscatel é produzido a partir de uma única casta, moscatel galego, o que acontece num território bem delimitado entre Favaios, o lugar da Granja e algumas parcelas de Alijó, tudo situado acima dos 500 metros de altitude. É uma combinação de um terreno bastante fértil e pouco pedregoso, que se estende por uma área plana ou com declives muito suaves, e um clima fresco favorecido pelos nevoeiros e orvalhadas. Aqui se deixam alguns pormenores do que mostra o núcleo museológico.
Antigo anúncio, velhos rótulos, isto no local de entrada
Não pude resistir à fotografia, a ordem, as cores, a natureza do declive, o arvoredo lá em cima, abençoado moscatel galego
Outros tempos, outro transporte, lá vai a uva para dar vinho licoroso
Não soubéssemos nós que estamos em terra de vinho moscatel e até se podia pensar que a dorna vai carregada com uva para dar vinho finoDesculpem se exagero, mas a fotografia é tocante, penso que já houve a poda, o contraste de cores embeleza a área vinhateira.
Vamos agora passear em Favaios, vai cair uma tromba de água, iremos visitar a chegada dos carros pejados de uvas, o espetáculo fica para a próxima.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24934: Os nossos seres, saberes e lazeres (604): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (132): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (1) (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Oh, Beja Santos! Comparar S. Pedro das Águias com Rates, perto da Póvoa de Varzim, é uma desconsideração que S. Pedro das Águias não merece! Esta humilde capelinha debruçada sobre o rio Távora é claramente superior à igreja de S. Pedro de Rates, por muito bela que esta seja, e de facto é. Eu mais facilmente compararia S. Pedro das Águias com o mosteiro românico de Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre, por exemplo, talvez por causa das penedias envolventes.
Vê lá se arranjas uma qualquer maneira de ires a S. Pedro das Águias, dê lá por onde der, que não te vais arrepender. Provavelmente passaste-lhe quase ao lado, pela estrada entre Moimenta da Beira e Tabuaço.
Até parece que conheço bem a região de Tabuaço, mas não é verdade, de maneira nenhuma. Por exemplo, nunca fui a Barcos. O que tive, foi a incrível sorte de conhecer a capela românica de S. Pedro das Águias. Note-se que me estou a referir à capela românica e não ao convento de S. Pedro das Águias, que é atualmente uma quinta particular e que também deve ter bastante interesse.
Eu não sei que feitiço tem a capela de S. Pedro das Águias, que nos prende a ela para sempre. Nunca mais a esquecemos. Uma coisa é ver umas fotografias na internet, outra coisa é estar lá mesmo, naquele lugar, e sentir a atmosfera que envolve aquele humilde templo, quase encostado a um alto penhasco, no cimo do qual as águias deviam fazer os seus ninhos, enquanto no lado oposto o rio Távora corre no fundo do vale, saltando de pedra em pedra. O silêncio naquele lugar só não é total, porque o rumorejar das águas do Távora chega até aos nossos ouvidos e as aves vão soltando os seus cantos. Presidindo a tudo aquilo, está aquela verdadeira preciosidade da arte românica que é a capela de S. Pedro das Águias, esculpida em duro granito. Aquilo tem feitiço, só pode.
O que se sabe da história de S. Pedro das Águias, à mistura com lendas de mouras apaixonadas por cavaleiros cristãos, pode ser encontrado em https://arquivo.pt/wayback/20160207210032/http://joelcleto.no.sapo.pt/textos/Comercio/SPedrodasAguias.htm
Não deixa de ser interessante verificar a existência de numerosas lendas referentes à presença de mouros em Lamego. No séc XI, os Almorávidas, que eram uma tribo berbere do Sara Ocidental, conquistaram Marrocos e a seguir atravessaram o Estreito de Gibraltar, dispostos a restaurar e expandir a pureza do Islão na Península Ibérica. Conquistaram os reinos islâmicos independentes, chamados "taifas", que tinham resultado da fragmentação do Califado de Córdova e a seguir avançaram de forma imparável para norte, entrando em terras cristãs. Conquistaram a cidade de Coimbra e a seguir tomaram Lamego. O próprio emir almorávida, a quem os cristãos chamavam Almansor, fez de Lamego uma espécie de trampolim para se lançar à conquista das terras situadas a norte do rio Douro. O avanço de Almansor foi de tal ordem, que conseguiu conquistar a cidade de Santiago de Compostela, em plena Galiza, bem a norte de Portugal! Entretanto os cristãos reorganizaram-se e voltaram a conquistar as terras que os almorávidas tinham ocupado, obrigando-os a recuar para sul.
Sobre São Pedro da Águias, escreve Saramago na "Viagem a Portugal":
"... O viajante aproxima-se da capela. O primeiro enigma seria a razão por que neste lugar fora do mundo, entre fragas, alguém decidiu construir um templo. Hoje há uma estrada, sim senhores, e no sé XII como seriam os caminhos?, e a pedra, como foi transportada? "
Eu diria tiveram todo o tempo do mundo e parece que levaram mais de cem anos desde o início da construção e a obra ser outorgada.
Valdemar Queiroz
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