quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24952: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (23): A narrativa da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África) - Parte I



Guiné > CTIG >  Dispositivo das NT referente a 12 de junho de 1974. SITREP cCircunstanciado, nº 22/74, de 14 de junho: Fonte: CECA (230125), pág. 477. As chamadas "áreas libertadas" do PAIGC eram bolas circunscritas às "Áreas de Intervenção do Com-Chefe" (a sombreado), como o Morés, a região do Boé, ou o Cantanhez, a mata do Fiofioli ou  a mata do Choquemone, por exemplo.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023) (ampliar para ver detalhes)


Carlos Fabião, ten-cor graduado em brigadeiro, o último com-chefe da Guiné 
(de 25 de maio  a 15 de outubro de 1974. Fonte: CECA (2015), pág. 439.
 (Foto fornecida à CECA pelo filho, o arqueólogo e 
professor da Universidade de Lisboa, Carlos Fabião.)



1. A "narrativa" da CECA sobre os nossos últmos seis meses no TO da Guiné, de 25 de abril  a 15 de outubro de 1974 (*).


CAPÍTULO IV > ANO DE 1974 (pp. 420 e ss.)

Generalidades

O ano de 1974 marca o fim da luta armada na Guiné, em virtude de terem ocorrido em Lisboa importantes transformações políticas, cuja evolução posterior alterou decisivamente o quadro de relações entre a Metrópole e as suas Províncias Ultramarinas.

Os factos políticos e militares caracterizadores dessa evolução, quer em Lisboa quer na Guiné, foram os seguintes, por ordem cronológica:

(i) 25 de Abril, em Lisboa, deposição do Governo, levada a efeito por um auto-intitulado Movimento das Forças Armadas (MFA) que congregou a grande parte dos oficiais, sargentos e praças da. Armada, Exército e Força Aérea, a que aderiu, posteriormente, a maioria da população portuguesa;

(ii) na mesma data foi deposto o general Bethencourt Rodrigues das funções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné e substituído, nas funções de Comandante-Chefe, pelo oficial mais antigo presente no teatro de operações; foi também nomeado um oficial do Exército para as funções de Encarregado do Governo, a título transitório;

(iii) 8 de Maio, na Guiné, o tenente-coronel Carlos Soares Fabião tomou posse das funções de Encarregado do Governo;

(iv) 15 de Maio, no Leste da Guiné, iniciaram-se os contactos, no terreno, entre os comandantes das nossas forças e os comandantes das forças do PAIGC, que actuavam na zona, casos de Sare Bacar (15 de Maio), Ufara (25 de Maio) e Pirada (29 e 31 de Maio).

(v) posteriormente, estes contactos generalizaram-se por todo o dispositivo, particularmente após 17 de Maio, data do encontro, em Dacar (Senegal), entre o Secretário-Geral do PAIGC e o novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros português;

(vi) 16 de Maio, em Lisboa, tomada de posse do I Governo Provisório português;

(vii) 17 de Maio, em Dacar (Senegal), início dos contactos do novo governo português com o PAIGC, continuados posteriormente em Londres (25 a 31 de Maio) e Argel (13 de Junho);

(viii) 25 de Maio, o ten cor Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, assume as funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, mantendo-se no novo posto enquanto durarem as referidas funções;

(ix) 3 de Junho, nas povoações de Canjadude e Sinchã Maunde Bucó, na zona leste, tem lugar a última acção directa de fogo entre as forças beligerantes, tendo as forças do PAIGC atacado os aquartelamentos das nossas tropas sediados nas citadas povoações;

(x) Primeiros dias de Junho, em Bissau, é nomeado Juvêncio Gomes, do PAIGC, como representante permanente junto do governo da Província;

(xi) 4 de Junho, início da retracção do dispositivo das nossas forças no terreno, com o abandono da guarnição de Jemberém, no Sul;  respectiva guarnição recolheu a Cacine, a título excepcional;

(xii) A retracção do dispositivo das NT  continuou, cerca de um mês mais tarde, incidindo sobre as unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá em 5 de Julho, Camajabá e Ponte do Rio Caium em 8 de Julho;

(xiii) 15 de Julho, início da desmobilização e passagem à disponibilidade das unidades africanas e milícias das nossas tropas;

(xiv) A acção foi continuada a partir de 10 de Agosto, devido a alteração das condições criadas para a execução da citada desmobilização;

(xv) No final de Agosto, tinha passado à disponibilidade a totalidade dos combatentes do recrutamento
da província;

(xvi) 15 a 18 de Julho, encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC, no Cantanhez, visando a coordenação das acções de descolonização;

(xvii) 26 de Julho, publicação em Lisboa da Lei n." 7/74, que reconhece o direito da Guiné-Bissau à independência;

(xviii) 29 de Julho, novo encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC em Cacine, tendo sido acordadas as datas para a evacuação dos aquartelamentos das NT, assim como as garantias de circulação e  segurança de forças militares isoladas, do PAIGC e das nossas tropas;

(xix) 26 de Agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais:

- independência em 10 de Setembro de 1974;

- retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de Outubro;

- cessar fogo "de jure" desde a mesma data;

(xx) De 4 a 9 de Setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC.

(xxi) No dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado.

(xxii) 10 de Setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal.

(xxiii) Na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;

(xxiv) 15 de Outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau.

(xv) No total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

Em resumo: no ano em apreço, podem considerar-se três períodos distintos, condicionados ou influenciados por importantes factos envolventes que lhes deram particular relevo.

- Do início do ano até ao dia 25 de Abril

Período ascensional do PAIGC que passou a atacar duramente algumas posições fixas das nossas tropas no terreno e a condicionar as movimentações das forças terrestres, marítimas e aéreas. Esta fase vem no
seguimento dos êxitos conseguidos no ano anterior, quando as forças do PAIGC, entretanto dotadas com o míssil terra-ar "Strela", passaram a condicionar as movimentações dos nossos meios aéreos e, por efeito disso, o comando das operações, as operações e a logística.

A posição ocupada pelas Nossas Tropas em Copá, no Leste, foi evacuada neste período (Vd. Operação "Alto Turbante", 11/ l2Fev74 - Actividade Operacional deste Capítulo=..

- De 25 de Abril a 29 de Julho

Os acontecimentos políticos ocorridos no 25 de Abril em Lisboa e no período subsequente, não garantiam explicitamente o propósito da concessão de independência à Guiné, objectivo do PAIGC.

Por isso, o período em apreço constituiu um tempo propício ao desenvolvimento das formas de pressão militar e política necessária para a obtenção do referido objectivo, por parte do PAIGC.

 A forma de pressão militar traduziu-se em ataques fortíssimos às nossas tropas, nas regiões em que a situação lhe era claramente favorável.

O aquartelamento das Nt em Jemberém foi duramente atacado e bombardeado durante o mês de Maio. As instalações ficaram de tal modo danificadas que tiveram de ser desocupadas e os seus efectivos recolhidos, antes mesmo de se ter iniciado a retracção geral do dispositivo das nossas tropas, que teve início cerca de um mês depois.

Neste período foram ainda importantes a publicação da Lei n." 7/74 (reconhecimento do direito à Independência da Guiné Bissau), de 26 de Julho, em Lisboa e o acordo de Cacine em 29 de Julho.

- De 30 de Julho a 15 de Outubro

Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período foi caracterizado por ausência significativa de pressão política ou militar, destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes:

- desmobilização das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

- a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

Neste período, o potencial relativo de combate das nossas forças relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

(Continua)

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

Ficha técnica:

Elaboraram e redigiram este volume da Resenha:
· Coronel de Cavalaria Henrique António Costa de Sousa
· Coronel de Infantaria Álvaro Bastos Miranda

Coordenou e reviu:
· Major-General Henrique António Nascimento Garcia

Contribuíram com elementos indispensáveis:
· Arquivo Histórico-Militar
· Arquivo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional
· Direcção de História e Cultura Militar
· Coronel Tirocinado de Cavalaria Pára-quedista Nuno António Bravo Mira Vaz
· Arquivos pessoais de diversos militares

Trabalhos de computador:
· Ass.Téc. Helena Gulamhussen Vissanji
· Soldado RC Luís Paulo de Jesus Gouveia

Digitalização e tratamento de imagem
· Sargento-Ajudante João Carlos Nunes Cordeiro

Cedência de fotografias:
· Jornal do Exército
·Arquivo Histórico-Militar (Serviço Cartográfico do Exército-Divisão de Fotografia e Cinema)
· Major-General Joaquim dos Reis
· Coronel de Infantaria "Cmd" Manuel Ferreira da Silva
· Professor Doutor Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabião
· Dr. Luís Lima Bethencourt Palma
· Sr. Nelson Lopes dos Santos

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