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domingo, 8 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25921: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VIII: Uma voltinha de Alouette II


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) > Alouette II > "O meu batismo em heli".

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 



1. Estamos a publicar algumas das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, membro  nº 890 da nossa Tabanca Grande:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda  apurar a data);

 (iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG) (não conseguimos ainda identificar qual); 

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

 (v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra"); 

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG (ofereceu-se para os "comandos",mas náo foi aceite);

 (viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.) ("C" é o "nickname" pelo qual o pai o tratava); 

(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em  empresas metalomecânicas como  a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez , por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).

2. Voltando às memórias do José Álvaro Carvalho (*), estamos agora em 1964, em Catió, no BCAÇ 619, 1964/66: ele está destacado com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo,  e vai participar em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A sua atuação operacional, comandante do Pel Art,  valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.

O alferes Carvalho está já há dois meses na Ilha do Como, no àmbito da  Op Tridente (jan-mar 1964).  



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (*)


Parte VIII:  Uma voltinha de Alouette II



O tempo continuava mole, quente e húmido. Nessa manhã não tinham atribuído missões ao alf mill art Carvalho e não lhe constava que houvesse tropas em operação que fosse preciso apoiar.

O pessoal vagueava por perto. Foi almoçar à messe. A seu lado um piloto de helicóptero disse-lhe:

− Vou reabastecer à sede do seu batalhão. Se quiser pode vir. Não demoro mais do que duas horas.

Aceitou a oferta para trazer mais alguma roupa e outras faltas que com a pressa não tinha podido arranjar.

Gostou de ver o quartel que,apesar do aspeto degradante que tinha, era bem melhor do que o acampamento em que o pelotão se encontrava havia 2 meses.

No regresso avistaram uma gazela macho de muito bom aspeto, num local com pouca floresta rodeado de mata com lama e circundado por um canal. A gazela queria fugir do helicóptero mas só nadando através do canal.  o que não quis fazer para não cair na boca de algum crocodilo, de modo que se limitou a correr desabrida à volta da clareira à procura de uma saída.

Um pouco mais á frente avistaram,,  ao abrigo duma árvore grande, vários guerrilheiros que,  ao verem o helicóptero, cuja presença já tinham decerto notado, pelo ruído, começaram a disparar as armas na sua direção. 

O piloto deu uma volta sobre estes na intenção de lhes mandar 2 ou 3 granadas de mão, mas era tarde. 

Decidiram prosseguir e,  ao chegar ao acampamento, enviar-lhes algumas granadas de flagelação de obus para o local, que poderia ser só de passagem mas também de estacionamento permanente e que era bom tornar inseguro. Com a autorização do comandante, ao chegar, assim procedeu.

(Revisáo / fixação de texto: LG)
______________

domingo, 1 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25901: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VII: "Carvalhinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata! " (ten cor Fernando Cavaleiro, cmdt da Op Tridente)



Foto à direita: os alferes milicianos José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho"), do QG / CTIG (em 1º plano, à esquerda), e João Sacôto, da CCAÇ 617/ BCAÇ 619, em 2º plano, à direita



1. Estamos a publicar algumas das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, membro  nº 890 da nossa Tabanca Grande:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda  apurar a data);

 (iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG); 

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

 (v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra"); 

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG;

 (viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.) ("C" é o "nickname" pelo qual o pai o tratava); 

(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em  empresas metalomecânicas como  a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez , por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).

2. Voltando às memórias do José Álvaro Carvalho (*), estamos agora em 1964, em Catió, no BCAÇ 619, 1964/66: ele está destacado com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo, pertencente à BAC (Bateria de Artilharia de Campanha) (ou ao BCAÇ 600, estamos na dúvida).

Este Pel Art participaria em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A atuação do seu comandante, no campo operacional valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.

Estamos  na Ilha do Como, no decorrer da Op Tridente (jan-mar 1964). O texto que se segue, será completado por um apontamento do Mário Dias sobre o "alferes Carvalhinho" como comandante do Pel Art que apoiou as NT no Como.

 
Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > O sargento do Pel Art / BAC obus 8.8, comandando pelo alf mil art José Álvaro Carvalho. O obus .8,8 cm m/943.possuía uma plataforma circular,  fazia tiro empregando munições de carga variada (granada explosiva 11,3 kg e granada de fumos) tnha em alcance de 12250 metros a + 44º.  Peso: 1796 kg (incluindo reparo). Tracção por tractor de rodas. Na Op Tridente terão sido disparadas c. 1200 granadas de obus 8,8.


Fotos  (e legendas): © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (*)


Parte VII: "Carvalhinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata"



Era noite e o alf mil art Carvalho, cmdt do Pel Art 8.8,  preparava-se para dormir quando foi chamado ao comando do batalhão porque o rádio emitia preocupantes pedidos de socorro, que partiam dum pelotão estacionado a cerca de 7 km que estava a ser atacado por um grupo numeroso de guerrilheiros impossíveis de conter sem ajuda.

A água, a lama e a mata cerrada que na zona crescia tornavam impossível enviar reforços à noite,  só de manhã. Mandaram-lhe ver o que conseguia fazer com os obuses. 

O pelotão a cerca de 7 kms de distância, encontrava-se entre os atacantes e um canal e rodeado de mata com lama exceto por onde estava a ser atacado. Só havia a possibilidade de fazer fogo de barreira para trás dos atacantes e começar a rodar os tubos na direcção do pelotão, havendo sempre o perigo de com algum descuido lhe acertar. As pontarias em direcção eram mais delicadas que em alcance. No rádio, os pedidos de socorro sucediam-se cada vez com mais insistência.

O alferes decidiu trabalhar só com um obus e verificar pessoalmente as pontarias. Disse ao sargento para carregar sempre e só o primeiro obus e só disparasse por sua ordem depois da pontaria ser por si verificada.

− Alça 8000 jardas, direcção 81º.

Verificou os elementos introduzidos pelo apontador e ordenou:

− Fogo!

A primeira granada partiu. Disparou mais 3 granadas com alcances intervalados de 300 jardas.

Ouviu-se no rádio :

− Mais para cá. Estão a cair longe. Mais para cá!

Sempre junto do apontador disse-lhe :

− Alça 7500 jardas, direção 80º. 

Verificou os elementos e ordenou:

− Fogo!

Mandou disparar mais 2 granadas com alcances de 300 jardas para mais e para menos.

No rádio ouviu-se:

− Está melhor. O ataque diminuiu. Mas mais para cá.

A voz já estava menos assustada mas pedia granadas para junto de si próprio. A preocupação que tinha de acertar no pelotão aumentou.

− Alça 7200 jardas, direção 79.5º. 

Verificou de novo os elementos e ordenou:

− Fogo!

No rádio ouviu-se:

− O ataque continua a diminuir. Mas mais para cá! Mais para cá!

Mandou disparar outras 2 granadas com a diferença no alcance de mais e menos 300 jardas. O rádio continuou a pedi-las mais próximas, tendo chegado á direção de 79º. Àquela distância,  1º representava muitos metros. Daqui a sua preocupação. Continuou a disparar granadas de flagelação para a zona com direções diferenciadas em alguns minutos até o operador rádio dizer:

− Obrigado, o ataque terminou por agora.

A preocupação que teve nesta operação fê-lo desprezar a necessidade de abrir a boca quando de cada disparo, o que lhe originou a perfuração dum tímpano com infeção e dores violentas nos dias que se seguiram. O médico começou a dar-lhe injeções de penicilina 2 vezes por dia e só passadas 2 semanas conseguiu entrar de novo em operações com o ouvido muito protegido e afastado das zonas de disparo tanto quanto possível .

No dia seguinte o comandante do batalhão visitou o local de helicóptero e verificou que tinham rebentado granadas a cerca de 150m do sítio onde o pelotão se encontrava estacionado.

(Revisão / fixação de texto/ título e subtítulo: LG)



2. Excerto do poste P356 (**),  de Mário Dias, ex-srgt 'comando' (Brá, 1963/66), que participou na Op Tridente, integrando o Gr Comds do alf mil 'cmd' Maurício Saraiva

(...) A Base Logística onde também funcionava o posto de comando, estava ampliada e melhorada. Pousavam lá os aviões ligeiros (Auster e Dornier) bem como helicópteros desde que a maré não estivesse totalmente cheia. A areia molhada formava uma excelente pista de aterragem. 

Também já lá estavam duas bocas de fogo de obus 8,8cm, comandadas pelo alf mil Carvalhinho, exímio tocador de guitarra e igualmente exímio tocador de garrafa de cerveja que nunca abandonava.

Uma tarde, depois de almoço, estava eu a descansar um pouco e ouvi um tiro de obus. Fui ver. O alferes Carvalinho, de calções, tronco nu, indispensável cerveja na mão, alguns passos atrás das peças ia ordenando ao apontador:

 Pá, levanta um bocadinho… não, foi demais, baixa… um pouco para a direita… está bom. Fogo!

E a granada partiu rumo ao seu destino. Salta de lá o tenente-coronel  Fernando Cavaleiro, comandante da Op Tridente:

 
− Ó Carvalinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata!

 
− Calma,  meu tenente coronel, isto vai ter aonde eu quero . 

E continuou:

 Eh pá, baixa um pouco… está bom. Fogo! 

E foi assim até disparar 4 granadas. Acercando-me dele perguntei:

− Meu alferes, para onde foram esses tiros? 

Mostrando-me a carta,  indicou:

 Para o cruzamento destes caminhos. 

E apontou um cruzamento de um caminho com a picada de Cassaca.

Não é que, alguns dias depois, ao passar pelo referido local, lá estavam, muito próximos uns dos outros, os 4 impactos das granadas?!

(Revisão / fixação de texto, itálicos, negritos: LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25830: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VI: dois meses na ilha do Como, na Op Tridente: farto do arroz com conservas, o pessoal comia búzios, e carne e ovos de tartaruga

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25860: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte I (Mário Dias / Armor Pires Mota)










Croquis da Op Tridente (1964),  


Infografia: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005)



Lisboa > Forte do Bom Sucesso > 24 de setembro de 2005 > Quase 42 anos depois da Operação Tridente, alguns dos elementos que nela tomaram parte, pertencentes ao Grupo de Comandos,  fotografados a 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos do CTIG  (1964/66). 

Da esquerda para a direita: 

(i) sold João Firmino Martins Correia; 

(ii) 1ºcabo Marcelino da Mata; 

(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; 

(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda; 

(v) fur Mário F. Roseira Dias; 

(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco 

(Os postos, referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos).

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Havia, na região de Tombali, pelo menos dois Pinho Brandão, o Afonso (em Catió) e o Manuel (no Como,  e depois Catió e mais tarde em  Ganjolá). Julgamos que fossem irmãos. Seriam oriundos de Arouca, onde este apelido, Pinho Brandão, é comum.

O Afonso foi morto logo no princípio da guerra,  em 1962/1963, por balantas de Catió, que lhe queriam assaltar (e apropriar-se de) a sua casa. 


Era pai da nossa amiga, tabanqueira, Gilda Pinho Brandão (ou Gilda Brás) (foto à direita, cortesia da própria), filha de mãe fula; foi trazida para Portugal, aos 7 anos, em 1969, passando a viver   numa família de acolhimento.

O Afonso era também do engº agr. Carlos Pinho Brandão, colega, no Instituto Superior de Agronomia / Universidade Técnica de Lisboa,  do nosso grande e saudoso amigo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014).

O Manuel de Pinho Brandão (o da ilha do Como) foi, a par do Álvaro Boaventura Camacho (Cufar) (cabo-verdiano de origem madeirense), um dos grandes proprietários agrícolas da região de Tombali, e conhecidos produtores (e comerciantes) de arroz... Enfim, seria um dos poucos colonos brancos existentes no território. Resta-nos saber a história do seu passado.

É pena, de facto,  não haver histórias de vida destes homens. Com a ocupação da ilha do Como em 1963, pelo PAIGC, o Manuel terá ido para Catió (vivia lá no tempo do J. L. Mendes Gomes, em 1964) e depois para Ganjolá (segundo o Victor Condeço, 1967). 

Aqui havia um pelotão destacado (e foi lá que morreu o meu primo José António Canoa Nogueira, o primeiro lourinhanense a morrer no CTIG, em 23 janeiro de 1965).

O Manuel terá sido desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30 (ainda não encontrámos fonte segura que comprove este facto). De qualquer modo, naquela época a Guiné e Timor eram os piores lugares de desterro, usados tanto pela República como pela Ditadura Militar.

Há várias referências a esta figura,  o Manuel Pinho Brandão, cuja casa na ilha do Como  ficou popularizada pela Op Tridente, com a reocupação pelas NT  (em janeiro-março de 1964).  O Mário Dias (que foi para a Guiné com 14 anos, na década de 50), ainda o conheceu, pelo menos de vista,  em Bissau.

Vejamos algumas referências a este arouquense, desterrado no sul da Guiné, que era também o celeiro do território, antes do início da guerra.
 
 (i) Mário Dias [ex-fur mil 'cmd',  
Cmds do CTIG, 1963/64] (*)


(...) A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963.

 As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil

A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. (...)

(...) A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. 

Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como. (...)

(...) Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. 

Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. 

Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique. (...)
   
(...) Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, ten cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23h30 do dia 20 de março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.

Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. 

Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02h30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas. (...)

(...) Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.

Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como. (...)



Guiné > Regiáo de Tombali >  Janeiro de 1964 > Op Tridente >  Desembarque das forças do BCAV 490 na Ilha do Como... Percebse-se, por esta foto, que as praias do Como podiam mter centenas de metro de areal e tarrafo na maré-baixa.

Foto (e legenda): © Armor Pires Mota  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Armor Pires Mota [ex-alf mil at inf, 
CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66] (**)

Como, 16 de janeiro de 1964

(...) Ali,  em Cauane, não havia um poço sequer. Só mais longe, a uns trezentos metros, junto à casa do tal Brandão, o único branco que ali vivera, há tempos, onde montara os seus negócios e fizera fortuna. 

Ele casara com a filha da rainha  dos Bijagós e vivia agora  em Catió. O filho,  que diziam ter morrido, andara com os terroristas, o Chiquinho. (...).

(...) Como, 17 de fevereiro de 1964

A missão,  naquela manhãm  era destruir o poço que fovava na tabanca junto ao caminho que já tinha uma história de lutas encarniçadas.

Saímos cedo para criar surpresa. Passámos calmamente por detrás da casa do Brandão, onde já estavam instalados os morteiros para possível apoio (...).

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
_______________

Notas do editor:

 (*)  Vd. postes de:


16 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P356: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

domingo, 18 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)


Guiné > Região de Tombali >  NRP Fragata Nuno Tristão > 14 de janeiro de 1964 > A caminho da ilha do Como, a "ilha maldita".
Foi utilizada em apoio de fogo e posto de comando das forças empenhadas na Operação Tridente (jan-mar 1964)  para reocupação da ilha de Como.



Guiné > Região do Oio > Jumbembem >c. 1964/65 > CCAV 488 / BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65) > A padaria


Fotos (e legendas): © Armor Pires Mota  (201). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Armor Pires Mota, que nos honra com a sua presença na Tabanca Grande,  tem no nosso blogue 100 referências. Para além de ter sido camarada nosso, é um hoje um escritor consagrado, com cerca de 3 dezenas de títulos, entre crónica, poesia, romance e ensaio, um parte dos quais sobre a sua experiência humana e operacional  no T0 da Guiné, entre junho de 1963 e junho de 1965. 


Alguns dados biográficos do autor:

(i) nasceu a 4 de setembro de 1939, em Águas Boas, freguesia de Oiã, Olivceira do Bairro;

(ii) estudou no Seminário de Aveiro, tendo chegado a cursar teologia;

(iii) abandonou a carreira eclesiástica, em 1961, ano em que revelou o seu talento lietrário com o livro Cidade Perdida;

(iv) enquanto frequentava o ensino liceal em Sangalhos, foi chamado a cumprir o serviço militar;

(v) foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, em 1963, sendo alferes miliciano  da CCAV 488/BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65);

(vi) ainda na Guiné começou a publicar no Jornal da Bairrada o seu diário de guerra, sob a forma de crónicas, que, em 1965, iiria reunir em livro, Tarrafo, que a censura mandou rapidamente retirar do mercado (a guerra é retratada com demasiada crueza);

(vii) em 1974, tornou-se pequeno empresário, depois de trabalhar em várias empresas (Caves Aliança e Handy), mas continuou a escrever, colaborando em diversos jornais e revistas. (Fonte: adapt de Palimage)

Alguns dos seus melhores livros, além de Tarrafo - Crónica de Um Alfe5rs na Guiné (2013): A Cubana que Dançava Flamenco (2008); Estranha Noiva de Guerra (2010).



2. Em  Tarrafo: crónica de uma guerra (edição de 1965)  ele relata, na primeira pessoa do singular, o seu quotidiano como alferes miliciano, da CCAV 488/BCAV 489 (1963/65), primeiro na região do Oio (parte 1), depois na Ilha do Como, durante a Op Tridente (parte 2) e por fim na região de Farim (parte 3). Ninguém até então, como combatente, tinha tido a ousadia de o fazer, combater, escrever e publicar no jornal da terra,

Cotejámos, em tempos, as duas edições de Tarrafo (1965 e 1970):  a nossa preferência foi, inequivocamente,  para a primeira, para a sua escrita espontânea, potente, telúrica, de cronista de primeira água, sem autocensura, que voltou a ser publicad na íntegra na Palimage (dem 2013).

Na edição de 1970, revista, o autor foi obrigado a aceitar  os "cortes" impostos pelos censores da época. A 2ª edição (autorizada) perde em vigor, garra, frescura, autenticidade. 

Uma e outra estiveram esgotadas durante anos. Por isso já aqui publicámos, com a devida autorização do autor,  uma parte de Tarrafo [imagem da capa, no lado direito; edição de 1965].


3. Segundo o nosso camarada Mário Dias, outro cronista da Op Tridente, a luta pela reocupação da Ilha do Como travou-se entre 14 de janeiro e 24 de março de 1964. A ilha, onde não havia qualquer autoridade administrativa portuguesa, fora  ocupada pelo PAIGC logo em 1963.

(...) As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha". (...)


Reproduzimos hoje duas páginas deliciosas da edição de 1965 (pp. 52/53), em que o Armor Pires Mota também revela o seu talento como humorista... Afinal, no decurso da Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques, com uns bons nacos de vitela,  uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga...Nem tudo foi só guerra na ilha do Como que o PAIGC, com a sua habitual lata, chegou a proclamar como território da República Independente da Ilha do Como.





E, às vezes, até dá para rir.

              − Agarra! Pega essa!


Fonte: In: Armor Pires Mota: Tarrafo: crónica de guerra. Aveiro, 1965, edição de autor (livro retirado do mercado, por ordem da censura), 
pp. 52-53. Excerto da parte 2 [Operação Tridente, Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964].  Cortesia do autor.

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domingo, 4 de agosto de 2024

Guné 61/74 - P25808: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte V: Na lha do Como...Jusfificação do impedido sobre o rombo que tinha levado o garrafão do vinho do pessoal: "Teve visitas, meu alfero!"...

Foto à direita: os alferes milicianos José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho"), do QG / CTIG (em 1º plano, à esquerda), e João Sacôto, da CCAÇ 617/ BCAÇ 619, em 2º plano, à direita

1. Estamos a publicar algumas das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, membro  nº 890 da nossa Tabanca Grande:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não podemos precisar a data);

 (iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QCCTIG); 

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

 (v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964); 

(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra"); 

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG;

 (viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.); 

(ix) é empresário reformado.

Voltando às memórias do José Álvaro Carvalho, estamos agora em 1964, em Catió, no BCAÇ 619, 1964/66: ele está destacado com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo, pertencente à Bateria de Artilharia de Campanha (BAC). 

Este Pel At participaria em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A atuação do seu comandante, no campo operacional valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.

Estamos agora na Ilha do Como, no decorrer da Op Tridente (jan-mar 1964).


Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (**)

Parte V: Na ilha do Como...Justificação do impedido sobre o rombo que tinha levado o garrafão do vinho do pessoal: "Teve visitas, meu alfero!"...


Definido o local de estacionamento, o oficial dos abastecimentos do batalhão ficou de arranjar tendas e outros equipamentos necessários, o que disse ainda ia levar alguns dias, mas acabou por nunca aparecer.

O pessoal do pelotão era constituído por africanos que  na ausência de qualquer abrigo, se propuseram construir na areia da praia, barracas com uma estrutura de paus coberta por ramos de palmeira entrelaçados. Cada barraca fazia parte do semicírculo que todas formavam, atrás dos obuses já instalados e virados para a mata de terra firme que constituía o centro da ilha, cerca de 30% do total e formado por árvores de porte elevado. Os atrelados com munições foram estacionados atrás de cada obus.

A barraca do alferes Carvalho era a primeira a oeste do semicírculo e tinha um pequeno alpendre que a distinguia das outras por ser ele o chefe.

Atribuíram-se tarefas: cozinha, armazém limpeza, etc. 

O vinho semanal armazenado em garrafões ficava religiosamente guardado na sua barraca, à responsabilidade do impedido, um africano enorme da etnia Papel, com cerca de 2 metros de altura, que tinha sido criado dum médico e lhe arranjava primorosamente a pouca roupa que levara (duas camisas e dois calções que lavava na água do mar e colocava em seguida entre algumas caixas de granadas, cujo peso se assemelhava ao efeito de passar a ferro).

Este impedido foi de grande utilidade para um oficial dos comandos, seu amigo dos primeiros tempos de África, que entrava sempre em operações com o fato de combate impecavelmente preparado por ele e também um lenço de seda azul que levava ao pescoço como se fosse para alguma festa, para daí a meia hora se enterrar na lama, nalguns casos até à cintura.

Era também o responsável pelo vinho do pessoal e pela sua distribuição. Um dia após regressar do almoço na messe de oficiais do batalhão, onde às vezes ia, verificou que o vinho tinha levado um rombo assustador, tendo-se este justificado:

 
  Teve visitas,  meu alfero.

As visitas eram só uma e constituída por um soldado africano comando, estacionado também naquela praia paredes meias e que lá ia com frequência. O impedido foi por isso castigado com um dia de prisão, que cumpriu num posto de sentinela.

Não sabia se tinha exagerado. O impedido era um bom soldado, mas nessa altura já estava farto de guerra e de beber naquela praia whisky com água e gelo amarelo, da cor do whisky feito com a única água que se obtinha e nem sempre bem filtrada.

Os mosquitos eram poucos, uma das grandes qualidades daquele acampamento, mas o Sol era sempre o mesmo: rompia a neblina e incidia forte e quente na pele.

A comida era à base de arroz como de costume,  que aliás o seu cozinheiro fazia muito bem. Cozinhavam em pequenas marmitas que arranjaram junto do outro pessoal do batalhão.

(Continua)


(Revisão/fixação de texto, título, negritos: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 29 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25788: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte IV: de indisciplinados a bravos do pelotão

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25788: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte IV: de indisciplinados a bravos do pelotão




Foto nº 1A > O sargento do pelotão ostentado festivamente, ao pescoço,  um colar feito de conchas



Foto nº 1 > O sargento do pelotão, posandeo em cima do obus 8.8


Foto nº 2 > Alguns elementos (a maioria guineense) do Pel Art que participou, com fogo de apoio, na Op Trident (jam-,ar 1964). Qiase todos eles ostentam colares de conchas, feitos na ocasião, no "intervalo da guerra".


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > O Pel Art / BAC obus 8.8, comandando pelo alf mil art José Álvaro Carvalho.

Fotos (e legendas): © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Angola > Luanda > 1963  >  Em primeiro plano, o fur mil 'comando' Mário Dias, em segundo plano, da esquerda para a direita, o fur mil Artur Pereira Pires, o sold Adulai Jaló e o alf mil Justino Coelho Godinho (estes três últimos já falecidos). No  aeroporto de Luanda à espera de transporte para o QG / CTIG. O primeiro grupo de Comandos do CTIG, sob o comando do alf mil Saraiva, participaria depois na Op Tridente (jan-mar de 1964) (***).   Foto cedida por Vassalo Miranda, ex-fur mil,  Gr Cmds ‘Panteras’

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. O José Álvaro Carvalho é um dos nossos mais recentes "periquitos": entrou para o nosso blogue, no passado dia 26 de junho, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). É, todavia, um veterano da Guerra da Guiné:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, o alf mil art Carvalho acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não podemos precisar a data);

(iii)  foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QCCTIG);

(iv)  irá cumprir mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965:

(v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras,  na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi)  no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado d Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra");

(vii) tornou.se  também amigo do então alferes milicianos  'comandos'  
Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos),  quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG;

(viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.)

Mas voltemos às memórias do José Álvaro Carvalho, agora sim, em 1964, destacado  em Catíó,  no BCAÇ 619, 1964/66, com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo, pertencente à Bateria de Artilharia de Campanha (BAC).  

Este Pel At participaria em grandes operações np setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A  atuação do seu comandante, no campo operacional valeu-lhe,  em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe (*).

Foto acima, à esquerda:  os alferes milicianos José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho"), do QG / CTIG (em 1º plano, à esquerda),  e João Sacôto, da CCAÇ 617/ BCAÇ 619, em 2º plano, à direita


Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (**)


Parte IV: de indisciplinados a bravos do pelotão


− Abra a culatra!

O carregador baixou a alavanca respetiva e a tampa da culatra baixou.


− Alça 6000 jardas!

O apontador rodou a manivela da alça e a parte superior do tubo do obus elevou-se lentamente até a marca da manivela de elevação atingir as 6000 jardas [5 486,4; 1 jarda=0,9144 metros] .

Baixou-se junto à culatra aberta até ver a totalidade do interior do tubo e com uma bússola de espelho apontada no seu centro disse:

− Vá rodando para a direita até eu dizer.

O apontador assim fez enquanto ele com a bússola acompanhou o rodar do tubo e quando ficou centrado nos 95º e 30’ que a bússola marcava, mandou-o parar e fechar de novo a culatra.

Esta era a direção obtida na carta militar (1/25000) que, depois de ter em conta o Norte Magnético, em conjunto com a distância de 6000 jardas, apontavam o obus para a referência nº 1, a primeira assinalada na sua carta assim como na carta do comandante do destacamento de fuzileiros, que ia apoiar, com quem se reunira de madrugada e assinalara as várias referências do percurso que este iria fazer, indicado pelo comando das operações.

Repetiu o mesmo procedimento no segundo obus e ficou à espera de ouvido no rádio, com todo o pessoal a postos: os apontadores sentados no seu lugar junto dos aparelhos de pontaria, os municiadores e ajudantes, junto das munições, com as granadas já fora das respetivas caixas de transporte, sem a proteção da espoleta (uma peça espessa de aço, roscada na sua extremidade) que accionava o detonador após o impacto, só o conseguindo fazer depois do disparo, quando as estrias do tubo lhe imprimissem um movimento rotativo cuja força centrífuga destravava o sistema de segurança.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) e 7º Pel Art / BAC > O obus 8.8. Foto do álbum do nosso saudoso cap SGE ref José Neto (1929-2007), na altura o 2º sargento da CART 1613, que chefiava a secretaria.


Foto: © José Neto (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Os carregadores seguravam com uma mão a alavanca da culatra e com a outra o soquete. Esta peça servia para empurrar a granada para dentro do tubo com força, a fim de que a cinta de cobre macio que a circundava sobressaindo 0.5 centímetros em toda a volta, encaixasse nas estrias em espiral do tubo, para que fosse obrigada a rodar após o disparo. 

Depois de encaixada no seu lugar e ter sido introduzida na culatra pelo municiador, o cartucho de metal com a carga, neste caso nº 2 ( duas saquetas de pano cheias de explosivo com o aspeto de macarrão ) indicadas para os alcances de 4000 a 8000 jardas, era esta fechada por ação da citada alavanca, sendo gritado o aviso de “Pronto!!!”.


Estava no 2º ano do serviço militar em África. O primeiro não tinha sido passado como artilheiro, mas como alferes duma companhia de intervenção, para onde tinha vindo em rendição individual. 

Na altura essa companhia já tinha um ano de serviço em África e, quando após mais um ano acabou a comissão e se retirou para a metrópole, ficou a aguardar funções no Quartel General (QG) oferecendo-se para o grupo de comandos, em formação nessa altura, por já conhecer as condições duras e difíceis do mato e parecendo-lhe preferível entrar em operações arriscadas mas ter a sede na capital e o consequente conforto.

Entretanto o QG requisitou um alferes artilheiro para comandar um pelotão de soldados africanos com dois obuses de 88mm, e quando menos esperava, foi parar ao Sul a comandar esse pelotão, operando como independente, junto dum batalhão de cavalaria.

Os soldados, indisciplinados, deram-lhe algumas dores de cabeça logo na 1ª operação e as coisas só começaram a funcionar normalmente com a ameaça de prisão ou mesmo fuzilamento dos mais rebeldes.

Bebiam quase todos demais e na 1ª operação só levou cerca de metade porque os outros bêbados não se tinham de pé.

No dia seguinte a esta operação mandou formar o pessoal e ordenou ao sargento e aos cabos que identificassem e mandassem avançar os mais indisciplinados, após o que os informou de que ia propor o seu fuzilamento por considerar traição a forma como se tinham comportado no dia anterior.

A partir daqui tudo começou a correr melhor, embora o comandante do batalhão onde estava estacionado [BCAÇ 619], t
endo presenciado este discurso, lhe dissesse que a sua ameaça de fuzilamento de soldados, poderia levá-lo a si próprio a tribunal de guerra.

Custou-lhe a compreender porque é que ser duro em campanha era mal visto pelas hierarquias superiores. Parecia-lhe que aquela era uma das poucas situações em que se deveria atuar com firmeza.

Não sendo talhado nem por feitio nem por educação para oficial do exército, tinha ido ali parar pelos desígnios curiosos que o destino tem.

Sempre achou que a dureza dos exércitos só seria útil em situação de guerra e ridícula nas restantes, como a pompa e circunstância das botas a brilhar em tempo de paz, para depois em guerra − a única justificação da sua existência − tudo se tornar ”frouxo como o inglês sem chá”. As guerras são a mais trágica criação do espírito humano, mas quem anda nelas deve cumprir as regras.


Seja como for, no seu pelotão, a consciência de que os erros de um podiam ser pagos por todos e o consequente espírito de equipa e amizade que se foi criando, vieram a torná-lo num dos mais eficientes estacionados em África, tendo sido elogiado em todas as operações em que participou, na sua maior parte de apoio a tropas de infantaria, fuzileiros e comandos.

Para isto contribuíram também algumas mudanças na forma de actuar por ser independente, principalmente no que se refere às pontarias iniciais ( dadas à bússola à revelia dos chefes ) que se revelaram rápidas e muito eficientes a partir de certa altura, pela prática de centenas de tiros disparados.

No que a si se refere, a experiência de que,  à distancia média de 5 kms 
[4572 jardas; 1 jarda=0,9144 metros], um desvio de 200 m [182,88 jardas], representava uma alteração de pontaria de cerca de 1º no mesmo sentido, que extrapolava rapidamente para outros alcances, permitia-lhe dar rapidamente aos apontadores as alterações de pontaria a efectuar por cada tiro a disparar, de acordo com os pedidos dos comandantes das unidades em contacto com o inimigo, a qualquer distància normal, conseguindo assim uma rápida resposta às necessidades das tropas que apoiava.

Ás vezes, em situações mais delicadas dava as pontarias a partir dum pequeno avião que lhe era fornecido pelo QG com o respetivo piloto e que aterrava e levantava facilmente numa área plana, sem mata só com erva a que se chamava pomposamente aeroporto e se situava perto do quartel 
[Catió]. Op Nestes casos quando no ar o avião estava constantemente a ser metralhado pelo inimigo. não podiam voar muito alto e, como sabia pelas tabelas de tiro com os habituais descontos +- 10 %, o tempo que as granadas levavam para atingirem o objetivo, assistia em geral ao seu rebentamento.

(Continua)

(Revisão/fixação de texto, título, negritos, parênteses retos: LG)


2. Informação adicional sobre   a Op Tridente (Mário Dias)(***)


Na Operação Tridente foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos.

  • Agrupamento A: (Cmdt Major Cav Romeiras) > CCAV 487 (Cap Cidrais) | 7º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten R. Pacheco)
  • Agrupamento B: (Cmdt Cap Cav Ferreira) > CCVA 488 (Cap Arrabaça) | 8º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten Alpoim Calvão)
  • Agrupamento C: (Cmdt Cap Cav Cabral) > CCAV 489 (Cap Pato Anselmo)
  • Agrupamento D: (Cmdt 1º ten fuz Faria de Carvalho) > 2º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten Faria de Carvalho)
  • Agrupamento E: (Cmdt Cap Aires) > CCAÇ 557 (Nota: salvo erro, este agrupamento fazia a segurança imediata da Base Logística)

Outras Forças:

  • 1 Grupo de Combate / BCAÇ 600
  • Grupo de Comandos (20 homens) (Cmdt Alf Saraiva)
  • 1 Pelotão de Paraquedistas
  • 1 Pelotão de Caçadores Fulas
  • Pelotão de morteiros / BCAÇ 600
  • 2 Bocas de fogo de obus 8,8 do BAC (Cmdt Alf Carvalhinho)
  • Equipas de Sapadores (distribuídas pelos vários agrupamentos)
  • Elementos do Serviço de Intendência
  • 73 carregadores indígenas.Tudo somado eram aproximadamente 1000/1200 pessoas.

Estima-se que o PAIGC tivesse 300 combatentes, incluindo alguns militares da Guiné-Conacri.

Comandante das Forças Terrestres: Ten Cor Cav Fernando Cavaleiro. (Cmdt do BCAV 490)

Da Marinha:

  • Fragata Nuno Tristão.
  • 4 lanchas de fiscalização
  • 4 LDP
  • 2 LDM
Havia ainda várias embarcações civis pertencentes aos Serviços de Marinha da província que transportavam víveres, água e demais material necessário.

Da Força Aérea:

  • Aviões T6 – Aviões F86 – PV2 e PV2-5 (Apoio de combate)
  • Helicópteros Alouette (transporte e evacuações)
  • Aviões Auster e Dornier (transporte e reconhecimento)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

(**) Último poste da série > 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25757: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte III: Desobstruir uma ponte ao km 28 da estrada do Olossato