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terça-feira, 10 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9726: O Cancioneiro de Gandembel (5): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte V) (Idálio Reis)












Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da construção e defesa (destaque para o morteiro 81 e o obus 10.5)  do aquartelamento, que será abandonado e destruído em 28 de janeiro de 1969, por ordem do Com-Chefe, gen António Spínola. Fotos do arquivo de Idálio Reis, editadas por L.G.

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


  
1. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema  de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso  camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 250 pp.).

O lançamento deste livro, que é uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné, seraá feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.  




Os Gandembéis

Canto II

I
Em Gandembel, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas as vezes a morte apercebida;
No arame farpado, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno.
II
Dali para Changue-Iaia se parte (#)
Onde as tropas estavam temerosas
Para que à gente mande que se aparte
Da mata inimiga e terras suspeitosas
Porque mui pouco vale esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Porque na estrada rebentam fornilhos
E há mais noivas por casar e mães sem filhos.
III
Agora nestas partes se nomeia
Simões furriel, o africano Fome,
Coelho transmissões, que se arreia
Das vitórias da Pátria sem nome.
Aqui, enquanto as minas não refreia
O soldado Pacheco fica informe.
Um braço do forte Quicão aparece
E o coração de todos, pela dor, escurece.
IV
Assim, nesta incógnita espessura
Para sempre deixámos os companheiros
Que, em tal caminho e em tanta desventura
Sempre connosco foram aventureiros.
Quão fácil é ao corpo a sepultura!
Quaisquer negras terras, quaisquer outeiros
Estranhos, assim mesmo como aos nossos,
Receberão de todo o Ilustre os ossos.
V
Mas o magriço, que já então lhe convinha
Tornar a Bissau, acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o descanso desejado.
Recebendo o piloto que lhe vinha
Foi dele alegremente agasalhado;
Rapidamente no helicóptero entrou
E, sadicamente, c´o a mão ligada acenou.
VI
Jorge de Moura, o forte Capitão
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e altivo coração,
A quem a Cunha sempre favorece,
Para aqui se deter não vê razão,
Que sequiosa a terra lhe parece
Por diante passar determinava
E assim lhe sucedeu como cuidava.
VII
Tamanho o ódio foi e a má vontade,
Que ao soldado súbito tomou,
Sabendo ser sequaces da Verdade
Que o Filho de David nos ensinou.
Pois o Maia, com gana e virilidade (##)
Da companhia as rédeas tomou.
E foi assim, à base de mérito e favores
Que este se encheu de louvores.
VIII
Corrupto já e danado o mantimento
Danoso e mau ao fraco corpo humano;
E, além disso, nenhum contentamento,
Que sequer da esperança fosse engano.
Cremos nós, se este nosso ajuntamento
De soldados não fora lusitano,
Que durara ele tanto obediente?
Porventura, o que será desta gente?
IX
Imagine-se agora quão cuidados,
Andaríamos todos, quão perdidos,
De fomes, de tormentas quebrantados.
Por climas e por terras não sabidos!
E do esperar comprido tão cansados
Quanto a desesperar já compelidos,
Por céus não naturais, de qualidade
Inimiga da nossa Humanidade.
X
Enquanto os deuses do QG famoso
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em jantar lauto e guloso
Formando um concílio indiferente;
Bebendo vinho fino e espumoso
Vão para a piscina conjuntamente
Convocados da parte do Melhor
Onde domina o Chefe do Estado Maior.
XI
E enquanto isto se passa na formosa
Ilha do Bissau omnipotente,
Defendia a terra a gente belicosa
Lá da banda do Guilege muito quente,
Entre a fronteira da Guiné e a famosa
Base de Salancaur, o sol ardente
Queimava então os homens, que Tifeu
C´o temor grande em heróis converteu.
XII
E o velho careca, de aspecto venerando,
Chefe da Secretaria, cheia de gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes o lápis, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que em nós em volta ouvimos claramente,
C´um saber só de guerras feito,
Tais palavras tirou do esperto peito:
XIII
Ó gloria de mandar, ó vã cobiça,
Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C´uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades nos soldados experimentas!
XIV
A que novos desastres determinas
De levar esta Companhia e esta gente?
Que perigos, que mortes lhes destinas,
Debaixo de algum louvor proeminente?
Que promessas de paz e de minas
Levantadas, que lhe farás tão facilmente?
Que vida lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
XV
Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o quartel amigo,
Se enfraqueça e se vá deitando ao longe!
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor inteiro
De Gandembel, do Balana e do Carreiro.
XVI
E tu, Comandante, de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada
Não olhes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
E mais, pois excedes em ligeireza
Ao vento leve e à bala bem mandada,
Não esqueças de defender o quartel
                                             A que nós outros chamamos Gandembel.


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Notas de L.G.:


(#) Referência ao trágico dia 4 de agosto em que a CCAÇ 2317 perde, em combate, 4 dos seus elementos, na sequência de uma coluna logística, proveniente de Aldeia Formos, perto da ponte sobre o Rio Changue Iaia. Foram eles o Fur Mil At Inf  Abel  Gomes Simões (natural de Montemor-o-Novo), o Sold At Inf António Pereira Moreira  e  o Sold At Inf Eduardo Costa Pacheco,  ambos de Paços de Ferreira, e ainda o Sol Trms Inf Manuel Roxo Coelho, natural de Castelo Branco. Morreu ainda um soldado do Pel Caç Nat. Há ainda dois feridos graves, que serão evacuados para Lisboa.

(##) Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia, o segundo comandante da companhia.






Guiné > Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Changue Iaia e de Gandembel, ma estrada Aldeia Formosa - Gandembel- Guileje - Gadamael - Cacine.

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