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sábado, 19 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26703: Os nossos seres, saberes e lazeres (677): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (201): O que fica na bagagem do viajante e se retira do fundo da gaveta (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Uma das maravilhas do digital é andarmos com uma câmera no bolso do casaco e quando sentimos que lampeja um feliz acaso temos o tempo e a circunstância do nosso lado. O que aqui se oferece ao leitor é uma sucessão de imagens desacertadas tanto no conteúdo como na espécie, até mesmo na sucessão do tempo, é quando somos surpreendidos e não resistimos ao acicate do registo, tudo fora do propósito de que se está a cumprir uma missão de trabalho, não há reportagem à vista, é a plena alegria do que se revela aos nossos olhos e, como se diz em certas legendas, quando se pega nas imagens eclodem os revérberos da memória, coisas que aconteceram no inesperado e que, pelas mais infundadas razões, retivemos no cofre forte das lembranças. Espero que este desfile de imagens não vos provoque um grande desapontamento.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (201):
O que fica na bagagem do viajante e se retira do fundo da gaveta

Mário Beja Santos


Há ocasiões em que não se vai à busca de uma missão específica, viaja-se ao acaso com o telemóvel no bolso e, inopinadamente, aquele lugar ganha uma desmesura, prende o encanto, há mesmo um panorama que muda de cor ou porque nasce o dia ou porque fenece, enfim, algo suscita um interesse incomum, tudo fruto do acaso. A câmara capta, mas como não se descobre qualquer forma de enquadramento para aqueles momentos de encanto, fascínio, não se guarda propriamente no fundo de uma gaveta, mas não se lhe confere préstimo. Até que um dia, como se descobrisse o segredo de uma manta de retalhos, juntam-se aquelas imagens, o conjunto ganha uma personalidade porque quem viajou se torna loquaz enquanto junta as peças daqueles mais do que desencontrados momentos do dito encanto ou do acicate da curiosidade. É o que agora se põe à disposição do leitor.
Era um daqueles dias entre feriados de fim e novo ano. Houve vontade de apanhar o cacilheiro, calcorrear o Ginjal e subir até à Casa da Cerca, é o local fora de Lisboa onde se pode ter uma imagem belíssima de uma Lisboa ao nível da linha de água, quase de Santa Apolónia até Algés. Nem tudo correu bem, o elevador não funcionava, o que suscitou uma boa subida até ao Almada Velho, onde se descobriu que também a Casa da Cerca estava fechada. Numa paragem antes de chegar ao Almada Velho mudou a luz do dia e, título de um filme de Alain Tanner, Lisboa apareceu branca, com alguns castanhos escuros, o que não fica na imagem é aquele milagre de urbanismo lisboeta em que mesmo a uma boa distância as formas e os volumes possuem espaço próprio, ganham identidade, até nasce a ilusão de que há uma conversa permanente entre Lisboa e a outra banda.
Quem quer comprar pechinchas em livros e bricabraque deve chegar cedo à Feira da Ladra. O que aqui se regista é um nascer da luz do dia, no exato momento em que tudo sai da escuridão, se até agora se andou a percorrer os espaços da feira com a luz do telemóvel, como num golpe de magia, tudo fica a descoberto, ao alcance dos nossos olhos. Vamos, pois, percorrer a feira.
Minutos depois, lá vou em direção às bancadas do sr. João, hoje trouxe montanhas de livros, muita cerâmica e porcelana. Daqui a bocado vou pagar-lhe uns cartapácios e um relógio Tissot, para senhora, em belíssimo estado, alguém em breve terá a sua hora de felicidade à custa desta pechincha.
Ia eu a caminho do Instituto Goethe, possui na sua biblioteca muitas obras alemãs traduzidas e tem uns escaparates com livros em saldo. Cada vez que passo por este edifício onde funcionou o Patriarcado lembro o meu encontro com o então cardeal D. António Ribeiro, ali à porta, eu ia a caminho do Hospital dos Capuchos para ser operado a uma hérnia discal, era o dia 16 de março de 1995, o cardeal saiu do carro e conversámos um pouco, estranhei tanta pergunta, o que vai fazer ao hospital, quando e como, apareceu-me na enfermaria dois dias depois de ter sido operado, quando entrou, um vizinho que me contou ir lá regularmente retirar líquido da sua hidrocefalia, fugiu aos gritos, dizendo que não queria morrer, não queria que o cardeal lhe desse a extrema-unção, eu para ali estava enevoado, a sofrer do rescaldo operatório, só tempos depois é que me diverti com o lado mirabolante desta visita, totalmente inesperada.
Fui ao Teatro Taborda ver a adaptação de um clássico, está hoje na moda adaptar obras-primas, mais uma vez caí na asneira de ir assistir a uma dessas falsidades de adaptações postiças. No intervalo vim até à varanda e apanhei a colina da Graça toda iluminada e o céu cinzento de chumbo, com o negrume em primeiro plano, uma parcela de Lisboa a encantar.
Pediram-me para ir ver o acervo documental do BNU oferecido à biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa, o pretexto era de que convivera meses a fio com a biblioteca e algum arquivo, podia ajudar a preparar a nota de síntese sobre estes conteúdos. Cheguei mais cedo, percorri o espaço da Faculdade onde tirei habilitações, encaminhei-me para o Anfiteatro 1 e fiquei muito contente de rever as cerâmicas de Jorge Barradas à entrada. Este modernista não só foi um grande desenhador, ilustrador como figura de proa das novas auras cerâmicas. Aqui fica um detalhe do grande painel que acolhe o visitante ou o aluno que entra ou sai do anfiteatro.
D. Catarina de Áustria e Santa Catarina de Alexandria, Oficinal de Cristóvão Lopes, depois de 1564
Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, 1536-1539

Andava eu a preparar um conjunto de artigos dedicados a uma possível capela privada da rainha Catarina de Áustria, a viúva de D. João III, no chamado Paço da Rainha, dentro do Castelo e Convento de Tomar, entendi que devia ir fotografar uma das poucas imagens que temos da rainha, e que é este quadro que está junto de o do seu marido, acontece que pelo caminho passei por este quadro de Gregório Lopes que provém do Convento de Cristo, de Tomar, o que se mostra na Charola é uma cópia, bem rigorosa por sinal, tenho para mim que é um dos quadros mais belos do renascimento português, pela sua perspetiva inusitada, marcado pelas duas influências mais expressivas da pintura portuguesa do seu tempo, a flamenga e a italiana.
Fernando Lopes Graça, fotografado por Eduardo Gageiro

Durante uma visita ao Arquivo Fotográfico de Lisboa quando, na visita à livraria, pude folhear uma bela obra de Eduardo Gageiro, e nisto pareceu-me Fernando Lopes Graça, a imagem é cativante, acho que Gageiro captou inteiramente as linhas do rosto e a vivacidade do olhar do grande compositor, tudo dentro do claro-escuro, um olhar fulminante sobre a pauta, nada mais interessa.
Visita ao Museu da Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã, impossível ficar indiferente à qualidade do restauro deste espaço, à elegância e harmonia desta porta do período manuelino, é a primeira vez que entro neste espaço museológico e venho cheio de vontade para conversar com o Mestre da Lourinhã.
São João Evangelista no Deserto, Mestre da Lourinhã

Duas telas dominam este espaço dedicado ao Mestre da Lourinhã, São João em Patmos e São João Evangelista no Deserto. Este Mestre da Lourinhã é um verdadeiro mistério, mas o que nós podemos aqui ver é uma obra de pintura fabulosa, esteja-se atento aos fundos da perspetiva e não sobra dúvida que o dito mestre ou era mesmo flamengo ou por lá aprendera a técnica, são dois quadros que qualquer grande museu levaria de bom grado para o seu acervo.

E por hoje ficamos aqui, lembranças de felizes acasos ainda tenho para vos mostrar.

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Nota do editor

Último post da série de 12 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26680: Os nossos seres, saberes e lazeres (676): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (200): O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 12 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26680: Os nossos seres, saberes e lazeres (676): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (200): O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Dá-se sequência à visita ao Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha, fica provado e comprovado que o 2º Visconde de Sacavém foi um infatigável colecionador de peças de cerâmica de diferentes formas e feitios; a museografia e a museologia ajudam muito a saborear a visita, o interior do palacete ganhou nova vida e quem contempla estes tesouros cedo se apercebe que independentemente de um passado glorioso da nossa azulejaria, o dínamo desta indústria foi um génio chamado Rafael Bordalo Pinheiro, daí a procura de imagens deste talento colossal, uma imaginação desbordante; é de toda a conveniência que o visitante venha com tempo, o museu e parque merecem atenção e há dois centros de arte ali à volta, enfim, são aspetos promissores para quem queira passar uma tarde na observância de diferentes vetores culturais, o que afianço, sem hesitar, é que este Museu da Cerâmica, pela sua riqueza, pelo adequado aparato museográfico e museológico, merece a visita, ninguém sairá daqui defraudado.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (200):
O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 2


Mário Beja Santos

Já subi ao 1.º andar do velho palacete tardo-romântico do 2.º Visconde de Sacavém, e na presunção de que o leitor olha pela primeira vez estas imagens, recordo que os sites de divulgação revelam sobre este museu:
“Criado oficialmente em 1983, corresponde a um desejo antigo da população das Caldas da Rainha, centro cerâmico de reconhecida tradição. Instalado na Quinta Visconde de Sacavém, adquirida para o efeito em 1981, o Museu da Cerâmica situa-se na zona histórica da cidade, junto ao Parque D. Carlos I e próximo da atual Fábrica Bordalo Pinheiro.
As coleções são constituídas por uma síntese representativa de vários centros cerâmicos portugueses e estrangeiros, desde o século XVI aos nossos dias. Predomina a produção local, desde as formas oláricas e a produção artística do século XIX, com autores como Manuel Mafra, introdutor neste centro do estilo naturalista de Bernard Palissy, até às criações contemporâneas de alguns ceramistas caldenses, como Ferreira da Silva ou Eduardo Constantino.
Merece destaque a notável coleção de peças de Rafael Bordalo Pinheiro, executadas na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, bem como a produção Arte Nova de Costa Motta Sobrinho. Mostram-se ainda núcleos de azulejaria, assim como de miniatura, com destaque para as obras de Francisco Elias.
A Quinta Visconde de Sacavém, conjunto arquitetónico revivalista de final do século XIX, é constituída por um palacete tardo-romântico que abriga a exposição permanente assim como áreas anexas, remodeladas, onde se situam a sala de exposições temporárias, a loja, olaria e centro de documentação. Os jardins da Quinta, de traçado romântico, constituem um interessante conjunto evocativo do gosto do final do século XIX, com as suas alamedas, canteiros, floreiras e um auditório ao ar livre.
São de realçar as decorações cerâmicas que ornamentam todo o conjunto, onde se podem encontrar azulejos dos séculos XVI ao XX, estatuária, elementos arquitetónicos cerâmicos, como as gárgulas em forma de dragão ou de javali que se veem nas fachadas do palacete e se aliam aos painéis de azulejo, friso e cercaduras. Estas decorações favorecem a fruição de um importante património cerâmico, tornando-o também um local privilegiado de lazer.”


Vamos então apreciar tesouros da cerâmica dos séculos XIX, XX e XXI.

Imagens de faces laterais do palacete que alberga o Museu da Cerâmica
Estamos agora na sala do ateliê cerâmico, é uma criação do 2.º Visconde de Sacavém, José Joaquim Pinto da Silva (1863-1925), aqui funcionou uma pequena oficina e nela se produziram, a par de peças de reconhecido valor artístico, diversos elementos arquitetónicos que ornamentam as fachadas do palacete. Neste ateliê colaboraram ceramistas com Avelino Belo, discípulo de Rafael Bordalo Pinheiro, e Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro. A produção desta oficina revela uma notável qualidade, inserindo-se no movimento revivalista de inspiração neorrenascentista e neobrarroca, corrente estética que marcou o final do século XIX. Esta pequena fábrica teve uma duração efémera (entre 1892 e 1896).
Prato de Rafael Bordalo Pinheiro com dedicatória ao fotógrafo Camacho, 1892
Peça de grande delicadeza, caso de ornamentação das folhas
Estas duas imagens referem-se à criação da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, tratou-se de um projeto industrial cerâmico de grande envergadura, foi iniciativa de Feliciano Bordalo Pinheiro (irmão de Rafael Bordalo Pinheiro), assentava na introdução de novas tecnologias e na adoção de um modelo de financiamento (de subscrição por ações) e de gestão (gestão separada da propriedade) modernos. O projeto entrou em funcionamento em 1884.
Dois pratos saídos do génio de Rafael Bordalo Pinheiro
Hansi Stäel (1913-1961) foi uma artista húngara que trabalhou nas Caldas da Rainha e deixou notáveis trabalhos como se podem ver nestes dois pratos.
Mísula, Rafael Bordalo Pinheiro, 1891
Ainda conheci as Caldas da Rainha com placas indicativas de ruas deste tipo
Pormenor de pintura sobre uma porta do palacete
O gosto pelo hispano-árabe será recorrente em todas as manifestações do revivalismo neogótico, as fábricas de cerâmicas caldenses do século XIX deram grande impulso a este padrão.

E chegamos ao fim, foi uma agradável surpresa, advirto o leitor que neste Avenal há centros de arte, prepare-se, talvez valha a pena ir com tempo e bater à porta destas capelinhas.

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Nota do editor

Último post da série de 5 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26655: Os nossos seres, saberes e lazeres (676): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (199): O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26655: Os nossos seres, saberes e lazeres (676): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (199): O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Que bela surpresa, tantas vezes visitei as Caldas da Rainha na completa ignorância de que havia este fabuloso museu à minha espera. Aqui fica a advertência para quem visitar as Caldas, é destino irrecusável, os tesouros cerâmicos são mais do que primeira classe. Deve haver ali uma grande falta de dinheiro para a manutenção dos parques e há degradações no interior do edifício, é pena porque todo aquele ambiente tardo-romântico, se for bem preservado, tem todo o direito de ser apresentado pelo turismo como uma grande casa de cultura. E temos que agradecer ao visconde de Sacavém este fenomenal legado, ainda bem que ele possuía um gosto eclético tão apurado; e as coleções ligadas à Fábrica Rafael Bordalo Pinheiro são magníficas, deixam-nos embasbacados. Pois bem, a visita vai continuar.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (199):
O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 1


Mário Beja Santos

Para ser sincero, das muitas vezes que passei pelas Caldas da Rainha, e durante anos os meus padrinhos ofereceram período de férias na Foz do Arelho, o que havia a visitar na cidade era o parque, o Museu José Malhoa, naquele tempo funcionava a Fábrica da Secla, era um prazer ir ver aquelas belas peças, muitas delas únicas, desenhadas por uma húngara que ali trabalhou, Hansi Staël, e inevitavelmente entrar na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo. Ora, em 1983, abriu ao público o Museu de Cerâmica de que eu nunca ouvi falar. Há uns tempos, visitando a loja da Fábrica Bordallo Pinheiro, veio à conversa um comentário sobre os tesouros ali existentes, curioso, perguntei onde era o museu, é só subir até o Avenal, encontrará facilmente uma velha moradia numa área em que há centro de artes. E lá fui, bem me regalei, como passo a contar. Sobre a história deste museu vale a pena citar alguns parágrafos do que vem no site oficial deste templo da cerâmica:
“Encontra-se instalado no antigo Palacete do Visconde de Sacavém, no Avenal, mandado construir na década de 1890 pelo 2.º Visconde de Sacavém, José Joaquim Pinto da Silva (1863-1928), colecionador, ceramista e importante mecenas dos cerâmicos caldenses.
Encontra-se rodeado por jardins com alamedas, canteiros, floreiras, lagos e um auditório ao ar livre, sendo de realçar a decoração profusa que ornamenta todo o conjunto e inclui azulejos do século XVI ao século XX, elementos arquitetónicos cerâmicos e estatuária.
O acervo do Museu integra diversas coleções representativas da produção das Caldas da Rainha e de outros centros cerâmicos do país e do estrangeiro. As coleções compreendem peças da cerâmica antiga caldense dos séculos XVII e XVIII e núcleos da produção do século XIX e primeira metade do século XX. São de salientar os trabalhos da barrista Maria dos Cacos, autora de peças utilitárias antropomórficas, e de Manuel Mafra.

Merece um especial destaque o núcleo de obras da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro, um dos conjuntos mais representativos da produção do grande mestre da cerâmica caldense e que documenta a intensa laboração da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, entre 1884 e 1905. Apresentam-se também núcleos de faianças da Real Fábrica do Rato, de olaria tradicional e de produção local de escultura e miniatura dos séculos XIX e XX.
Destaca-se, um núcleo de cerâmica contemporânea de autor, que inclui, entre outros, peças de Llorens Artigas, de Júlio Pomar e de Manuel Cargaleiro. O Museu possui ainda uma coleção de azulejaria que integra produção portuguesa, hispano-mourisca e holandesa do século XVI ao século XX, constituída por cerca de 1200 azulejos e 40 painéis.
O Museu apresenta ainda uma coleção de 40 peças contemporâneas, ilustrativas de design e produção de cerâmica e vidro do século XX, que fazem parte de uma doação feita em 2007, constituída por 1205 peças.”




Imagens da entrada principal do edifício e das suas traseiras
O maravilhamento azulejar começa logo à entrada, haverá esplendorosa cerâmica em toda o palacete do 2.º Visconde de Sacavém
Uma das maravilhas do azulejo do século XVIII, pois então
Placa comemorativa do palacete do visconde de Sacavém
Um outro olhar sobre o palacete
É indesmentível que o senhor visconde tinha muito bom gosto e uma boa museografia faz o resto
Esta composição do Adamastor acompanha as ilustrações de Os Lusíadas, há gente assombrada e aterrada com o gigante, Vasco da Gama está firme, vai mesmo passar o Cabo das Tormentas.
Eu guardo lembrança deste Rafael Bordalo Pinheiro no museu do seu nome, ali no fim do Campo Grande, onde um conjunto de amigos reuniu numa moradia exemplares do seu génio. Um dia, numa entrevista, perguntaram à Paula Rego qual fora o maior artista plástico do século XIX, ela respondeu sem qualquer hesitação: Rafael Bordalo Pinheiro.
Gosto da ousadia do museógrafo que é capaz de transformar um recanto de uma cozinha num espaço de fascínio, uma iluminação perfeita, uma boa adequação de objetos, um passado renovado, com sensibilidade e inteligência.
Escultura de Nossa Senhora com o Menino, autor desconhecido, século XVII
Não há lambril do palacete que não esteja revestido, achei de enorme beleza estes três cavaleiros, parece que estão a pousar para nos impressionar com a sua arte equestre
O mínimo que se pode dizer desta bela fonte bordaliana é que é uma maravilha
A orelha faz parte da tradição da cerâmica caldense e a legenda é uma séria advertência para pessoas que andam descuidadamente a fazer comentários em voz alta: as paredes têm ouvidos.
Painel de Azulejos, Querubins, Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 29 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26627: Os nossos seres, saberes e lazeres (675): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (198): Bruscamente, no Natal passado, uma viagem relâmpago a Ponta Delgada – 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 29 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26627: Os nossos seres, saberes e lazeres (675): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (198): Bruscamente, no Natal passado, uma viagem relâmpago a Ponta Delgada – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Ir a São Miguel é como chegar à segunda casa, o deslumbramento nunca cansa, é verdade que há uma dor por todos aqueles que aqui me deram tanta estima e que já partiram. Estava ali no jardim de Antero de Quental, depois de ter deixado na Biblioteca Municipal os livros autografados e que me foram oferecidos por Armando Cortes Rodrigues, a derradeira figura do Orpheu, olhei para a casa onde visitava o meu professor de Cultura Portuguesa, António Machado Pires, foi uma melancolia, outras já tinham acontecido, como a perda do médico oftalmologista Botelho de Melo, que me tratou em Bissau de uns olhos chamuscados por uma mina anticarro. Para quem deixou a vida profissional há uma dúzia de anos, foi também um raro prazer conversar com gente de uma associação de consumidores que ajudei a fundar, falámos do passado, andámos pelo presente e visionámos o que parece vir a ser o futuro, as associações de consumidores carecem de posturas novas neste admirável novo mundo que orbita no digital, na cultura da urgência e na modernidade líquida, cabe-lhes conjugar esforços perante as ameaças ambientais e uma solidariedade que contrarie este primado do individualismo, o grande Cavalo de Tróia da equidade e do Estado social. E fica-me a vontade de regressar depressa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (198):
Bruscamente, no Natal passado, uma viagem relâmpago a Ponta Delgada – 2

Mário Beja Santos

Recapitulando, aterrei em Ponta Delgada ao principio da tarde, o secretário-geral da ACRA – Associação dos Consumidores da Região dos Açores telefonara-me dias antes lembrando-me das minhas obrigações enquanto um dos impulsionadores, ia para 35 anos, desta organização que privilegia os interesses dos consumidores açorianos, é uma promotora de causas de interesse público, acrescento que, tirando a DECO, é a associação de consumidores que resta da década de 1980, em tempos de pré-adesão à CEE e depois houvera cerca de dúzia e meia de associações, desapareceram praticamente todas ou não chegam ao grande público. Não podia dizer que não, a ACRA lutara denodadamente, anos a fio, para a criação de um centro de arbitragem de conflitos de consumo da região, este entrou em pleno funcionamento, é uma vitória de estalo, mas que traz problemas de foco, agora as reclamações dos conflitos de consumo são tratados nesse centro de arbitragem, o CIMARA, a ACRA precisa urgentemente de encontrar novos azimutes ou reforçar parcerias neste mundo de ameaças ambientais onde o consumo pesa, onde o paradigma digital suscita preocupações, tal como as tecnologias que decorrem e irão decorrer da inteligência artificial, a informação e educação do consumidor carecem de redobrados cuidados. Tive a tarde por minha conta, percorri uma cidade que conheço relativamente bem, aqui vivi de outubro de 1967 a março de 1968, fiz amizades inquebrantáveis, há saudades sem conto, memórias vivas e pesar por aqueles que já partiram e a quem devo profunda gratidão. Comecei o novo dia na cidade da Lagoa, houve larga conversa no auditório camarário, é um ritual que não descuro, almoçar filetes de abrótea ou peixe porco. E depois de regalado, pedi ao anfitrião que me levasse ao outro lado da cidade, extasia-me esta enseada e o contraponto da pedra vulcânica com a terra verde.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário
Cidade da Lagoa, vista da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
Enquanto aqui fiz tropa esta bela igreja barroca, que pertenceu aos Jesuítas, chamada Igreja do Colégio, esteve sempre fechada, muito depois reabriu e tem um interior faustoso, compatível com o esplendor desta fachada, aqui me detenho e recordo que em frente vivia um senhor chamado Leonardo que saía de caleche, ou talvez uma tipoia, bem indumentado, de botina e chapéu de coco, era um gosto ver aquela marca do passado a meter-se no meio do trânsito. Aqui ao lado da Igreja do Colégio é a Biblioteca Municipal Antero de Quental, aqui venho depositar presentes, um deles foi uma oferta do Dr. Armando Cortes Rodrigues que me convidara para jantar em casa, na Rua do Frias, recebeu-me parecia um gaúcho, recordou-me os seus tempos de Lisboa, inevitavelmente Fernando Pessoa veio à baila, os livros com dedicatória dele ficam nesta biblioteca.
Não há nada de espetacular nesta fotografia, sei muito bem, estamos no Largo 2 de Março, era precisamente naquela esquina que parava uma viatura militar que transportava para os Arrifes os milicianos, oficiais e sargentos, que iam dar recruta. Não havia viaturas, mas o transporte era completamente desconfortável, o camião aos saltos, nós de pé agarrados a uns puxadores manhosos, aos encontrões uns aos outros, a viatura aos saltos e a parar bruscamente quando passavam as vacas. Foi assim, voltei facilmente a 55 anos atrás.
Também no Largo 2 de Março esta casa apalaçada era uma ruína, em franco abandono, dá gosto vê-la aprumada, transformada em alojamento local, passava por aqui todos os dias, lá ao fundo virava à esquerda para me ir encontrar com gente amiga no café Gil ou na Tabacaria Açoriana.
O café Gil agora é um restaurante de sushi, a livraria Gil fechou, é loja expectante, sobrevive a Tabacaria Açoreana, com bastantes alterações, mantém à entrada uma zona de cafetaria, em espaço intermédio temos os jornais, revistas e a lotaria e depois a zona de livraria, ainda um tanto parecida com o que foi. Tem agora este aspeto de tertúlia, antes de entrar ainda procurei o Melo Bento no seu escritório, disseram que talvez estivesse na Açoreana, não estava, talvez a tertúlia comece mais tarde. Olhei melancolicamente para o escaparate onde se vendia o República ou o Diário de Lisboa.
O meu quarto ficava aqui, Rua de Lisboa, n.º 31, 1.º andar, janela sem varanda, quarto com direito a banhos e tratamento de roupa, vinha do quartel, desfardava-me, e partia à civil com um livro debaixo do braço. Nunca esqueci o dia em que sobraçava um calhamaço de cerca de 700 páginas, uma biografia de Kennedy feita por Theodore Sorensen, Editorial Aster, 1967, eis senão quando sou abordado na Tabacaria Açoreana por alguém que me pediu para ler o livro no fim de semana, marcámos ponto de encontro, o dito senhor nunca mais apareceu… O que posso dizer é que a casa levou obras, no meu tempo era uma simples alvenaria branca, uma porta muito simples e nada de gelosias como estas.
É incrível como passei tantas vezes por aqui a caminho do Largo de São Francisco, ou em sentido inverso, para ir para o meu quarto, e nunca me detive para conversar com o Roberto Ivens, natural aqui da terra, que andou com o Brito Capello naquelas expedições africanas, nos tempos em que procurávamos consolidar o Terceiro Império, é um busto bonito, a peanha é elegante, um dever de memória bem assumido.
Houve grandes benfeitorias, naqueles anos 1960 o coliseu estava um tanto escalavrado, é hoje uma casa de concertos, no meu tempo era sobretudo cinema, aqui trouxe um pelotão para vermos o filme Lord Jim, realizado por Richard Brooks, com um elenco de primeiríssima água, descobri que um bom número dos meus recrutas jamais tinha entrado num cinema, foi uma noite de grande felicidade, o comandante do batalhão autorizou que viéssemos todos de viatura, a partir dos Arrifes, finda a sessão, a minha malta regressou à caserna.
Venho despedir-me deste saudoso Antero, nunca foi poeta do meu culto, mas jamais esquecerei a sua conferência no Casino Lisbonense intitulada Causas da decadência dos povos peninsulares, não entendo como todos aqueles que se debruçam sobre a história do pensamento português omitem sempre esta reflexão anteriana.
E também venho despedir-me do Largo da Matriz, um pouco mais à frente há um café que subsiste com o nome Nacional, eu era comensal, comia todos os dias pão, azeitonas, sopa, uma travessa com peixe ou carne e uma sobremesa. Sempre muito bem servido. O empregado caiu na asneira de dizer que era irmão de um recruta meu, adverti-o que no dia em que ele me tratasse mal havia consequências sérias para o irmão, ele terá ficado inquieto, chegava ao desplante de me dizer “Hoje peça a carne, o peixe não está muito bom.” E também neste Largo da Matriz estava o consultório do Botelho de Melo, amigo para sempre, tratou-me carinhosamente a vista depois de um trágico acidente com uma mina anticarro.
Por uso e costume, nunca me apresento em imagem nestas deambulações. Abro exceção porque foi um momento de rara felicidade, reencontrei o jornalista Sidónio Bettencourt, ele era estagiário aí pelos anos 1980 nos estúdios da Emissora Nacional, onde eu gravava programas, nem todos eram em direto. Coube ao Sidónio fazer uma gravação de um desses programas, no final disse-lhe que ele devia ficar na Emissora pelo seu alto profissionalismo. Agradeceu o meu comentário, mas disse-me prontamente que o seu lugar era aqui. Entrevistou-me longamente, não esqueceu aquele encontro de há largas décadas, alguém que acompanhara a emissão nos estúdios disse-me logo que tínhamos que ficar na fotografia. Dei-lhe um abraço e parti para o aeroporto, a visita meteórica chegara ao fim.
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Nota do editor

Último post da série de 22 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26605: Os nossos seres, saberes e lazeres (674): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (197): Bruscamente, no Natal passado, uma viagem relâmpago a Ponta Delgada – 1 (Mário Beja Santos)