Do blogue PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963-1974), que estamos a seguir e que é editado pelo nosso camarada José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974.
DESCRIÇÃO DAS OPERAÇÕES REALIZADAS NA ZONA DE BULA – GUINÉ BISSAU
NO DIA 05 DE MAIO DE 1973
1 - A descrição dos factos ocorridos na Zona de Acção do Batalhão de Cavalaria 8320, sito em BULA (GUINÉ BISSAU) no dia 05 de Maio de 1973 foi em tempos motivo de publicação nas redes sociais e, a sua autoria atribuída ao então Capitão Salgueiro Maia.
Conhecendo bem Salgueiro Maia tendo tido oportunidade de com ele conviver desde 1965 na AM (Academia Militar), EPC (Escola Prática de Cavalaria) e, mais tarde na GUINÉ na qualidade de Comandante da Companhia de Cavalaria 3420 (Intervenção) colocados em BULA afirmei em comentário que mantenho e reitero:-
“ NÃO ACREDITO QUE SALGUEIRO MAIA SEJA O AUTOR DESTE ARTIGO “
“O MAIA pela sua conduta e serviços prestados na sua intensa actividade operacional não necessita de chamar a SI o protagonismo de uma Operação em que não teve intervenção, mas sim colaborou voluntariamente e de forma relevante no auxílio à recolha e evacuação de mortos e feridos”.
2 - Já este ano 2021 foi novamente publicado o mesmo texto acrescentando actividade em GUIDAGE.
Tomei a mesma posição acima descrita com a diferença de não me referir à actuacão de CCav 3420 quando da missão que lhe foi atribuída – ESCOLTAS para GUIDAGE (quando aguardava embarque por ter terminado a comissão) não porque dela não tivesse conhecimento.
Situação idêntica aconteceu ao então, também Capitão Infantaria Manuel Ribeiro de Faria. Se a elas me referisse, ou por aí enveredasse, teria que fazer referência a outros intervenientes que tiveram acções muito relevantes e, não esquecidas como tive oportunidade de o verificar pelo pedido de contacto telefónico de um camarada do meu curso Joaquim Reis (ao tempo Tenente e Comandante da Escolta de Segurança - Viaturas AML/PANHARD) por parte do hoje Coronel Manuel Ribeiro Faria.
3 - Em tempos tive oportunidade de fazer uma descrição dos acontecimentos numa página do Faceebook – AML/PANHARD e foi com alguma admiração que na sua transcrição/publicação é referido que “embora não tivesse o valor do que publicado em livro…………”.
Tal descrição (embora ligeira) teve única e simplesmente a intenção prestar a MINHA HOMENAGEM aos MILITARES da “METRÓPOLE” e naturais da GUINÉ-BISSAU que nessa Operação perderam a VIDA, foram FERIDOS e CAPTURADOS.
4 -Tendo plena consciência de que as interpretações variam com os observadores não envolvidos directamente (alguns sem conhecimento técnico-militar necessário e da situação) entendam fazê-lo “romanceando”; outros conhecedores das circunstâncias que conduzem a Operações desta envergadura, mas também desconhecendo tudo (informações, movimentação, indícios, etc, etc a que ela conduziu) decidam descrever com menos precisão a realidade.
Mesmo nestas condições o maior respeito quanto mais não seja por terem deixado uma referência a situações que NUNCA devem ser ESQUECIDAS.
Importa agora debruça-nos sobre as OPERAÇÕES realizadas no dia 05 de Maio de 1973 em simultâneo.
OPERAÇÃO GRANDE BURACO EM PONTAMATAR E OPERAÇÃO REALEZA NO CHOQUEMONE.
Não elaborando uma Ordem de Operações (que à época existiu) por forma a facilitar uma melhor e mais fácil compreensão (evitando terminologia militar com a qual nem todos estão identificados) não posso deixar de pontualmente a ter que utilizar.
1 - SITUAÇÃO GERAL
a. NT (Nossas Tropas)
Há época durante o período houve uma modificação sensível no dispositivo do Sector:-
Assim com a ida da CCav 3420 para BISSAU por haver terminado a Comissão de Serviço, a 1.ª CCav /BCav 8320 assumiu a posse do Sub-Sector de PETE destacando para os Destacamentos pertencentes a este Sub-Sector (PETE, CAPUNGA, JOÃO LANDIM), continuando os pelotões de Milicias em PONTA CONSOLAÇÃO E AUGUSTO BARROS.
Chegada da Companhia de Cavalaria 8353 (Intervenção) para rendição da Companhia de Cavalaria 3420.
b. IN ( Inimigo)
Neste período o IN mostrou-se particularmente activo aumentando os efectivos habituais nas suas bases/refúgios na Zona do CHOQUEMONE.
2 - SITUAÇÃO PARTICULAR
Em Março de 1973 assume as funções de Oficial de Operações do BCAV 8320 o então Tenente de Cavalaria Rui Santos Silva por designação do Comando do Batalhão.
Em Abril foram recebidas no Batalhão espingardas FN recondicionadas destinadas ao rearmamento dos Pelotões de Milícias.
Foram submetidas a verificação tendo sido detectadas diversas e frequentes avarias que na maioria dos casos não permitiam mais do que um tiro.
Seleccionadas as consideradas em condições foram distribuídas a um pelotão de 30 homens (Mílicias).
Quando da saída de qualquer força para qualquer tipo de acção o Comandante de Batalhão e Oficial de Operações estavam ser presentes podendo estar apenas um dependendo apenas efectivo e importância da missão.
Nesse dia coube ao Oficial de Operações que deparou com a seguinte situação. Pelas 03h00 (hora de saída) dos 30 homens do Pelotão de Milícias compareceram apenas 14 “armados” com paus de vassouras ou semelhantes. Situação resultante da desconfiança que as armas FN recondicionadas tinha provocado.
Decidi mandar abrir uma arrecadação e armar os 14 homens com o melhor armamento disponível acompanhando-os na missão.
Tratou-se da montagem de uma emboscada no CHOQUEMONE sem contacto. Retiramos do local efectuando uma pequena incursão pela zona do PETABE e HORTA DO ANANASES tendo sido recolhidos na estrada BULA – BINAR (junto a um local designado por Placa) por duas viaturas UNIMOG escoltadas por duas AML/PANHARD.
Uns dias depois sou informado pelo Senhor Comandante de Batalhão TENENTE-CORONEL ALFREDO FERREIRA DA CUNHA que nesse dia tínhamos sido observados por um Grupo do PAIGC (com efectivo de cerca de 150 homens) que só não reagiu dada a proximidade do Destacamento de CAPUNGA.
O efectivo normalmente presente no CHOQUEMONE era substancialmente mais baixo.
Tratava-se dum local de refúgio/base muito importante, um local de passagem para OESTE da GUINÉ com destino à CABOIANA e outros refúgios/bases ou para preparação de ataques a aquartelamentos do sector de BCav sito em BULA e, com alguma probabilidade a tentativa de aproximação a BISSAU fazendo a travessia no Rio MANSOA.
Equacionadas estas modalidades/intenções entendeu o COMANDO DO BATALHÃO actuar.
3 - MISSÃO
Executar acções tendo como objectivos as bases do IN no CHOQUEMONE e PONTAMATAR
À CCav 8353 atribuir a zona de PONTAMATAR. Designada por “OPERAÇÃO GRANDE BURACO”
Na zona do CHOQUEMONE actuação de tropas conhecedoras do terreno e com elevada experiência operacional. Designada por “ OPERAÇÃO REALEZA”
4 - EXECUÇÃO
OPERAÇÃO GRANDE BURACO
A CCav 8353 (a 2 pelotões) reforçada com um pelotão da 1ª CCav/BCav 8320 ( 1 ano de actividade operacional ) deslocou-se para a zona de PONTAMATAR cerca das 03h00 do dia 05 de Maio iniciando a actividade cerca das 07h00 que foi dada por terminada pelas 10h30. Não houve contacto com o IN.
OPERAÇÃO REALEZA
As informações do possível aumento dos efectivos presentes no CHOQUEMONE obrigaram ao planeamento de uma Operação de Grande Envergadura com Unidades que conhecessem muito bem a zona e tivessem grande experiência de Combate recorrendo aos Pelotões de Milícias sob a dependência do Batalhão, bem como à Companhia Africana sediada em BINAR.
A CCav 3420 comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (ainda em quadrícula) estava a aguardar a ida para BISSAU por ter terminado a sua Comissão. A não ser em última instância é que o Comando do Batalhão a aplicaria na Operação.
Assim a missão foi atribuída aos Pelotões de Milícias 291, 293, 341 (a 35 homens cada) e à Companhia de Caçadores 17 (Africana) sita em BINAR com 2 pelotões posicionadas de forma a evitar uma possível incursão/acção sobre o Aquartelamento em Binar.
DESENROLAR DA OPERAÇÃO
Montado o dispositivo, cerca das 07h00 foram ouvidos alguns disparos e conjuntamente com o Comandante de Batalhão ( com quem me preparava para tomar o pequeno almoço) fomos de imediato para a Sala de Operações e do Posto Rádio – anexo à Sala – entrei em contacto rádio procurando saber o que se estava a passar.
O radiotelegrafista responde-me solicitando um instante porque se preparava para disparar sobre um elemento IN (elemento participante de patrulha de segurança ao Grupo IN acampado na zona).
De imediato ouviu-se um tiroteio de alguma intensidade fruto do contacto com o Pelotão de Milícias 341 (coord. Bula 5 B4.51) sem consequências para as NT. IN resultados desconhecidos. Pelas 07h30 novo contacto com IN desta vez com enorme intensidade em consequência da fuga para Norte do Grupo IN (em acampamento provisório com um efectivo calculado em cerca de +/- 100 elementos ) que deparou com o Pelotão de Milícias 293 ( coord. Bula 5 A4.64 ).
NT 03 mortos e 01 desaparecido e desmembramento do pelotão.
IN mortos prováveis e feridos confirmados.
Conseguiu-se novo contacto rádio e fui informado pelo radiotelegrafista que estava sozinho, mas avistando ainda alguns camaradas.
Informei-o de que se deviam dirigir ao SOL (Sul) e aguardassem recolha na Estrada para BINAR.
Com a concordância do Comandante do Batalhão foi solicitado o apoio ao ESQUADRÃO AML/ PANHARD para que se dirigisse à Estrada BULA-BINAR que de imediato se deslocou para o local.
Dado o distanciamento do Posto de Comando em BULA sugeri que fosse criado um Posto de Comando Avançado (PC 2), sito em CAPUNGA – aquartelamento de um dos pelotões da CCav 3420 a uma distância da área de acção de cerca de 3 km e, por decisão e delegação do Comando do Batalhão desloquei-me para o local onde permaneci até ao final da Operação.
Em coordenação com o PC 1 e, como conhecedor do posicionamento das NT (coube-me o planeamento da Operação com a aprovação do Comando) iniciei as acções necessárias por forma a ter uma noção o mais exacta possível das NT tendo como intenção o pedido de utilização da Artilharia o que se tornou impossível após os contactos já referidos e ao desmembramento do Pelotão de Milícias 293.
Pelo Pelotão 341 foi localizado o acampamento da Força IN ( entre as coordenadas Bula 5 B4.51 e Bula 5 A4.64 ).
Informando o PC 1 foi solicitado o apoio da Força Aérea (Fiat’s), mas como à época já era utilizado o míssil Terra-Ar STRELA a nossa Força Aérea dava apoio a 5.000 pés de altitude.
Chegados ao local estabeleceu-se dialogo com um dos pilotos a quem dei as coordenadas e me solicitou informação de que não haveria NT num raio de 3 Km em relação ao OBECTIVO.
Foi efectuado um único lançamento (penso de bomba de 750 libras) que foi observado no PC 2. Da eficácia falarei mais à frente.
Entretanto os contactos já com menos intensidade iam acontecendo havendo necessidade de reforços.
Assim pelas 10h30 da manhã o Comando do Batalhão deu por terminada a Operação GRANDE BURACO em PONTAMATAR e com o apoio uma vez mais do Esquadrão AML/PANHARD foram recolhidos na Estrada BULA – S. VICENTE com destino a CAPUNGA.
Pelas 13h00 compareceu em CAPUNGA o 2.º Comandante de Batalhão (MajCav César Monteiro) que recebeu a CCav 8353 comandada pelo Capitão Miliciano Calado.
O estado de espírito da Companhia depois de uma Operação que apesar de não ter tido consequências não deixou de ser o primeiro contacto com a mata e a realidade da Guerra não era o melhor para enfrentar uma situação de risco elevado. É tomada a decisão de um Grupo de Combate entrar em acção perto de um local denominado Horta dos Ananases.
Em situações desta natureza em que o IN se encontra “encurralado” é sabido que para se protegerem se aproximam das NT ou dos nossos Aquartelamentos procurando evitar a acção da Artilharia e Morteiros.
Também quando em retirada após emboscada nunca fugiam na perpendicular, mas sim para as zonas laterais (esquerda ou direita).
Cerca das 13h30 chega a CAPUNGA o Capitão Salgueiro Maia vindo de PETE (sede da Ccav 3420) que comandava. Atento, Solidário e Incapaz de se manter como observador veio fazendo jus à sua experiência operacional dar o apoio possível à situação que se vivia que se veio a tornar imprescindível e muito relevante.
Pelas 14h00 o Grupo de Combate da Ccav 8353 inicia o movimento para o local atrás indicado. A distância era pequena com pouca arborização e deparam com um Grupo com pessoal branco e camuflados idênticos aos nossos (NT).
Os segundos de hesitação e infelizmente a inexperiência foram fatais. Tratava-se de um Grupo IN que de imediato reagiu causando 04 mortos (1 furriel) e 08 feridos (05 graves).
IN com mortos e feridos prováveis.
O Capitão Salgueiro Maia foi com 2 Unimog’s resgatar os feridos e mortos. Procurámos por todos os meios fazer um garrote a um dos feridos, mas todos os esforços foram em vão.
Mais uma vez a Força Aérea esteve presente com 3 Heli-Canhões, mas nada puderam fazer.
A evacuação de feridos fez-se a partir da pista ou heliporto de BULA.
A OPERAÇÃO continuava e cerca das 16h30 novo contacto em Bula (Coord. A4.64) após entrada no acampamento (bombardeado pela Força Aérea) onde foram recolhidos peças de fardamento e equipamento, utensílios, diversos documentos, munições de armas ligeiras e acessórios de armamento.
Encontrados também muitos géneros alimentícios que foram destruídos e observadas grandes manchas de sangue.
Na ausência de evacuações pela Força Aérea da mata deslocou-se à zona integrado num Grupo de Combate o médico do Batalhão, Alferes Ribeiro que assistiu no local o ferido resultante do contacto acima referido. Com o aproximar do fim do dia foi decidido fazer regressar todos os efectivos empenhados dando como terminada a OPERAÇÃO REALEZA.
Pelas 18h50 BULA foi flagelada com 08 foguetões 122 com provável base de fogos localizada em Bissauzinho.
Reagimos com Artilharia 14, morteiros 10,7 e um Pelotão do Esquadrão AML/ PANHARD deslocou-se para a Estrada BULA – S. Vicente impedindo qualquer aproximação de BULA que só podia ser feita antes do km 4 ou após o km 10 ( do Km 4 ao Km 10 existia um campo de minas com 100 metros de profundidade ).
Todos os foguetões caíram na periferia do Aquartelamento provocando 05 feridos (graves) população e incendiando algumas tabancas.
À chegada ao aquartelamento em BULA tive conhecimento da permanência de uma Companhia de Paraquedistas ( enviada para reforço ), mas que não chegou a intervir.
Cerca das 0h00 fui acordado pelo Comandante de Batalhão para me deslocar novamente a CAPUNGA onde foi colocada a Companhia de Paraquedistas que aí pernoitou.
No dia seguinte 06 de Maio fomos visitados pelo Comandante do COP 1 (Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO), sito em MANSOA de quem o BCav 8320 dependia manifestando a sua admiração pela brilhante actuação do BCav e de todas as Forças empenhadas.
Autor
Rui Borges Santos Silva
Coronel de Cavalaria na Reforma (ao tempo Oficial de Operações do Batalhão 8320)
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Notas do editor
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