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segunda-feira, 13 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19781: Notas de leitura (1177): "Portugal in Africa", por James Duffy, Penguin 1962 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Estávamos em 1962 e os livros da Penguin davam volta ao mundo. Um norte-americano graduado em Harvard e conhecedor a fundo de Angola e Moçambique, escrevia um ensaio centrado nas duas grandes colónias portuguesas descrevendo os termos da colonização, as suas fragilidades, e pondo em relevo a mística imperial do Estado Novo.
Trata-se de um trabalho que carreava factos históricos irrefragáveis, deixando claro que se tinha entrado num período tumultuoso e que tudo previa que se tratava ao nível do império a morte de um sonho.
O livro de James Duffy é hoje obra para colocar no devido patamar dos trabalhos premonitórios, nem os fanáticos queriam recuar nem os anticolonialistas, naquele ano de 1962, previam minimamente o alastramento da guerra de guerrilhas e muito menos sonhavam com o esgotamento e a incapacidade de lhes dar resposta.

Um abraço do
Mário


Um livro icónico dos anos 1960: Portugal in Africa, por James Duffy

Beja Santos

Aí por 1963, começou a circular clandestinamente em vários meios universitários e oposicionistas ao regime um livro de um investigador diplomado em Harvard e profundo conhecedor das realidades de Angola e Moçambique: "Portugal in Africa", editado pela Penguin em 1962. O prefácio era assinado por Ronald Segal e abria com a ocupação do Estado da Índia em Dezembro de 1961, era o primeiro abalo do Portugal Imperial, um orgulho de uma missão civilizadora que apresentava resultados práticos deploráveis em matéria de desenvolvimento, saúde e cultura. A questão racial era um dos argumentos mais pesados do levantamento nacionalista africano, havia o indigenato, os assimilados, os civilizados, e a realidade era bem distinta da propaganda. As publicações do regime falavam em política de assimilação, tudo se teria iniciado em 1483 quando o rei Nzinga-a-Cuum mostrara abertura à civilização ocidental e o seu sucessor de Mbemba-a-Nzinga ou D. Afonso I adotara a religião cristã, era este o exemplo grandioso do Congo. Este império africano, sujeito a múltiplas cobiças de outras potências coloniais, ficou em dormência até ao século XIX, e muitas justificações foram dadas: domínio filipino, Guerra da Restauração, o surto brasileiro, a incapacidade demográfica em estar presente simultaneamente em todos os continentes. Com a Conferência de Berlim (1884-1885) e com a independência do Brasil, jogou-se a fundo a cartada africana, entre a monarquia constitucional em fase terminal, a I República e o Estado Novo. A mística imperial ganhou novo alento, cresceu o número de publicações de sensibilização imperial, a investigação científica cresceu exponencialmente, e as duas grandes colónias, Angola e Moçambique, cronicamente deficitárias, começaram a dar lucros com a crescente presença de empresas estrangeiras, a exploração dos diamantes e de outras riquezas de subsolo, a África do Sul e as colónias do domínio britânico na África Austral precisavam do desenvolvimento moçambicano. Mas as fraturas e mazelas iam sendo expostas. O relatório do Capitão Henrique Galvão era demolidor quanto ao trabalho forçado, iliteracia e falta de instituições de saúde. E nos anos 1950 os ventos da história puseram a mística imperial e a dita missão civilizadora em confronto com a ascensão dos nacionalismos.

James Duffy confessa que o seu estudo está centrado em Angola e Moçambique, só esporadicamente fala em S. Tomé, desconhece Guiné e Cabo Verde. A primeira parte está consolidada em dados históricos conhecidos, tudo começou com a conquista de Ceuta e a germinação do projeto henriquino. Em 1480 atingia-se o Cabo de Santa Catarina e é provável que se tenha chegado a S. Tomé. Analisa o interlúdio entre os descobridores portugueses e o Congo, foi uma experiência tão singular que será sempre a grande bandeira utilizada para a missão civilizadora naquela região da África Ocidental. Seguidamente descreve a colonização angolana em todas as suas fases até à Conferência de Berlim. Seguirá o mesmo itinerário para Moçambique, mostrando os antagonismos com as potências locais e as rivalidades que os interesses britânicos geravam. O estudo da missionação tem também relevo no livro, fala-se dos prazos da Coroa e também muito do comércio de escravos, Angola, como James Duffy observa era a grande placa giratória.

Entramos depois no período da penetração africana, Livingstone passa a ser o explorador estrangeiro que melhor conhece a presença portuguesa, graças à viagem transcontinental que fez, onde foi muito cáustico com a escravatura praticada pelos portugueses e que foi alvo de várias respostas. Temos a relação das viagens dos grandes exploradores portugueses, a análises das consequências de Berlim, o Mapa Cor-de-Rosa e o Ultimato Britânico. A penetração e ocupação de posições no território são feitas tanto em Angola como em Moçambique, à custa de sérios combates. Procura-se pelo paternalismo lançar as bases de uma política indígena, criar uma administração, faz-se a apologia da assimilação e miscigenação e exalta-se a mestiçagem. O trabalho forçado continua a existir e passa do século XIX para o século XX, o Regulamento para os contratos de serviçais e colonos nas províncias de África, de 1878, é praticamente ignorado. Os escândalos da deportação maciça de angolanos para S. Tomé foram denunciados tanto por estrangeiros como por portugueses. Por exemplo, Judice Biker, governador da Guiné publicou em 1903 um documento sobre os procedimentos sórdidos que levavam à caça de angolanos que iam de Benguela ao Novo Redondo para S. Tomé, eram contratos de cinco anos obrigatoriamente renovados. O autor dá informações sobre a industrialização, o investimento e o povoamento de todo este período fundamental, incluindo o Estado Novo.

Estamos agora no último capítulo, dedicado ao presente, volta-se a falar na nova mentalidade imperial, o III Império, os problemas raciais e o modo como eram contornados, o sistema administrativo, a cristianização feita por missões católicas e protestantes, a natureza do ensino. E assim chegámos à matéria escaldante que tornou este livro matéria proscrita. O desenvolvimento económico de Angola e Moçambique é ameaçado pelo surto nacionalista e pela evidência de que o Congo não ia ficar indiferente aos nacionalistas angolanos. O autor desvela todos os acontecimentos de 1961, os atos de barbárie praticados de parte a parte, concluía que a UPA era o movimento mais influente, muito mais influente que o MPLA. A política colonial portuguesa perdia apoios e o mais grave era a hostilidade clara da administração Kennedy. O discurso do Estado Novo endurece, entre 20 a 25 mil militares são mandados para Angola. O regime de Salazar avisa que a defesa da civilização ocidental está em jogo e brande o fantasma do comunismo. Salazar vai estabelecendo gradualmente alianças com a África do Sul e com os governos de minoria branca. Dá sinais de liberalização, abolindo legislação que se aproximava do trabalho forçado, estabelece a inspeção do trabalho no Ultramar, é abolido o trabalho compulsivo nas zonas algodoeiras. Por fim é abolido do regime do indigenato, teoricamente todos os angolanos e moçambicanos têm os mesmíssimos direitos que os metropolitanos. E assim se põe termo ao livro, lembrando que está tudo em aberto com os acontecimentos do Katanga, com a efervescência das Rodésias e a vitalidade dos movimentos nacionalistas na região.

Trata-se de um livro que despertou estrangeiros e nacionais para o amplo fenómeno da presença portuguesa em África, era o primeiro pano de fundo de uma história com centenas de anos e factos enevoados pela mística imperial.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19771: Notas de leitura (1176): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (5) (Mário Beja Santos)