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sábado, 14 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26264: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (50): A velha fortaleza do Cacheu, com os seus inúteis canhões de bronze, e o triste Diogo Gomes lá aprisionado, a ver o pintor de canoas nhomincas...

Foto nº 13


Foto nº 14A


Foto nº 14

Foto nº 15

Foto nº 16A


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 17A


Foto nº 2 

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 e 5 de dezembro de 2024 >  

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Aqui vai o resto das fotos da  última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (*)...

Legendas:

Foto nº 13 > Ele, o Diogo Gomes, lá dentro, fechado, a assistir às pinturas das canoa nhomincas 

Foto nº 14 >   Os canhóes apontados para o rio

Foto nº 15 > O portrão da fortaleza

Foto nº 16 > Lateral oeste da fortaleza

Foto nº 17 > Igreja de Cacheu (ou de Nossa Senhora da Natividade)  

Foto nº 2 > Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu

Sobre a foto nº 17, o fotógrafo escreveu, já com data de 8 do corrente:


"Hoje está a decorrer a peregrinação anual entre Canchugo e Cacheu.

"A peregrinação é a pé. Normalmente, é nesta altura de Dezembro, com o tempo frio, em que alguns milhares de pessoas percorrem a estrada durante a noite, onde o capim tem cerca três metros de altura e o cheiro da palha anima os corações dos fiéis crentes. As pessoas, durante a maior parte do tempo vão a cantar cânticos religiosos. No percurso passam em cima da ponte metálica antes do Bachil, e da mítica floresta de Cobina [ou Caboiana, segundo a nossa antiga carta militar de 1953],  local onde os Manjacos fazem as cerimónias ao irã ."


Igreja do Cacheu. Fonte: HIPP

2. Comentário do edit0r LG:

Sobre esta igreja, lê-se no portal HIPP - Património de Influência Portuguesa, este apontamento de Manuel Teixeira:

"Historicamente, constitui a primeira igreja portuguesa erigida na costa ocidental africana, padroeira da urbe. Em 1680 ruiu, devido a uma inundação do Rio Cacheu, sendo mandada reconstruir pouco depois pelo bispo de Cabo Verde, D. António de São Dionísio. Encontra‐se hoje relativamente bem preservada".



Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




(...) "Edificado à beira‐rio, em 1641‐1647, é de pequena dimensão, consistindo num quadrado de cerca de vinte metros de lado, defendido nos cantos por pequenos bastiões, e uma muralha com quatro ou cinco metros de altura. 

"Em 1822 há notícia da sua existência, com estrutura de paredes em adobe. 


Forte do Cacheu (séc. XVII).
 Fonte: HIPP
"Em 1988 foi assinado um protocolo de geminação com Viana do Castelo, que contribui para diversos melhoramentos da vila, nomeadamente a recuperação do forte e o restauro da Capela de Nossa Senhora da Natividade. Mais recentemente, por iniciativa da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e da Câmara Municipal de Lisboa, procedeu‐se a nova reabilitação do forte. A reabilitação incluiu o interior e as muralhas exteriores, danificadas pelo tempo e pelas correntes do Rio Cacheu, que em alguns pontos lhe corroeram os alicerces. 

"A zona adjacente ao forte é o local onde as autoridades da Guiné‐Bissau, após a independência, vieram depositar as estátuas ligadas ao período colonial. Estão há trinta anos no meio da vegetação, desmontadas, à beira do forte."



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25459: Notas de leitura (1686): O islamismo na Guiné Portuguesa, de José Júlio Gonçalves, edição de 1961 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
José Júlio Gonçalves escreve este ensaio dardejando um sem número de advertências quanto aos riscos da islamização na Guiné Portuguesa. Não houve trabalho de campo, é uma escrita oficinal de quem conhece bem as publicações do Centro Cultural da Guiné Portuguesa. Compreende-se, no entanto, como a obra se tornou incómoda logo a seguir à sua publicação, foram sobretudo as hostes muçulmanas quem deram maior apoio às forças portuguesas durante a luta armada, a natureza dos perigos que o autor julga estar a visionar diluiu-se completamente, nem o animismo definhou nem o cristianismo colapsou, pelo contrário, tornou-se no quadro das práticas religiosas a força mais atuante pela sua credibilidade no campo da saúde, da educação e até da cultura - veja-se o caso dos dicionários de crioulo e do estudo das lendas e tradições guineenses. Ironias que o pós-Império tece...

Um abraço do
Mário



O islamismo na Guiné Portuguesa, um olhar de há mais de 60 anos

Mário Beja Santos

A obra intitula-se O Islamismo na Guiné Portuguesa, de José Júlio Gonçalves, a edição é de 1961 e mal se começa a ler percebe-se logo como se tornou obra incómoda para a política do Estado Novo, é uma cartilha de doutrinação para fazer recuar o islamismo na Guiné, encontrando adeptos “civilizados” para lhe fazer frente na linha do catolicismo. É uma obra feita de leituras, embora o autor fale em ensaio sociomissionológico, não há trabalho de campo, baseia-se em doutrina alheia, leu atentamente o que se publicou no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e outros trabalhos alusivos à presença muçulmana na região subsariana. Identifica os métodos catequéticos islâmicos: as escolas corânicas, a pregação através das confrarias religiosas, as prédicas dos chefes religiosos, a identidade dada pela indumentária, o uso da rádio e da imprensa, o aproveitamento da quase completa ausência de missionários europeus, a exploração dos erros da administração europeia.

Falando da indumentária, tece os seguintes comentários:
“Como é que um pobre afro-negro não há-de sentir ganas de se desenraizar, mandar os filhos à mesquita e à escola e tornar-se membro de uma religião que lhe trará elevação social. São impressionantes estes negros atraídos pelo prestígio do balandrau. É vê-los acorrer aos povoados através dos matagais limítrofes; quando se aproximam da povoação aperaltam-se cuidadosamente. Depois entram com solenidade, falsamente aprumados! Lembram algum tanto o ingénuo camponês europeu, quando vai à cidade!”

Adverte quem o lê para os perigos da rádio, a difusão do credo de Mafoma é feita pela rádio Cairo, no fundo estas mensagens acicatam para o nacionalismo, para combater o branco, aguardar a libertação… Estes agentes difusores do Islão infiltram-se através de países fortemente islamizados; e há um inteligente aproveitamento das rivalidades entre os missionários católicos e protestantes; deplora, em linguagem cuidada, a colonização feita por gente iletrada, a sua incapacidade para promover a ocidentalização dos negros-africanos; e, quanto aos erros da administração, elenca a discriminação racial, a manutenção de alguns chefes muçulmanos tendenciosos e a preferência pelos islamizados para servir nas forças públicas.

Procura contextualizar como se tem processado a islamização dos guineenses, faz um enquadramento histórico através do reino de Gana, o império Mandinga e os impérios Songoi e dá seguidamente a relação dos grupos étnicos diferenciados para depois os enquadrar em animistas, animistas ligeiramente islamizados, bastante ou quase completamente islamizados, mostra as resistências dos preponderantes grupos animistas, desde os Felupes aos Bijagós. Temos igualmente um relance sobre a presença do catolicismo a ao papel positivo desempenhado pelos franciscanos a partir de 1932. Diz claramente que não se tem prestado a devida atenção aos problemas religiosos da Guiné Portuguesa, que a presença cabo-verdiana tem sido mal utilizada, eles deviam ser os elementos difusores da cultura portuguesa e do catolicismo. Acha que se devia recorrer a missionários católicos com conhecimentos médicos e outros de idêntica utilidade para os guineenses. Citando Rogado Quintino, acha que é necessário estabelecer um cordão de missões católicas ao longo da linha que separa nitidamente os muçulmanos e os animistas. E não deixa de relevar que cristianizar deve significar aportuguesar. Há para ele um grave perigo com as missões protestantes. A missão que existia ao tempo era anglo-americana, dispondo de amplos fundos e observa que promove uma verdadeira assimilação tecnológica que não se traduz num aportuguesamento. Suspeita dos mouros, vagabundos e comerciantes ambulatórios que percorrem a Guiné Portuguesa, o rosário numa mão, o livro sagrado na outra, infundem respeito e temor, criando em seu proveito uma auréola de prestigiosa admiração. E pior que tudo, mostram-se inimigos irredutíveis da evolução dos guineenses no sentido ocidental.

Discorre com alguma minúcia sobre a ação missionários dos marabus, mouros, jilas, tchernos, almamis, arafãs, entre outros, o papel das confrarias, o trabalho catequético de Fulas e Mandingas, como se desenvolve o seu proselitismo, quando necessário o uso da força, como o Corão influencia as culturas tradicionais, intrometendo-se no próprio direito. É profundamente crítico sobre a influência muçulmana nas artes plásticas guineenses: “O Corão desempenhou um papel preponderante no aviltamento das atividades plásticas dos guineenses, proibiu a representação da figura humana na escultura, até de animais, a escultura é meramente decorativa. Talvez este seja um dos mais evidentes motivos por que a pujante escultura de certos grupos étnicos ditos animistas esmaeceu e só em certos pontos inóspitos ou nas faixas litorálicas e dos arquipélagos costeiros se manteve um pouco mais ao abrigo da forte e operante influência mourisca”. No fundo, as grandes exceções às proibições muçulmanas ainda eram as esculturas Bijagó e Nalu. Mas mesmo assim, observa o autor, a escultura dos Nalus estava em regressão devido à influência dos Fulas e dos Sossos islamizados.

Um tanto fora do contexto, mas sempre com o ar de quem alerta e aconselha os próceres da política ultramarina, lembra os países independentes à volta da Guiné, os apelos do Gana à subversão das elites e das massas da Guiné Portuguesa, enfim, era preciso estar muito atento às provocações e à agitação que estes países independentes iriam suscitar no futuro.

Em jeito de conclusão, parece ao autor que o animismo corre o risco de desaparecer mais cedo ou mais tarde sobre o impacto do Islão; se não houver oposição do cristianismo, o islamismo irá absorver a quase totalidade dos guineenses; impõe-se, pois, ao cristianismo a premência de aumentar a sua ação catequética junto dos animistas. E há delicados problemas políticos, que aparecem aqui enquadrados um tanto paradoxalmente, já que no ensaio não se fez outra coisa do que mostrar os perigos do islamismo na Guiné e agora vem dizer-se que esta corrente pró-muçulmanos colabora amplamente com a administração portuguesa e que o fenómeno independentista não tem tradições na Guiné, não passa de uma inovação de cultura francesa e anglo-saxónica. E como para atenuar o caudal de advertências quanto aos perigos presentes e futuros, parece finalizar com frases tranquilizadoras, dizendo que “O movimento pró-português é, pode dizer-se, desde o século XV, o movimento tradicional das tribos da Guiné Portuguesa que desejaríamos não ver perturbado.”

O rol de contradições que se seguiu à publicação deste ensaio terá contribuído para o relegar às estantes, tais e tantos eram os incómodos que ele poderia suscitar num templo em que as forças islâmicas foram inegavelmente os grandes sustentáculos à luta contra o PAIGC.


Natural de Pampilhosa da Serra, José Júlio Gonçalves nasceu a 19 de janeiro de 1929. Esteve ligado, em 1984, à elaboração da moção da Nova Esperança (de um grupo de figuras do PSD, com Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes e Durão Barroso), de alternativa ao grupo de Pinto Balsemão e Mota Amaral. Fez parte do grupo de professores que saíram em divergências com a Universidade Livre e de cuja iniciativa partiu, em 1986 a criação da Universidade Moderna, da qual foi nomeado reitor, tendo sido vogal da Direção no triénio 1991-1993 e Presidente da Direção, no triénio 1997-1999.
Muçulmanos guineenses na reza do Tabaski
Uma mesquita em Bissau
_____________

Nota do editor

Último post da série de 28 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25454: Notas de leitura (1686): Timor Leste, que já foi lugar de desterro e encarceramento (Luís Graça)

domingo, 22 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24780: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII: assalto, da 1ª CCmds Afriicanos, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor, ao irã da Caboiana, em outubro de 1972

 

Guiné > s/l > s/d [c. 1973/74] > Da esquerda para a direita, o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes, e maj inf 'cmd' Raul Folques: o primeiro foi supervisor do BCCmds da Guiné, e o segundo o seu último comandante (entre 28 de julho de 1973 a 30 de abril de 1974). O BCCmds da Guiné integrava, além das 1Ç, 2ª e 3ª CCmds Africanas, a a 35ª CCmds e a 38ª CCmds. Foto dublicada no livro do Amadu Djaló, na pág. 240 (não se indicando a sua origem, presumimos que seja do álbum do Virgínio Briote).
 

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor.



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII:

A 1ª CCmds na mata de Caboiana, em outubro de 1972, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor (pp. 239-242)


A nossa 1ª CCmds, comandada pelo tenente Jamanca, recebeu a missão de ir à Caboiana. Havia informações sobre a chegada de mais pessoal do PAIGC, vindo do norte, incluindo cubanos. Acompanhava-nos, como supervisor[1], o capitão Matos Gomes.

Depois de termos passado a noite na mata, saímos cedo do local. Estávamos no fim da colheita de arroz e estávamos a progredir num campo de lavra, cautelosamente, quando subitamente ouvimos duas rajadas curtas, à frente da coluna. O meu grupo fechava a companhia.

Primeiro ficámos amarrados ao chão, depois eu e o meu guarda-costas chegámo-nos à frente, junto do capitão Matos Gomes. Nessa altura, o alferes Sada Candé vinha na nossa direcção, com uma arma na mão e a dizer:
 
− Matei-o! 

− Aonde ?  − perguntei. 

− Debaixo daquela palmeira − respondeu. 

Dirigi-me com todos os cuidados para lá e encontrei um guerrilheiro com a perna partida e os ossos à mostra.

Pouco passava das 15h00 e o Jamanca, depois de falar com o capitão Matos Gomes, pediu a evacuação do ferido do PAIGC.

Quando se estava a fazer a evacuação, caiu uma chuva de morteiros na zona do helicóptero, que atingiu o local onde estávamos e todos os oficiais, menos o capitão Matos Gomes[2] e alguns estilhaços furaram o helicóptero[3]. Ficámos numa situação complicada.

O 1º sargento Braima Baldé, que era o mais antigo, ficou a comandar a companhia. Fizemos novo pedido de evacuação, mas antes de chegarem os helis, a zona de onde estavam a sair as morteiradas foi bombardeada pelos Fiat[4]. 

A evacuação não foi fácil, mas conseguiram levantar rumo a Bissau. Entretanto já era muito tarde para continuarmos a andar, tínhamos perdido muito tempo. O céu estava coberto de nuvens escuras, os relâmpagos e os trovões começaram a surgir, uns atrás dos outros, não estávamos com muita sorte com o tempo, ou então estávamos, nunca se sabe.

A chuva veio de uma vez, caiu toda durante uns minutos, depois parou. Achámos melhor permanecer naquele local da mata[5], até de manhã.

De manhã muito cedo reiniciámos a marcha, com o grupo do Braima à frente, o capitão Matos Gomes[6] no meio e o meu atrás. Caminhámos até às dez horas, mais ou menos, quando vimos um carreiro muito utilizado.

Braima virou à esquerda. Eu estava no grupo da retaguarda e, quando cheguei ao tal carreiro, virei á esquerda também. Tirei a minha carta do bolso, e, sempre a andar, comecei a observar o mapa. Pareceu-me que devíamos ter voltado à direita.

Dirigi-me ao Capitão Matos Gomes.

− Meu capitão, é por aqui?

−  É o Braima que vai à frente! 

Mandou fazer um alto e seguimos os dois ao encontro do Braima.

−É por aqui?  
− perguntou o capitão.

− É por aqui!   
−  espondeu o Braima.

− Não é por aqui, é para o lado contrário 
−  respondi eu.

Ao capitão também lhe parecia que era para a 
direita[7] . Então, voltámos para trás e, a partir deste momento, eu e o capitão passámos para a frente, em direcção ao objectivo.

Progredimos sem qualquer problema, até ouvirmos uns rebentamentos, que nos obrigaram a abrandar a marcha, mas continuámos rumo ao objectivo, a tal mata das cerimónias, o Irã da Caboiana.

Entrámos por um lado e saímos pelo outro. Lá dentro, vimos centenas de garrafas vazias, algumas mesmo muito antigas. Naquele local faziam-se cerimónias, desde muito antes de nós nascermos[8].

A avioneta apareceu e o capitão[9] transmitiu por rádio que a missão estava cumprida e que estávamos dentro do objectivo. Da avioneta pediram para estendermos uma tela para nos localizarem. Então, o coronel Rafael Durão, que era o comandante do CAOP, mandou-nos afastar do local e que procurássemos uma zona para sermos recolhidos. 

Andámos sempre, junto a um rio, que era um afluente da margem esquerda do Cacheu, até que nos afastámos para um local onde fomos recuperados.
____________

Notas do autor ou do editor literário, VB

[1] Nota do editor: as Companhias de Comandos da Guiné tinham um supervisor, um capitão Comando europeu.

[2] Nota do editor: o capitão Matos Gomes, embora atingido na boca, assumiu o comando, dado o facto do tenente Jamanca se encontrar mais incapacitado.

[3] Nota do editor: o helicóptero foi atingido na fuselagem.

[4] Nota do editor: Fiats G.91, que bombardearam e metralharam, muito próximo das forças portuguesas, com grande precisão.

[5] Mata da Cobiana, uma zona húmida entre bolanhas, constituída por palmeiras e árvores de grande porte e tendo por baixo mata densa.

[6] O que restava de um grupo, cerca de 20 homens.

[7] Nós vínhamos a descer a Caboiana, de Norte para Sul., mais ou menos pelo meio. Para a esquerda ficava a bolanha. O Irã da Caboiana, que era o que procurávamos, deveria situar-se no centro, para a direita, era um palpite.

[8] Era o Irã da Caboiana, um dos mais importantes, se não o mais importante da Guiné. Irã é um local onde adoram ídolos, dos que não acreditam em nenhum deus. Eles não adoram Deus, adoram deuses.

[9] Nota do editor: este relato do Amadu Djaló fala da progressão para Sul pelo centro da Caboiana, no primeiro dia. Como ele refere, capturaram um guerrilheiro ferido, e chamaram um heli para o evacuar. E quando estavam a proceder à evacuação, foram atacados violentamente. O  heli foi atingido, os feridos, entre os quais o Jamanca, saltaram para dentro dele, juntamente com a enfermeira paraquedista, mas o aparelho conseguiu levantar, em esforço e às abanadelas, em direcção a Canchungo. Apesar de ferido na boca, sem gravidade, o capitão Matos Gomes assumiu o comando das operações.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI: Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole, Op Esmeralda Negra, 13-16 fev 1973

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22726: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte VIII: A lenda da canoa papel (...ou a maldição da pátria de Cabral)




A lenda da canoa papel: 
 ilustrações do   pintor guineense Lemos Djata (pp. 55 e 57): Lemos Mamadjã Hipólito Djatá, de seu nome completo,  conquistou a Medalha de Ouro para a Guiné-Bissau em Paris, França, numa exposição coletiva organizada pela “Associação da Amizade e das Artes Galego Portuguesa”, que decorreu na capital francesa entre os dias 5, 6 e 7 de Outubro 2018, na sala de exposições do "Carrousel du Louvre". 

Nascido em Bafatá, em 1981, filho de Hipólito Djata e de Mariama Foli Baldé. é licenciado em Línguas Estrangeiras Aplicadas, pela  Universidade de Évora. Só em 2000 é que descobre o seu talento artístico. É pintor e escultor.


1. Transcrição das págs. 55-57 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5


A lenda da canoa papel  
(pp. 55/57)


Segundo reza a lenda transmitida oralmente pelos papéis, quando os portugueses chegaram à Guiné, os contactos que estabeleceram com os papéis da ilha de Bissau foram amigáveis e estes até lhes cederam um terreno para se poderem instalar e negociar. 
Podem ficar com este terreno  disse o Rei Insinhate (31). 

Nesse terreno está hoje o Forte da Amura, mas naquele tempo era um antigo curral, o que serviu para os papéis se divertirem, fazendo troça dos novos moradores. 

Com o tempo, o poder dos portugueses foi crescendo, e começaram a exercer o seu domínio sobre todas as terras circundantes (32). Os papéis ficaram revoltados, porque os estrangeiros diziam que agora era tudo deles, e decidiram partir para a guerra. 
– Os estrangeiros querem roubar o nosso chão, querem cobrar impostos, temos que os expulsar! – diziam os papéis. 

Travaram-se muitas batalhas, mas nelas os papéis perceberam que nunca conseguiriam vencer pelas armas o inimigo. Então os papéis recorreram aos espíritos para os expulsarem, e dirigiram-se aos baloberos (33),  pedindo auxílio. 

Os baloberos responderam: 
–Podemos lançar uma maldição, que irá lançar a infelicidade nas terras da Guiné, e os estrangeiros ir-se-ão embora. 

Mas acrescentaram: 
– Cuidado, porque não haverá mais paz nem prosperidade na Guiné, enquanto os estrangeiros não se forem embora e não for feita uma cerimónia para acabar com esta maldição. Será tanta a desgraça, que ninguém aqui quererá viver, mas vocês têm que aguentar o sacrifício, se querem a vossa terra de volta.
– Nós aguentamos, façam a cerimónia para expulsar os estrangeiros  responderam os papéis. 

Foi feita uma canoa em madeira, e os baloberos, reunidos em cerimónia, invocaram todos os espíritos malignos, fazendo-os entrar na canoa. A seguir enterraram a mesma. Na altura a canoa foi enterrada no mato, mas nesse mesmo local foi mais tarde construído o palácio do Governador, sendo presentemente o palácio da Presidência da República. O local preciso onde a canoa foi enterrada, foi mesmo em frente do Palácio, no local onde está o monumento aos heróis. 

Depois da cerimónia do enterro da canoa, os baloberos lembraram mais uma vez: 
– Quando os estrangeiros se forem embora, esta canoa tem que ser desenterrada, e feita uma cerimónia para acabar com esta maldição, senão nunca mais haverá paz e felicidade na Guiné, por isso os pais têm que passar estas palavras para os seus filhos. Não se podem esquecer de fazer a cerimónia! 

Os baloberos ainda acrescentaram: 
– Esta canoa anda debaixo de terra. O poder dos espíritos é muito forte, ele faz a canoa mover-se debaixo da terra espalhando o mal por todo o lado. Só nós conseguiremos saber onde ela está. 

Quando Portugal reconheceu a independência da Guiné-Bissau, e retirou as suas tropas, os papéis correram a chamar os baloberos, pois chegara a hora de desenterrar a canoa, mas os baloberos disseram: 
- Os estrangeiros ainda não foram todos embora, o Presidente da Guiné-Bissau é Luís Cabral, um estrangeiro, um cabo-verdiano. 

A 14 de Novembro de 1980, o Presidente Luís Cabral é derrubado por um golpe de Estado encabeçado, pelo mítico comandante militar do PAIGC, o papel João Bernardo Vieira, mais conhecido pelo seu nome de guerra 'Nino' Vieira.

 'Nino' Vieira suspende a Constituição e fica a liderar o país à frente do Conselho Militar da Revolução, com nove membros. Os papéis rejubilaram, a canoa tinha expulsado os portugueses dando-lhes a independência, e agora expulsava os cabo-verdianos; todos os estrangeiros tinham sido afastados, e agora era um papel que detinha o poder. 

Tinha chegado a hora de desenterrar a canoa e anular a maldição, e os papéis correram novamente pedindo a intervenção dos baloberos. Poucos dias depois os papéis reuniram-se no centro de Bissau, na Praça A Lenda a Canoa Papel /  'Che' Guevara, pois era ali que os baloberos diziam que estava a mítica canoa. 

Juntou-se uma multidão à volta da praça, e asfalto, cimento, tudo foi arrancado, sendo aberto um buraco enorme em forma de canoa, mas para desespero dos papéis nenhuma canoa apareceu. 

Os papéis, desiludidos com os baloberos, esqueceram a canoa e deixaram de contar esta história aos seus filhos. O Presidente 'Nino' Vieira seria assassinado a 2 de Março de 2009. Perdida e esquecida, será que a canoa papel continua a navegar debaixo do chão, espalhando a sua maldição? 

Esta é lenda da canoa papel.
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Notas de Carlos Fortunato:

(31) Insinhate – O rei Insinhate deu autorização para construção de uma fortaleza e vendeu o chão para a sua construção, conforme documento celebrado a 2 de Janeiro de 1697, do livro “A Guiné do século XVII ao século XIX”, pag.76.

(32) Ocupação da Guiné  Portugal, à semelhança das restantes potências europeias, decide impor a sua soberania às suas possessões, pois sem uma ocupação real corre o risco de perder os seus territórios em África, é uma intervenção de difícil realização para Portugal face aos
poucos recursos de que dispõe, e que exige alianças locais, capacidade de comando e muita coragem.

A divisão da África pelas diferentes potências tem o seu ponto alto na Conferência de Berlim (1884-1885), e leva a uma maior intervenção das potências europeias nas suas colónias. Os papéis nunca aceitarão o domínio estrangeiro, e os seus ataques serão frequentes, infringindo várias derrotas ao exército colonial. Apenas com a derrota imposta a 20 de Julho de 1915 por Teixeira Pinto, Portugal consegue o domínio total sobre a ilha de Bissau (História
da Guiné II - René Pélissier, pag. 176).

(33) Baloberos é a designação dada em crioulo aos sacerdotes animistas que realizam cerimónias nos locais sagrados, as balobas. Cada balobero  coloca o seu pote com água na baloba, junto ao poilão sagrado, para receber os poderes do mesmo e a poder usar nas cerimónias que realiza. (**)

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

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Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo


Guiné-Bissau > Bissau >  2004 > Festa do Tabaski (ou do carneiro) (em árabe, Aïd el- Kebir ou Aïd el-Adha) > O nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé com os seus 4 filhos...  A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental)  é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, em 2015, foi a 24 de setembro.

"Segundo o Islamismo, o filho herdeiro de Abraão foi Ismael e não Isaac. Esta festa é a comemoração do Livramento, do filho de Abraão que foi substituído por um cordeiro no momento exato em que seu pai iria sacrificá-lo, em obediência ao Senhor. Esta providência divina livrando (segundo o Islão) a Ismael, pai da nação árabe e antepassado do profeta, é lembrada anualmente por todo o povo muçulmano, como a Festa do Sacrifício ou a Festa do Cordeiro." (Fonte: Ordidja)

Foto: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legenda: LG]



Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela primeira vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, antiga aluna do nosso editor Luís Graça e amiga do nosso grã-tabanqueiro João Graça... Nesta foto temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a escassos 10 km de Bafatá, na estrada Bafatá-Gabu. É a terra do nosso grã-tabanqueiro Mamadu Baio, ator e músico. (*)

Foto: © Catarina Meireles (2010). Todos os direitos reservados[Edição e legenda: LG]


1. Mensagem, de 29 do corrente, do nosso amigo  Cherno Baldé em resposta a um pedido do nosso editor ("Eh!, Cherno Baldé, aí em Bissau, bom dia!... Como se diz 'Feliz Natal'  na tua língua, em fula ?") (**)

Bom dia, amigo Luis! Que a paz esteja contigo e que tenhas um feliz Natal junto a familia.

Na minha lingua materna (Pullar), não existe a expressão "feliz Natal" porque o Natal é uma invenção recente, histórica e religiosamente falando, pois fosse mais antigo seria aceite e incorporado nas festividades religiosas muçulmanas porque o Profeta Mohamed sempre se via como o Profeta da continuidade das duas grandes religiões monoteistas anteriores e não enveredou pela ruptura, mesmo se os 'Surats' chamados de Medina são muito críticos em relação aos Cristãos e sobretudo aos Judeus que a habitavam e que estavam relutantes em o reconhecer como verdadeiro profeta e acima de tudo unificador.

Mas, ser Guineense significa, de uma certa forma, situar-se um pouco no meio das duas religiões e sobretudo solidarizar-se com os irmãos das outras confissões o que, penso eu,  representa uma particularidade específica da Guiné-Bissau, país onde a maioria muçulmana nunca esteve em confronto com a minoria cristã e onde os adeptos das religioes monoteístas nunca estiveram muito afastados das práticas e cultos animistas.

Esta convivência pacífica, em parte, é uma herançaa e resultou da prática colonial que ao mesmo tempo que promovia a religião cristã no seio dos povos do litoral animista e anti-colonial, era obrigada a colaborar com os muçulmanos por força da sua moderação e aliança no seio do "pacto colonial".

Já deixei os meus contactos para um possível encontro com o João Martel e a Ana Maria Gala [, voluntários na Missão da Cumura].

Para si e a todos os editores, assim como todos os restantes Régulos, Almamis, Conselheiros e Djargas da Tabanca Grande os meus votos de um bom e excelente novo ano, cheio de prosperidade, saúde e longa vida.

Um abraço amigo de muita saudade desde Bissau (Guiné-Bissau).
Cherno A. Baldé, Chico de Fajonquito

PS - Sobre o que disse antes, queria acrescentar o facto amplamente conhecido de que o venerando Cherno Rachid de Quebo (Aldeia Formosa) era um dos mais bem escutados Conselheiros do gen Spínola durante todo o período que esteve na Guiné como Governador e Com-Chefe da Provincia e, certamente os dois se terão influenciado mutuamente, facto que vem reforcar a tese da convivência pacífica.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

 (**) Último poste da série > 1 de agosto de 2015 >  Guiné 63/74 - P14956: Relativamente ao desaparecimento do Alferes Leite, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância (Cherno Baldé)

sábado, 9 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11222: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (5): Balantas, mandingas e mansoancas


Foto s/nº - "A morte da árvore"... [Parece ser um poilão sagrado, centenário...]


Foto s/ nº - "Bajudas"... [transportando lenha à cabeça]


Foto s/ nº - "Depois da pesca"... [Mukheres, balantas, que regressam do Rio Mansoa]


Foto s/ nº - "Tabanca 2"


Foto s/ nº - "O pilão"


Foto s/ nº - "Alimentar o almoço" ... [Neste caso, os bacorinhos]



Foto s/ nº - "Transporte do rancho"... [Que ternura de foto!]


Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1972/1974 > BCAÇ 4612 (1972/74) >  Legenda do Jorge Canhão:


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso amigo e camarada Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).

Estas fotos, relativas a Mansoa,  chegaram-nos às mãos através de outro grã-tabanqueiro, o Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria. Os nossos especiais agradecimentos aos dois, e muito em especial ao nosso camarada Jorge Canhão, a quem desejamos boa continuação da sua recuperação de um recente problema de saúde.

Não sabemos quem é o autor (ou quem são aos autores) das fotos,,,  Estas fotos constam de um CD, do Agostinho Gaspar, estão sob um ficheiro com a seguinte designação: Jorge Canhão > Vários Batalhão.

Principais grupos humanos do setor (excertos da Históira do BCAÇ 4162, Mansoa, 1972/74, Cap II, pp. 8-11



quarta-feira, 11 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9732: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (35): O Irã animista e o Djinné muçulmano

1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, com data de 5 de Abril de 2012:

Caro Luis e Carlos Vinhal,
Num comentário ao mais recente Post da minha série de memórias de infancia, o Luis Graça, com a perspicácia que lhe é caracteristico, perguntou-me se, por acaso, havia alguma relação entre o velho Irã dos Poilões sagrados e o Djinné dos muçulmanos.
Nunca tinha pensado no assunto e na tentativa de refletir e encontrar as (des)semelhanças acabei compilando o texto que agora vos envio para vossa apreciação. É um texto de pura curiosidade e criatividade pessoal sem qualquer pretensão de carter sociológico ou etnológico.

Um abraço amigo aos dois e cumprimentos aos demais editores e colaboradores da TG.
Cherno Baldé


Viagem pelas maravilhas da minha terra

O Irã animista e o Djinné muçulmano

Entre o temível e poderoso Irã dos povos animistas das florestas do sul e o Djinné, vizinho ciumento, atrevido e folgazão dos muçulmanos da região Sahelo-Sahariana, coexistem algumas similitudes da mesma forma que se podem observar grandes diferenças, dependendo do ponto de vista de quem observa de fora.


O Irã - onde vive e como se manifesta?

Entre os chamados animistas, o Irã desempenha, por meio de cerimónias, rituais próprios e canais de comunicação específicos, uma importante função reguladora da vida social, económica e politica das comunidades que animam a sua existência, formando um tronco comum cuja base se assenta no culto dos mortos e se reproduz através de mitos fundadores, à volta dos quais se constroem os pilares (a cosmogonia) das sociedades tribais e se processa a ligação essencial entre o mundo visível (dos vivos) e o mundo invisível, ou seja, dos que tendo partido para o além, ainda continuam a influenciar a vida quotidiana dos vivos por meio de sinais e de linguagens que apenas os iniciados, pessoas consagradas, os Djambakôs, podem entender e decifrar.

Falar do Irã é falar da vida que, por sua vez, nos faz retornar a terra, a mãe que gera a vida e que é, ao mesmo tempo, o centro, o umbigo do mundo onde convivem e interagem dois mundos que se afrontam e se completam. A trinómica ligação entre as dimensões: Irã-vida-terra, é tão importante para o funcionamento do culto tradicional como é essencial a manutenção da eterna e fundamental ligação entre o mundo dos vivos e o dos mortos, entre as ideias, a magia e a religião dos homens.

Os Djambakôs, sacerdotes por excelência e intermediários da comunicação entre dois mundos, não usam artefactos alógenos. Os seus pés nus devem estar em contato com a terra, devem ser puros na sua conduta moral e espiritual e fazer uso de uma linguagem simples e genuína.

O Irã pode viver em qualquer sítio porque dotado de poderes e invisível ao olho humano, mas o seu habitat privilegiado são os poilões gigantes de base piramidal e altura imponente das florestas tropicais. Quanto a questão sobre como se desloca e de que se alimenta, os povos animistas, envoltos ainda num espesso nevoeiro de tabus, medos e secretismos não fornecem muitos detalhes a esse respeito, no entanto, sabe-se que a sua característica principal continua a ser o manto sagrado (manifestação do sagrado). O Irã, a imagem e semelhança dos seus seguidores é, acima de tudo, comedido e discreto, sendo também, por acréscimo, nacionalista acérrimo e incansável defensor dos usos e costumes tradicionais.

Local de culto animista

Quanto as cores que usa, no seu dia-a-dia, o Irã tem uma certa preferência pelas cores garridas, em especial a cor vermelha e a rosa, símbolos da vida, da fertilidade e da regeneração natural.

O Irã possui um carácter forte e afoito, tal qual o grau de álcool da sua bebida de eleição, a aguardente. Todavia, não é contra as bebidas mais finas, pois adora o vinho do Porto e não desdenha o uísque ou o conhaque Escocês. Não dispensa, ainda, a água simples e pura, bebedouro das almas penadas. O Irã é, também, um ser profundamente social, com famílias grandes e ruidosas sendo muito exigente quando se trata de zelar pela segurança dos seus bens e a integridade dos membros da sua família, em especial dos filhos.

Divertido, às vezes, sem nunca sair do sério, o Irã é justo nas sentenças que aplica e implacável nas suas represálias. Não esquece uma promessa dada, que pode passar dos avós aos seus bisnetos, de geração em geração, sem mudar a sua essência. As regras que impõe são para cumprir a risca (...)


Djinnégi – vizinhos, admirados e odiados

Quanto ao Djinné dos muçulmanos, qual um rei (Irã) destronado do seu trono de culto, trata-se de um ser ambivalente, dessacralizado, com características que variam entre o ser humano e o ser diabólico, mas sobretudo ele é um ser extraordinário que em certas ocasiões é dotado de super-poderes e noutras não passa de um ser velhaco e oportunista que não hesita em trocar suas pernas tortas e moles com as de uma pobre criança desprotegida.

O Djinné, vizinho admirado e odiado ao mesmo tempo, serve de bode expiatório para justificar as fraquezas do muçulmano assim como todas as frustrações da vida no mundo estreito, obscuro e adverso em que se tenta impor, malgrado a sua crença num Deus Único e Omnisciente. Não estando autorizado a tirar a vida dos homens, uma dádiva de criação divina, ele é, frequentemente, culpado de estar na origem da paralisia infantil e da doença dos pés moles, dos maus-olhados e dos ventos quentes, maléficos das regiões tropicais.

Por vezes tido como profundamente religioso e praticante assíduo, cuja devoção não é valorizada por Deus, Senhor da terra e dos céus, na justa medida da sua dedicação, outras vezes é tido como um alcoólatra incorrigível que estimula a desordem e o caos e atormenta os espíritos mais fracos.

O Djinné, também, habita na natureza, com morada nas grandes árvores, em particular nas mais frondosas e saborosas, a Tabay e a Tambarina. Como as pessoas, em relação aos quais sente inveja e tem ciúmes devidos a benevolência que Deus lhes concedeu em seu detrimento, há Djinnés de todos os tipos e para todos os gostos: homens e mulheres, velhos e jovens, bons e maus. O seu meio de locomoção preferido são os nossos vulgares remoinhos de vento que acompanham o período quente da quaresma tropical.

Regeneração natural > Flor e fruto da bananeira

Assim, os remoinhos concentrados e longilíneos que circundam a aldeia dirigindo-se, calmamente, as bolanhas, junto as nascentes de água, são os mais velhos que vão matar a sede. Os mais novos, quando se deslocam não resistem a tentação de entrar nas aldeias, devastando casas e campos de lavoura, pondo em prática, pelo seu comportamento odioso, as ideias conspiratórias tecidas pelos mais velhos nas conversas de bentém, a sombra das árvores tambarinas e tabay.

Para seu azar, não tem seguidores nem servidores e os seus detratores são numerosos. Às vezes, pondo de parte o terrível ódio da vizinhança, beneficia um ou outro humano, mais perseverante, com a sorte de uma resplandecente e rápida riqueza, mas apesar disso, é ele que carrega a totalidade do fardo da responsabilidade sobre os malefícios humanos na terra.

O Djinné, estando intimamente associado a revelação de fenómenos raros e não controlados pelos humanos, como a riqueza ou o azar que nos invadem sem bater a porta, ele também é considerado um artista e músico de dotes excepcionais. Isto é tão certo que a música que o homem consegue (re)criar para alegrar a sua alma, leviana por natureza, não passa de uma péssima réplica da original e coreográfica Djinnegi ópera.

Mulheres grandes regressando a casa depois do dever cumprido

Por favor Senhor... atende que é uma urgência

Ter a sorte e o dom de assistir à cena de uma concentração desses seres em festa de consagração é o maior espetáculo a que um humano pode ter na sua curta e miserável vida. Mas, como sempre acontece, esta possibilidade, sendo muitíssimo rara, não está isenta de perigos. No mundo fantástico dos Djinnés o riso é um atributo completamente desconhecido e a melodia excepcional saída dos seus instrumentos musicais únicos é acompanhada de uma grotesca e hilariante dança de pés coxos. Assim, aos humanos que foi dado assistir e que não conseguem resistir a tentação do riso são sancionados com a perda imediata das suas pernas a favor daqueles demónios, passando a ornamentar o corpo disforme de um Djinné afortunado, que se vê assim liberto da sua maldita condição, imposta dos Céus, a sua vil, diabólica e Djinnégi raça:

Ao infeliz humano que assim se vê privado dos privilegiados meios de locomoção que Deus, por amor e a sua imagem lhe concedeu, no princípio dos tempos, restará olhar para o céu coberto de nuvens sombrias e marcadas pela fugaz passagem da chuva que demorou a chegar e entoar a cantilena da sua triste sorte nascida no rápido deslize de um (sor)riso humano:

- Nâgghel Nâgghel fêthtu-ferééé!... Ndúunda wyôô kanh-wawymma!!! (1)

É esta a melodia que sai das flautas nómadas dos pastores fulanis e se espalha infinitamente longe no deserto, levada pelo vento e pela brisa quente do Sahara. Cantilena de esperança num mundo em rápida transformação, caminhando firme nos trilhos secos das suas manadas de bovinos, rumo ao sol nascente.

Se é verdadeiro ou falso, desconheço. É esta a mensagem e o ensinamento que nos transmitiram em prolongadas noites de luar africano. A palavra ao seu dono. Quem falou já não está aqui. Enquanto uns vão outros regressam. O fio da vida se tem princípio não tem fim. Tenham boa noite e bons sonhos.

Bissau, Abril de 2012.
Cherno Abdulai Baldé

Notas de Cherno Baldé:
- Djinné - Singular
- Djinnégi - Plural

(1) - “Sol, oh sol amigo, mande a tua luz, intensa, pois as trevas dizem que são mais fortes que tu!!!
Canção de crianças pastores após a passagem das chuvas. Apelo as forças da natureza.

Consulta bibliográfica:
1. Tratado da história das religiões, Edições ASA. 1992 e 1994 de Mircea Eliade.
2. Antropologia: Ciência das sociedades primitivas? De J. Copans, S. Tornay, M. Godelier e C. Backes-Clément. Perspectivas do homem, Edições 70, 1988.

Fotos: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9671: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (34): Cherno Fanca, aliás Cherno Comando, aliás Cherno Amadu...As peripécias de um jovem fula nos labirintos da guerra colonial