Fotcocópia da capa da brochura Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d.
Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Direitos reservados.
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Todavia, na Guiné trava-se uma guerra revolucionária, escreve Spínola em O Problema da Guiné, em que as duas partes em presença têm um mesmo objectivo: a conquista das populações. Para isso, não basta a G-3, é necessário conjugar a manobra militar com a promoção sócio-económica e a acção psico-social. (1)
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Por uma Guiné Melhor:
- Organizar a população, junto aos aquartelamentos, para a furtar ao controle do IN.
- Incrementar o sistema de auto-defesa.
- Desenvolver a acção psicológica, apostando na africanização da guerra.
No Vietnam chamaram-se aldeias estratégicas (2), na Guiné fez-se o reordenamento (3)... As razões para isso estão abaixo explanadas num documento do Com-Chefe, a que tivemos acesso através de um exemplar do arquivo do nosso camarada António Pimentel.
A. Marques Lopes.
Editor: vb.
Reprodução do documento:
INTRODUÇÃO (p. 1)
1. O problema de fundo de toda a manobra de contra-subversão é a conquista das populações. Na Guiné os argumentos sob os quais o PAIGC construiu a sua máquina subversiva e os objectivos que se propõe atingir, estão sendo anulados ou apropriados pela política prosseguida pelo Governo da Província, que se baseia no desenvolvimento sócio-económico da população em tempo útil.
A estagnação sócio-económica que se verificou no passado facilitou a tarefa inicial do PAIGC em ordem à mobilização subversiva. Contudo não foi ainda e não é a curto prazo possível no partido de Amílcar Cabral concretizar os programas de fomento que propagandeia, por não ter ainda a adesão da esmagadora maioria da população e por não ter estruturas e quadros que os ponha em prática, em tempo.
Por outro lado, em relação ao Governo da Província este esforço de fomento, no campo da manobra contra-subversiva, apresenta alguns aspectos favoráveis ao êxito:
- Reduzidas dimensões do território da Guiné, permitindo a rápida deslocação e que, com meios pouco vultuosos e dentro das possibilidades da Nação se desenvolva a manobra contra-subversiva pelo fomento.
- O baixo nível de vida dos países limítrofes possibilitando que uma sensível melhoria, provoque um contraste notável.
Como atrás foi dito, a conquista das populações pelo desenvolvimento sócio-económico, terá de fazer-se em tempo útil, “rapidamente e em força”, provocando o desiquilíbrio das populações indecisas e mesmo das controladas pelo IN, a favor da Causa portuguesa. As populações da Guiné apresentam-se extremamente receptivas e sensíveis às realizações que se traduzam numa melhoria visível da situação da Província. Assim, a necessidade de aproveitar todos os meios disponíveis e a colaboração a que as Forças Armadas são chamadas a prestar.
2. Os reordenamentos são um meio de promoção, mesmo quando impostos pela evolução da manobra militar do IN. O desenvolvimento sócio-económico através deles, alcançar-se-á mais facilmente pela:
-Concentração populacional em menores espaços, permitindo auferir maiores benefícios colectivos.
-Maior economia de meios humanos e técnicos.
-O controle mais eficaz e adequado das populações, subtraindo-as à acção subversiva e impedindo qualquer ajuda que, eventualmente, pudessem dar ao IN.
-A defesa mais fácil, pela concentração, possibilitando a auto-defesa, a existência de destacamentos militares ou a integração do agregado em planos mais vastos de defesa.
PANORAMA DOS PRINCIPAIS GRUPOS ÉTNICOS (p. 2-3)
1. Podemos considerar que existem dois grandes grupos humanos na Guiné: islamizados e animistas. No primeiro grupo incluiremos os Fulas, Mandingas, Beafadas, Saracolés, Sossos e Panjadincas e no segundo, Balantas, Manjacos, Papeis, Felupes, Baiotes, Brames, Banhua e Bijagós.
Existem, no entanto, pequenos núcleos híbridos, formados por etnias que utilizam práticas animistas e islâmicas e são, geralmente, sub-grupos em vias de se islamizarem. O factor religioso condiciona todo um comportamento social feito de usos, costumes e tradições ligadas às práticas religiosas. Assim, existem dentro de cada um dos sub-grupos elementos de afinidade e repulsão, como existem também, e mais vincadamente, entre os islamizados e os animistas. Interessará conhecer os principais elementos de cada grupo e, ainda, de algumas etnias principais, tomadas como padrão.
ISLAMIZADOS
- forte sentimento tribal
- quase fanatismo religioso
- apreço pelo gado bovino
- fidelidade tradicional às autoridades
- respeito pela hierarquia religiosa
- dependência jurídica do Alcorão
- culto da hospitalidade
- espírito guerreiro
- desejo de cultura, assistência social e melhoria de vida
ANIMISTAS
- sentimento tribal menos intenso
- sentimento religioso normal
- preconceito racial (em relação aos islamizados)
- apego à família e à terra
- espírito guerreiro
- espírito de vingança
- desejo de cultura, assistência social e melhoria de vida
- coesão familiar
- respeito pela vida da mulher
- desejo de justiça
Entre os islamizados existem também afinidades e repulsões, elementos que os caracterizam e que são suficientemente fortes para os opor e, simultaneamente, os unir. Usando como exemplo duas etnias islamizadas, as mais representativas quantitativa e qualitativamente, vamos verificar essas motivações.
FULAS
- Ódio ao mandinga
- Apreço e dependência do gado bovino [ilegível]
MANDINGAS
- Ódio ao Fula
- Apreço de gado bovino só para fins [ilegível]
As afinidades entre os animistas são talvez mais flagrantes, visto que as religiões são diversificadas e não existe uma unidade sob o ponto de vista religioso que, como já se disse, condiciona o seu comportamento social. No entanto, existe similitude de práticas religiosas, o respeito pelos espíritos dos mortos e pelos símbolos que os representam (os Irãs), o respeito e aceitação espontânea e indiscutível das interpretações dos guardas de Irã que constituem uma espécie de sacerdotes do animismo.
Das etnias tomadas como exemplo, os Balantas e os Manjacos constituem as principais dentro do grupo animista. Os Balantas têm uma população de 150.000 habitantes e a totalidade do grupo constitue dois terços da população guineense. Os Felupes, sendo uma minoria étnica é, sem dúvida, extraordináriamente característica por ser uma das mais primitivas e, ainda, a mais antiga que se conhece como originária do território guineense.
BALANTAS
- culto do roubo como prática social
- resistência à cultura europeia
- desrespeito pelas hierarquias verticais
- interesse material pela família
- resistência ao cristianismo e islamismo
MANJACOS
- aversão ao roubo
- desejo de toda a cultura
- respeito pelas hierarquias verticais
- interesse relativo pela família
- resistência ao cristianismo e islamismo
FELUPES
- não aceitação do roubo
- resistência à cultura europeia
- respeito pelas hierarquias verticais
- interesse pela família (influência da mulher)
- permeabilidade ao cristianismo
Existindo dentro de cada um dos grupos humanos- Islamizados e Animistas- motivações tão flagrantes, é lógico que entre ambos essas motivações aumentem, já que são duas sociedades distintas em presença, cada uma das quais mantendo em relação à outra uma certa animosidade. A compreensão dessas motivações, facilitará esta visão geral do mosaico étnico- religioso e humano- da Guiné Portuguesa.
ISLAMIZADOS
- monoteístas
- forte sentimento religioso
- dependência jurídica do Alcorão
ANIMISTAS
- diferentes concepções da divindade
- relativo sentimento religioso
- independência jurídica de fórmulas religiosas
(Continua)
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Notas do co-editor vb:
(1) Vd. post de 6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II
(2) The Strategic Hamlet Program foi um plano dos governos do Vietame do Sul e dos Estados Unidos da América durante a guerra do Vietname para combater a insurreição comunista, que incluía a transferência de populações.
(3) Consultas:
(i) Segundo a directiva 49, de 16/10/1968, do Comando Chefe das F. A. da Guiné, a Divisão de Organização e Defesa das Populações ficou encarregada do estudo, impulsionamento, coordenação e fiscalização do reordenamento, pelo recenseamento e pelo enquadramento e defesa das populações.
(ii) Segundo o Relatório de Comando, 1971, do Comando-Chefe das F. A. da Guiné, em Dezembro de 1971, estavam registadas 46 tabancas organizadas em auto-defesa.
1 comentário:
... ao co-editor Virgínio António Briote:
– Spínola não inventou os "Reords", antes re-aplicou na Guiné o que anteriormente já o major Hélio Felgas ali havia posto em prática (cerca de 3/4 anos antes);
– a "guerra do Vietnam", pelos vistos, continua a ser – erradamente – termo de comparação para quem esteve na Guiné;
– mais remotamente, foram os romanos quem iniciou por regiões várias a táctica militar da colonização por recurso ao que, modernamente, se passou a chamar «aldeamentos estratégicos»; e em meados do séc.XIX foi o general francês Bigeaud quem, na Argélia, reformulou na prática tal conceito, retomado em 1955-59 naquele mesmo território através do "Plano Challe", com objectivo de conter o alastramento de actos terroristas por parte da FLN;
– Em Portugal, a responsabilidade pelo estabelecimento de doutrina castrense nesse sentido, coube ao então ministro do Exército, na sequência do 1º relatório da missão militar que pouco antes havia concluído em Arzew (na Argélia), um estágio de contra-insurreição. Daí, o CIOE; e, também daí, a origem da instrução ministrada a "tropas" de Operações Especiais" e aos "Comandos", como aliás muito bem sabe o editor Briote, ao qual peço que releve quaisquer imprecisões minhas nesta breve resenha, tanto mais escrita directamente para esta "janela"...
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