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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24548: Antologia (97): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: O caso da ajuda ao PAIGC – Parte VIII


Em representação das Nações Unidas nas zonas detidas pelo PAIGC: Folke Löfgren com alunos da escola de mato Areolino Lopes Cruz, na base de Cubucaré, consultando o livro escolar O Nosso Livro, impresso na Suécia, Uppsala, abril de 1972 (Foto gentilmente cedida por Folke Löfgren) (Fonte: 
Tor Sellström, op-. cit. 2008, pág. 167)


1. Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro, de 290 páginas, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

Nessa publicação ele conta-nos como é que os chamados "Grupos de África" (organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral, e nomeadamente contra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, no final dos anos 60. 

O território, então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, era na altura praticamente desconhecido do público sueco.

A partir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária" substancial, primeiro em géneros, depois em dinheiro, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. Em meados dessa década, fechou abruptamente a torneira, ao perceber que estava a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo.

"As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Sáo factos que já pertencem ao domínio da História. Mas, passados estes anos todos, julgamos que ainda pode ter algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia, mesmo que indireto, na "nossa" guerra colonial.

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAI (mais tarde, PAIGC); (ii) a batalha do Como em 1964: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil  habitantes (!) por parte do PAIGC; (iv) as escolas, os hospitais e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) a morte de Amílcar Cabral e o seu contexto, etc.

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que são úteis do ponto de vista documental e até têm informação relevante  mas são extremamente fastidiosas para  a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos um ou outro erro de português. Os excertos, que reproduzimos,  seguem o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.


Disponível em
https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar).  
Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. 

Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem, quase em exclusivo,  da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau (Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes (numa população de pouco mais de meio milhão)... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Os suecos quiseram, na sua ajuda "não-militar", privilegiar os sectores da educação e a saúde. onde o PAIGC estava confrontado com "enormes desafios". O pressuposto era de que,  em 1971, calculava-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, (...) na sua maioria artesãos e camponeses (sic) (Parte VI, pp. 154-157. Uma estimativa, disparatada, que fazia parte do arsernal de  propaganda do PAIGC...

Uma das maiores "mistificações" foi a entrega de 100 toneladas de "sardinhas" (ou arenques juvenis)  sob a forma de cerca de 400 mil latas de conservas, de 225 gr cada uma (peso líquido), e que terão sido profusamente distribuídas pelas "zonas libertas" (sic) até chegarem a Bissau... (O nosso amigo Cherno Baldé disse-nos que chegou a provar essas tais "sardinhas", e não lhe sabiam a nada...) (Parte VII, pp. 157-161). 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VIII:

Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 


Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)


A cooperação com o PAIGC da Guiné-Bissau dominou a ajuda oficial sueca aos movimentos de libertação africanos durante a primeira metade dos anos setenta. Começando a um nível relativamente alto (131), a ajuda em bens aumentou de forma sustentada ao longo dos anos e, apesar das diferenças culturais e das circunstâncias, em geral difíceis, baseou-se em confiança mútua entre as partes e foi aplicada de forma satisfatória tanto para os doadores como para os beneficiários da ajuda. 

A experiência da cooperação com o PAIGC serviu como exemplo positivo para a ajuda humanitária posteriormente dada aos movimentos de libertação da África Austral.

O facto de o secretário geral do PAIGC se ter empenhado, pessoal e profundamente na concepção, aplicação e seguimento da ajuda oficial facilitou as operações de cooperação (132), como é natural.

Também ajudou o facto de, antes de se iniciar o relacionamento, o PAIGC ter já um
representante residente na Suécia, que participou activamente no debate, e com quem a ASDI teve consultas frequentes. Onésimo Silveira foi, contudo, destituído em novembro de 1972 (133) e apenas dois meses depois, a 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado (134).

Nessa altura, a cooperação com o PAIGC estava já firmemente enraizada. O assassinato de Cabral não provocou uma crise aberta no movimento de libertação, que fizesse com que o governo sueco tivesse de suspender a ajuda, como aconteceu aquando do assassinato do presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, em Fevereiro de 1969.

Tanto o sucessor de Cabral no cargo de secretário-geral (Aristides Pereira), como o seu irmão Luís Cabral, que viria a ser eleito presidente da Guiné-Bissau independente, tinham trabalhado desde o início, de forma estreita, com a ASDI e, a seguir ao assassinato, ficaram com os seus contactos junto da agência de ajuda (135). A ASDI retomou as remessas de ajuda para Conacri logo em meados de Fevereiro de 1973 (136).

A morte de Cabral teve um profundo impacto na Suécia (137). Descrito como o ”mais profundo, do ponto de vista teórico, dos líderes nacionalistas da África portuguesa” (138), tinha capacidades extraordinárias para conseguir apoios para o PAIGC num espectro político vasto, da esquerda não-parlamentar ao Partido Liberal. 

Ao longo do tempo aproximou- se muito da liderança social-democrata, à volta da pessoa do primeiro ministro Olofe Palme, mas tinha relações calorosas com a ASDI e com o movimento de solidariedade.

Dizendo que ”a ideologia era, acima de tudo, saber o que se pretendia nas circunstâncias particulares em que se estava”(139), as suas ideias seriam, contudo, muitas vezes citadas, mas também distorcidas, em prol de determinadas posições políticas.

Os Grupos de África consideravam Cabral como ”um dos mais destacados líderes revolucionários dos nossos tempos” e a luta do PAIGC como ”um dos pregos no caixão do imperialismo” (140). 

O movimento de solidariedade e a esquerda sueca eram, em geral, muito críticos da ajuda humanitária dada pelo governo social-democrata (no espírito da conferência de Cartum de 1969, onde se exigiu apoio incondicional em dinheiro e a tomada de uma posição clara a favor da luta armada do PAIGC) (141). Ao mesmo tempo, o próprio Cabral era o arquiteto principal do programa de ajuda em géneros.

Recebendo armas da União Soviética e seus aliados, ele tinha desde o princípio excluído o cenário da ajuda militar sueca, criando em vez disso um programa de cooperação civil que, nos finais dos anos sessenta, mais país nenhum dava. 

Tal como o próprio Amílcar Cabral havia previsto, a ajuda humanitária sueca acabou por aumentar o apoio internacional concedido ao PAIGC e abrir o caminho para a disponibilização de ajudas semelhantes por parte de outros países ocidentais, como foi o caso da Noruega, um membro da OTAN que, em 1972 desafiou a causa comum dessa organização com Portugal e criou uma dissidência muito significativa, sob a forma de ajuda oficial directa ao PAIGC (142).

A Suécia e a União Soviética eram os maiores doadores do PAIGC (143). Enquanto a Suécia privilegiava a componente civil, os soviéticos eram os principais municiadores da luta no  campo militar (144).

Havia uma divisão não coordenada, mas não menos real, de facto, entre os dois estados o que foi, em larga escala, copiado para os movimentos de libertaçãoda África Austral (145).  

O facto de, aos olhos dos Estados Unidos e de outros grandes estados ocidentais, a Suécia ser vista como estando a partilhar uma causa com o bloco comunista, não desencorajou o parlamento nem o governo suecos de fornecer ajuda não militar (146).

No início da década de setenta a maior crítica que se fazia ao governo social- democrata (tanto por parte da oposição não-socialista do Partido Liberal, como pelo movimento de solidariedade) tinha a ver com as relações comerciais que a Suécia mantinha com Portugal, seu parceiro na EFTA, pois dizia-se que aumentar a ajuda humanitária oficial ao PAIGC e seu aliados da CONCP e, ao mesmo tempo, aumentar o comércio com a potência colonial portuguesa era altamente imoral e contraditório (147). 

Para os Grupos de África este facto constituía a prova de que o governo ”protegia os interesses dos imperialistas suecos” (148). O escritor e activista Göran Palm que, depois de uma visita às zonas libertadas da Guiné-Bissau, nos finais de 1969, escrevera entusiasticamente que fora recebido ”como um príncipe” por causa da ajuda sueca (149),  concluía em 1971 que ”a Suécia dá com a mão esquerda social-democrata, mas tira com a mão direita, capitalista” (150).

As conclusões de Palm foram apresentadas no prefácio de um livro de textos em sueco, escrito por Amílcar Cabral, e publicado com o título A nossa luta, a Vossa luta. O título foi retirado de um discurso feito em 1964, no qual Cabral declarava que o Imperialismo era o inimigo comum da classe operária internacional e dos movimentos de libertação nacionais. Daí que devesse ser combatido numa ”luta comum” (151).  O discurso de Cabral, incluído na antologia Guerrilha (152), de Anders Ehnmark, foi muito citado pelo movimento anti-imperialista sueco.

Numa conferência em Estocolmo em que participaram os Grupo de África de Arvika, Gotemburgo, Estocolmo e Uppsala, que se auto-proclamavam ”grupos de trabalho anti-imperialistas” (153) e que definiram como um dos seus principais objectivos ”estudar e combater o imperialismo, especialmente o da Suécia em África” (154), foi adoptada uma directriz, em jneiro de 1971 ”para a actividade dos grupos” (155). 

Terminada conferência, os grupos enviaram cartas para os gabinetes da FRELIMO, do MPLA e do PAIGC, informando-os de que o trabalho do movimento de solidariedade se baseava ”no princípio formulado pelo camarada Amílcar Cabral”, nomeadamente que "a melhor forma de provar a vossa solidariedade é lutar contra o imperialismo nos vossos países,ou seja, na Europa. Enviar-nos medicamentos é positivo, mas secundário" (156).

Independentemente das suas posições quanto ao imperialismo, era difícil afirmar, pelo menos no caso da Suécia, que os líderes do PAIGC, da FRELIMO e do MPLA tenham ficado muito estimulados por, no início de 1971, terem sido informados da aplicação de uma declaração geral feita em 1964 e que se aplicava a uma situação concreta, existente nesse primeiro momento (157).  É além disso improvável que considerassem a ajuda humanitária como algo secundário, ou que vissem de todo a Suécia como um país imperialista (158).

O líder citado do PAIGC participara activamente na ajuda sueca. Cabral tinha também uma enorme abertura de espírito face ao relacionamento entre a Suécia e Portugal. Durante a sua primeira visita, realizada nos finais de 1968, declarou, segundo narra Pierre Schori, que Portugal não devia ser excluído da EFTA, pois isso significaria ”que o país poderia agir com ainda mais à-vontade” (159). 

 Como consta das notas de uma reunião entre o representante das Nações Unidas, Sverker Åström,  e Cabral, realizada em fevereiro de 1970, este último deixou clara a sua opinião, dizendo "perceber perfeitamente que a filiação de Portugal na EFTA impunha certos limites à Suécia, mas que queria destacar que não gostaria, de forma alguma, de recomendar uma interrupção das relações comerciais entre a Suécia e Portugal, corte esse que sabia ser exigido por certos núcleos radicais de jovens na Suécia" (160).

Uma vez que encabeçava uma luta de libertação que estava a correr bem e tendo a intenção de manter e desenvolver relacionamentos internacionais depois da independência da Guiné-Bissau, a diplomacia conduzida por Cabral caracterizava-se por um realismo pragmático

De acordo com o académico guineense Carlos Lopes, o seu principal mote condutor era ”a nossa ideologia é o nacionalismo, obter a nossa independência, e obtê-la de uma forma absoluta, e fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance usando as nossas próprias forças, embora cooperando com todos os outros povos para conseguir desenvolver o nosso país” (161). 

Esta posição não só contrasta com a interpretação ideológica do conceito de luta nacionalista feita pelo movimento de solidariedade sueco, como levou Cabral, nessa altura, a retirar algum destaque a várias iniciativas, levadas a cabo na cena internacional, em prol do PAIGC. 

Isso mesmo fica claramente demonstrado antes da Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1972 quando, por deferência estratégica para com a Suécia e os outros países nórdicos, recusou a possibilidade que lhe foi dada de se dirigir ao pleno da assembleia, como primeiro representante de um movimento de libertação.

O pano de fundo para essa recusa foi o seguinte: O Comité das Nações Unidas para a Descolonização (162) (também chamado Grupo dos 24) organizou uma visita única de apuramento de factos à Guiné em abril de 1972 ”com o objectivo de desmistificar as afirmações portuguesas segundo as quais não existiam quaisquer zonas libertadas e dar legitimidade aos movimentos africanos de libertação” (163).

 A delegação era composta por três jovens diplomatas das Nações Unidas, um dos quais (de nome Folke Löfgren, o primeiro secretário da missão permanente em Nova Iorque) representava a Suécia (164),  país que, na altura, era o único membro ocidental do Comité para a Descolonização (165). 

Uma vez que o governo sueco tinha alargado bilateralmente, e de forma considerável, a ajuda humanitária ao PAIGC, a iniciativa foi seguida com todo o interesse pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo. 

Organizada ”de forma clandestina” (166), a missão das Nações Unidas provocou indignação em Portugal (167).  Durante a visita, os portugueses intensificaram os bombardeamentos aéreos e a actividade militar em geral contra as zonas libertadas. Löfgren diria depois que ”fomos ingénuos, ao ponto de não acreditar que Portugal poderia tratar as Nações Unidas desta forma” (168).

As Nações Unidas ficaram ”impressionadas com o entusiasmo e a cooperação abnegada que o PAIGC recebe das populações nas zonas libertadas e o grau de participação dessa mesma população na maquinaria administrativa criada pelo movimento de libertação” (169), concluindo que o PAIGC não apenas controlava militarmente, mas governava de facto os territórios libertados. 

Löfgren teve oportunidade de registar in loco que a ajuda humanitária sueca (nomeadamente em termos de material escolar, mormente na forma do livro escolar O Nosso Livro) chegava às populações no interior do país (170). 

Em geral,a missão confirmou o apoio popular de que gozava o PAIGC nas zonas visitadas, tendo recomendado o reconhecimento da declaração planeada de independência da Guiné-Bissau (171). 

 Com base nas suas conclusões, o Comité das Nações Unidas para a Descolonização aprovou, numa reunião em Conacri a 10 de abril de 1972, na qual participou Amílcar Cabral, uma resolução, em que reconhecia o PAIGC "como o único e autêntico representante do território da Guiné-Bissau, solicitando a todos os estados e agências especializadas, bem como outras organizações do sistema das Nações Unidas, que tomassem esse facto em consideração ao tratar de questões que se relacionassem com a Guiné-Bissau e Cabo Verde" (172).

Tratou-se de um grande êxito politico e diplomático para o PAIGC e, de uma forma mais geral, de ”um enorme avanço em termos da compreensão internacional para a maior legitimidade dos movimentos africanos de libertação junto das Nações Unidas”.173 

Com base no relatório da missão (**), o Comité das Nações Unidas para a Descolonização pôde então instar ao reconhecimento dos movimentos de libertação enquanto observadores, e não apenas como peticionários (174).

Ainda mais importante do que isso foi que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, foi possível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse directamente à Assembleia Geral das Nações Unidas, honra essa que teria cabido a Amílcar Cabral mas que, devido às reservas da Suécia e dos países nórdicos, não se veio a verificar. Numa entrevista datada de 1995, o presidente do Comité de Descolonização das Nações Unidas, Salim Ahmed Salim da Tanzânia, relembra:

"Amílcar Cabral veio a Nova Iorque e nós tentámos que ele falasse na Assembleia Geral dasNações Unidas. Nessa época era inconcebível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse à Assembleia Geral, mas nós dispúnhamos dos apoios necessários para tal. 

"Contudo, os países nórdicos tinham reservas. Lembro-me do embaixador da Suécia e os outros embaixadores nórdicos me dizerem: ”Olhe que não estamos satisfeitos com isto. Em termos legais, teremos problemas se representantes dos movimentos de libertação se dirigirem à Assembleia Geral. É algo sem precedentes e que vai provocar imensos problemas.”(175). 

"Fui então ter com Amílcar Cabral e disse-lhe: ”Sr. Secretário Geral, se quiser dirigir-se à Assembleia Geral, nós dispomos de votos para tal. Temos o apoio necessário dos países africanos e asiáticos, bem como de um conjunto de países sul-americanos. Mas quero que saiba que os países nórdicos estão muito descontentes com isso. O que fazemos?” Cabral então disse: ”Olhe, os países nórdicos são nossos amigos. Ajudaram-nos nas alturas mais difíceis e não queremos criar-lhes dificuldades. Não me dirigirei à Assembleia Geral”.

"Havia imenso respeito pela posição dos países nórdicos. Nem se punha a possibilidade de duvidar da sua integridade ou da sua sinceridade relativamente aos movimentos de libertação. Se qualquer outro país ou conjunto de países tivesse dito que não, nós teríamos trazido a questão ao conhecimento da Assembleia Geral e recebido os votos necessários. [...] Nós sabíamos que a posição dos países nórdicos era de apoiar os movimentos de libertação de uma forma prática.

"Essa era, também, a única maneira de entender a posição de Cabral, pois ele era um desses visionários, um gigante entre as pessoas, que não hesita. Ele mostrou o respeito que nutria pelos países nórdicos e, como é óbvio, esse respeito foi partilhado por aqueles que o apoiavam e que apoiavam a luta (176).

__________

Notas do autor:

131. A primeira dotação ao PAIGC em 1969–70 foi de 1 milhão de coroas suecas. O primeiro donativo à SWAPO da Namíbia, concedido em 1970–71, foi de 30.000 coroas suecas e a ajuda regular ao ANC da África do Sul foi de 150.000 coroas suecas em 1972–73.

132. Amílcar Cabral opunha-se firmemente à ideia de receber ajuda oficial sueca via o Comité de Libertação da OUA (Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972) (MFA). 

As relações diretas e bilaterais não só aumentaram a influência do movimento de libertação sobre o programa de apoio, mas fortaleceram também a posição do mesmo na cena internacional. Deve-se acrescentar a isto as limitações administrativas da OUA. Todos os movimentos de libertação da África Austral apoiados pela Suécia partilhavam do ponto de vista de Cabral neste aspeto. 

No caso do Zimbabué, o antigo vice-secretário das Finanças da ZANU, Didymus Mutasa, explicaria depois: ”Nós sentimos muito o peso da burocracia que reinava no seio da OUA. Eles diziam que tínhamos de esperar pela cimeira dos chefes de estado que, depois de reunir, ainda iria demorava muito tempo a decidir se era ou não necessário que avançássemos com a luta de libertação. Entretanto, nós ficávamos sentados ao sol, à espera e na esperança de que chegasse ajuda. Daí que tenhamos pensado porque não haveríamos de receber o dinheiro directamente” (Entrevista com Didymus Mutasa, p. 218). Cf. Ansprenger op. cit.

133. De acordo com Aristides Pereira, que visitou Estocolmo no início de janeiro de 1973, o afastamento de Silveira foi uma ”medida disciplinar”, motivada pelo facto deste se ter recusado a viajar para a Guiné, para debates com o PAIGC. Contudo, o movimento estava ”muito satisfeito com o trabalho feito por Silveira na Suécia” (Anders Möllander: Memorando (”Minnesanteckningar från besök 1973 01 02 av Aristides Pereira, PAIGC”/”Notas davisita de 1973 01 02 de Aristides Pereira, PAIGC”), Estocolmo, 4 de janeiro de 1973) (SDA). 

O novo representante do PAIGC, Gil Fernandes, foi apresentado por carta de Aristides Pereira pouco tempo depois (Carta de Aristides Pereira à ASDI, Conacri, 11 de janeiro de 1973) (SDA). Fez a sua primeira visita à ASDI em meados de fevereiro de 1973, na companhia de Fernando Cabral, irmão do líder do PAIGC recentemente assassinado (Carta (”Svensktvarubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI a Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973) (SDA). 

Em resumo, quanto à representação do PAIGC na Suécia, não houve grandes quebras no relacionamento. Silveira veio depois a trabalhar para as Nações Unidas em vários países africanos. Em novembro de 1998 formou um novo partido político, o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) em Cabo Verde, seu país de origem.

134. O governo português sabia do plano do PAIGC de declarar a Guiné-Bissau independente em 1973, e receava que isso se traduzisse num aumento da pressão no sentido de se fazer a descolonização em Angola e Moçambique, e num desafio à sua autoridade em Portugal. 

O assassinato de Cabral resultou duma operação iniciada pela PIDE, que contou com a ajuda de um grupo de dissidentes do PAIGC. Cabral foi alvejado a tiro em pleno dia, em frente ao gabinete do PAIGC em Conacri, por um antigo comandante naval do PAIGC (ver Chabal op. cit., pp. 132–43).

135. Aristides Pereira foi confirmado como novo secretário geral e Luís Cabral como vice secretário geral, no congresso do PAIGC realizado no Boé (no leste da Guiné-Bissau) em julho de 1973.

136. Carta (”Svenskt varubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI para Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973 (SDA).

137. A memória de Cabral foi objecto de homenagem, entre outras, do primeiro ministro Palme, no parlamento (”Extracto do discurso de abertura do primeiro ministro, Olof Palme, no debate político na generalidade, Riksdag”, 31 de janeiro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Pollicy: 1973, Estocolmo, 1976, pp. 19–20). 

Palme tinha já enviado as suas condolências ao PAIGC e à viúva do secretário geral assassinado, caracterizando-o como ”um dos líderes mais proeminentes do Terceiro Mundo” (Telegrama do Ministro dos Negócios Estrangeiros à delegação sueca nas Nações Unidas em Nova Iorque, Estocolmo, 22 de Janeiro de 1973) (MFA).

Mostra das tensas relações entre o movimento de solidariedade e o governo nessa altura é a forma como os pêsames de Palme foram descritos pelos Grupos de África, ou seja, como ”uma desagradável tentativa de tirar partido do bom nome e da reputação do PAIGC, à escala mundial, num momento de dor” (Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 19, 1973, p. 9).

138. MacQueen op. cit., p. 21.

139. Carlos Lopes: Guinea Bissau: From Liberation Struggle to Independent Statehood, Westview Press, Boulder, Colorado and Zed Books, Londres e New Jersey, 1987, pp. 57–58.

 140. Södra Afrika Informationsbulletin, nº.  19, 1973, pp. 2 e 9.

141. Em janeiro de 1972, o presidente do Partido de Esquerda Comunista, C.H. Hermansson, apresentou uma moção ao parlamento, exigindo o ”fim do princípio de tutela para a ajuda humanitária aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas e a favor de um princípio de ajuda incondicional” (Parlamento sueco 1972: Moção nº. 57, Riksdagens Protokoll, 1972, p. 5).

Entrevistado em 1996, Hermansson explicou que ”na nossa opinião, os movimentos de libertação deveriam, por exemplo, ter a possibilidade de comprar armas (e tudo o que precisassem para a sua luta) com a ajuda sueca” (Entrevista com C.H. Hermansson, p. 291).

142. O governo norueguês decidiu, em março de 1972, atribuir um milhão de coroas norueguesas ao PAIGC. Essa ajuda foi aumentada para 1,5 milhões de coroas norueguesas em 1973.  Para mais informações sobre a Noruega e o PAIGC, consulte Tore Linné Eriksen: ”As origens de um relacionamento especial: Noruega e África Austral 1960– 1975” em Eriksen (ed.) op. cit., pp. 72–77. 

Antes de o governo finlandês tomar, em 1973, uma decisão de princípio em prol da ajuda directa aos movimentos de libertação africanos, Cabral fez uma visita a Helsínquia. Convidado por um comité ad-hoc, de um conjunto muito largo em termos de base de ONGs, presidido pelo futuro primeiro ministro social democrata Kalevi Sorsa, Cabral foi oficialmente recebido em outubro de 1971 pelo presidente Urho Kekkonen. Segundo Soiri e Peltola, Cabral ”foi o primeiro líder dos movimentos de libertação africanos a ser tratado como um estadista na Finlândia”. A visita ”foi um êxito e congregou, pela primeira vez, os partidos políticos finlandeses à volta da questão de acabar com o colonialismo em África” (Iina Soiri e Pekka Peltola: Finland and National Liberation in Southern Africa /”A Finlândia e a Libertação Nacional na África Austral”/, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala, 1999, pp. 51–52).

143. Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com nFolke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (SDA). A ASDI solicitou informação sobre outros doadores ao PAIGC e aos movimentos de libertação da África Austral. A informação era regularmente incluída nos documentos apresentados ao Comité Consultivo para Ajuda Humanitária.

144. Na fase final da guerra de libertação, a União Soviética forneceu ao PAIGC mísseis terra-ar, dando a supremacia, de forma decisiva, ao movimento de libertação. Os mísseis foram pela primeira vez usados em março de 1973, altura em que o PAIGC abateu dois caças-bombardeiros fornecidos pela República Federal da Alemanha. No ano que se seguiu, os portugueses perderam trinta e seis aviões (Rudebeck op. cit., pp. 52–53).

145. No caso da ZANU do Zimbabué, o principal fornecedor de armas era a República Popular da China.

146. Ver, por exemplo, as entrevistas com o antigo director geral da ASDI (1965–79) Ernst Michanek (p. 323) e com a antiga Ministra para a Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (1985–91) e dos Negócios Estrangeiros (1994–98) Lena Hjelm-Wallén (p. 293). Em 1998, Hjelm-Wallén foi nomeada vice primeiro ministro.

147. Esta perspectiva era também partilhada por importantes grupos dentro do Partido Social Democrata, no poder. Birgitta Dahl, por exemplo, levantou no parlamento sueco a questão da legislação contra investimentos em Portugal e nas suas colónias (”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma interpelação pela Sra. Dahl”, 10 de dezembrde 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo, 976, pp. 155–59).

148. AGIS op. cit., p. 194.

149. Göran Palm: ”Rapport från Guiné-Bissau”/”Relatório da Guiné-Bissau” sem indicação de local nem data (SDA).

150. Introdução por Göran Palm a Cabral (1971) op. cit., p. 25.

151. Cabral (1971) op. cit., p. 37.

152. Ehnmark (1968) op. cit., pp. 139–58.

153. ”Protokoll”/”Actas” (”Konferens mellan Afrikagrupperna i Sverige, 2–3 januari 1971”/”Conferência entre os Grupos de África na Suécia, 2–3 de janeiro de 1971”) sem indicação de local nem data (AGA).

154. Os Grupos de África na Suécia: ”Circular nº. 3”, sem indicação de local, 8 de abril de 1971 (AGA).

155. Ibid. Ver também Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 11, 1971, p. 2.

156. Carta (em francês) em nome dos Grupos de África de Arvika, Lund, Estocolmo e Uppsala, escrita por Dick Urban Vestbro e enviada à FRELIMO, ao MPLA e ao PAIGC, Estocolmo, 3 de janeiro de 1971 (AGA).

157. Pelo contrário, numa alocução conjunta com Göran Palm na Universidade de Uppsala, em novembro de 1968, Cabral disse: ”Não se limitem a manifestar-se. Façam também algo de concreto. [...] Enviem-nos medicamentos e outros bens de que necessitamos” (Upsala Nya Tidning, 28 de novembro de 1968). 

O primeiro pedido de ajuda sueca à luta de libertação nas colónias portuguesas em África foi feito por Marcelino dos Santos em nome do MPLA, em 1961. Centrava-se no pedido de medicamentos para os refugiados angolanos na região do Baixo Congo.

Apercebendo-se da reacção positiva do jornal Expressen, Cabral também pediu ao jornal liberal sueco que ajudasse a conseguir medicamentos.

158. Cf. as entrevistas com Lúcio Lara do MPLA (pp. 18–21) e Marcelino dos Santos da FRELIMO (pp. 47–52).

159. Citado em ”Portugals argumentnöd bevisar: Kolonialkrigen går dåligt!” (”A falta de argumentos de Portugal prova que as guerras coloniais não estão a correr bem!”), em Arbetet, 13 de dezembro de 1968.

160. Carta (”Samtal med Amílcar Cabral om läget i Portugisiska Guinea”/”Conversa com Amílcar Cabral sobre a situação da Guiné portuguesa”) de Sverker Åström para o Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 26 de fevereiro de 1970 (SDA).

161. Cabral citado em Lopes op. cit., p. 57.

162. Ou seja, o Comité Especial das Nações Unidas sobre a situação relacionada com a Aplicação da Declaração de concessão de independência aos países e povos coloniais, ou o Comité das Nações Unidas para o acompanhamento dos acontecimentos relativos à Declaração de Descolonização de 1960.

163. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. Na altura, Salim era o presidente do Comité das Nações Unidas para a Descolonização. Pessoa próxima dos movimentos africanos de libertação, foi depois nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros (1980–84) e primeiro ministro (1984–85) da Tanzânia. Em 1989, Salim foi eleito secretário geral da OUA.

164. A missão das Nações Unidas foi chefiada por Horacio Sevilla-Borja, do Equador. O terceiro membro era Kamel Belkhiria,  da Tunísia. Acompanhados por uma numerosa escolta militar do PAIGC, os três diplomatas fizeram-se acompanhar de uma secretária e de um fotógrafo. A visita realizou-se entre 2 e 8 de abril de 1972.(**)

165. Carte de Brita Åhman ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 7 de março de 1972 (MFA). A participação da Suécia no Comité das Nações Unidas para a Descolonização foi da maior importância, devido aos contactos que tinha e às políticas que desenvolvia com os movimentos africanos de libertação. 

Em abril de 1972, por exemplo, o representante sueco, Brita Åhman, participou nos debates deste comité com um total de quinze movimentos, em Conacri (Guiné), Lusaca (Zâmbia) e Addis Ababa (Etiópia). Num extenso relatório das ”audições”, enviado ao Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, fez uma avaliação das políticas e da força de cada um dos movimentos de libertação, dando uma orientação preciosa ao governo sueco (Brita Åhman: Memorando (”Kolonialkommitténs session i Afrika 1972”/”A sessão do Comité para a Descolonização em África, 1972”), Nova Iorque, 19 de junho de 1972) (MFA).

166. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

167. De forma notável, o embaixador sueco em Portugal, Karl Fredrik Almqvist, também repudiou a iniciativa

Enquanto o secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, felicitava os membros da missão pela visita difícil, mas bem-sucedida, Almqvist descrevia-a como ”uma violação da soberania de outro país”, dizendo que a missão tinha ”violado a legislação internacional” e que a participação da Suécia poderia prejudicar a ”boa-vontade internacional” para com a Suécia (Carta de Karl Fredrik Almqvist ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 14 de abril de 1972) (MFA).

168. Citado em Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de abril de 1972 (SDA).

169. Nações Unidas: ”Relatório da Missão Especial das Nações Unidas à Guiné-Bissau”, Reimpresso de Objective: Justice, Vol. 4, Nº 3, Nova Iorque, setembro de 1972, p. 12.

170. Johnny Flodman: ”Svensk FN-diplomat jagades av portugiser i Guinea” (”Diplomata sueco das Nações Unidas foi perseguido pelos portugueses na Guiné”), em Svenska Dagbladet, 17 de abril de 1972.

171. A missão visitou a Guiné-Bissau numa altura em que o PAIGC estava a conduzir os preparativos para as primeiras eleições nacionais no país, nas zonas libertadas. As eleições para os conselhos regionais realizaram-se em agosto de 1972. Os conselheiros elegeram, por sua vez, os membros de uma Assembleia Nacional.

172. Nações Unidas: Secretariat News, Vol. XXVII, nº. 10, Nova Iorque, 31 de maio de 1972, p. 9.

173. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

174. Ibid.

175. De acordo com a delegação sueca às Nações Unidas, foi transmitido a Cabral que ”a Suécia votaria, naturalmente, a favor na questão da sua proposta alocução perante a Assembleia Geral, mas [...] chamava a sua atenção para o facto de parecer evidente que a própria causa de Cabral não vir a sair beneficiada, se uma tal proposta der azo a divisões de opinião e a uma votação” (Telegrama da representação sueca nas Nações Unidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 24 de outubro de 1972) (MFA).

176. Entrevista com Salim Ahmed Salim, pp. 244–45.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

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Notas do editor:

16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte: capa + pp. 9-11.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia (VIII): "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

sábado, 16 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte: capa + pp. 9-11.


1. Terceira e última parte do relatório, de 11 (onze) páginas, policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). 

Trata-se de uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (*).

O documento de que publicamos agora  as três últimas páginas (9, 10 e 11)  parece corresponder à seguinte referência que encontramos na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:


BAC-051/2
CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p


A edição é atribuída ao PAIGC. Mas as partes traduzidas em (mau) português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia), os dois primeiros ainda vivos.

O António Graça de Abreu poderá explicar-nos a origem do documento. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos.   Os nossos leitores, e nomeadamente os que combatiam, nesta altura (abril de 1972), no TO da Guiné, têm direito a conhecer o documento. 

É o elementar direito à informação que nos era negada no tempo da ditadura: com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, deixar divulgar o o seu relatório, considerado como "propaganda inimiga".

Por outro lado, no início de abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber por "razões de segurança") desta "missão", a não ser um reduzido número de pessoas do "staff" da ONU, do PAIGC e do governo da Guiné-Conacri, para onde viajaram, desde Nova Iorque, em 28 de março de 1972, os cinco membros da Missão Especial. 

Pormenor curioso: o líder histórico do PAIGC não se jutou  com a Missão Especial na visita  às "áreas libertadas", fazendo as honras à casa, como em  princípio devia... Deixou essa incumbência à estrutura político-militar do PAIGC... Foi Aristides Pereira que deu as boas vindas à Missão Especial, no dia 1 de abril de 1972, no "quartel general do PAIGC"... em Conacri, tendo depois partido para o mato no dia seguinte (entrada no sul da Guiné-Bissau, por Boké-Kandiafara).

De resto,  no início de abril de 1972, os títulos de caixa alta do "Diário de Lisboa" era a escalada da guerra do Vietname", a ofensiva do vietcong e do Vietname do Norte contra o Vietname do Sul e a  os seus aliados dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca... 



Diário de Lisboa, 14 de abril de 1972 >  Pela primeira vez há uma referência à Missão Especial da Comissão de Descolonização da ONU e à sua visita ao território da Guiné-Bissau, de 2 a 8 de abril (pp. 1 e 24). A Missão Especial, de 5 elementos, afirmou que o PAIGC controlava efetivamente o território,  escreve o jornal.  Por sua vez, o delegado protuguês negou veementemente que: (i) o PAIGC controlava uma ou mais partes do território da Guiné;  (ii) que a Missão Especial  tenha entrado alguma vez no interior da Guiné.




Capas do "Diário de Lisboa", do mês de abril de1972... (Cortesia da Fundação Mário Soares >Casa Comum > Diário de Lisboa / Ruella Ramos)

Eis alguns dos títulos:

"Ofensiva em três frentes no Vietname do Sul" (segunda-feira, 3 de abril de1972)

"Vietname: avanço para Hué" (terça-feira, 4 de abril de 1972)

"Saigão apela para Nixon: a situação militar é muito critica"(quarta-feira, 5 de abril de 1972)

"A aviação americana está a bombardear o Vietname do Norte" (quinta-feira, 6 de abril de 1972)

"Hanói pede negociações secretas comKissinger" (sexta-feira, 7 de abril de 1972)

"Saigão é o alvo" (sábado, 8 de abril de 1972)

"O medo do ano 2000" (domingo, 9 de abril de 1972)

"A 100 km de Saigão: comneçou a batalhade An Loc" (segunda-feira, 10 de abril de 1972)

"Vietcong ao ataque em todas as frentes" (quarte-feira, 12 de abril de 1972)

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU (incluindo o fotógrafo Yutaka Nagata, de nacionalidade japonesa) (*),  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. 

Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido "200 quilómetros", de jipe (no território da Guiné-Conacri, até à fronteira) e depois a pé, tendo visitado "9 localidades diferentes", numa parte restrita da Região de Tombali: sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatos focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas, escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". 

Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje. Recorde-se que Balana e Gandembel tinham sido abandonados pelas NT, por ordem de Spínola, em janeiro de 1969.

(Continuação)

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sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19587: (D)o outro lado do combate (47): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte II: capa + pp. 4-8





1. Continuação da publicação, para conhecimento e análise crítica dos nossos leitores, do relatório, de 11 (onze) páginas,  policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). É uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (**)

O documento que agora estamos a publicar parece corresponder à seguinte referência  que encontramos  na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:

BAC-051/2

CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p

Portanto, a edição é atribuída ao PAIGC. É uma edição tosca, para não dizer mesmo, "pirata", do relatório da Missão Especial. Mas as partes traduzidas em português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia).

Não sabemos a origem do documento: o António Graça de Abreu poderá explicar-nos. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos. No tempo da ditadura, com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, ao seu relatório. 

Em abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber...) desta "missão". De resto, o medo dos portgueses era...  "a guerra do Vietname" e a iminente derrota militar dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca...

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU,  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido  200 quilómetros, quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes, numa parte restrita da Região de Tombali:  sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatas focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas,  escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. 

No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje.

Já agora ficam aqui os nomes e os cargos dos cinco elementos que compuseram a Missão:

(...) Mr. Horacio Sevilla-Borja, Deputy Permanent Representative of Ecuador to
the United Nations (Chairman)~

Mr. Folke Löfgren, First Secretary of the Permanent Mission of Sweden to the
United Nations

Mr. Kamel Belkhiria, First Secretary of the Permanent Mission of Tunisia to
the United Nations

The Special Mission was accompanied by the following Secretariat staff: 

Mr Cheikh Tidiane Gaye (Principal Secretary) and Mr. Yutaka Nagata (photographer). 

(Fonte: relatório original em inglês)

Publicam-se mais 5 páginas do documento supracitado (pp. 4-8).

Repare-se no cuidado que o PAIGC teve com a segurança dos elementos da Missão Especial:  foram escoltados, à partida, por uma força de 60 guerrilheiros, de 1 a 3 de abril; na noite de 3 de abril, na viagem, da base central em Balana (corredor de Guileje) até ao setor de Cubucaré (zona de Catió), tiveram uma escolta de mais de 400 homens armados; na tarde de 6 de abril, iniciam a viagem de volta (até à fronteira com regressso a Conacri,via Kandiafara e Boké), com uma escolta armada de 200 homens...

O PAIGC levava a sério as forças armadas portugueses... O que não o impediu de, muito possivelmente,  encenar algumas situações para "onusiano ver": a Missão especial passa pela aldeia de Botche [Boche] Djate [Jate] [, vd. carta de Bedanda], por entre ruínas  das palhotas recém-queimadas, celeiros destruídos, grande quantidade de arroz queimada... E neste cenário não podia faltar uma bomba da FAP,  daquelas que não explodiam... A Missão tomou nota das inscrições na bomba: "The bomb bore the following markings: MI-7, 61A; TNT; BPE-I-124; 8/69; 50-7KG-0.035-M3."...

Atenção: o original tem 10 anexos, onde não faltam os itinerários, as datas e as horas e locais das visitas e entrevistas, a lista (fornecido pelo PAIGC) do armamento usado pelas Forças Armadas Portugueses, o  mapa da Guiné-Bissau (fornecida pelo PAIG), a lista (parcial) de filmes, livros e artigos sobre as "áreas libertadas", as fotografias tiradas pela Missão, e até os formulários usados pela administração nas "áreas libertadas"... 

O relatório do secretário geral do PAIGC sobre "a agressão (portuguesa) contra a Missão Especial da ONU" é o anexo III, reproduzido a seguir, mas que não faz parte do corpo do relatório no original...


(Continuação) (**)






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(Continua)

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