sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19587: (D)o outro lado do combate (47): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte II: capa + pp. 4-8





1. Continuação da publicação, para conhecimento e análise crítica dos nossos leitores, do relatório, de 11 (onze) páginas,  policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). É uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (**)

O documento que agora estamos a publicar parece corresponder à seguinte referência  que encontramos  na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:

BAC-051/2

CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p

Portanto, a edição é atribuída ao PAIGC. É uma edição tosca, para não dizer mesmo, "pirata", do relatório da Missão Especial. Mas as partes traduzidas em português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia).

Não sabemos a origem do documento: o António Graça de Abreu poderá explicar-nos. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos. No tempo da ditadura, com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, ao seu relatório. 

Em abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber...) desta "missão". De resto, o medo dos portgueses era...  "a guerra do Vietname" e a iminente derrota militar dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca...

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU,  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido  200 quilómetros, quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes, numa parte restrita da Região de Tombali:  sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatas focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas,  escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. 

No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje.

Já agora ficam aqui os nomes e os cargos dos cinco elementos que compuseram a Missão:

(...) Mr. Horacio Sevilla-Borja, Deputy Permanent Representative of Ecuador to
the United Nations (Chairman)~

Mr. Folke Löfgren, First Secretary of the Permanent Mission of Sweden to the
United Nations

Mr. Kamel Belkhiria, First Secretary of the Permanent Mission of Tunisia to
the United Nations

The Special Mission was accompanied by the following Secretariat staff: 

Mr Cheikh Tidiane Gaye (Principal Secretary) and Mr. Yutaka Nagata (photographer). 

(Fonte: relatório original em inglês)

Publicam-se mais 5 páginas do documento supracitado (pp. 4-8).

Repare-se no cuidado que o PAIGC teve com a segurança dos elementos da Missão Especial:  foram escoltados, à partida, por uma força de 60 guerrilheiros, de 1 a 3 de abril; na noite de 3 de abril, na viagem, da base central em Balana (corredor de Guileje) até ao setor de Cubucaré (zona de Catió), tiveram uma escolta de mais de 400 homens armados; na tarde de 6 de abril, iniciam a viagem de volta (até à fronteira com regressso a Conacri,via Kandiafara e Boké), com uma escolta armada de 200 homens...

O PAIGC levava a sério as forças armadas portugueses... O que não o impediu de, muito possivelmente,  encenar algumas situações para "onusiano ver": a Missão especial passa pela aldeia de Botche [Boche] Djate [Jate] [, vd. carta de Bedanda], por entre ruínas  das palhotas recém-queimadas, celeiros destruídos, grande quantidade de arroz queimada... E neste cenário não podia faltar uma bomba da FAP,  daquelas que não explodiam... A Missão tomou nota das inscrições na bomba: "The bomb bore the following markings: MI-7, 61A; TNT; BPE-I-124; 8/69; 50-7KG-0.035-M3."...

Atenção: o original tem 10 anexos, onde não faltam os itinerários, as datas e as horas e locais das visitas e entrevistas, a lista (fornecido pelo PAIGC) do armamento usado pelas Forças Armadas Portugueses, o  mapa da Guiné-Bissau (fornecida pelo PAIG), a lista (parcial) de filmes, livros e artigos sobre as "áreas libertadas", as fotografias tiradas pela Missão, e até os formulários usados pela administração nas "áreas libertadas"... 

O relatório do secretário geral do PAIGC sobre "a agressão (portuguesa) contra a Missão Especial da ONU" é o anexo III, reproduzido a seguir, mas que não faz parte do corpo do relatório no original...


(Continuação) (**)






-7-

-8-


(Continua)

________________

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O diplomata equatorinao Horacio Hernán Sevilla Borja chegou a ser Embaixador do Equador perante o Governo da Guiné-Bissau, com a sede em Brasília, Brasil, em 2015. Ainda está no atvo como representante permanente do seu país nas Nações Unidas... Em 1972 era um jovem, "deputy permanent representative" na ONU, ou seja, o adjunto,o nº 2 da representação diplomática do Equado ns Nações Unidasr...

Na hierarquia diplomática, o Borja estava acima dos outros dois membros da Missão Especial, que eeram "primeiros secretários", o sueco e o tunisino (,este já falecido, ao que parece).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto do portal da Angop - Agência Angola Press pode ler-se:

"Não sabíamos que íamos fazer história" - diplomatas
20 Janeiro de 2010 | 12h26 - África

Cabo Verde/Guiné-Bissau

Praia - A 02 de Abril de 1972, cinco membros da primeira missão especial da ONU enviada à então província portuguesa da Guiné-Bissau haviam chegado a Conakry (capital da Guiné-Conakry).

A missão fora insistentemente pedida pelo então líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, que solicitara às Nações Unidas uma observação in loco da situação nas "zonas libertadas" pela guerrilha no Centro e Sul do que é hoje o território da Guiné-Bissau.

"Portugal tentou sabotar a missão, mas o PAIGC teve imensos cuidados. Foi duro e difícil, mas conseguimos ver a obra já então feita. Vimos escolas, hospitais, armazéns do povo e a democracia a funcionar", contou à agência Lusa um dos três diplomatas - a missão integrava mais um fotógrafo e um "administrativo" - que visitaram a região.

Hoje, 38 anos depois, o embaixador sueco Folke Lofgren, na altura alto funcionário das Nações Unidas, disse ter ficado "impressionado" com a forma "exemplar" como o PAIGC, que lutava há nove anos contra Portugal pela independência da colónia, conseguiu implantar um "sistema igualitário" nas "zonas libertadas".

"Entramos por Canjafra (fronteira entre a Guiné-Conakry e a Guiné-Bissau) e fomos recebidos pelo então comandante da Região Sul. Era Pedro Pires [actual chefe de Estado cabo-verdiano]. Ouvíamos as bombas ali mesmo ao lado, mas o PAIGC sabia o que fazia", lembrou à Lusa Folke Lofgren, hoje diplomata reformado e que, curiosamente, tem grandes semelhanças físicas com o comandante português Alpoim Calvão.

Horácio Sevilla Borja, actual embaixador do Equador em Berlim, era também um alto funcionário da ONU e acompanhou-o.

"Muitas vezes tivemos medo. As bombas e os tiros (disparados pelas tropas portuguesas) estiveram muitas vezes perto de nós", contou à Lusa, recordando que as caminhadas pelas "zonas libertadas" eram sempre feitas de noite.

"Mas rapidamente percebemos que a decisão da ONU de enviar a missão tinha todo o sentido. Escrevemos depois um relatório a dizer que o PAIGC era o único e legítimo representante do povo guineense e, mais tarde, soubemos que a nossa visita acabara por fazer história, ao mudar o rumo dos acontecimentos", acrescentou o diplomata equatoriano.

A missão, decidida pela Comissão de Descolonização e Autodeterminação das Nações Unidas e que integrou também o então diplomata tunisino Kamel Belkhiria, actualmente "bastante doente", terminaria a 08 de Abril de 1972 e a Guiné ainda assistiu ao assassínio de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, antes de declarar unilateralmente a independência, a 24 de Setembro do mesmo ano.

Cabo Verde, que nunca chegou a ser palco do conflito militar, acabaria por aceder à independência dois anos mais tarde, a 05 de Julho de 1975.

Os dois diplomatas reencontraram-se com Pedro Pires, que, aproveitando o 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, os condecorou com a segunda mais alta distinção do Estado cabo-verdiano, o segundo grau da Medalha Amílcar Cabral. (...)


http://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/mobile/noticias/africa/2010/0/3/Nao-sabiamos-que-iamos-fazer-historia-diplomatas,f8978b6d-0b1c-4a56-bd9a-b3e7035bb35f.html?version=mobile

Anónimo disse...

Por isto os Suecos com quem fui trabalhar em 1 de Novembro de 1969, não estavam lá muito de acordo com a minha filosofia de guerra contra os pretos e os apelidos de terroristas, coisas que a gente quando chegou tinha aquilo metido na cabeça.
Aquelas bestas, estavam muito adiantados quanto ao nosso País, mais de 50 anos, e isso irritava-me e comecei a dar-me mal com eles, mas depois compreendi que não adiantava, veio o 25 de Abril e eles ficaram mais 'mansos'. Ainda aguentei 13 longos anos com eles, aprendi muito mas não gostava assim tanto da sua politica.
Até porque eles no 25A fugiram todos nesse dia para Espanha...
Virgilio Teixeira


José Nascimento disse...

Qual era moeda/papel que usavam e onde funcionava o Ministério das Finanças?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Boa pergunta, Zé Nascimento... Mas havia dólares, rublos, coroas suecas...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A mim parece-me que estamos perante uma fake-news, com alguns anos de antecedência.
Reparem que a comissão viu que não era verdade aquilo que era suposto ver e disse que viu.
O PAIGC fez "um fogachal político" sem consequências. No fundo enganou quem estava pronto a ser enganado.
Nós negámos a existência das "áreas libertadas" e afirmámos que ninguém tinha andando na Guiné a visitá-las, o que também era verdade. Enfim, cada um fez o seu papel.
O diplomata equatorinao Horacio Hernán Sevilla Borja era como se veio a ver, um carreirista da ONU que veria ou não veria o que fosse conveniente. De outro modo não chegaria a Embaixador do Equador perante o Governo da Guiné-Bissau, (com a sede em Brasília!). É que o Brasil é que é bom. Aquilo da Guiné nem folclórico consegue ser... O que é que ele pensou e pensará do que lá se passou e passa. Não terá dúvidas?
Em 1972 era um jovem, "deputy permanent representative" na ONU. Vejam o que ele se arriscou e teve que "pedalar"!
"Ouvíamos as bombas ali mesmo ao lado, mas o PAIGC sabia o que fazia". Mesmo assim, Folke Lofgren, hoje diplomata reformado viu que a zona era libertada. Que ideia faria ele do que isso fosse? Se calhar, dizia e escrevia o que seria politicamente correcto dizer...
O comportamento do então diplomata tunisino Kamel Belkhiria, inseria-se na política anti-colonialista do tempo e talvez fosse o mais autêntico dos três. Sabi o que queria e a sua ideologia mandava que ele defendesse.
Por mim, creio que a verdade do que se passava teria sido muito mais positiva para todos: os anti-colonialistas e os "colonialistas, fascistas, salazaristas e lacaios do imperialismo"

Um Ab. e bom FdS
António Costa

Anónimo disse...

As Nações (Des)Unidas sempre foram e continuam a ser aquilo que todos nós sabemos.E quanto a Africa nunca perceberam nada.E os suecos ainda menos.A não ser sugar o que lhes interessava (em nome de uma falsa solidariedade, mais racistas que os racistas) mas disfarçando bem em prol do seu país.Porque matérias primas precisam-se.Ainda não me esqueci do que se passou no congo ex-Belga nos anos sessenta.
Carlos Gaspar

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Não posso acreditar que as Nações Unidas, quanto à África, nunca tivessem percebido nada. Não posso aceitar que o número dos intelectualmente desonestos seja assim tão grande.
Creio que entenderam preferível aceitar uma manipulação no campo do politicamente correcto. Não creio que os suecos tenham querido sugar o que lhes interessava. O que é lá poderiam sacar? A mancarra? O cajú? A vianda?
E a prova é que, hoje, nem lá estão representados.
Já disse que esta "solidariedade" era mais virada para o interior, onde o governo tinha necessidade de se apresentar ao eleitorado como grande humanista, anti-fascista, anti-imperialista e apoiante de boas e justas causas.
Matérias primas? Se existissem e fossem exploráveis já estariam a sê-lo.

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

No caso da Guiné estou de acordo com o António José, mas quanto a outras partes da àfrica não acredito na solidariedade dos suecos nem tão pouco com a ONU.Talvez porque vivi a hipocrisia em relação ao congo.
Abraço
Carlos Gaspar

antonio graça de abreu disse...

Obrigado, Luís, por publicares o Relatório.Foi policopiado e distribuído no meio estudantil, na época. Eu tinha sido dirigente associativo, na Pró-Associação (meio maoísta!) da Faculdade de Letras de Lisboa, em 72 era asp.of.mil., estava na tropa na Amadora, e guardei o Relatório, embora, na altura, já me parecesse exagerado. Logo a seguir à visita desses "distintos" diplomatas fui parar à Guiné, ao CAOP 1, e vi "claramente visto."
Mas o Relatório é interessante e, ao tentar mostrar a força do PAIGC, evidencia bem as suas enormes carências fragilidades no terreno da luta.

Abraço.

António Graça Abreu