Queridos amigos,
Aqui se faz menção da derradeira documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU.
São papéis que referem a pretensão de criar uma delegação do BNU em Bafatá, o processo iniciou-se em 1970, nunca foi concretizado, naturalmente se abandonou a ideia com a independência. Fala-se também das expetativas depositadas na CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, um empreendimento industrial que recebeu o entusiasmo de muitos, desgraçadamente acabou no charco. Fala-se em dádivas do BNU para a construção do busto de Amílcar Cabral e para o monumento aos mártires do colonialismo, em 1975; consta no processo o parecer dado por Lisboa sobre o pagamento da contribuição industrial e imposto complementar do BNU em Bissau. E por fim aqui se refere a notícia de que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser nacionalizada, o mesmo já acontecera com a Casa Gouveia e com a empresa Barbosa e Comandita.
A última etapa deste trabalho será aqui expor o que demais relevante se encontrou a partir de 1974 para a transferência do património do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, no fundo são peças históricas que terão que ser integradas um dia no que foi a vida do BNU na colónia da Guiné, de 1902 até depois da independência.
Peço a todos que vejam a beleza das imagens que a investigadora Lúcia Bayan nos ofereceu sobre os jogos e a sua função didática na etnia Felupe, que ela investiga com tanto entusiasmo.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77)
Beja Santos
Continuamos à volta com a documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU. Em termos cronológicos, há que referir que em 4 de fevereiro de 1972 se produzira um memorando sobre a criação de uma dependência do BNU em Bafatá. Em setembro de 1970, o subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino autorizara a abertura em Bafatá de uma dependência. O Banco já deslocara a Bafatá um funcionário para analisar as hipóteses de escolha de um edifício, concluíra-se que o imóvel com melhores condições era um edifício pertencente ao Banco então arrendado a Afif Elawar, súbdito libanês. O Banco começou os seus preparativos, definindo o modo de funcionamento, o número de empregados necessários e estabeleceu contactos com o arrendatário do prédio, a fim de obter a sua devolução.
Devido à reação do arrendatário, que não queria prescindir do arrendamento, o Banco chegou a encarar a hipótese de tentar a ação de despejo. O representante do arrendatário apresentou uma proposta no sentido de rescisão amigável, a proposta foi aceite. Já em janeiro de 1972 as gentes de Bafatá insistiam na criação da dependência, fora mesmo enviado à filial de Bissau um telegrama em que as autoridades, comerciantes, industriais e agricultores e toda a população dos concelhos de Bafatá e Gabu lamentava que ainda não tinha sido dada execução à promessa feita em 1970.
O processo arrasta-se e vem a independência da Guiné-Bissau, o último documento que possuímos data de 23 de outubro de 1974, o despacho é concludente acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá: “Não é oportuno neste momento”.
Passamos agora para o dossiê CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné. Possuímos dois documentos de junho e novembro de 1974. Diz-se no primeiro que a CICER foi constituída em finais de dezembro de 1971, eram os seus principais acionistas a Sociedade Central de Cervejas, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda.
Fazia-se uma relação dos encargos da construção da fábrica da CICER em Bandim. Em novembro de 1974, o BNU emitiu um parecer do seguinte teor:
“Após o 25 de Abril, a sua produção baixou para a média de 4 a 5 milhões de litros anuais de cerveja e 2 a 2,5 milhões de litros de refrigerantes. As suas vendas cifram-se entre 6 a 8 mil contos mensais.
Pensam, muito em breve, lançar no mercado, também, água de mesa e água gaseificada.
Dada a boa qualidade dos seus produtos e o interesse dos territórios vizinhos na sua aquisição, prevê-se num futuro muito próximo que a fábrica volte a trabalhar em pleno. Sabemos ainda que a Nação Cubana está também interessada na produção da fábrica, pelo que se estão encetando as respectivas negociações através do Governo local.
O valor atribuído à fábrica é de 130 mil contos. Tem-na visitado muitos estrangeiros, após o 25 de Abril, tecendo-lhe os maiores encómios, pois esperavam encontrar uma fabriqueta e não uma moderníssima fábrica, muito bem situada e com o privilégio de possuir no seu subsolo uma das melhores águas do mundo – dizem – para a fabricação dos seus produtos.
Em face do que fica exposto, e pelas perspectivas que se antevêem, damos o nosso acordo à concessão do crédito de 50 mil contos solicitado, com vista à liquidação das três conta-correntes caucionadas.”
Estamos já em 1975, o BNU é contactado para contribuir para a construção do monumento aos mártires do colonialismo. O documento reza o seguinte:
“A tarde do dia 3 de Agosto de 1959 ficou dolorosamente marcada na história do nosso povo.
Nesse dia, em Bissau, no cais do Pindjiquiti, armas empunhadas por mãos assassinas de servidores fiéis do colonialismo ceifaram as vidas de dezenas de irmãos nossos, indefesos, levando a dor e a morte a centenas de lares.
Fizeram-se vítimas. E tal acto repercutiu-se tragicamente por todo o nosso país, pela África e pelo mundo.
Mas, nesse dia, o Governo colonial, contrariamente a todos os seus desejos, ajudou a dar um grande passo na caminhada pela reconquista da liberdade e da dignidade do nosso povo.
O massacre do Pindjiquiti jamais será esquecido, dado o seu alto significado na luta de libertação nacional.
Por isso, o nosso Partido e o nosso Estado tomaram a decisão de comemorar essa data, considerando feriado nacional o dia 3 de Agosto. A população de Bissau, no grande comício de 20 de Janeiro último, dia dos ‘Heróis Nacionais’, decidiu dar o nome de ‘Avenida do 3 de Agosto’ à avenida marginal e o nome ‘Praça dos Mártires do Colonialismo’ ao largo existente na zona do Pindjiquiti.
Neste local existia um monumento através do qual o Governo colonialista pretendia glorificar o ‘descobridor da Guiné’, Nuno Tristão.
Pois bem: na actual Praça dos Mártires do Colonialismo, na zona onde esteve o monumento a Nuno Tristão, é dever nosso honrar os mártires do colonialismo, erguendo-lhes um monumento que deve ser inteiramente custeado pelo nosso povo e por todos aqueles que, vivendo na nossa terra, quiserem juntar-se a nossa homenagem de gratidão eterna aos que ficaram pelo caminho nos longos anos de resistência contra a dominação e a exploração estrangeiras.
Para começar a concretizar essa ideia, foi criada uma comissão para recolha de fundos”.
E indicavam-se os nomes: Rui das Mercês Barreto, Tiago Aleluia Lopes, Carlos Gomes, Armindo Ferreira, Teodora Inácia Gomes e João Maurício Chantre. A comissão era designada por “Comissão do Abota Nacional para o Monumento aos Mártires do Colonialismo”. O Comissário de Estado Rui Barreto, Presidente da Comissão assinava o manifesto em 26 de julho de 1975. O BNU ofereceu 5 mil escudos como oferta na contribuição do busto mandado erigir a Amílcar Cabral. O recibo de receção é assinado por Carlos Domingos Gomes com a data de 16 de maio de 1975, tratou-se de uma dádiva distinta da anterior.
Em 30 de junho de 1975, a administração em Lisboa informa a gerência do BNU em Bissau que a atividade exercida pela filial obedece a condicionalismos legais que têm de ser tidos em conta, no pressuposto de que as disposições fiscais, então vigentes, não sofreram alteração: o BNU continuaria a ser tributado pela contribuição industrial; sujeito a ser coletado pelos rendimentos anuais no Estado quanto ao imposto complementar.
E emitia-se o seguinte parecer:
“Em face do que antecede, é nosso entendimento que os elementos a declarar durante o corrente mês de Junho estão de harmonia com os preceitos legais vigentes nessa ex-colónia portuguesa; é evidente que, salvo acordo ou determinação legal das actuais autoridades desse Estado, os preceitos legais referidos como aplicáveis à actividade do Banco durante todo o ano de 1974, são de aplicar, pelo menos, até à data da proclamação da independência desse território".
Nesta documentação avulsa, encontra-se a fotocópia de uma notícia publicada no vespertino Diário de Lisboa, com a data de 30 de julho de 1976, com o seguinte título: Técnicos portugueses negoceiam nacionalização de duas empresas.
Notícia com a seguinte redação:
“Encontram-se em Bissau dois técnicos portugueses para conduzir as negociações com o Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina, do capital social desta empresa comercial, a segunda do país, depois da Casa Gouveia, já integrada nos Armazéns do Povo, 80% ficará para o Estado guineense e os restantes 20% para uma companhia portuguesa de sabões do grupo CUF.
Foram entretanto transferidos para os Armazéns do Povo os bens da empresa Barbosa e Comandita. A integração fez-se a pedido e por iniciativa dos antigos proprietários, devido às dificuldades encontradas para a realização dos lucros anteriormente auferidos. Segundo o Comissário de Estado do Comércio, Armando Ramos, ‘nenhuma destas empresas tinha possibilidades de sobreviver sem a intervenção do Estado para transformar as suas estruturas. Isto porque os moldes em que foram implantadas na nossa terra estão em desacordo com os princípios da nossa sociedade que estamos a criar’. A Sociedade Comercial Ultramarina começara como sociedade por quotas, com o capital social de 500 contos. Mas com a subida vertiginosa dos lucros, o capital foi sendo aumentado até chegar a 100 mil contos e até assumir a forma de sociedade anónima. Dedicava-se ao comércio de exportação, mas na fase final passou também a explorar o comércio interno e pequenas unidades industriais. Possui 54 postos de venda espalhados pelo País e emprega 672 trabalhadores efectivos”.
Assim se encerra a consulta à documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.
A derradeira parte deste trabalho tem a ver com a documentação do BNU para a transferência do património para a Guiné-Bissau, documentação extensa, a que procedemos necessariamente a uma simplificação dos elementos considerados mais pertinentes, até ao momento em que o BNU da Guiné se extinguiu e passou a estar integrado no Banco Nacional da Guiné-Bissau.
(Continua)
Foto 1
Foto 2
Foto 3
Foto 4
Comentários de Lúcia Bayan, investigadora da etnia Felupe, que amavelmente cedeu estas imagens para o nosso blogue, agradeço-lhe em nome de todos esta prova de consideração:
Os jogos tradicionais entre Felupes
As sociedades tradicionais africanas, como a Felupe, utilizam estratégias próprias para a educação e integração dos jovens na organização social. É sabido que os Felupes prezam muito a liberdade individual, mas sempre limitada por regras e valores sociais. Um exemplo é “meter a mão em seara alheia”, considerado um dos maiores crimes, podendo ser penalizado com expulsão da tabanca. Desta forma, em chão Felupe, raramente alguém é roubado. A eficácia do método felupe para resolver estas questões tem levado a que seja adotado em algumas povoações multiculturais, como, por exemplo, em São Domingos.
Uma das estratégias felupe para educar as suas crianças e jovens e os integrar na sua organização social são os jogos e as lutas. Dos primeiros ficam aqui fotos de dois: o jogo das vacas e um jogo, que não sei o nome, mas é do género do “Seega”, um jogo de tabuleiro tradicional jogado em partes do Norte e da África Ocidental, por dois jogadores, num tabuleiro de 5×5, geralmente com pedras. Um exemplo deste jogo pode ser visto aqui: https://elegbaraguine.wordpress.com/2015/02/11/jogos-africanos/.
O jogo das vacas é jogado por dois jogadores, munido cada um de um pequeno pau com um fruto espetado numa ponta, simbolizando uma vaca, e consiste numa luta de vacas. Indicado para rapazes da 2.ª classe de idade (dos 5 aos 12 anos), este jogo, além da função lúdica, visa desenvolver as capacidades necessárias para estes rapazes exercerem a principal obrigação desta classe de idade, pastorear e tomar conta do gado, e também o início da sua preparação como guerreiros.
O jogo do Seega visa estimular o raciocínio lógico matemático e cognitivo. Na sociedade Felupe, o tabuleiro é o chão, onde são escavados 25 pequenos buracos e as 12 pedras, que não existem em chão de areia, foram trocadas por paus ou palhas, num jogo indicado a adultos e crianças. As três fotos mostram três homens a jogar (foto 1), um adulto a ensinar crianças (foto 2) e estas a jogarem (foto 3).
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Nota do editor
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Último poste da série de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)
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