sábado, 16 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19593: Os nossos seres, saberes e lazeres (312): Viagem à Holanda acima das águas (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Se o mito do eterno retorno tem algum fundamento, o viandante pode testemunhar que havia lembranças indeléveis, aqui se chegara num dia de chuva diluviana, em 1978, havia uma informação um tanto nebulosa de que o museu encerrava alguns tesouros bem singulares, um acervo sem precedentes da obra de Piet Mondrian, era uma casa febricitante de arte moderna, mas também com exposições enquadradoras dos tempos e das sociedades onde se operavam tais e tantas movimentações das artes plásticas, e que essas lembranças iam fluindo na nova visita, como houvesse fundamento para o dito eterno retorno.
Um dia de intensa alegria, voltar de novo e reconhecer que fora uma decisão acertada, como qualquer dia será acertado querer aqui regressar, para ver tudo com outros olhos e de novo lavar a alma.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (16)

Beja Santos

Sim, seria para o viandante um desmerecimento atirar para o balde do lixo esta coletânea de imagens provindas do Museu Municipal de Haia, a tal casa de cultura que se conheceu numa deslocação de ordem profissional em 1978, chovia que Deus dava, na véspera, num posto de informações junto da gare ferroviária, uma diligente e amável funcionária recomendou vários museus na cidade, que o viandante apanhasse um transporte público até uma praia chique, Scheveningen, e se mais tempo houvesse um outro transporte público levava-o a Delft, sim a terra dos belos azulejos e de alguma louça que corre o mundo. Foi por aqui que se começou, e mesmo com o tempo a desanuviar, o viandante não arredou pé, dera-se o enfeitiçamento com o edifício Arte Deco, o assombro pelo génio de Piet Mondrian, e o não menos assombro pela qualidade das artes plásticas, viu uma vez, de alto a baixo, comeu sopa e sandes naquele belíssimo espaço reservado a comes e leituras, e depois de descansar os pés atirou-se a novo folguedo, saiu daqui quando escurecia, segundo as leis meteorológicas desta região próxima do Mar do Norte. Por isso, voltou com contentamento, e o que saboreou aqui se põe à mesa, para despertar apetite a quem o lê.




Esta fotografia antiga traz água no bico, pois o viandante, no penúltimo dia desta estada holandesa teve oportunidade de ir a uma praia, viu estes refúgios, às vezes o vento é implacável, os banhistas anichados à espera de uma hora de sol, de céu límpido, quanto ao mais desenganados, a água é fria todo o ano…




É sempre um deleite ver o génio rebatível de Pablo Picasso, desenho, cerâmica, cenografia, até à pintura a óleo tudo fez por experimentar, em tudo deixou lembrança. E nada como desfrutar deste extraordinário quadro de Wassily Kandinsky, um outro génio que percorreu tantos movimentos até chegar a estas sínteses voluptuosas onde não teve concorrente à altura.


Quem conhece a arte de Egon Schiele não é logo à primeira que atribui este retrato a essa figura meteórica e inesquecível do expressionismo. É o retrato de Edith Schiele que, tal como o marido, foi vítima mortal da gripe espanhola, a mesma epidemia que nos levou Amadeu Souza Cardoso.




As dançarinas de Degas são pinturas e esculturas presentes em muitos museus, o artista observou por todos os ângulos o trabalho nos ateliês da dança e o que aqui parece exprimir é a alegria de uma adolescente que encontrou a plena graciosidade no seu corpo vibrátil, num momento de repouso que precede o turbilhão dos passos.




Seria pecado mortal um museu destes não dispor de algumas lembranças de Van Gogh, com destaque para este autorretrato, o pintor holandês nunca descurou o confronto consigo mesmo, ele que viveu permanentemente à procura da paz de espírito, que nunca esqueceu o mundo rural de onde proveio e que pareceu ter encontrado na Provença a quintessência da felicidade, há sempre flores, campos arborizados, um casario ao fundo e tantíssimos retratos de gente humilde, que o fascinava.



Rodin é outro inevitável, temos um seu corpo adolescente no museu do Chiado, no dealbar do século XX era nele que se centravam as atenções para um novo cânone que reduzia a cinzas o academismo. E a visita chega ao seu termo, impossível deixar de registar esta fosforescência que tem as suas reminiscências a Vasarely, pois há aqui qualquer coisa de arte ótica, com uns pozinhos de arte pop, enfim um belo cenário para uma outra exposição, nesta altura o viandante atingira o ponto alto da saturação, precisava de ar fresco para digerir tão doce peregrinação, tão amáveis encontros e, sobretudo, curvara-se respeitosamente diante do génio de Piet Mondrian, um seu santo de culto. E a viagem prossegue, desta feita um pouco pela Holanda profunda, dos moinhos e praias e canais. Como podemos ver, logo a seguir.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19565: Os nossos seres, saberes e lazeres (311): Viagem à Holanda acima das águas (15) (Mário Beja Santos)

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