1. Recorde-.se que é já no já no próximo dia 9 de novembro, sábado, pelas 15 horas, que se vai realizar, na Biblioteca Municipal de Gondomar, a apresentação pública do meu livro, com posfácio do camarada Mário Beja Santos~(*).
A apresentação está acargo do dr. Manuel Maria. Todos os meus amiogos e camaradas estão convidados (**).
Edição: Lugar da Palavra Editora, Rua Guedes de Oliveira, 126, 4435-274 RIO TINTO | www.lugardapalavra.pt | editora@lugardapalavra.pt | telef 22 099 4591 / 91 54 16141 | Depósito legal nº 535279/24 | ISBN : 978-989-731-215-1C) | 1ª edição: setembro de 2024
CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA
O SOLDADO
Nas sortes não se safou,
já homem bebeu e fumou,
em braços em casa entrou,
aa farda não se livrou.
A sorte Guiné ditou,
estúpida guerra enfrentou,
três gritos por quem lá ficou,
pelo povo se emocionou.
Posfácio
Por considerar humanamente relevante
por Mário Beja Santos (pp. 219-221)
Quando Joaquim Costa e a sua unidade de intervenção, a briosa CCAV 8351, chegam à região de Tombali, no Sul da Guiné, decorriam modificações na manobra do Comando-Chefe, general António de Spínola, e já num quadro político-militar altamente inquietante, de profundo desalento.
Para se entender as atividades impostas a esta unidade militar, inicialmente sedeada em Aldeia Formosa, a de reocupar posições na região do Cantanhez, onde o PAIGC circulava bastante à vontade, há que refletir sobre o que se estava a passar tanto do lado português como no pensamento estratégico de Amílcar Cabral.
Em 1972, Spínola já não tem ilusões sobre a vitória militar, disse-o frontalmente no final do ano anterior no Conselho Superior da Defesa Nacional, a situação é crítica, carece de mais recursos humanos e de novos armamentos para retomar a iniciativa, o Governo de Lisboa nada tem para oferecer.
Na cena internacional, acentuava-se o isolamento português, a Operação Mar Verde gerou fortes anticorpos, inclusive junto de aliados tradicionais de Lisboa, levara a que a Marinha soviética estacionasse na República da Guiné. Spínola encontrou-se com Senghor, encontro amistoso, o presidente senegalês faz propostas, Spínola vem a Lisboa revelá-las, Marcello Caetano recusa categoricamente negociações, em caso extremo prefere a derrota militar.
Do lado do PAIGC, avança-se a todo o vapor para eleições para uma assembleia popular que diga sim a uma declaração unilateral de independência e à aprovação de uma constituição do novo país, peças que o líder do PAIGC considera fundamentais para angariar apoios na ONU, na Organização da Unidade Africana, junto dos países amigos, sobretudo do bloco liderado por Moscovo.
É nesse contexto que Spínola decide uma mudança na quadrícula, escolhe a região do Cantanhez, onde não há tropas portuguesas em permanência, e muito menos populações afetas à soberania portuguesa; envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea, inevitavelmente as forças especiais – a Operação Grande Empresa é posta em marcha, Joaquim Costa e a tropa comandada pelo capitão Vasco da Gama vão subir o rio Cumbijã, fundar aqui um aquartelamento e procurar outro, de nome Nhacobá, onde o PAIGC tem sustento em arroz, tudo isto muito próximo do chamado corredor de Guileje, uma linha absolutamente vital para a circulação de homens, mantimentos e armamentos do Exército do PAIGC e suas populações.
A Grande Empresa é uma iniciativa militar arrojadíssima, é dela que Joaquim Costa irá falar.
Mas o seu livro de memórias não se confina ao que ele viveu no Tombali, tem um muito antes, o seu meio familiar, a cultura que o embebeu e de que se orgulha, os usos e costumes do seu lugar, a religiosidade, todo aquele ambiente em que ainda era impensável falar-se na sociedade de consumo, naquela atmosfera havia baldios, mercearias e tabernas e viagens extenuantes até ao local de trabalho, como ele testemunha.
E os preparativos para a guerra, para ser furriel percorreu Caldas da Rainha, Tavira, andou em recrutas em Chaves, especializou-se em Estremoz, juntou-se à sua unidade militar em Portalegre, daqui marchou para a Guiné, Cumbijã é o destino e Nhacobá é também outra lembrança para toda a vida.
Até esta narrativa do livro de memórias, estou absolutamente seguro de que o leitor ficará cativado pela ternura que emana destas recordações do pai José, da mãe Gracinda, do elenco dos manos, dos acontecimentos do quotidiano, tudo numa aldeia onde o Minho acaba e o Douro começa, vida dura, aliviada por feiras e romarias e o embasbacamento da descoberta do cinema e também da televisão.
O autor, também conhecido por o Furriel Pequenina, falará da guerra sem alardes de heroísmo ou farroncas de que andou de peito feito às balas. Em dado passo começará um parágrafo por dizer “Por considerar humanamente relevante”, considerei a expressão um achado de tudo quanto escreveu quer na primeira edição quer na segunda.
Fez bem em enxugar a prosa, a literatura da guerra colonial tem centenas de relatos sobre as viagens da ida, o contacto com a temperatura tropical, a má comida, aos poucos a descoberta de África, as minas e emboscadas, a profunda solidão, a chegada do correio, os mortos e os feridos, lembrança irreprimível, uma dor nem sempre discretamente contida.
Lá foram numa LDG até Buba, daqui até Aldeia Formosa. Nada de excessos no batismo de fogo, mas muita ênfase será dada às minas, as anticarro e as antipessoal. E depois do Natal em Aldeia Formosa chega a hora de partir para Cumbijã, uma terra de ninguém, um posto abandonado, também aqui se vai reocupar um lugar do Cantanhez.
E assim nasce Cumbijã, confesso que me emociona imenso as imagens daqueles tijolos amassados, vivi peripécia semelhante noutras paragens da Guiné, mais propriamente no regulado do Cuor, no Centro-Leste, uma flagelação brutal reduziu a cinzas dois terços das moranças e assentos militares, tivemos de fazer algo análogo ao que o autor descreve, Cumbijã a sair do nada e com flagelações de canhão sem recuo bastante frequentes. E é muito bonito saber que o forno deixado em Cumbijã ainda hoje coze pão para toda a região.
E segue-se uma descrição sumária da Operação Balanço Final, o assalto a Nhacobá, só que, depois de muita peripécia, os Altos-Comandos decidem o seu abandono.
Estava a fazer esta leitura e assaltou-me à mente a recordação de um outro acontecimento militar análogo, que se passou em 1968, também perto do corredor de Guileje, ao tempo do governador Schulz foi determinado construir um género de fortim que ficou conhecido pelo nome de Octógono de Gandembel, deu para muito sofrer e muito morrer, a explicação que Spínola deu para o seu abandono é que não havia população para defender (no melhor pano cai a nódoa: também não havia população a defender nestes aldeamentos por onde andou Joaquim Costa, era tudo estratégia, uma tentativa de intimidação do PAIGC, um jogo do gato e do rato).
A Grande Empresa será um assunto arrumado pelos acontecimentos de 1973, nomeadamente com a Operação Amílcar Cabral, que levou à retirada de Guileje e aos terríveis acontecimentos de Guidaje e Gadamael. Tanto sofrimento para nada.
Se já houve o antes e o durante a guerra, temos o depois, as histórias do regresso, a vida de professor depois de acabar o curso, um saltitar por Santo Tirso, Portalegre, Santarém e muito mais, um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.
Um abraço fraterno a este contador de histórias, um narrador de afetos, exímio no que deve ser o nosso dever de memória.
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