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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21227: Historiografia da presença portuguesa em África (225): Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tudo começou na preparação de um romance passado na Guiné Portuguesa, fundamentalmente entre a década de 1950 e a eclosão da guerrilha. O Administrador Colonial, marido de Benedita Estevão, era pesquisador e tinha escrito trabalhos sobre Manjacos e Banhuns. Na altura, tive o cuidado de ler algumas referências sobre estes Banhuns, e não hesitei em pô-los na ficção, havia poucos estudos e etnia caminhava para a extinção. Recentemente adquiri um número da revista Garcia de Orta com um curioso estudo sobre a importância dos Banhuns ao tempo em que os nossos descobridores e viajantes do século XVI ali aportaram.
É com satisfação que trago os Banhuns ao vosso conhecimento.

Um abraço do
Mário


Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história

Beja Santos 

Quando estava a preparar o meu romance “Mulher Grande”, coloquei Albano Toscano, Administrador Colonial na Guiné Portuguesa desde os anos 1940 até à eclosão da guerrilha, como um estudioso emérito de um pequenino povo, os Banhuns. No romance, o funcionário colonial conhecia bem os Manjacos, os Cassangas e os Banhuns. O seu último estudo seria alvo de consagração por outros investigadores, houvera mesmo uma homenagem de arromba na Sociedade de Geografia de Lisboa. Porque me servi dos Banhuns nesta ficção? Segundo o censo populacional de 1950, o último dado como probatório na região, os Banhuns não seriam mais que 267, isto quando tinham merecido a particular atenção dos viajantes e descobridores, basta recordar André Álvares de Almada, Francisco de Lemos Coelho, Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira. Que viram esses descobridores e viajantes de tão surpreendente e porque se dera o declínio dos Banhuns?

Aquando da chegada dos portugueses à Guiné, os Banhuns tinham estado ligados ao império do Cabo, tinham sido combatidos pelos Mandingas, aos poucos foram arrastados para a margem atlântica do continente, foram-se acantonando entre o rio Cacheu e a fronteira com o rio Senegal.

Num artigo publicado na revista Garcia de Orta, em 1966, José D. Lampreia faz levantamento da sua etno-história, apresentando uma saborosa antologia de textos verdadeiramente marcantes. Diz o autor que os Banhuns cultivam intensamente o arroz e árvores de fruto, possuindo uma economia de tipo litorálico. Embora ribeirinhos, são fracos pescadores. Constroem casas circulares, com prumos enterrados no solo, revestindo as paredes com entrelaçados de bambu e tara. No século XIX, acrescenta o autor, os Banhuns constituíam ainda uma das mais importantes etnias que habitavam a região de Sédhiou (ou Sejo, na literatura portuguesa), então território nominalmente português, no Casamansa. Posteriormente fundariam, na região de S. Domingos, aldeamentos.

Valentim Fernandes, no seu manuscrito fala dos Banhuns, a propósito do rio de S. Domingos que ele diz ser um rio em que os navios podem subir 60 léguas, os navios iriam resgatar cavalos comprando escravos ao Farim Braço. E diz que o povo desta terra são os Banhuns. Fala no costume de oito em oito dias se fazer uma feira a cinco léguas do porto do mar, vem a esta feira muita gente de 15 a 20 léguas em redor. E escreve um pormenor espantoso: “Os Banhuns adoram um pau a que chamam hatichira o qual pau consagram desta maneira. Tomam um pau forcado que há-de ser cortado com um machado novo e o cabo dele também há-de ser novo e que nenhum destes haja servido em alguma coisa e então fazem uma cova no chão e têm ali um cabaz de vinho de palma e assim outro cabaz de azeite e uma alcofa de arroz. E têm ali um cão vivo e então deitam este vinho, o azeite e o arroz dentro desta cova e matam o cão com aquele machadinho novo, fendem-lhe a cabeça e deixam correr todo o sangue do cão na dita cova. E então lançam o machadinho dentro e põem depois o pau forcado e tapam-no muito bem com terra e em cima daquela forca de pau que assim sai por cima da cova penduram umas ervas do mato e para fazer esta cerimónia são chamados os melhores velhos de toda a terra”.

Também André de Faro, na sua "Peregrinação à Terra dos Gentios", carreia elementos úteis para o conhecimento dos Banhuns: “… este rei se chama D. Diogo, era cristão e seus irmãos e parentes o eram também, e na verdade me pareceu bom cristão pelo que vi em seu modo e em falar e no amor com que nos recebeu e o quanto folgava em ver frades no seu reino”. D. Diogo teria dado licença para retirar uma estátua animista que estava perto da igreja que os frades estavam fazendo no seu reino, não se podia ter uma igreja e ídolos à volta com sangue de galinha e outros animais.

Duarte Pacheco Pereira escreve sobre os Banhuns: “… deste Rio Grande se podem fazer dois caminhos para a Serra Leoa: um deles é por dentro das ilhas e por ali podem sair pela banda do Sueste (mas poucos pilotos sabem esta terra); o outro caminho é por fora segundo adiante diremos. E dentro deste Rio Grande está um rio que se chama Bugubá e os negros dele são Beafares. E adiante de Bugubá está outro rio e mais adiante acharão outro rio que se chama dos Pescadores; e adiante deste, cinco léguas, é achado outro rio; e mais avante está outro que se chama de Nuno (e aqui há muito marfim); e adiante deste rio duas léguas está o cabo da Verga. Todos os negros desta terra são idólatras. E uma geração destes negros se chama Banhuns”.

Os Banhuns, insista-se, estiveram sujeitos a razias que muito contribuíram para a sua quase extinção já que estavam situados entre os grandes inimigos da África Ocidental, os Fulas e os Mandingas. André Álvares de Almada não deixou de se referir a este assunto, referiu a guerra entre Fulas e Mandingas, os primeiros com os seus numerosos exércitos, traziam enxames de abelhas que largavam contra os inimigos assolando a terra dos Mandingas, Cassangas, Banhuns e Brames, só quando chegaram à terra dos Beafadas é que foram vencidos. Este autor localiza melhor os Banhuns: “Este reino de Mandinga é muito grande e está povoado todo de gente de uma banda e outra. Pela banda do Norte se mete muitas léguas pelo Sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E pela banda do Nordeste vai por cima dar na terra dos Beafadas; e pela banda do Leste para partir com os Cassangas e Banhuns”.

Sem dúvida alguma que André Alvares de Almada conferiu uma grande importância aos Banhuns no século XVI, ao seu negócio de escravos, identificando S. Domingos como terra dos Banhuns, e dá-nos um pormenor relevante: “Neste rio de S. Domingos há mais escravos que em todo os outros da Guiné, porque deles os tiram estas nações – Banhuns, Brames, Cassangas, Jabundos, Felupes, Arriatas e Balantas. É rio de muito trato de arroz e outros mantimentos, bons pescados e muitas galinhas que continuamente andam os negros vendendo a troco de algodão e outras coisas. As mulheres desta terra e as Banhumas andam vestidos com uns panos curtos e os cabelos trançados, e as moças trazem uma tira de pano por diante, da largura e comprimento de um palmo, que escassamente lhes cobre as dianteiras, e desta maneira andam até se casarem”.

Tudo conjugado com base na leitura de todos estes historiógrafos se infere a ideia da importância tida pelos Banhuns em épocas passadas. As lutas entre Fulas e Mandingas certamente os levaram a um processo de interpenetração cultural e diluíram-se no seio de outras etnias, há quem sugira quem foram principalmente absorvidos por Manjacos e Balantas.

Continuo sem saber porque forjei Albano Toscano a estudar os Banhuns. Mas lendo este artigo, fiquei muito contente em saber o seu papel relevante na Guiné de outros tempos. Para os interessados em lerem o Tratado Breve dos Rios da Guiné de André Álvares de Almada, remetemo-los para o link:

https://books.google.pt/books?id=nJARAQAAMAAJ&pg=PA48&lpg=PA48&dq=banhuns,+g#v=onepage&q&f=false



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Nota do editor

Último poste da série de 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21207: Historiografia da presença portuguesa em África (224): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4) (Mário Beja Santos)