Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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terça-feira, 29 de novembro de 2022
Guiné 61/74 - P23827: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte III - Abrantes e Santa Margarida; três dias de detenção e, o Rosa e o Cunha
1. Continuação da publicação de um excerto do livro "Um Olhar Retrospectivo", de Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72), parte que diz respeito à sua vida militar.
III - Abrantes e Santa Margarida…
Chegado ao RI 2 (regimento de infantaria), Abrantes, apresento-me ao oficial de dia, um tenente, que logo reage:
- Mas…, de onde vem?! Leiria?!... Então, em Leiria anda fardado dessa maneira?!’
- Não, propriamente, mas o calor...
- Olhe, fica registada a sua apresentação, mas eu não o vi! Deixe-me cá ver a que companhia pertence... Pois é, a 2796 formou e já saiu daqui há muitos dias, rumo ao campo militar de Santa Margarida, para o IAO...
Agradeci e parti para Santa Margarida, onde me esperava a Companhia de Caçadores Independente 2796.
Chegado, ainda passei um certo tempo até encontrar o local onde a companhia estava instalada, uma vez que o campo militar é bastante grande e ‘abriga’ muitas companhias, das diversas armas.
Apresentei-me ao comandante, o tenente Assunção e Silva e restantes companheiros de missão, após o que me informaram que ficaria integrado no 4º grupo de combate.
Na altura, o efectivo da companhia ainda não estava completo, pois ainda faltavam alguns elementos, graduados, 1ºs cabos e soldados, segundo informação, que iriam ter connosco à Guiné, em rendição individual.
Na altura, recordo-me dos graduados que já se tinham apresentado, Ponte, comandante do 1º grupo de combate, Manso, comandante do 2º grupo, Campinho, comandante do 3º grupo, e Rodrigues, comandante do 4º grupo, 1º sargento Moreira e 2º sargento Baptista, furriéis Magalhães, Ferreira, Neves, Amaral, Fernandes, Rosa, Cunha, Chaves, Silva, Oliveira, Coelho, Fabrício, Anjos.
Mais tarde, já em missão, na Guiné, para complemento do efectivo, por falhas ao embarque, casos do Rosa e Cunha, ou por baixas, recebemos o Tristão, o Esteves, o Pereira, o Queiroz, o Guimarães, o Vilas Boas e o Matias.
Normalmente, o IAO, instrução de aperfeiçoamento operacional, era feito em mês e meio, mas o nosso levaria três meses, pelas nossas contas.
Tudo foi correndo dentro do estabelecido e normal, com os fins-de-semana na Figueira da Foz ou em Lisboa, com saída do campo militar à quinta-feira, final da tarde, e regresso segunda-feira, às oito da manhã.
Nos intervalos das operações, aproveitei para experimentar vários tipos de viaturas militares, como o Jeep Willys, os Unimog 411 e 404, a Mercedes, a Berliet.
Descubro um amigo de cavalaria, de Coimbra, que me dá a oportunidade de experimentar um M47, o tradicional tanque de guerra, complicado de manobrar, primeiro, pelo reduzido espaço do habitáculo do condutor, depois, pelos instrumentos de manobra que requerem concentração e prática.
Três dias de detenção!
E já estava um pouco saturado e cansado daquele cenário, apesar de enorme, em dimensão, mas que se tornava um pouco claustrofóbico!
A vontade irresistível de sair dali, nem que fosse por uns momentos, tomou conta dos meus sentidos e levou-me a pegar num Unimog 411 e partir por aí fora.
Comigo, foi um enfermeiro de uma outra companhia que eu tinha conhecido nas Caldas da Rainha.
Partimos do campo militar cerca das nove da noite e, depois de quilómetros e quilómetros de maluquices, regressámos ao campo militar, pelas seis da manhã.
Antes de lá chegarmos, perdemo-nos um pouco, tendo ido dar a uma herdade, aguardando que alguém aparecesse, pois o ladrar dos cães acordaria qualquer um, num raio alargado.
Acendem-se luzes e aparece um senhor, em roupão, a quem perguntámos como chegar ao campo militar.
Olha para nós, com ar de reprovação, e diz-nos para irmos sempre em frente, até chegarmos às traseiras da capela.
Mais tarde, viemos a saber que se tratava de um coronel de cavalaria do campo militar, já com uns anos a viver ali.
Quando chegámos ao campo militar, só tive tempo de estacionar o Unimog e ir às instalações preparar-me para a formatura, pois tínhamos mais um treino militar.
O sargento Moreira chama-me, a pedido do tenente Fernando Assunção e Silva, nosso comandante de companhia, que me diz terem dado como desviado aquele Unimog, sem outra explicação, e lamenta ter de me punir pelo acto, tanto mais que não tinha carta de condução militar.
Respondi que tinha toda a razão e direito de me punir.
Acrescentou que seria para exemplo da companhia.
E, assim, levei três dias de detenção, correspondendo ao período do fim-de-semana, coisa a que já estava habituado, de certa forma, de experiências anteriores...
Mas esta punição já não podia ser apagada por ninguém, como foram as anteriores, pelo sargento-ajudante de Leiria, como lhe contei.
E confirmei isto, trinta e cinco anos mais tarde, quando tratei do meu processo para o estatuto de pensionista, em que era necessário apresentar a caderneta militar.
Fui aos serviços do exército, na Av de Berna e em Chelas, onde me disseram que não podiam dar-me a caderneta, pois tinha levado o mesmo caminho de algumas outras...
Perguntei o que queriam dizer com aquilo e acabaram por dizer-me que todas as que estavam um pouco ‘sujas’ foram destruídas, para bem dos seus proprietários...
Claro que entendi...
Mas deram-me um papel com o resumo do meu currículo militar, que ainda guardo, e lá constam os tais três dias de detenção, de Santa Margarida, ‘porrada’ que já ninguém pôde ‘limpar’...
Passar o fim de semana, em serviços, dentro do campo militar, era uma tortura.
Depois de todos terem saído, peguei nas minhas coisinhas e ala para a Figueira da Foz, final da tarde de quinta-feira.
Sábado, final da manhã, telefonei para o campo militar e falei com um elemento do meu grupo que logo me diz que as coisas não estavam bem - anda tudo ‘à porrada’ nos refeitórios - o que deu origem a queixas ao responsável pelos refeitórios e messes.
Eu pedi-lhe para falar com os nossos e tentar controlar a coisa, pois só poderia regressar na segunda de manhã.
Na segunda feira, o tenente Assunção e Silva pergunta-me:
- Então, Cruz, correu tudo bem?
- Sim, tudo bem!
- Tem a certeza?...
- Sim, tudo controlado!
Ele já sabia que eu me tinha pirado... Mas, que castigo pior do que ir para a Guiné?...
- Realmente, o Adolfo parece que nasceu para infringir regras...
Pois, uma espécie de instinto a atirar para o lado errado...
Entretanto, recebo um aerograma do meu irmão, ainda em Moçambique, que me fala em qualquer coisa relacionada com uma Guiomar, um conhecimento das suas férias à Metrópole, cerca de um ano antes, pedindo-me que, se ela aparecesse a querer aproximar-se, eu tratasse do assunto, como entendesse.
Mas ninguém apareceu nem ouvi nada que se relacionasse com o assunto, pensando que tudo estaria resolvido, sem que necessitasse da minha intervenção.
Se algo acontecesse, eu não estaria na Figueira da Foz, pois estava de partida para a Guiné.
E achei melhor nem falar em nada aos meus pais e irmã.
No entanto, isto seria o inicio de mais um problema...
O Rosa e o Cunha...
Dentro deste cenário do Campo Militar de Santa Margarida, alguns graduados eram notados com uma forte cumplicidade: o Rosa, o Cunha, o Neves, o Cruz (nomes de guerra).
Neste contexto, não é difícil imaginar que algo poderia acontecer, com prejuízo para a companhia, claro.
E, quem estivesse bem atento, reparava no temperamento e postura particulares daqueles graduados, além do facto de que o Cruz tinha sido punido pelo tenente Assunção e Silva.
Melhor dizendo, poderiam pensar na eventualidade daqueles graduados faltarem ao embarque para a Guiné, o que piorava a situação da companhia, que estava desfalcada de alguns elementos, esperado aparecerem em rendição individual.
E a suspeição deu sinais, pelas conversas entre o tenente Assunção e Silva e o alferes Ponte, comandante do 1º grupo.
"Pois, Adolfo, era mais um caso a juntar aos muitos que aconteciam, desde o início da guerra do ultramar - dar o salto para o estrangeiro..."
Entretanto, recebo mais uma boa notícia: nasceu a minha primita Filipa, a segunda filha da minha prima Lena, e a alegria aumentou e abraçou a família, restando-me esperar a oportunidade de uma visita para conhecer e dar as boas vindas à Filipa.
Finais de Outubro e dão-nos umas massas para comprarmos algumas roupas específicas, antes do embarque, o que faríamos no Casão Militar, Lisboa, o tal local já muito bem conhecido do Daniel...
Dia vinte e sete, vou à Figueira da Foz e fico para o dia seguinte, dia do aniversário da minha mãe.
Com beijos apertados, dou os parabéns à minha mãe e despeço-me, sem conseguir dizer mais nada...
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 27 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23821: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte II - Tavira e Leiria
domingo, 27 de novembro de 2022
Guiné 61/74 - P23821: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte II - Tavira e Leiria
1. Continuação da publicação de um excerto do livro "Um Olhar Retrospectivo", de Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72), parte que diz respeito à sua vida militar.
II - Tavira…
Depois de uns dias de férias na Figueira da Foz, intervalo da recruta para a especialidade, a sequência natural: Tavira.
Comboio da linha do Oeste, até ao Rossio, passar o Tejo de barco e apanhar outro comboio no Barreiro - aventura!
Cheguei ao Barreiro, final do dia, e disseram-me que só teria comboio para Tavira de manhã cedo.
Como lá estavam mais dois instruendos que também iam para Tavira, fazer a especialidade, trocámos ideias sobre como passar a noite, até à hora do comboio.
Entrámos numa ‘tasca’, jantámos umas coisas e pedimos aos donos que nos deixassem lá dormir, com sucesso, e dormimos apoiados nas mesas.
Isto fez-me lembrar os meus tempos de boleia…
De manhã, bem cedo, acordaram-nos, tomámos o pequeno-almoço e lá fomos apanhar o ‘quim’ para Tavira.
No comboio, cada um procurou o melhor lugar para descansar, até Tavira.
Fui dormitando, dormitando, até que sou acordado por um senhor revisor, dizendo-me que tinha de sair, pois era fim de linha - estava em Vila Real de Santo António!
Ainda perguntei se mais alguém tinha ficado no comboio, mas disse-me que só eu, pelo que concluí que os outros nem repararam que eu tinha ficado dentro do comboio!
Conclusão: espera mais um comboio, para voltar para trás e chegar ao destino, Tavira.
Chegado a Tavira, apresentação no CISMI (centro de instrução de sargentos milicianos de infantaria) e inserção na 1ª Companhia de Atiradores de Infantaria, cujo comandante fiquei a saber que era o célebre ‘muleta negra’, porque andava apoiado numa espécie de pingalim, resultado de ferimentos no ultramar.
Também tive oportunidade de conhecer e conviver com o célebre ex-alferes Robles, agora, capitão, com uma ‘pancada’ de alto nível, fruto de experiências de guerra colonial em Angola e Guiné.
Curioso, termos concluído que tínhamos conhecimentos comuns de Coimbra, de onde era natural.
Entretanto, a minha tia Jú telefona-me a dizer que o primo Jaime Abreu Cardoso estava à minha espera, pois eu fazia parte de uma lista dos instruendos seleccionados nas Caldas da Rainha para seguirem para Lamego.
Claro que eu disse logo à tia Jú que não ia para lá e até já estava em especialidade, em Tavira, e nem sabia que o Jaime era oficial do quadro e estava lá, pensava que tinha feito a tropa normal e mais nada.
Ela, com razão, respondeu-me que era pena, pois teria a protecção do Jaime, já capitão e com medalhas, além de poder ir com ele passar os fins de semana a Vieira do Minho.
Realmente, uma pena, pois poderia ter uma tropa melhor e, quem sabe, até retomar a vida académica, no Norte, com as facilidades, além de considerar-me nos ‘meus domínios’…
Voltando a Tavira, tive a sorte de conseguir autorização de ‘pernoita fora’, pelo que logo arranjei um quarto, do lado de lá do rio, mas bem perto do centro da cidade.
E não esqueci a rua: Dr. Augusto Silva Carvalho, 15. A dona da casa era viúva e tinha uma filha que tocava piano, interessante, naquele tempo, e tinha amigas que se juntavam a nós, nos serões, bem divertidos.
Eu estava habituado a controlar as aplicações e exercícios militares, principalmente, os nocturnos, de forma a safar-me, o mais possível, desta vez, com o sentido no meu quarto, para tirar a farda e vestir a roupa de civil.
Uma das primeiras formaturas, com revista, o capitão ‘muleta negra’ toca-me nas pernas com a bengala, ordenando que passasse pelo gabinete, dentro de uma hora, com o cabelo rapado, para grande aflição do comandante do pelotão, o alferes Soares, um porreiríssimo.
Sim, ninguém acreditava que eu andava na tropa, pelo menos, pelo tamanho do meu cabelinho.
E até evitava pôr bem a boina para não estragar o cabelinho.
E o ‘muleta negra’ ainda hoje está à minha espera para me ver com o cabelo rapado!…
Um dos companheiros de arma que lá conheci, o Pedro, de Santo Tirso, passou a ser o meu parceiro de farras, como Luz de Tavira, Faro, Vila Real de Santo António,…
Em Luz de Tavira, conhecemos umas miúdas bem engraçadas que passaram a ser a nossa companhia, sempre que podíamos, principalmente, alguns finais de dia e fins de semana - uma óptima forma de passarmos o tempo.
No entanto, sempre éramos avisados do risco de termos de casar em plena parada do quartel…
E o Pedro ficou ‘maluquinho’ com uma daquelas miúdas, lamentando-se, pois tinha a namorada em Santo Tirso.
Não posso deixar de lembrar o esquema que montei, sempre que tinha exercício nocturno, normalmente, na serra.
Formávamos na parada do quartel e saíamos pelo portão sul, que dava para a Atalaia, um espaço livre que ficava nas traseiras do quartel, onde fazíamos exercícios, de dia.
Quando chegava ao portão sul, já eu tinha a G3 quase desmanchada e metida dentro da farda, após o que virava à esquerda, enquanto o resto do grupo virava à direita.
Com passo rápido, atravessava a Atalaia e seguia em direcção ao outro lado do rio, onde tinha o quarto!
No dia seguinte, um esquema parecido, com a G3 desmanchada dentro da farda e reentrada no quartel, para mais um dia jeitoso…
Um dia, chegados ao quartel, depois de exercícios no exterior, um cheiro horrível inundava o quartel!
Toca para o almoço e a malta entra no refeitório, onde o ar era irrespirável, tal a intensidade do cheiro, o que nos levou a rejeitar a refeição, logo, levantamento de rancho!
Como era a segunda vez, o quartel seria fechado, pelas informações que nos chegaram.
Acto imediato, a população de Tavira à porta do quartel, suplicando que não avançássemos com o processo.
O oficial de dia, em pânico, pede-nos para ficarmos por ali, sujando os pratos, sinal de que não haveria levantamento de rancho, mas reconhecendo o erro da cozinha.
Afinal, ele também era responsável, pois era obrigado a provar e aprovar a refeição, logo, conivente.
O que tinha acontecido: o almoço era peixe, mas tinha chegado atrasado e sem a quantidade adequada, pelo que foram arranjar dobrada, à pressa, metida nas panelas, sem a operação de lavagem completa - dobrada com feijão branco, com condimento especial…
Tirando este episódio, posso afirmar que foi o meu melhor tempo do serviço militar, sem qualquer dúvida.
Terminada a especialidade, apresento as minhas opções de colocação, para dar instrução, por ordem de preferência, Figueira da Foz, Coimbra, Leiria.
"Pelo menos, Adolfo, aproveitou bem esse tempo no Algarve.
Se tivesse ido para o Norte, mesmo sabendo que lá tinha o seu primo, talvez não tivesse sido tão bom."
Sim, Daniel, aproveitei bem aquele tempinho, no Algarve!
Mas, se eu adivinhasse o que me estava destinado, acredite que nunca teria deixado de fazer a especialidade em Lamego, independente do facto de lá ter o meu primo…
Leiria…
Colocado em Leiria, no RI 7 (regimento de infantaria), apresento-me uns dias depois e sou inserido na 1ª companhia de instrução, cujo capitão era um ‘gajo’ aceitável.
Naturalmente, procuro um quarto na cidade, muito importante, para mim, apesar de ficar distante do quartel, sete quilómetros, mas havia muitos táxis…
E os trabalhos militares começaram, já com tudo organizado, sempre atento a todos os momentos que eu pudesse aproveitar fora do quartel, pois o ambiente era propício a aventuras e distrações…
Entretanto, surge o sinal de uma amizade, não só pelas circunstâncias de estarmos no mesmo barco, mas pelo facto de constatar que era uma pessoa educada e digna de confiança, o Vilas Boas Soares, do Porto.
Como mostrou interesse em ter um quarto na cidade, dei-lhe a indicação da minha casa e lá foi, tendo conseguido.
Passámos a parceiros de aventuras, nomeadamente, frequentando a pastelaria Soraya, no centro, junto ao cinema, local de encontro de malta jovem, principalmente, das meninas do lar que ficava junto ao outro quartel, o RAL 4 (regimento de artilharia ligeira).
Sempre que em dias de folga ou que conseguíamos ‘desenfiar-nos’, o ponto de encontro era na Soraya, de onde partíamos para as festinhas particulares.
Eu continuava sem grande jeito para cumprimento de normas e regras militares, o que se traduzia em algumas inconveniências, principalmente, para o comandante da companhia, um capitão do quadro.
Mas os homens a quem eu dava instrução eram tratados como homens que eram, não como bichos, pois os meus princípios e valores reinavam, sempre atento a uma ligação saudável, respeitadora.
O mesmo não se passava com alguns outros instrutores, com necessidade de afirmação, com recalcamentos ou complexos, que usavam as divisas ou galões para satisfazerem as suas necessidades de afirmação.
Por isso, todos aqueles a quem dei instrução me tratavam com carinho e respeito, o que nos enchia o ego, naturalmente.
Além da instrução militar e dos serviços de escala ao quartel, outras tarefas me eram atribuídas, como comandar um pelotão de piquete, para promoção e defesa da ordem militar, fora do quartel, assim como para a protecção do património nacional, nomeadamente, Mosteiro da Batalha.
Claro que viria o dia em que estas tarefas me seriam confiadas, que remédio…
Para aquele segundo caso, chega a minha vez e toca a formar o pelotão e sair do quartel, pelas oito da manhã, com chegada ao Mosteiro da Batalha e organização imediata da operação, com distribuição dos homens pelos pontos estratégicos.
Era um dia inteiro nestas circunstâncias, o que causava algum mal-estar aos homens, pois não tinham possibilidade de se ausentarem do seu posto, por muito tempo.
A meio da tarde, um dos homens, aflito da barriga, resolve fazer uma necessidade num canto do interior do Mosteiro, supondo-se livre de ser descoberto.
Uma denúncia, talvez de alguém em visita ao Mosteiro, acaba por fazer com que eu seja solicitado pelo presidente da câmara, para registo e responsabilização pelo acto.
Depois de algum tempo de conversa e mais conversa, a coisa ficou por ali, entre nós, pessoas bem-intencionadas, tolerantes e compreensivas.
Não deixei de notar a satisfação do presidente da câmara pela forma como lhe apresentei o pedido de desculpas, reacção que me deixou sensibilizado.
O homem em questão, confrontado por mim, não sabia onde se meter, coitado.
Chegados ao quartel, antes de entrarmos, tive uma conversa com ele, sosseguei-o e recomendei-lhe mais atenção e cuidado, a partir daquele momento, quer na vida militar, quer na etapa seguinte, a vida civil.
Mais um dia de rotina se iniciava, as companhias formadas, na parada, o meu grupo sozinho, pois eu tinha-me atrasado, o que obrigou o capitão como que a apresentá-lo a ele mesmo.
Mas a coisa foi notada pelo major de instrução, um militarista em toda a linha, temido por todos, desde a família até aos seus superiores.
Chamou o capitão e perguntou-lhe por que razão o grupo estava sem o graduado e ele próprio formou o grupo, ao que respondeu que o graduado tinha ido à caserna tratar de qualquer coisa…
Vá ao meu gabinete, após o destroçar das companhias.
E o capitão levou uma ‘piçada’, como dizíamos, um raspanete, uma chamada de atenção, nem sei se registada!
Mandou chamar-me e só me disse que eu pagaria caro o que acabara de acontecer.
Dez dias de detenção…
Alguns dias passaram e eu sou escalado como comandante de piquete, logo, vinte e quatro horas de serviço, retido no quartel, sempre pronto para qualquer emergência.
Tinha uma festa na cidade e saí do quartel, a seguir ao jantar.
Estava muito bem na Soraya, com a malta, preparados para a festinha, cerca das dez da noite, toca o telefone e chamam pelo meu nome.
Eu nem queria acreditar que havia, por ali, alguém com um nome igual ao meu!
Repetem o meu nome, mas referem o RI 7.
Dei um salto e fui ao telefone: era do quartel, realmente, e logo me dizem que tinha tocado a piquete, que não saiu, pois faltava o comandante…
Desculpei-me e lá tive de ir ao quarto mudar de roupa.
Cheguei ao quartel, por volta da meia-noite e, quando me preparava para entrar, sou recebido pelo oficial de dia, que era, nem mais nem menos, o capitão da minha companhia:
- Eu não lhe disse que iria pagar caro?
Limitei-me a pedir desculpa pela infracção, mas não respondeu, claro.
Entrei e fui direitinho às instalações onde estava a equipa de piquete e logo alguém me disse que tinha havia desordem na cidade e, por isso, o piquete tinha sido requisitado, mas não saiu, pois eu não aparecia…
No dia seguinte, sou chamado ao segundo comandante do quartel que me dá conhecimento dos dez dias de detenção, com manobras militares fora do quartel, mas com um processo que daria despromoção e, até, possibilidade de imediata mobilização para o ultramar.
Falei com um sargento-ajudante da secretaria-geral que me aconselhou a falar com o capelão, pois poderia dar uma palavrinha ao primeiro comandante do quartel, a última palavra no veredicto.
Tudo correu bem, pois o primeiro comandante não permitiu a despromoção, limitando-se a confirmar a detenção.
E lá fui fazer os dez dias de manobras, em que executei diversas tarefas, dentro de algumas especialidades, incluindo saltos livres de helicóptero alouette, carregado de material de campanha, parte dos exercícios, na zona do pinhal de Leiria.
E não podia recusar nada!
Último dia, regresso ao quartel, pelas cinco horas da manhã, saturado e cansado, barba de dez dias, farda número três cheia de lama e pó, com o resto do grupo nas mesmas circunstâncias, sou recebido por um 1.º cabo, que estava de serviço, com um papel na mão:
- Desculpe, mas tenho aqui uma nota para si.
- Não estou com cabeça para notas!
- Pois, mas isto é importante…
Sim, ‘importante’: mobilizado para a província da Guiné!...
Dei instruções para que tratassem do espólio, entregassem as viaturas e recolhessem às casernas.
Não quis saber de mais nada, nem tomei banho e saí do quartel, com destino ao meu quarto, na cidade, após o que zarpei para a Figueira.
Lá fiquei duas semanas, alta recriação, sem nada dizer.
E as duas semanas passaram depressa…
Regresso a Leiria e, quando entro no quartel, logo na porta de armas, disseram-me que andavam à minha procura há muito tempo, com avisos constantes pelos altifalantes.
Dirijo-me à secretaria-geral e logo o sargento-ajudante me vem falar:
- Afinal, o que pretende da vida?! Vai continuar com essa postura pelo resto do seu tempo militar?! Acabou de apanhar um castigo, safou-se da despromoção e desaparece de cena?! A sua companhia está à sua espera, há muito tempo, em Abrantes!
- Tem razão, mas fiquei tão decepcionado com aquela nota que me deram: mobilizado para a Guiné.
- Eu vou tentar limpar as ‘nódoas’ que tem registadas, mas tem de me prometer que guardará só para si. E sabe porque o faço? Porque tenho um filho da sua idade e gostaria que fizessem o mesmo por ele! Veja se encontra o seu caminho certo e não se distraia, durante a comissão, na Guiné, pois aquilo é sério… E, quando voltar, não retome a sua vida civil com este comportamento, pois pode sofrer desgostos…’
Manifestei o meu agradecimento e lá fui direito a Abrantes.
"Realmente, Adolfo, vejo uma mistura de desleixo, de ingenuidade, para não dizer imaturidade! Desculpe a minha franqueza…"
- Sim, reconheço um pouco de tudo isso…
(Continua)
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Nota do editor
Poste anterior de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23814: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte I - "e toma lá com o edital!"
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
Guiné 61/74 - P23705: Convívios (945): Almoço comemorativo dos 50 anos do regresso da Guiné dos combatentes da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhámel, 1970/72), levado a efeito no passado dia 5 de Outubro em Abrantes (Morais da Silva, Cor Art Ref)
1. Mensagem com data de hoje, 13 de Outubro de 2022, do nosso camarada, Coronel Art Ref, António Carlos Morais da Silva (ex-Instrutor da 1.ª CCmds Africanos em Fá Mandinga; Adjunto do COP 6 em Mansabá e Comandante da CCAÇ 2796 em Gadamael, entre 1970 e 1972):
Caro camarada Vinhal
No passado 5 de Outubro os “Gaviões” de Gadamael e familiares reuniram para comemorar a chegada da Guiné no mesmo dia de 1972.
Volvidos 50 anos, novamente juntos, aportaram à unidade mobilizadora em Abrantes onde, na Eucaristia, rezaram pelos camaradas que já partiram.
Terminada esta, assistiram à cerimónia militar de homenagem aos Militares Mortos ao Serviço da Pátria e, de seguida, recordaram e saudaram os seus Mortos em Combate perpetuados no Memorial da Unidade.
Uma vez mais os homens da CCaçInd 2796 ficaram devedores e agradecidos aos militares que prestam serviço no RAME- Abrantes, na pessoa do seu actual comandante Coronel de Infantaria Joaquim José Estevão da Silva a quem convidaram para o almoço de confraternização onde o reencontro avivou memórias e matou saudades do tempo da juventude.
Terminado o encontro anual, ficou a promessa de tocar a reunir em 2023.
Se entender útil, agradeço que este reencontro seja noticiado no nosso blog.
Abraço e muita saúde
Morais Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de Outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23697: Convívios (944): Rescaldo do XXVII almoço/convívio dos Antigos Combatentes da Vila de Guifões, Matosinhos, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro em Santa Marinha do Zêzere, Baião (Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf)
sábado, 13 de março de 2021
Guiné 61/74 - P22001: Os nossos seres, saberes e lazeres (440): Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2020:
Queridos amigos,
Tomem este conjunto de imagens e apreciações como um aperitivo, uma viagem de reconhecimento, há muito congeminada e desejada e por razões espúrias adiada. Feita em tempo de pandemia, com a generalidade dos edifícios fechados, levava-se bússola e houve que aproveitar entre o castelo-fortaleza, o centro histórico e o Tejo o tempo outonal com o seu anoitecer precoce. Tomaram-se notas, o regresso é muito mais do que uma promessa, há aqui património edificado e natural a chamar a nossa atenção. Ir-se-á corresponder ao apelo.
Um abraço do
Mário
Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes
Mário Beja Santos
Registo com mágoa que passara por Abrantes duas vezes, a chamada visita de médico, sair de um transporte, alimentar o estômago, perorar e responder a perguntas, voltar ao transporte e regressar a casa, guardara-se a recordação de uma cidade com um derramado centro histórico entre o castelo-fortaleza e as fímbrias do rio Tejo, que aqui corre ondulante e em largueza. Esta é, pois, a primeira visita com o título de preparatória, pego em literatura institucional, obra da Câmara Municipal de Abrantes de 2009, arruma-se o carro junto à Igreja de S. Vicente e adverte-se o leitor que Abrantes tem história remota e desenvolveu-se na nossa pátria graças à política de defesa territorial da linha do Tejo, muito provavelmente em meados do século XII, é seguro que Afonso Henriques doou o castelo à Ordem de Santiago da Espada. Há muito para ver: a arquitetura militar é relevante, lá nos altos da fortaleza subsistem elementos do Palácio dos Governadores, há a imponência dos baluartes, dentro deste espaço defensivo incrustou-se a Igreja de Santa Maria do Castelo, Panteão dos Almeidas e daqui passamos para a arquitetura religiosa. É princípio da tarde, estamos em tempos de pandemia, não há portas abertas para percorrer o interior. S. Vicente vem do século XIII, não faltam remodelações, as do período filipino deixaram marcas indeléveis, só tem uma torre sineira. Contempla-se com imenso prazer a fachada onde se destaca um interessante pórtico-retábulo. Lê-se no seu interior que está marcado pelo barroco, tem azulejaria de meados de Seiscentos. Deliciei-me a percorrer as estruturas entre os arcobotantes, a igreja é contrafortada e mesmo assim não fica com aquele ar de templo acastelado.
Antes de me lançar no centro histórico, não resisti a contemplar o Cineteatro S. Pedro, edifício de meados do século XX, modernista, é uma bela arquitetura, vê-se sem dificuldade que é merecedor de restauro e que lhe deem bom uso. Num passeio a Castelo Branco dei com a transformação do respetivo cineteatro numa sala pluriusos, desde fados e guitarradas, passando pela música de câmara e sessões de cineclube, a agenda é farta, oxalá que depois de o vírus se ir embora embelezem este belo edifício e o tornem um agradável espaço cultural, gostei também muito dos elementos escultóricos da parede lateral, também a pedir limpeza.
Dói um tanto ver estas fachadas escalavradas na velha Abrantes que irei percorrer até ao mercado, gosto do nome das ruas, e sinto-me enternecido por muitos se terem esquecido de uma abrantina dileta, Maria de Lurdes Pintasilgo, de quem tive o privilégio de ser amigo, acompanhei-a, entusiasmado, na sua jornada presidencial, o seu pensamento continua no topo da contemporaneidade, lê-la agora, nestes tempos de maior corrosão de caráter, de campanhas de ódio, de falsificação de notícias, de patrões dos média pretenderem manter-nos aterrorizados, é uma festa para o espírito rever as suas predições e o seu feminismo retemperado, o seu permanente convite ao aprofundamento da democracia na malha dos cidadãos ativos. Ainda bem, estimada Lurdes, que o teu berço não te esqueceu.
Lá vou a caminho do mercado, e a salivar numa paragem para comer uma tigelada e levar um pouco de palha de Abrantes. Regresso ao livro que despoletou esta visita: “Em Abrantes, as construções são em alvenaria de pedra, sobretudo a calcária, mas também, pontualmente, se observa o granito e o xisto. Relativamente à forma, as casas apresentam uma volumetria variável e estreita, moldando-se organicamente à morfologia do terreno. Na sua maioria, têm mais do que um piso, atentando o nível de urbanidade de Abrantes no Antigo Regime”. E sempre a mirar este casario, em muitos casos a pedir obras, passa-se pela fachada da igreja de S. João Baptista, mais outra que resolveu merecer consideração no período filipino. Merece bem a nossa atenção, é uma fachada de erudição admirável, de configuração sóbria e desornamentada, tem algo de palácio, provoca equívoco na tipologia e organização do espaço, podia ser tomada como um palácio, repito. Estava fechada, consta que o seu acervo é merecedor da nossa atenção, pois bem, ficará para um dia de visita quando Abrantes puder estar de portas abertas.
A Igreja da Misericórdia, segundo consta nesta obra, tem um património notável. À igreja adossou-se um edifício de dois andares, parece que num pequeno claustro há uma extraordinária cisterna e as fotografias que vi da sala de reunião dos mesários provoca deslumbramento. Postei-me em frente da fachada, pois claro, e tomo nota do que consta deste livro sobre o centro histórico de Abrantes: “Destaca-se o pórtico em trabalho de pedra calcária de modelação renascentista, desde logo no perfil em verga reta e nas pilastras que o delimitam. No remate da porta evidencia-se um tondo (composição de pintura ou escultura em forma redonda) onde temos um dos temas mais caros à irmandade, a Mãe Universal. Trata-se da Virgem da Misericórdia, ladeada por anjos que seguram o seu manto, símbolo de amparo”. O seu interior tem riqueza profusa e muito boa azulejaria, conserva mobiliário muito raro, enfim, templo de visita obrigatória. Saciado o estômago, retoma-se o passeio para uma quota mais elevada, a fortaleza-castelo, sabe-se que não há circunstância de visitar galerias ou a biblioteca, já se passou por um belo jardim, e há a promessa de que o jardim do castelo seja um regalo para os olhos.
A Igreja de Santa Maria do Castelo estava fechada, nada de mirar as preciosidades arqueológicas e o Panteão dos Almeidas. Lê-se num folheto que esta torre de menagem vem dos tempos provectos e há até mesmo uma lápide que recorda a visita D’El-Rei D. Pedro V. Cá em cima dá bem para perceber como no passado se moldaram duas Abrantes, a circunvizinha deste espaço tutelar e defensivo e aquela que vivia da azáfama do Tejo. Falou-se do período filipino, a Restauração veio reafirmar a relevância do castelo na estratégia militar no espaço da antiga província da Estremadura, não foi ao acaso que por aqui passou uma tumultuosa invasão napoleónica. No século XVIII, o Marquês de Abrantes iniciou a reconstrução do paço pertencente à sua família, como acontece frequentemente entre nós o que se começou não se concluiu e o tal majestoso palácio foi parcialmente destruído devido às obras de fortificação. O general Junot também permaneceu aqui uma boa temporada. Tudo somado e multiplicado, passeamos entre vestígios, só a torre de menagem está conforme, sabemos que é medieval e tem baluartes do século XVIII. Da tal magnificência do Palácio do Marquês restam onze arcos de volta perfeita, preenchendo o paramento de uma das muralhas.
A vista da torre de menagem é deslumbrante, vê-se à vista desarmada o Tejo a serpentear entre terras férteis, passeia-se entre baluartes, percebe-se agora com mais clareza a urbana Abrantes e a circunvizinhança, o jardim do castelo é aquilo que vemos. Para visita de reconhecimento, damo-nos por esclarecidos, há que preparar com mais critério para, pelo menos um dia inteiro aqui se deambular pelo centro histórico, entre maravilhas de arquitetura militar, religiosa e civil, e encontrar os vestígios do passado e do presente, quanto ao mais o Tejo parece uma espinha dorsal e lá de cima, da torre de menagem, sente-se perfeitamente o que é a marca de água das terras ribatejanas. Até à próxima!
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21975: Os nossos seres, saberes e lazeres (439): Fui visitar Alves Redol e Álvaro Guerra, Vila Franca de Xira recebeu-me em festa (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Tomem este conjunto de imagens e apreciações como um aperitivo, uma viagem de reconhecimento, há muito congeminada e desejada e por razões espúrias adiada. Feita em tempo de pandemia, com a generalidade dos edifícios fechados, levava-se bússola e houve que aproveitar entre o castelo-fortaleza, o centro histórico e o Tejo o tempo outonal com o seu anoitecer precoce. Tomaram-se notas, o regresso é muito mais do que uma promessa, há aqui património edificado e natural a chamar a nossa atenção. Ir-se-á corresponder ao apelo.
Um abraço do
Mário
Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes
Mário Beja Santos
Registo com mágoa que passara por Abrantes duas vezes, a chamada visita de médico, sair de um transporte, alimentar o estômago, perorar e responder a perguntas, voltar ao transporte e regressar a casa, guardara-se a recordação de uma cidade com um derramado centro histórico entre o castelo-fortaleza e as fímbrias do rio Tejo, que aqui corre ondulante e em largueza. Esta é, pois, a primeira visita com o título de preparatória, pego em literatura institucional, obra da Câmara Municipal de Abrantes de 2009, arruma-se o carro junto à Igreja de S. Vicente e adverte-se o leitor que Abrantes tem história remota e desenvolveu-se na nossa pátria graças à política de defesa territorial da linha do Tejo, muito provavelmente em meados do século XII, é seguro que Afonso Henriques doou o castelo à Ordem de Santiago da Espada. Há muito para ver: a arquitetura militar é relevante, lá nos altos da fortaleza subsistem elementos do Palácio dos Governadores, há a imponência dos baluartes, dentro deste espaço defensivo incrustou-se a Igreja de Santa Maria do Castelo, Panteão dos Almeidas e daqui passamos para a arquitetura religiosa. É princípio da tarde, estamos em tempos de pandemia, não há portas abertas para percorrer o interior. S. Vicente vem do século XIII, não faltam remodelações, as do período filipino deixaram marcas indeléveis, só tem uma torre sineira. Contempla-se com imenso prazer a fachada onde se destaca um interessante pórtico-retábulo. Lê-se no seu interior que está marcado pelo barroco, tem azulejaria de meados de Seiscentos. Deliciei-me a percorrer as estruturas entre os arcobotantes, a igreja é contrafortada e mesmo assim não fica com aquele ar de templo acastelado.
Antes de me lançar no centro histórico, não resisti a contemplar o Cineteatro S. Pedro, edifício de meados do século XX, modernista, é uma bela arquitetura, vê-se sem dificuldade que é merecedor de restauro e que lhe deem bom uso. Num passeio a Castelo Branco dei com a transformação do respetivo cineteatro numa sala pluriusos, desde fados e guitarradas, passando pela música de câmara e sessões de cineclube, a agenda é farta, oxalá que depois de o vírus se ir embora embelezem este belo edifício e o tornem um agradável espaço cultural, gostei também muito dos elementos escultóricos da parede lateral, também a pedir limpeza.
Dói um tanto ver estas fachadas escalavradas na velha Abrantes que irei percorrer até ao mercado, gosto do nome das ruas, e sinto-me enternecido por muitos se terem esquecido de uma abrantina dileta, Maria de Lurdes Pintasilgo, de quem tive o privilégio de ser amigo, acompanhei-a, entusiasmado, na sua jornada presidencial, o seu pensamento continua no topo da contemporaneidade, lê-la agora, nestes tempos de maior corrosão de caráter, de campanhas de ódio, de falsificação de notícias, de patrões dos média pretenderem manter-nos aterrorizados, é uma festa para o espírito rever as suas predições e o seu feminismo retemperado, o seu permanente convite ao aprofundamento da democracia na malha dos cidadãos ativos. Ainda bem, estimada Lurdes, que o teu berço não te esqueceu.
Lá vou a caminho do mercado, e a salivar numa paragem para comer uma tigelada e levar um pouco de palha de Abrantes. Regresso ao livro que despoletou esta visita: “Em Abrantes, as construções são em alvenaria de pedra, sobretudo a calcária, mas também, pontualmente, se observa o granito e o xisto. Relativamente à forma, as casas apresentam uma volumetria variável e estreita, moldando-se organicamente à morfologia do terreno. Na sua maioria, têm mais do que um piso, atentando o nível de urbanidade de Abrantes no Antigo Regime”. E sempre a mirar este casario, em muitos casos a pedir obras, passa-se pela fachada da igreja de S. João Baptista, mais outra que resolveu merecer consideração no período filipino. Merece bem a nossa atenção, é uma fachada de erudição admirável, de configuração sóbria e desornamentada, tem algo de palácio, provoca equívoco na tipologia e organização do espaço, podia ser tomada como um palácio, repito. Estava fechada, consta que o seu acervo é merecedor da nossa atenção, pois bem, ficará para um dia de visita quando Abrantes puder estar de portas abertas.
A Igreja da Misericórdia, segundo consta nesta obra, tem um património notável. À igreja adossou-se um edifício de dois andares, parece que num pequeno claustro há uma extraordinária cisterna e as fotografias que vi da sala de reunião dos mesários provoca deslumbramento. Postei-me em frente da fachada, pois claro, e tomo nota do que consta deste livro sobre o centro histórico de Abrantes: “Destaca-se o pórtico em trabalho de pedra calcária de modelação renascentista, desde logo no perfil em verga reta e nas pilastras que o delimitam. No remate da porta evidencia-se um tondo (composição de pintura ou escultura em forma redonda) onde temos um dos temas mais caros à irmandade, a Mãe Universal. Trata-se da Virgem da Misericórdia, ladeada por anjos que seguram o seu manto, símbolo de amparo”. O seu interior tem riqueza profusa e muito boa azulejaria, conserva mobiliário muito raro, enfim, templo de visita obrigatória. Saciado o estômago, retoma-se o passeio para uma quota mais elevada, a fortaleza-castelo, sabe-se que não há circunstância de visitar galerias ou a biblioteca, já se passou por um belo jardim, e há a promessa de que o jardim do castelo seja um regalo para os olhos.
A Igreja de Santa Maria do Castelo estava fechada, nada de mirar as preciosidades arqueológicas e o Panteão dos Almeidas. Lê-se num folheto que esta torre de menagem vem dos tempos provectos e há até mesmo uma lápide que recorda a visita D’El-Rei D. Pedro V. Cá em cima dá bem para perceber como no passado se moldaram duas Abrantes, a circunvizinha deste espaço tutelar e defensivo e aquela que vivia da azáfama do Tejo. Falou-se do período filipino, a Restauração veio reafirmar a relevância do castelo na estratégia militar no espaço da antiga província da Estremadura, não foi ao acaso que por aqui passou uma tumultuosa invasão napoleónica. No século XVIII, o Marquês de Abrantes iniciou a reconstrução do paço pertencente à sua família, como acontece frequentemente entre nós o que se começou não se concluiu e o tal majestoso palácio foi parcialmente destruído devido às obras de fortificação. O general Junot também permaneceu aqui uma boa temporada. Tudo somado e multiplicado, passeamos entre vestígios, só a torre de menagem está conforme, sabemos que é medieval e tem baluartes do século XVIII. Da tal magnificência do Palácio do Marquês restam onze arcos de volta perfeita, preenchendo o paramento de uma das muralhas.
A vista da torre de menagem é deslumbrante, vê-se à vista desarmada o Tejo a serpentear entre terras férteis, passeia-se entre baluartes, percebe-se agora com mais clareza a urbana Abrantes e a circunvizinhança, o jardim do castelo é aquilo que vemos. Para visita de reconhecimento, damo-nos por esclarecidos, há que preparar com mais critério para, pelo menos um dia inteiro aqui se deambular pelo centro histórico, entre maravilhas de arquitetura militar, religiosa e civil, e encontrar os vestígios do passado e do presente, quanto ao mais o Tejo parece uma espinha dorsal e lá de cima, da torre de menagem, sente-se perfeitamente o que é a marca de água das terras ribatejanas. Até à próxima!
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21975: Os nossos seres, saberes e lazeres (439): Fui visitar Alves Redol e Álvaro Guerra, Vila Franca de Xira recebeu-me em festa (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 31 de maio de 2018
Guiné 61/74 - P18699: Convívios (860): Rescaldo do XXVIII Encontro dos Maiorais da CCAÇ 2381, levado a efeito no passado dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)
Alguns dos Maiorais presentes no XXVIII Convívio
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), datada de 28 de Maio de 2018, com o rescaldo do XXVIII convívio dos Maiorais, levado a efeito no passado dia 5 de Maio.
OS MAIORAIS – CCAÇ 2381 COMEMORARAM OS CINQUENTA ANOS DA PARTIDA PARA A GUINÉ
Os MAIORAIS - CCaç 2381, embarcaram para a Guiné no dia 1 de Maio de 1968. Andaram pelas picadas de Ingoré, até finais de julho e seguiram para o Sul. No restante tempo de comissão, até ao regresso em abril de 1970, palmilharam as matas de Buba, Quebo (Aldeia Formosa) Mampatá Forreá, Chamarra e Empada. Estacionaram em Quebo, Mampatá e Chamarra. Desgastaram-se nas colunas de Quebo para Buba e vice-versa e de Quebo a Gandembel. Quedaram-se em Buba na proteção à construção da estrada nova para Quebo. Em maio de 1969, dois Grupos foram para Empada, mantendo-se o restante pessoal entre Buba e Mampatá no apoio e segurança à estrada. Acabaram a comissão em Empada onde se juntaram em novembro de 1969.
Comemoraram os cinquenta anos da partida para a Guiné num convívio que começou com uma visita ao Quartel de Abrantes. Tinham partido deste quartel no dia 30 de abril de 1968, já de noite com destino a Lisboa, onde chegaram de manhã. Depois do desfile ouviram o discurso de um alto graduado que disse, recordo-me perfeitamente: “Todos vocês têm na Guiné uma pequena parcela de terra e é vosso dever defendê-la, com o sangue se necessário”, ao que eu retorqui em pensamento: "dou-te o meu bocadinho, podes ir para lá tu". Claro que, ele não ouviu, e se ouvisse, ria-se de mim e dava-me uma “porrada”.
Neste reviver da partida para a guerra, os Maiorais presentes foram recebidos pelas autoridades militares. No mesmo dia, um batalhão, que tinha cumprido a comissão em Angola, comemorava o cinquentenário do seu regresso. As duas unidades de ex-combatentes foram recebidas pelas autoridades militares com uma guarda de honra em parada, tenho um senhor Major discursado para dar as boas vindas, usando uma linguagem de circunstância que sensibilizou os ex-combatentes. Seguiu-se a deposição de uma coroa de flores no monumento aos combatentes do Regimento de Infantaria 2 de Abrantes. Procedeu-se à chamada dos camaradas falecidos em combate o toque a silêncio em sua honra, e foram 8 no total. Três Maiorais e cinco do Batalhão.
Os Maiorais seguiram para a Capela do quartel para celebrarem uma Missa em Ação de Graças pelos Maiorais que regressaram e estão vivos e em sufrágio das almas dos que já partiram para o eterno aquartelamento.
Findo este ato religioso, os Maiorais, abandonaram o Quartel e seguiram para o convívio que se vem fazendo há vinte oito anos, com um almoço num restaurante em Alferrarede.
Ao fim do dia, os Maiorais partiram para suas casas, felizes e contentes com promessas de voltarem para o ano que vem.
José Teixeira
Receção às Unidades de ex-combatentes presentes no antigo RI 2 Com o representante do comandante da Unidade a discursar
O orgulho do Fernando Cardoso em transportar o Guião, ladeado pelo Zé Coelho e pelo Catarino
Jaime Mota, Zé Costa, Querido e Lagrante
Malta da Silva
Marques e esposa, Zé Teixeira, Azevedo e Raúl
Carlos, Freire Marques, Mota e Zé Coelho
Jaime Mota e Zé Teixeira
Zé Querido, Leandro e esposa
Leandro, Lagrante, Estorninho e Zé Costa
Cardoso, Batalha, Zé Coelho e Malta
Raul Brás
Samouco e Vítor, ex-furriéis presentes
Batalha, Dário Raúl e Freire
Zé Teixeira e Dário - o braço do padeiro ao enfermeiro
Leandro, Dário e Acácio
Nota do editor
Último poste da série de 29 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18691: Convívios (859): XII Encontro do pessoal da CCAÇ 4740 e Cufarianos, a levar a efeito no próximo dia 16 de Junho de 2018, em Fátima (Armando Faria, ex-Fur Mil Inf MA)
segunda-feira, 9 de abril de 2018
Guiné 61/74 - P18506: Convívios (848): XXVIII Encontro do pessoal da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais", dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2018, com a notícia do XXVIII convívio dos Maiorais, coincidente com os 50 anos da partida da Companhia para a Guiné.
Carlos, boa noite,
A Companhia de Caçadores 2381 - Os Maiorais, embarcou no Niassa no dia 1 de Maio de 1968 com destino à Guiné, ou seja, vai fazer cinquenta anos de embarque.
No dia anterior, os militares da Companhia receberam a farda de camuflado, assistiram à Missa, ouviram um sermão carregado de patriotismo e desfilaram pela cidade de Abrantes ao som da fanfarra, tendo como companheiros o pessoal da C.Caç 2382 e C.Caç 2383. Tiveram direito a almoço melhorado e partiram ao principio da noite para a estação do Comboio com destino a Lisboa, onde chegaram no outro dia de manhã. O comboio foi parando pelo caminho para receber mais carne para canhão.
O Niassa estava à nossa espera e depois de mais um desfilo e um discurso inflamado de um militar de gordos amarelos nos ombros, o barco, pelas 10 da manhã, arrotou violentamente. Levantou ferro, carregado como um burro e só parou às portas de Bissau.
Felizmente, cerca de dois anos depois não se esqueceu de voltar a Bissau para trazer o pessoal que restava. Agora somos poucos. Três ficaram lá a regar aquela terra inóspita, trinta e cinco foram feridos e muitos deles anteciparam o regresso. Os que restam e tem saúde e condições físicas e monetárias encontram-se todos os anos desde 1990 para comemorar. Muitos já ficaram pelo caminho, outros não conseguimos localizá-los, outros nem querem ouvir falar da Guiné e ainda há os que por razões monetárias, falta de apoio familiar ou por razões profissionais perderam o rasto e não aparecem.
Seria um prazer imenso para os Maiorais encontrarem-se todos este ano em Abrantes no quartel. Aqui deixamos o apelo.
Venham daí.
José Teixeira
Chegou à Guiné a 6 de Maio de 1968, proveniente de Abrantes.
Seguiu directamente para Ingoré, no norte, onde se instalou até meados de Julho, tendo efectuado aí o treino operacional.
Foi deslocada para Aldeia Formosa no sul da Guiné, onde teve, como missão, fazer escoltas de segurança às colunas-auto com mantimentos entre Aldeia Formosa, Buba e Aldeia Formosa, Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a auto defesa de Aldeia formosa, Mampatá e Chamarra.
Em Janeiro de 1969 seguiu para Buba.
A sua missão desdobrou-se na protecção ao pelotão de Engenharia que procedia aos trabalhos de abertura da nova estrada entre Buba e Aldeia Formosa e os trabalhos de combate à penetração do inimigo na área de defesa local.
Completou a sua missão na Guiné, a partir de Maio de 1969 até ao regresso em Maio de 1970, no Sub-sector de Empada, por cujo comando foi responsabilizada, tendo mantido dois grupos de combate em Buba até Dezembro do mesmo ano.
Os principais objectivos globais da actividade desenvolvida em teatro de guerra foram:
- Evitar o alastramento da subversão e atrair as populações à defesa comum dos objectivos por que se lutava em nome da Pátria.
- Garantir a protecção necessária às populações. Verificar e ajudar na sua auto defesa.
- Escorraçar o inimigo, criando-lhe um clima de insegurança e enfraquecê-lo nas suas capacidades, quer morais, quer operacionais e anímicas.
- Garantir o reabastecimento com segurança e eficiência a Aldeia Formosa, Gandembel, Mampatá e Chamarra, através de colunas auto e ou protecção às mesmas.
- Garantir a segurança aos homens e máquinas que dinamizavam o projecto de abertura da nova estrada de Buba para Aldeia Formosa, não permitindo nesta sua acção, que o Inimigo contrariasse o espírito de incrementar melhoramentos no modo de vida das populações, que o governo da Colónia estava a desenvolver.
Aplicou-se com garra e dinamismo para atingir as missões que lhe foram atribuídas, com o cuidado necessário para regressar completa, como era o seu sonho e compromisso de partida.
Recebeu várias referências honrosas dos comandos a cujas ordens serviu, das quais se salienta o seguinte louvor:
"Louvo a CCAÇ 2381 pela sua actuação no sub-sector de Empada, o qual mantém devidamente controlado pela persistente tenacidade do seu Comandante. E não é de estranhar o valioso contributo que deu à luta por uma GUINÉ MELHOR, no período em que esteve dependente do BCAÇ 2892, uma vez que antes disso, sempre demonstrou nas inúmeras acções em que esteve empenhada, desde o início da sua Comissão na Província, em 6 de Maio de 1968, possuir em alto grau espírito de missão. Tendo actuado no Norte da Guiné e depois na Zona Sul, na maioria dos sub-sectores do “S- 2” e em Gandembel, evidenciou através dos seus valiosos combatente, sacrifício, coragem e muita abnegação em todas as missões em que foi incumbida.
Por tudo isto e na hora da sua partida para a Metróple, bem merecem Oficiais, Sargentos e Praças da CCAÇ 2381, serem lembrados como exemplo, aos camaradas que depois deles continuam a luta pela causa comum".
O.S. nº 37 de 11de Fev./70 do BCAÇ 2892
Infelizmente não foi possível cumprir o objectivo principal que se propunham atingir – o de voltarem todos à mãe Pátria.
Lamenta-se a morte de dois combatentes em missão e um por acidente, para além de 35 feridos, alguns dos quais tiveram de ser evacuados para Lisboa.
Do seu historial de combate, regista-se:
- Montou 405 emboscadas
- Fez 93 escoltas a colunas auto com mantimentos ou de construção da estrada de Buba.
- Participou em 479 Patrulhas e em 15 Operações de Guerra.
- Capturou cerca de meia tonelada de diverso material de guerra.
O Inimigo também não deu tréguas:
- Sofreu 50 ataques a aquartelamentos e 16 emboscadas, dos quais resultaram os mortos e feridos acima mencionados.
“OS MAIORAIS”, totem com que se identificavam os seus homens, durante a Missão na Guiné, tinham como lema “Pela Lei e pela Grei”, o qual reflectia o espírito que os animava – Fazer cumprir a Lei, sem esquecer nunca que os autóctones com quem se cruzavam e que procuravam viver em paz com Portugal, eram pessoas, independentemente da raça ou cor e como tal teriam de ser respeitadas.
Regressou a Lisboa em Maio de 1970 consciente de ter cumprido a missão que lhe tinha sido atribuída.
(Extraído da História da Companhia)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18479: Convívios (847): XXXV Encontro do pessoal da CCAÇ 2317, dia 9 de Junho de 2018, no Restaurante Santa Luzia - Fátima (Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf)
Carlos, boa noite,
A Companhia de Caçadores 2381 - Os Maiorais, embarcou no Niassa no dia 1 de Maio de 1968 com destino à Guiné, ou seja, vai fazer cinquenta anos de embarque.
No dia anterior, os militares da Companhia receberam a farda de camuflado, assistiram à Missa, ouviram um sermão carregado de patriotismo e desfilaram pela cidade de Abrantes ao som da fanfarra, tendo como companheiros o pessoal da C.Caç 2382 e C.Caç 2383. Tiveram direito a almoço melhorado e partiram ao principio da noite para a estação do Comboio com destino a Lisboa, onde chegaram no outro dia de manhã. O comboio foi parando pelo caminho para receber mais carne para canhão.
O Niassa estava à nossa espera e depois de mais um desfilo e um discurso inflamado de um militar de gordos amarelos nos ombros, o barco, pelas 10 da manhã, arrotou violentamente. Levantou ferro, carregado como um burro e só parou às portas de Bissau.
Felizmente, cerca de dois anos depois não se esqueceu de voltar a Bissau para trazer o pessoal que restava. Agora somos poucos. Três ficaram lá a regar aquela terra inóspita, trinta e cinco foram feridos e muitos deles anteciparam o regresso. Os que restam e tem saúde e condições físicas e monetárias encontram-se todos os anos desde 1990 para comemorar. Muitos já ficaram pelo caminho, outros não conseguimos localizá-los, outros nem querem ouvir falar da Guiné e ainda há os que por razões monetárias, falta de apoio familiar ou por razões profissionais perderam o rasto e não aparecem.
Seria um prazer imenso para os Maiorais encontrarem-se todos este ano em Abrantes no quartel. Aqui deixamos o apelo.
Venham daí.
José Teixeira
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CCAÇ 2381 "OS MAIORAIS"
Chegou à Guiné a 6 de Maio de 1968, proveniente de Abrantes.
Seguiu directamente para Ingoré, no norte, onde se instalou até meados de Julho, tendo efectuado aí o treino operacional.
Foi deslocada para Aldeia Formosa no sul da Guiné, onde teve, como missão, fazer escoltas de segurança às colunas-auto com mantimentos entre Aldeia Formosa, Buba e Aldeia Formosa, Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a auto defesa de Aldeia formosa, Mampatá e Chamarra.
Em Janeiro de 1969 seguiu para Buba.
A sua missão desdobrou-se na protecção ao pelotão de Engenharia que procedia aos trabalhos de abertura da nova estrada entre Buba e Aldeia Formosa e os trabalhos de combate à penetração do inimigo na área de defesa local.
Completou a sua missão na Guiné, a partir de Maio de 1969 até ao regresso em Maio de 1970, no Sub-sector de Empada, por cujo comando foi responsabilizada, tendo mantido dois grupos de combate em Buba até Dezembro do mesmo ano.
Os principais objectivos globais da actividade desenvolvida em teatro de guerra foram:
- Evitar o alastramento da subversão e atrair as populações à defesa comum dos objectivos por que se lutava em nome da Pátria.
- Garantir a protecção necessária às populações. Verificar e ajudar na sua auto defesa.
- Escorraçar o inimigo, criando-lhe um clima de insegurança e enfraquecê-lo nas suas capacidades, quer morais, quer operacionais e anímicas.
- Garantir o reabastecimento com segurança e eficiência a Aldeia Formosa, Gandembel, Mampatá e Chamarra, através de colunas auto e ou protecção às mesmas.
- Garantir a segurança aos homens e máquinas que dinamizavam o projecto de abertura da nova estrada de Buba para Aldeia Formosa, não permitindo nesta sua acção, que o Inimigo contrariasse o espírito de incrementar melhoramentos no modo de vida das populações, que o governo da Colónia estava a desenvolver.
Aplicou-se com garra e dinamismo para atingir as missões que lhe foram atribuídas, com o cuidado necessário para regressar completa, como era o seu sonho e compromisso de partida.
Recebeu várias referências honrosas dos comandos a cujas ordens serviu, das quais se salienta o seguinte louvor:
"Louvo a CCAÇ 2381 pela sua actuação no sub-sector de Empada, o qual mantém devidamente controlado pela persistente tenacidade do seu Comandante. E não é de estranhar o valioso contributo que deu à luta por uma GUINÉ MELHOR, no período em que esteve dependente do BCAÇ 2892, uma vez que antes disso, sempre demonstrou nas inúmeras acções em que esteve empenhada, desde o início da sua Comissão na Província, em 6 de Maio de 1968, possuir em alto grau espírito de missão. Tendo actuado no Norte da Guiné e depois na Zona Sul, na maioria dos sub-sectores do “S- 2” e em Gandembel, evidenciou através dos seus valiosos combatente, sacrifício, coragem e muita abnegação em todas as missões em que foi incumbida.
Por tudo isto e na hora da sua partida para a Metróple, bem merecem Oficiais, Sargentos e Praças da CCAÇ 2381, serem lembrados como exemplo, aos camaradas que depois deles continuam a luta pela causa comum".
O.S. nº 37 de 11de Fev./70 do BCAÇ 2892
Infelizmente não foi possível cumprir o objectivo principal que se propunham atingir – o de voltarem todos à mãe Pátria.
Lamenta-se a morte de dois combatentes em missão e um por acidente, para além de 35 feridos, alguns dos quais tiveram de ser evacuados para Lisboa.
Do seu historial de combate, regista-se:
- Montou 405 emboscadas
- Fez 93 escoltas a colunas auto com mantimentos ou de construção da estrada de Buba.
- Participou em 479 Patrulhas e em 15 Operações de Guerra.
- Capturou cerca de meia tonelada de diverso material de guerra.
O Inimigo também não deu tréguas:
- Sofreu 50 ataques a aquartelamentos e 16 emboscadas, dos quais resultaram os mortos e feridos acima mencionados.
“OS MAIORAIS”, totem com que se identificavam os seus homens, durante a Missão na Guiné, tinham como lema “Pela Lei e pela Grei”, o qual reflectia o espírito que os animava – Fazer cumprir a Lei, sem esquecer nunca que os autóctones com quem se cruzavam e que procuravam viver em paz com Portugal, eram pessoas, independentemente da raça ou cor e como tal teriam de ser respeitadas.
Regressou a Lisboa em Maio de 1970 consciente de ter cumprido a missão que lhe tinha sido atribuída.
(Extraído da História da Companhia)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18479: Convívios (847): XXXV Encontro do pessoal da CCAÇ 2317, dia 9 de Junho de 2018, no Restaurante Santa Luzia - Fátima (Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf)
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18332: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (31): Abrantes, sede do antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2, mais tarde Escola Prática de Cavalaria (2006) e hoje Regimento de Apoio Militar de Emergência
Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 > Hoje Regimento de Apoio Militar de Emergência
Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 > Já foi Escola Prática de Cavalaria (2006)
Fotos: © Manuel Traquina (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Na foto, em primeiro plano, o nosso camarada Otacílio Luz Henriques, a caminho da "peluda"...
Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Abrantes > RI 2 - Regimento de Infantaria 2 > 1969 > Vista aérea.
Foto: Unidades do Exército Português > Regimento de Infantaria nº 2 (página de Nuno Chaves, em construção) (com a devida vénia...)
Para aqueles que passaram pelo Regimento de Infantaria de Abrantes vão estas fotos.
O RI2, como em tempos o conhecemos, e por onde passaram largos milhares de militares, agora virou RAME - Regimento de Apoio Militar de Emergência.
Com um número de militares muito reduzido em relação aos tempos de guerra, foi já também Escola Prática de Cavalaria [, em 2006].
2. Comentário do editor LG:
No seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" [Edições Palha de Abrantes, 2009), o Manuel Traquina tem um pequeno capítulo dedicado ao RI 2. unidade que mobilizou a sua companhia, a CCAÇ 2382...E dai partiram para a Guiné... O Manuel Traquina "jogava em casa", já que era natural do concelho (, Souto, a 20 km da sede)...
Sobre a sua terra diz o seguinte:
"Curioso é que ainda hoje a cidade de Abrantes seja lembrada por muitos que por aqui passaram e, também, por alguns que aqui arranjaram madrinha de guerra, namorada e noiva... casaram e por aqui ficaram" (p. 31).
Meu caro Manuel, a minha companhia, a CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) foi mobilizada pelo RI 2. Aliás, éramos meia dúzia de gatos pingados (graduados e especialistas, uma meia centena). Formámos companhia, tirámos a Escola Preparatória de Quadros e fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, também "à pedrada", como vocês, no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM), que ficava no concelho vizinho de Constança... A cerimónia de despedida foi junto à capela do CMSM, E dali fomos diretamente, de comboio (, tenho a ideia que de noite, quase como "clandestinos"...) para o Cais da Rocha Conde de Óbidos. Embarcámos no T/T Niassa em 24 de maio de 1969...
Da tua terra, Abrantes, não tenho memórias, desse tempo. Ou varreram-se-me as memórias, de todo.. Posso dizer que passei por Abrantes como cão por vinha vindimada... com os (des)acordes da fanfarra do RI 2 muito ao longe...
3. Recorde-se que o Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes [, foto atual, acima]. Aliás, nasceu no Souto, Abrantes, em 1945.
Frequentou o Curso de Sargento Milicianos (CSM), nas Caldas da Rainha, no 1º trimestre de 1967. Em 30 de Março, dava início à especialidade de Mecânico Auto, na Escola Prática de Serviço e Material (EPSM), em Sacavém. Fez ainda estágio no Centro de Instrução de Condutores Auto nº 3 (CICA3) em Elvas. Em finais de Agosto, é transferido para o Depósito Geral de Material de Guerra (DGMG), em Beirolas. Quinze dias depois, a 13 de setembro, é mobilizado para a Guiné. A 19 de fevereiro de 1968, apresenta-se no RI 2, em Abrantes, a fim de integrar a CCAÇ 2382. Passados dois meses e meio, a 1 de Maio de 1968, parte no Niassa, com destino a Bissau, aonde desembarca a 6.
2. Comentário do editor LG:
No seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" [Edições Palha de Abrantes, 2009), o Manuel Traquina tem um pequeno capítulo dedicado ao RI 2. unidade que mobilizou a sua companhia, a CCAÇ 2382...E dai partiram para a Guiné... O Manuel Traquina "jogava em casa", já que era natural do concelho (, Souto, a 20 km da sede)...
Sobre a sua terra diz o seguinte:
"Curioso é que ainda hoje a cidade de Abrantes seja lembrada por muitos que por aqui passaram e, também, por alguns que aqui arranjaram madrinha de guerra, namorada e noiva... casaram e por aqui ficaram" (p. 31).
Meu caro Manuel, a minha companhia, a CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) foi mobilizada pelo RI 2. Aliás, éramos meia dúzia de gatos pingados (graduados e especialistas, uma meia centena). Formámos companhia, tirámos a Escola Preparatória de Quadros e fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, também "à pedrada", como vocês, no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM), que ficava no concelho vizinho de Constança... A cerimónia de despedida foi junto à capela do CMSM, E dali fomos diretamente, de comboio (, tenho a ideia que de noite, quase como "clandestinos"...) para o Cais da Rocha Conde de Óbidos. Embarcámos no T/T Niassa em 24 de maio de 1969...
Da tua terra, Abrantes, não tenho memórias, desse tempo. Ou varreram-se-me as memórias, de todo.. Posso dizer que passei por Abrantes como cão por vinha vindimada... com os (des)acordes da fanfarra do RI 2 muito ao longe...
3. Recorde-se que o Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes [, foto atual, acima]. Aliás, nasceu no Souto, Abrantes, em 1945.
Frequentou o Curso de Sargento Milicianos (CSM), nas Caldas da Rainha, no 1º trimestre de 1967. Em 30 de Março, dava início à especialidade de Mecânico Auto, na Escola Prática de Serviço e Material (EPSM), em Sacavém. Fez ainda estágio no Centro de Instrução de Condutores Auto nº 3 (CICA3) em Elvas. Em finais de Agosto, é transferido para o Depósito Geral de Material de Guerra (DGMG), em Beirolas. Quinze dias depois, a 13 de setembro, é mobilizado para a Guiné. A 19 de fevereiro de 1968, apresenta-se no RI 2, em Abrantes, a fim de integrar a CCAÇ 2382. Passados dois meses e meio, a 1 de Maio de 1968, parte no Niassa, com destino a Bissau, aonde desembarca a 6.
Na Guiné, passou pelos seguintes aquartelamentos: Brá, Bula, Aldeia Formosa e Bula. Regressa a Portugal em Abril de 1970, no mesmo T/T Niassa.
Depois da ‘peluda’, trabalhou em Angola, no Serviço de Emprego. Regressa Portugal, em 1975, na sequência do processo de descolonização. Em Abrantes, foi técnico de emprego, do Centro de Emprego local. Está actualmente aposentado do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFO). Tem página no Facebook > Manuel Batista Traquina.
Publicou "Os Tempo de Guerra, De Abrantes à Guiné”, Edição Palha de Abrantes, 2009. E, mais recentemente,. em 2017, na Chiado Editora, "Angola que eu conheci: de Abrantes a Luanda"
Temos uma série sobre "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG" (*)
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Nota do editor:
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 27 de abril de 2017 > Guiné 63/74 - P17290: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30): Tavira, CISMI, onde há 48 anos frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos (António Tavares)
Vd. também 28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)
(...) Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou...
(...) Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou...
E fui.
Em Abrantes, estava mais perto de casa [, Ponte de Sor], o que me agradou.
Em Abrantes, estava mais perto de casa [, Ponte de Sor], o que me agradou.
Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.
Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto. (...)
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