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domingo, 17 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22638: Memória dos lugares (427): Coimbra, cemitério da Conchada, onde repousam os restos mortais do alf mil António Maldonado, morto em combate em Porto Gole, em 4/3/1966 (João Crisóstomo)


Foto nº 5 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Jazido da família de Maria Conceição Maia Antunes. leirao nº 15, nºs 9 e 10. Placa que foi posta na frente, na parede exterior do jazigo, e onde se lê: "Alferes António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, morto em combate na Guiné em 4.3.1966".

 
1. Mensagem, com data de 23 de setembro último, enviada pelo João Crisóstomo, o nosso camarada luso-americano que está de visita à sua Pátria, tendo logo nos primeiros dias ido a Coimbra, a casa de uns amigos, com quem está ligado "por mor de Timor"... Aproveitou para ir ao Bussaco e ao cemitério da Conchada, em Coimbra, à procura do túmulo do nosso camarada António Maldonado, morto em combate em Porto Gole, na Guiné, em 4/3/1966, e que era natural de Coimbra.

O Eduardo Jorge Ferreira (1952- 2019) veio-me à memória outra vez quando visitei o Bussaco. Lá encontrei uma evocaçãoda batalha do Vimeiro, de cuja “reencarnação" o nosso saudoso Eduardo era o um dos interprtes mais entusiastas,. Incluo uma foto dessa pedra onde a evocação da batalha aparece. (Foto nº 1).



Foto nº 1 - Mealhada > Buçaco > Antigo Convento de Santa Cruz do Buçaco > Placa alusiva a Arthur Wellesley, 1.º Duque de Wellington que, no contexto da Guerra Peninsular, em 1810, que comandou as forças anglo-portuguesas contra as do general francês André Massena na batalha do Buçaco, e que esteve ali hospedado.

 

Mas isto foi só a "ponta do fio”. Uma vez que ia a Coimbra, pois queria ver o barco de Timor onde, já faz quatro anos, estão dois contentores cheios de coisas para a escola de S. Francisco de Assis que tanta falta fazem nessa escola e aos seus alunos, eu lembrei-me de ir visitar um nosso antigo  camarada, o infeliz Maldonado. Nunca o cheguei a encontrar pessoalmente na Guiné, mas a sua vida e morte cruzaram-se comigo, conforme posts 22131 e 19517 , em que ele é mencionado pelo Jorge Rosales.

Pelo que depreendo,  o Rosales esteve em Porto Gole até 1964. Porto Gole era um dos destacamentos a que pertencia ao (ou estava a cargo do)  Enxalé, embora os comandantes destes destacamentos fossem de outros unidades ou em rendição individual. 

Quando o Rosales saiu de Porto Gole quem o devia ter substituído era o Maldonado. Que por sua vez iria ser substituído pelo Henrique Matos. Mas por razões que desconheço, o Maldonado não veio logo e, como sucedia com Missirá, antes da chegada dos alferes Marchand e depois Beja Santos, nestes casos o Enxalé servia de “tapa-buracos”. Em ambos os casos ( Missirá e Porto Gole) eu desempenhei esse papel de tapa-buracos mais que uma vez. Estive em Porto Gole umas semanas e, quando o Maldonado estava para chega,  eu voltei ao Enxalé, sem nunca o ter encontrado pessoalmente ( ou pelo menos eu não me lembro dessa “rendição”.)

Uma semana ou duas depois do Maldonado chegar, o destacamento de Porto Gole foi alvo dum ataque violento por parte do IN e o infeliz Maldonado foi atingido por uma granada de morteiro 82 que lhe causou morte quase imediata. 

Por razões que desconheço fui instruido para voltar para Porto Gole mais uma vez, onde fiquei até que o Henrique Matos, do Pel Caç Nat 52, chegou, para assumir o comando desse destacamento. Mas …não me posso esquecer que podia ter sido eu no seu lugar, como podia ter sucedido em outras ocasiões em que as vítimas estavam mesmo a meu lado, como no caso do Queba Soncó em 1966 ou logo no início da minha estadia na Guiné em Agosto de 1965 na operação Avante.



Foto nº 2 -  Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Talhão dos combatentes, naturais de Coimbra


Foto nº 3 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Lápide fúnebre, evccativa da memória dos  antigos combatentes. Liga dos Combatentes, Núcleo de Coimbra, Talhão dos combatentes: 

"Silêncio… Névoa… Campos sepulcrais 
Ali dormem soldados de alma forte.
Deram à Pátria e vida num transporte
Que foi o seu Deus p’ra nunca mais

Eram Homens… Tornaram-se imortais
Souberam dominar a própria morte.
Na guerra todos são irmãos na sorte!
Na sepultura todos são iguais."



Foto nº 4 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 >
Jazido da família de Maria Conceição Maia Antunes, onde foi inumado o António Maldonado, leirao nº 15, nºs 9 e 10

 
Foram estas considerações que me levaram a procurar o cemitério da Conchada em Coimbra. Depois de longa e repetida exposição do que pretendia, consegui convencer a pessoa que se encontra na administração do cemitério a procurar o nome do nosso Maldonado que foi encontrado depois de longa procura. Encontra-se no “ leirão" 15, número 9 e 10 deste leirão. (Foto nº 4).

Foi um encontro duro e emocionante para mim. Na pessoa dele eu revia e lembrava o Mano, o Abna na Onça ,o Queba Soncó, o Açoriano e tantos outros que acabaram a sua vida nas terras da Guiné e outros que voltaram mas que também da lei da morte já se libertaram: os Zagalos, os Pires, os Rosales, os Eduardos…

Saí do cemitério em busca de umas flores; e foi pensando em todos aqueles nossos camaradas para quem a memória dos nossos falecidos é algo sagrado que deixei este pequeno ramo de flores na porta/entrada do jazigo onde se encontram os restos mortais do Maldonado (Fotos nºs 5 e 6). Naquele momento o Maldonado não era ele só, mas todos aqueles irmãos nossos , mortos em qualquer situação, incluindo os nossos camaradas nativos que foram vítimas de represálias, depois de já termos deixado terras da Guiné; e por eles todos "elevei o meu pensamento”,  independentemente da sua raça, religião e posição ideológica.



Foto nº 5 - Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Pequeno ramo de flores o melhor que pude arranjar) que deixei em nome de todos nós, conforme se pode ler no improvisado “cartão" (Vd. Foto nº 6)


 Foto nº 6 > Coimbra > Cemitério da Conchada > 22 de setembro de 2021 > Ramo de flores depositado à pporta do jazigo da família do Maldonado: "Ao Maldonad com saudades. Os teus amigos e camaradas da Guiné, 22/9/2021". 

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Entretanto o Gaspar Sobral e esposa (, meus amigos, ligados à causa de Timor, ele timorense e ela natural do Sabugal) tinham encontrado uma área grande onde descobriram que "todos as sepulturas são de militares; mas todas as sepulturas são iguais…" E logo me dirigi a esse lugar do cemitério. (Foto nº 2).

Verifiquei que todos aquelas sepulturas ( um total de 75 ) são de militares da região de Coimbra que prestaram serviço nas diversas campos de acção fora de Portugal territorial em Angola, India, Moçambique etc, mas a grande maioria era de militares que estiveram na Guiné. Soldados, sargentos e oficiais de todos as patentes... Na base dum pequeno monumento aí erguido está gravado: "na guerra todos são irmãos na sorte; na sepultura todos são iguais." (Foto nº 3).
Voltei , mas o resto do dia foi um contínuo reviver. (*)

João Crisóstomo



Guiné > Bissau > Praça do Império > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales mais o Maldonado, junto ao monumento "Ao Esforço da Raça" ...

De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, morreu no dia 4/3/1966. Natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada. Pertenceu à 1ª CCAÇ / BCAÇ 697 (Fá Mandinga, 1964/66). (**)

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22520: Memória dos lugares (426): Paço, União das Freguesias de São Bartolomeu dos Galegos e Moledo, Lourinhã, inaugura o seu monumento aos antigos combatentes (46 no total estiveram presentes nos vários teatros de operações do séc. XX, da I Grande Guerra à Guerra do Ultramar)

(**) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2019 > uiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22241: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXa: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Praça do Império > Monumento "Ao Esforço da Raça! > Novembro de 1965 > Dpsi alferes que estuveram em Porto Gole : o Alf António Maldonado, falecido no ataque de 3 de Março de 1966, descrito a seguir; e o Alferes Jorge Rosales, que esteve 18 meses neste destacamento de Porto Gole, antes da chegada da CCaç 1439 a Enxalé. Comforme escreveu onosso saudoso  Jorge Rosales (1939-2019):  "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, era natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: João Crisóstomo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Junto do monumento de Porto Gole,  (i) de pé, 
da esquerda para a direita, Alf Sousa; Alf Crisóstomo e furriel Bonifácio;  (ii) sentados da direta para a esquerda. Furriel Neiva e Alf Matos  e na esquerda  um condutor da CCaç 1439, de quem me não lembro o nome.


Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Sem desprimor para os aqueles que não posso identificar , pode-se ver no canto direito fazendo exercício de preparação o Furriel Eduardo, profissional de futebol em Portugal ; e em primeiro plano,  embora me lembro de todos eles , não consigo alguns nomes: de pé da esquerda para a direita : eu, Furriel Bonifácio, e no meio o Manuel Açoreano. Esta é a única foto que tenho dele, bem identificável. era o único soldado não madeirense e foi vítima duma mina no dia 6 de Outubro de 1966.



Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Um dos “abrigos' de Porto Gole ; o João, do Bombarral  (padeiro  em Porto Gole)  e eu numa altura em que tinha tempo para tudo, até para deixar crescer a barba…


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  A cozinha e a padaria ( o edifício branco ) de Porto Gole . Na caso de dúvida, o indivíduo de pé , de mãos nos quadris sou eu.

Fotos (e legtendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)




CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, 
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXa:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole 

 

Porto Gole e Missirá eram os dois “destacamentos” de Enxalé. Em princípio os quatro pelotões e seus alferes eram supostos revezarem-se -se em estadias de um mês nestes destacamentos.

Para o destacamento de Porto Gole porém  havia quase sempre um alferes de outras origens que não era o Enxalé, como se pode ver pela presença  do Alferes Jorge Rosales,  antes de nós  e durante o nosso tempo a presença do Maldonado, António  Carvalho e Henrique Matos. Quando por qualquer razão isso  não sucedia,  então a CCaç 1439 no Enxalé  preenchia a lacuna até esta ser de novo  atendida. Esta foi   a razão  porque estive em Porto Gole várias vezes durante a minha comissão na Guiné.   

Quanto às estadias, que supostamente eram de um mês, nunca sucedeu assim e  demoravam mais ou menos tempo conforme  a situação e  circunstâncias o permitiam ou exigiam. Houve mesmo ocasiões,  embora de pouca duração   em que tanto Missirá como Porto Gole estiveram algum tempo sem tropas regulares, ficando a segurança das mesmas entregues aos Régulos, os  respeitados Abna na Onça em Porto Gole e Malan Soncó em Missirá,  com  suas milícias de nativos.

Não sei sequer em que data estive em Porto Gole pela primeira vez. Da minha primeira estadia lembro da minha surpresa por ir encontrar em  Porto Gole várias casas tipo europeu, onde cabo-verdianos e mesmo portugueses que no passado faziam a sua vida aqui e  que agora apareciam ocasionalmente. Havia  um Posto Administrativo  que servia também de  residência para o encarregado deste,  um Cabo-verdiano e sua família; uma "Casa Gouveia"    para o comércio do arroz  que era  abundante  na região..  

 O Régulo de Porto Gole, Abna  na Onça era um indivíduo enorme em estatura e  importância:  a sua autoridade era respeitada  e temida  no grande número de  tabancas  da  vasta região predominantemente  da etnia balanta, embora a sua influência se estendesse mesmo em áreas de outras etnias e com outros régulos. Abna  na Onça  nunca perdoou que logo no início das hostilidades  as forças do PAIGC  lhe tivessem roubado duas  das suas dez mulheres e   elevado número de  cabeças de gado.  

E se a sua posição foi sempre a favor dos portugueses,  a partir desse momento declarou guerra sem quartel aos que queriam uma nova ordem e independência. Tinha uma milícia bem organizada, a nível  de pelotão  permanente em Porto Gole, alguns deles, se eram todos nunca o cheguei a saber, armados  com  espingardas Mauser fornecidas por Bissau. 

Do General Schul recebeu uma G3 e um relógio de pulso de ouro  que ostentava com orgulho, assim como  o título de "Capitão de Segunda.”  Exercia autoridade  completa  na grande    extensão  do seu domínio num total estimado de cinco mil balantas, passando julgamentos e veredictos que eram  respeitados e aceites sem qualquer discussão. Mais do que uma vez ouvi dizer da vinda de indivíduos que se apresentavam para receber os castigos impostos, por vezes   dolorosas reguadas nas palmilhas dos pés aplicadas com uma régua  especial que tinha para o efeito.

Não faltava espaço e lembro que havia mesmo um improvisado campo de futebol que nos ajudava a esquecer problemas e passar  o nosso tempo

 Não me recordo quanto tempo fiquei, mas ao fim da minha primeira estadia tinha já um bom relacionamento pessoal com ele. Vim a saber mais tarde que o mesmo sucedia já antes de eu chegar, a ajudar pelo testemunho deixado  neste blogue. No poste  P19517 lê-se:

"(i) o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg.

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias admin, todos eles residentes em Porto Gole"

 


Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67)  > N
ão me lembro dos nomes: dois sargentos ( do quadro)  a meu lado;  do lado esquerdo furriel Tony e o filho do encarregado do posto.No lado direito de costas Abna na Onça, um cabo-verdiano, encarregado do posto e sua esposa 


Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > Eu e o Abna na Onça em Porto Gole


Foto nº 8 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > O 
 Abna na Onça com o capelão militar do BII 1888  no dia em que a Cilinha  do MNF visitou Porto Gole .

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foi um choque grande para mim quando soube da morte de Abna na Onça.  Como  havia sucedido com o Alferes Rosales que me precedeu em Porto Gole,  também eu tinha já um bom relacionamento, direi amizade  com ele.  

Pelo que compreendi  a estadia  de Rosales em Porto Gole  era a título  permanente; depois de  Rosales acabar o seu tempo,  Enxalé continuou  encarregado de Porto Gole, mas como expliquei atrás,  em princípio  nós revezavamo.nos cada mês um pelotão à vez e houve durante o nosso tempo três alferes que não eram da CCaç 1439 que vieram para Porto Gole.  Na realidade os alferes da CCaç 1439  em Porto Gole eram mais um  "tapa buracos” ; mas como estes foram frequentes e longos , estivemos  lá bastantes vezes.

Antes de copiar o que consta sobre o primeiro ataque a Porto Gole, em 3 de março de 1966, quero deixar  algumas recordações   que tenho de Abna na Onça e outras memórias de Porto Gole que acho pertinentes.

Depois do  fatídico ataque IN a Porto Gole , durante o qual faleceu o Alferes Maldonado, o Capitão Pires chamou-me; que devido às circunstancias não tinha outra alternativa  senão que eu voltasse para Porto Gole  com o meu pelotão, até que o Batalhão  encontrasse solução definitiva.

Voltei e soube então que o Alferes Maldonado tinha pensado em construir uma pista de aterragem  mesmo junto a Porto Gole. Não sei se chegou a falar disso a alguém ou não. O  facto  é que havia uma grande superfície plana que se propiciava perfeitamente para isso.  Eu nunca tinha pensado nisso antes , mas via que era possível e muito útil. O correio que recebíamos em Porto Gole era  simplesmente  deixado cair duma  avioneta e  depois recuperado nessa área; e a construção de uma pista de aterragem além de  muitas outras vantagens,  ajudaria a  quebrar o sentido de muito isolamento a que estávamos sujeitos.

Matutei sobre isso muito tempo: para fazer uma pista de aterragem eu ia precisar de  ajuda  pois haviam algumas árvores grande que era preciso arrancar  e isso ia exigir  maquinharia apropriada. E talvez eu devesse consultar  primeiro o Capitão Pires e mesmo o Batalhão. Mas pensei, se eu lhes falar depois de o terreno já estar limpo,  talvez eles aceitem a idéia  com  maior facilidade.    Sei que um  dia resolvi falar sobre isso  com Abna na Onça, não só porque precisava da ajuda dele no caso de querer concretizar a idéia , como para o fazer sentir que respeitava a sua autoridade; ao fim e ao cabo  ele era o Régulo  da região.

 Se ele já sabia da idéia não me disse, mas mostrou-se  entusiasmado. Perguntei-lhe o que pensava,  decidido a falar depois com o capitão Pires  para alguma ajuda.   Eu pensava que ele ia dizer que  pelo menos seria preciso dar de comer a quem quer que viesse trabalhar na capinagem da extensa superfície. Mas não era o caso. Que  Porto Gole era uma terra muito importante e com  um campo de aviação ia ser mais importante ainda. Que eu arranjasse maneira de dar água  para beber  aos  homens  e  que o resto era com ele.  Perguntei-lhe então e ele disse logo que sim à minha idéia de pôr  um jeep com um bidão   a acartar água da povoação para o local. E à minha sugestão de enviar uma secção de soldados para fazer segurança, ele respondeu categoricamente que não. Que  eu estivesse descansado que se o IN  viesse atacar ele ia saber antes disso acontecer.

No dia combinado, que foi três dias depois,  quando fui ao local já  aí estavam umas dezenas de  homens.  à espera e  continuaram  a aparecer mais e mais… Quando o capitão Abna na Onça apareceu havia uma multidão  que eu avaliei em cerca de duzentos a trezentos homens, todos  com catanas.    

No momento em que   ele falou fez-se  um silêncio total, mas mal ele acabou de falar foi um  sussurro geral, parece que todos falaram ao mesmo tempo. Eu não soube o que disse , mas o resultado foi formarem imediatamente uma linha numa extensão enorme e a descapinagem  e o corte de tudo o que era arbusto e  árvores de pequeno porte começou.  Eu só ouvia um  murmúrio aqui e ali  e a voz  forte de  Abna na Onça : Kuá , Kuá, Kuá… que ainda hoje não sei o que quer dizer, mas o que quer que fosse era um poderoso motivador.   Nos dois dias seguinte foi a mesma coisa e o campo ficou a secar. Passados algum tempo  o meu pelotão voltou a Enxalé sem termos  feito mais nada no terreno.  

Pelo que  soube ainda recentemente,  durante bastante tempo  não  sucedeu nada no respeitante ao campo de aterragem.   Mais tarde  houve “reorganização militar do terreno"  e   Porto Gole deixou de ser  dependente  de Enxalé,  passando a ser  a sede duma companhia e Enxalé passou a  depender de Xime.  Deve ter sido nesta altura que houve novos trabalhos de preparação do terreno, pois algum tempo depois houve uma “Dornier” que   fez uma aterragem de emergência nesta pista e depois conseguiu levantar   de novo e prosseguir voo.

 (Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)


Cascais > Alcabideche > Cabreiro > Restaurante A Camponesa > 24 de Novembro de 2011 > Almoço de convívio da Tabanca da Linha >  O régulo e o almoxarife Jorge Rosales  que tratava da "bianda da Tabanca da Linha"... Era ele que tinha a rede de contactos... E sobre a bianda lá na Guiné, contou.nos o seguinte, no nosso blogue:

"Na minha memória,recordo-me que uma vez o barco não entregou farinha e fermento, e aí é que foi um problema, porque faltava o casqueiro!!! Fomos buscar ao Geba  pequenas pedras, que serviram para acompanhar o molho.

"Este grupo tinha o Alface, sargento do quadro, que com o seu "saber" safava-nos sempre nos dias mais dificeis, Aí aprendi, ou refinei, o espirito de equipe, que resolve tudo"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Carreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Um momento de grande camaradagem, captado pela câmara do Manuel Resende: o alfabravo entre o Jorge Rosales e o Armando Pires, dois homens de afetos.

Sobre o Jorge, escreveu o Armando (****):

"Já não sei pela mão de quem, fui ao almoço da Tabanca da Linha. Conhecia uns dois ou três dos presentes e os outros foram-me sendo apresentados.Já estávamos dos digestivos, iam-se misturando as histórias do passado, quando um decidiu incluir-me como actor de uma bravata por ele imaginada.

Senti necessidade de sair por ser mais forte o meu respeito por todos. Foi quando a tua mão forte pousou suavemente no meu ombro, e na tua voz serena me disseste, 'tem calma, Armando, a malta aqui da Linha conhece o gajo, é um inventor, ninguém acredita nas coisas que o gajo conta'...

O teu gesto, Jorge, tornou-se marca indelével de ti. A um grande Homem bastam pequenas coisas para o tornar admirado, respeitado. À admiração e ao respeito fui somando a amizade que te ganhei. Gosto de ouvir quando ao telefone me dizes: 'Armando, sabes quem fala? É o Jorge, o Rosales, estás bom Armando?'

E sinto até o vazio dos anos, tantos anos, que tardei em te conhecer. Ainda bem que te conheci, Jorge. Hoje fazes anos. Leva um profundo abraço meu. É o melhor de mim que tenho para te dar."



Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Da esquerda para a direita, a Gisela (a única camarada presente), o Luís Graça (editor do nosso blogue), o "comandante" Jorge Rosales (, "régulo" da Tabanca da Linha) e Miguel Pessoa (, herói da FAP, que a FAP nunca reconheceu...)

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


27.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos > Junqueiro > Hotel Riviera > 22 de setembro de 2016 > Quatro dos 'magníficos': da esquerda para a direita, Juvenal Amado, Jorge Rosales, Armando Pires e Mário Fitas.

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Jorge Rosales, régulo da Tabanca da Linha, ainda do tempo do caqui amarelo (1964/66) e a Giselda Pessoa, a primeira mulher a quem começámos a tratar, por direito próprio, como camarada, na sua qualidade de enfermeira paraquedista no TO da Guiné (1972/74).

Foto: © Manuel Resende (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos> Hotel Riviera > 21/1/2016 >  Almoço-convívio > .Os manos Rosales, Jorge e José. Foto rara...

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >  Dois veteranos... da Guiné e dos nossos encontros: o Virgímio Briote e o Jorge Rosales... (Infelizmente, o último encontro da Tabanca para o Jorge!)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Jorge Rosales nunca foi um hiomem de escritas. Era um homem da fala e dos afetos.  E um líder nato, um organizador, um agregador... Sem ele, nunca a Tabanca da Linha teria provavelmemte nascido e crescido... E foi, na juventude, um grande desportista... Começou nos Salesianos (que estão no Estoril desde 1931).

Recordo-me da primeira vez que o "conheci",  ao telefone. Ligou-me na tarde dia 9 de junho de 2009, há cerca de 10 anos atrás...

- Sou o Jorge Rosales,  tenho  69 anos de idade ,  vivo  no Monte Estoril / Cascais, e estive em Porto Gole, e 1964 a 1966. (*)

Fiquei a saber que falava ao telefone com o Henrique Matos,  o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52, que  esteve a seguir a ele em Porto Gole, entre 1966 e 1968. Falei-lhe do Abel Rei (1967/68), que era mais novo, e que ele naturalmente não conhecia...

O seu objectivo era, muito simplesmente, o de poder ainda inscrever-se , a tempo, no  IV Encontro Nacuional da Tabanca Grande,  em Ortigosa. Naturalmente que eu assegurei automaticamente a sua presença. Foi  o nosso participante nº 96. 

Soube também que ele era o pai da Doutora Marta [Vilar] Rosales, mnha colega (ISCTE e FCSH/UNL), douorada em antropologia (2007), investigadora do ICS- Instituto de Ciências Sociais.  De resto, o Jorge falava dos filhos sempre com um brilhozinho nos olhos. Além da Marta, tinha o Tiago, bancário. E era um homem que se preocupava com a saúde da saúde da sua esposa.

Pude fazer então uma primeira apresentação do nosso novo camarada,  que me disse ter muitas fotografias do seu tempo de comissão de serviço na Guiné e que as iria  levar consigo, para o IV Encontro (***).

(i)  o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg. 

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole;

O Jorge Rosales, em  agosto de 1964, em Porto Gole,
com o seu guarda-costas bijagó.
(vi) nesse dia o destacamento de Bissá foi abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário. 'Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné', 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70);

O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas companhias de caçadores indígeas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). 

Ficou lá pouco tempo, em Farim, tavez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. 

Em Porto Gole possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era a  amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Craque de futebol, ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.


Guiné > Região de Bafatá > Destacamento de Porto Gole > 1964 > À esquerda da foto o soldado Alfredo Ramos, algarvio, segurando a macaquinha  “Gabriela” enquanto o allf mil Jorge Rosales prova o rancho. O Ramos foi colega de infância do Estorninho, e ficou com uma dívida de gratidão ao alferes Rosales (**).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte, entre as NT e o PAIGC, disse-me o Rosales. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). A nossa malta podia deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (o BART 645), que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e a ordem. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Enfim, singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). 

Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais.

Do outro lado, a nascente,  estava a CCAÇ 556, no Enxalé… Também conhece dois furrieís do Enxalé, de quem se tornou amigo. Também passou por Fá. E no final da comissão, esteve em Bolama, por onde passavam os periquitos… Conviveu com algumas companhias que, da ilha de  Bolama, partiam para operações no continente…


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Novembro de 1965 >  "Com o o meu amigo Alfero"...



Guiné > Bissau > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales junto ao Palácio do Governador... "Foto tirada pelo infeliz alferes Madonado".


Guiné > Bissau > Praça do Império > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales mais o Maldonado, junto ao monumento "Ao Esforço da Raça" ... "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de  Carvalho Maldonado, morreu  no dia  4/3/1966. Natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Fotos (e legendas): © Jorge Rosales (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (***)



No seu tempo (Março de 1966), morreu em Porto Gole o alf mil António Maldonado, que o veio substituir. O Maldonado, de Coimbra, estava em Bolama. Era alf mil da 1ª CCAÇ / BCAÇ 697. Eram amigos, tinham estado em Mafra. Tinham combinado revezar-se ao fim de um ano. O Maldonado vinha para Porto Gole e o Jorge ia para Bolama… No meio disto, há um coronel que vem dificultar o acordo de cavalheiros. Enfim, uma história que é preciso contar com tempo e vagar.

O Maldonado é morto num ataque violentíssimo a Porto Gole, depois de as NT terem feito um ronco nas áreas controladas pelo PAIGC… Ferido, aguardou em vão o heli que só podia vir de manhã. A mãe do Jorge foi ao enterro, em Coimbra. O cadáver foi rapidamente trasladado, contrariamente ao que acontecia na época. Esta morte de um camarada e amigo abalou-o.

Relativamente ao nosso IV Encontro Nacional, o Jorge estava entusiasmadíssimo com a ideia de poder encontrar malta de Bambadinca, Xime, Enxalé, Porto Gole, Fá... Queixava-se de estar isolado, de não ter ninguém do seu tempo, até pelo facto de ter ido, para o CTIG,  em rendição individual.

Isto passa-se em 2009, com ele já reformado de uma dessas empresas que faziam o reabastecimento de combustível aos aviões, no aeroporto de Lisboa. Alguma malta da TAP e da ANA deviam (re)conhecê-lo. Falei-lhe do Humberto Reis, do José Brás, do Alberto Branquinho, do Mário Fitas… Mas no aeroporto há milhares de pessoas a atrabalhar. Tem uma segunda habitação, no Couço, Coruche, sítio onde se refugiava quando podia.

Disse.me na altura que ainda acalentava a esperança  de voltar, à Guiné, com mais malta do seu tempo… Queria fazer parte do nosso blogue, que estava a  acompanha diariamente.

Tanto quanto sabemos morreu sem nunca poder realizar esse sonho, o de voltar à Guiné.

PS - Nunca escondeu de ninguém o seu orgulho de ter sido um antigo salesiano do Estoril. Tinha página no Facebook, aqui. Muitos tabanqueiros prestaram-lhe a última homenagem, em palavras simceras e sentidas. Não nos é possível reproduzí-las todas. Destaco o que escreveram o Manuel Resende e Manuel Joaquim. E recuperamos aqui um belíssimo texto do Zé Manel Dinis, de 2013.


2. Depoimentos:


Caros Magníficos,certamente todos estamos tristes pela partida do nosso amigo, camarada e comandante Jorge Rosales para uma viagem sem regresso. Não o veremos mais fisicamente por isso há que o recordar com as nossas festas, festas-convívio em que ele esteve sempre presente, com excepção do nº 20, altura em que foi operado ao aneurisma e problemas na coluna. Faço-lhe esta pequena homenagem com uma foto de cada convívio e estão numeradas de 1 a 39, correspondendo ao respectivo convívio

(2) Manuel Joaquim

Morreste-me, caro Jorge! De ti me despeço, querido amigo, profundamente chocado e dolorosamente emocionado pela tua partida.  E é já na saudade dos belos momentos de fraterno convívio que passámos juntos que relembro esse teu sorriso franco de que eu gostava tanto, sorriso algo tímido mas bem iluminado pelo brilho especial do teu olhar.

Pensando bem, para mim ainda vives e irás acompanhar-me no que resta do meu caminho, meu querido camarada da Guiné. E depois ... lá nos encontraremos no Absoluto do espaço e do tempo.
Até qualquer dia, Jorge!


Para os teus entes queridos vai a minha profunda solidariedade na dor.

(3) José Manuel Matos Dinis, em 7/10/2013,  na altura secretário da Magnífica da Tabanca da Linha (até 2016)

"O dia de aniversário do Rosales" (****)

 Don Rosales encantou-se pelo pré-cosmopolitismo da região entre Cascais e Estoril. Mas os laços só consolidaram, quando conheceu uma senhora de uma família tradicional de Cascais, por quem se apaixonou, e foi correspondido. Casaram, e decorridos pelo menos os meses que a natureza impõe, nasceu um robusto rapaz, a que se seguiu uma menina e outro rapazola. O primogénito foi rodeado de mimos, e veio ao mundo com seis quilos, setecentas e oitenta e cinco gramas, segundo dados oficiais da família. Chamaram-lhe Jorge, um nome distinto e com apetências imperiais.


Don Rosales assistia ao desenvolvimento do puto com indisfarçável orgulho, e cogitava, se houvesse mais uma dúzia daqueles matulões, garantia-se a si próprio, Portugal nunca se teria separado da Galiza.

Aos dez anos o meu pai deu-me um passe metálico, com fotografia, onde se colocava um bilhete semanal, e mandou-me estudar para os Salesianos do Estoril, a ESSA. Na minha turma andava um rapazito, também Zé, e de apelido Rosales. Tinha um irmão mais velho, que andava lá para os últimos anos do liceu, vestia-se à adulto, com casaco, levava uns cadernos debaixo do braço que lhe conferiam ar intelectual, e batia-me alarvemente, alegando que eu fazia macaquices ao irmão benjamim. Depois já não alegava nada, batia-me, porque sim. Jurei vingar-me.

Mais tarde, quando eu andava pelos dezassete ou dezoito aninhos, o meu clube de putos, o CAC, mas com grande aura na região, foi treinar algumas vezes contra o Estoril-Praia, clube mais ou menos referenciável em ambientes luminosos e dragonianos, fundado por um grupo de que se destacava um primo meu. Lá andava outra vez o Rosales, o tipo assanhado que eu, ainda lingrinhas, tinha que evitar no meio do campo. Por isso jogava a extremo-direito.

Havia dois defesas na equipe da Amoreira que, alternadamente, me calhavam em sorte, o Coropos, e mais escassamente, porque era direito, o Virgílio. Eram dois bulldozers, e a minha equipa fazia um futebol geométrico de grande efeito prático: antes de recebermos a chicha, já tínhamos que saber a quem a endossar. Era lindo, ver os canarinhos em corridas desenfreadas de um lado para o outro. No meio do campo amarelo, o alferes promovido a capitão levava as mãos à cabeça e clamava por calma.

Felizmente para eles, os jogos-treino não tinham espectadores, ou seriam varridos com saraivadas de pedras, sempre abundantes no topo norte. A vingança consumar-se-ia muito mais tarde, no Blogue do Luis Graça, onde voltei a encontrar a imponente figura, mas mais lento de movimentos, sem as fintas com jogo de cintura, e até umas artroses que lhe tolhem os lançamentos em profundidade.

Por isso aproveito esta magnífica ocasião gentil e solidariamente concedida pelo Boss, para vos dar conta do que o aniversariante tem ocultado de personalidade litigante.

Para não faltar à verdade, ainda acrescento que o dito Rosales foi campeão nacional de ténis de mesa, que se transferiu para a Académica, onde esteve quase a triunfar, se o Dr. Rocha tivesse mudado de ares, e posteriormente optou por ir defender a Pátria, e escolheu Porto Gole como destino de privilégio. Assessorado pelo Alface, distinguiu-se com virilidade e distinção. Também manteve relações próximas com o chefe local Abna Onsa, temido e fiel à NT, com quem consertava táticas e acções.

A vocação imperial que lhe estava destinada, tem-na praticado com visíveis resultados, em tascas, bares, e outros estabelecimentos de bebidas. Às vezes aparece em minha casa, sempre a dar ordens disfarçadas de perguntas gentis, do género Ó Zé, tens cá algum vinho bonzinho?

Com o óbvio desejo de lhe tornar a vida num castigo, daqui lhe apresento os parabéns, e o desejo longa vida.

JD [ José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

(**) Vd. poste de 23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7165: Estórias do meu amigo de infância Alfredo Ramos, ex-Sold Condutor Auto da CCAÇ 556 (Guiné, 1963/65) (Arménio Estorninho)

(***) Vd. postes de:

30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6501: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - I (Jorge Rosales)

1 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6511: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - II (Jorge Rosales)

(****) Vd. poste de 7 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12123: Parabéns a você (634): Bom dia, comandante Jorge Rosales!... Um feliz e magnífico dia de aniversário! (José Manuel Matos Dinis, Armando Pires, Beja Santos, Hélder Sousa, Luís Graça)

(*****) Último poste da série  > 19 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19508: In Memoriam (339): Jorge Rosales (1939-2019): morreu esta manhã o comandante, o cofundador e o régulo da Magnífica Tabanca da Linha... Velório na igreja de Stº António do Estoril, e funeral na sexta-feira, 21, às 14h30.